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Influência da publicidade na relação de consumo.

Aspectos jurídicos

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EVOLUÇÃO DAS NORMAS RELACIONADAS COM A PUBLICIDADE

Logicamente que os profissionais da publicidade lutaram até o último momento contra a regulamentação pelo Estado da publicidade, ou seja, todos que rodeiam o meio como agências, anunciantes, comerciantes, empresas, e diversos outros ofereceram, cada um como pode, resistência. Há aquela busca eterna do anunciante de eximir-se da culpa de tal efeito não correto à vista daqueles que buscam o direito. Inicialmente os profissionais da área publicitária aproveitavam e usufruíam o velho dito da "liberdade do pensamento e artística" 21, desprezando totalmente os riscos e efeitos maléficos aos consumidores, intrínsecos nas matérias publicitárias.

Como já dito nos primeiros capítulos, os conflitos entre os publicitários, que pregam sua liberdade de expressão, os que fazem parte do meio jurídico serão eternos, aqueles se sustentam que seu direito constitucional, que é a liberdade de expressão está sendo restringido, tornando-se assim uma verdadeira censura.

Adalberto Pasqualoto em sua obra Os Efeitos Obrigacionais da Publicidade no CDC, tomando por referência o Droit de la consommation (p.275), cita exemplos concretos:

" No Brasil, o argumento foi usado no já citado caso Nestlé, julgado em Porto Alegre, sendo rechaçado. Atualmente, as atenções estão voltadas para o Canadá, onde a Suprema Corte daquele país encontra-se às vésperas de julgar causa que envolve proibição de publicidade de tabaco na Província de Quebec, já decidida, contra indústria fumageira interessada, na corte provincial. Segundo Nicole L’Heureux, tanto a Carta canadense quanto a quebequense protegem a liberdade comercial, sendo necessária a submissão ao judiciário de qualquer restrição legal de um direito de liberdade. Tratando-se de liberdade comercial, porém, as cortes canadenses são menos exigentes, não substituindo a sua interpretação pela do governo, apenas contentando-se em exigir a demonstração de um interesse jurídico que justifique a limitação." 22

Chega-se a uma preliminar conclusão que a liberdade de expressar o que se pensa sem dúvida trata-se de um direito que a Carta Magna garante; deve-se, no entanto, por aquele que se expressa, principalmente para fim comercial, ser sabido que qualquer efeito nocivo de caráter moral ou material deverá o mesmo arcar com a devida responsabilidade. É o famoso conceito blakstoniano, segundo o qual: " cada homem livre tem o direito indubitável de expor como entender seus sentimentos perante público; proibir isto é destruir a liberdade de imprensa; mas se ele publicar notícias impróprias, nocivas e ilegais, deve assumir as conseqüências de sua própria temeridade" 23

Diga-se que o direito do uso da palavra é arcado com sua devida responsabilidade, a liberdade que se almeja é de ordem política em contrapartida a liberdade de anunciar, ou seja, é necessária a maior cautela ao lançar diante a população qualquer tipo de propaganda ou publicidade, haja vista cada homem possuir uma reação diferente e consequentemente a quem divulgou caberá total responsabilização. A justificativa do elo entre empresas e agências publicitárias reflete no lucro tão almejado por estes, ficando em planos inferiores os questionamentos quanto aos direitos políticos dos cidadãos.

Em face disto, como já destacado, faz-se necessário extrema fiscalização que imponha limites e resguarde a vulnerabilidade e ignorância das pessoas, vítimas deste desejo insaciável do mercado. Segundo Pasqualoto que divide este entendimento com Benjamin e Guido Alpa: "... a mensagem publicitária não pode ser considerada manifestação de opinião ou de pensamento, sendo apenas um momento de atividade produtiva da empresa." 24

Pode-se utilizar como exemplo, a questão decidida em 1989 no Tribunal de Mercado da Suécia, onde o Ministério Público tentou intervir numa promoção de uma viagem turismo-aventura, a qual era promovida e financiada por uma marca de cigarro. Sendo o pedido do parquet indeferido, pois aquele Tribunal entendeu/fundamentou preferindo baseai-se na liberdade de expressão da empresa tabagista 25.

A regulamentação das questões relacionadas com a publicidade é de grande necessidade, para que se imponham limites às agências e aos anunciantes, ou seja, o Estado contra o setor empresarial privado através de seu poder intervencionista.

Com o medo da intervenção estatal, as agências publicitárias do mundo procuraram agilizar suas auto-regulamentações, que funcionaria como um código de ética do meio publicitário, tudo isto decorrente da ameaça do Estado através do legislativo procurar regular este meio.

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É notório que na maioria dos países as empresas aliadas com todos que envolvem a matéria publicitária se unem com o fito de auto-regulamentar o trabalho publicitário, incluindo principalmente seus conselhos de ética. No Brasil as empresas publicitárias se uniram criando o CONAR – Conselho Nacional de Auto-regulamentação Publicitária, que no ano de 1978 elaborou o Código Brasileiro de Auto-regulamentação Publicitária.

O Conselho de Ética do CONAR é dividido em câmaras que se baseiam no Código Brasileiro de Auto-regulamentação Publicitária, que recebem as denúncias, as quais podem ser encaminhadas por todos aqueles que se sinta lesado por alguma veiculação. Comprovada alguma infração ao código, o responsável poderá ser punido com advertência, recomendação de alteração ou correção do anúncio, recomendação de sustação da veiculação e divulgação da posição do CONAR no caso de não acatamento das suas decisões.

Urge ressaltar a valoração deste instrumento dos publicitários, ou seja, a principal intenção, como já dito, era afastar o Estado da regulamentação desta Lei Publicitária, para que o Código de Auto-regulamentação fizesse o papel punitivo do estado, abrandando o que uma verdadeira regulamentação do Poder Público através do legislativo o faria. Muito irônico quando os publicitários utilizam-se do velho discurso de que o anúncio antiético não seria ruim apenas para o consumidor, mas futuramente para o anunciante. No entender de Paulo Vasconcelos Jacobina :

"Argumentar, também, que o anúncio antiético é prejudicial ao próprio anunciante e à agência, tanto quanto ao consumidor, como argumento contrário à regulamentação estatal, é sofismar, também. Mal comparado, seria o mesmo que afirmar que o homicídio é tão nefasto para o criminoso quanto para a vítima, porque aquele, mais cedo ou mais tarde, sofrerá uma enorme rejeição social, como consequência de seu ato. É certo que a reação social existirá, mas não pode excluir a reação jurídica " 26

Por ser um conselho de iniciativa privada, o CONAR não tem o poder coativo que o Estado possui, em decorrência disto as decisões tomadas por tal Conselho possuem fama de decisões de cumprimento espontâneo. Ademais, não se nota resultado quanto ao Conselho de Ética, enxerga-se uma total ineficácia. Toda vez que o Conselho de Ética é provocado pelo judiciário para prestar algum tipo de informação, em decorrência de alguma Publicidade Enganosa ou Abusiva, a resposta é automática de que o Conselho funciona apenas como consultoria para o anunciante e a agência.

Conclui-se que o próprio CONAR, usando os termos do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, não passa de uma Publicidade Enganosa. Pois se levasse em conta a quantidade de Publicidades Institucionais que o CONAR promove para convencer a população que se sente lesada por tal publicidade, que o procure são incontáveis. Chegou-se a ponto de um juiz sentenciar da seguinte maneira:

"... por isso, estou de acordo com a autora, quando diz na réplica de fls. que a imagem pública construída pelo CONAR, mediante publicidade, induziu-a a erro, posto que se pensava que o CONAR existisse para regular a até punir os produtores de comerciais em desacordo com o seu código. Mas, não. Por isso, cabe a exclusão da lide por manifesta ilegitimidade passiva, porém não cabe o apenamento da autora nas penas da suncumbência, porque inexistiu em absoluto má-fé de sua parte (art. 17. da Lei 7.347/85), tendo sido induzida a erro por malícia do próprio CONAR, que, como apontado, se apresentou a público como competente para atos muito mais abrangentes do que aqueles que seu estado efetivamente permite." 27

Diante de tantos aspectos controvertidos, a regulamentação legal, já estava no momento de acontecer, haja vista a situação do capitalismo acrescido com o perigo da iniciativa privada com seus anseios de superar o interesse público. O principal aspecto desta regulamentação consistia em impor limites aos anunciantes que desrespeitasse tanto na área criminal e cível, o consumidor

Sem delongas, pode-se afirmar que a regulamentação no Brasil veio através da Lei 8.078 de 1990, Código de Proteção e Defesa do Consumidor, concluindo o controle público e estatal. Segundo Benjamin:

"Não é necessário grande esforço para que se chegue à conclusão de que o controle da publicidade no Brasil – antes do Código de defesa do Consumidor – era insatisfatório. Não se pense, porém, que o controle legal visa eliminar a publicidade ( Guido Alpa, op. Cit., p. 126.) – como verdadeiro estímulo às necessidades e promoção da demanda – mas, tão somente, a conter seus abusos. E a sua regulamentação faz-se no âmbito do contexto mais amplo do controle da empresa, notadamente com base no art. 170, V 28, da Constituição Federal" 29

Há quem diga que a publicidade brasileira tem regulamentação mista, ou seja, parte pelo estado e parte pelo CONAR. Descabido tal entendimento pois como é sabido, só a regulamentação estatal tem o poder imperativo e produz efeitos jurídicos perante terceiros, o que vale ressaltar que a auto-regulamentação do CONAR tem apenas aspecto contratual, sendo vedado a regulamentação privada. Ademais, através do inciso XXXV do artigo 5º a CRFB prescreve que "a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito". Desta forma, a publicidade que causou algum efeito danoso a alguém deverá ser apreciado pelo Judiciário.

Como já visto, de acordo com a natureza jurídica que foi estudada, o Código de Defesa e Proteção ao Consumidor não previu apenas as relações contratuais, mas também o momento anterior à realização do contrato de consumo a obrigação pré-contratual que surgem concomitantes as técnicas de estimulação ao consumo, ou melhor, na expectativa de consumo. Configurado assim a principal preocupação dos legisladores com os efeitos da Publicidade.

Quanto ao tratamento jurisprudencial e doutrinário, a publicidade anteriormente não era vista como devia o sê-la, não se tinha o entendimento da obrigação pré-contratual, como já posto aqui. Como exemplo, pode-se citar o trecho de uma decisão proferida pelo Tribunal do RS (Acv 37842, 4.ª CCv, Rel. Des. Édson Alves de Souza, 25.02.1981, unânime): "Promessa de recompensa (Código Civil, art. 1.512). Anúncio Comercial, de sentido notoriamente publicitário, não a caracteriza. Falta de seriedade ou veracidade em promoção comercial, só por si em tese, não interessa ao direito. Ação improcedente. Recurso improvido".

Em caráter evolutivo, notou-se que a legislação brasileira acompanhou a nova tendência até se firmar com a Lei 8.078/90. Podem então notar algumas normatizações legais da publicidade, sem prejuízo da existência de outras, haja vista a legislação anterior ao Código do Consumidor, nos dizeres de Pasqualoto era casuística e assistemática, algumas destas:

Apesar de todas as exemplificações acima, a legislação atinente à matéria publicitária ainda estava a desejar continuando ainda muito fraca para o principal intuito aqui estudado, a proteção ao consumidor, Adalberto Pasqualoto enfatiza que: "... especialmente porque não levou em conta o alto poder de indução da publicidade, encarando-a preferencialmente sob o prisma da concorrência desleal e da proteção da propriedade industrial. Enquanto isso, a regulamentação das atividades publicitária tinha enfoques predominantemente sócio-trabalhista e corporativo". 32

Anteriormente a lei vigente, as leis, decretos, entre outras normativas, tinham maior preocupação com a classe, ou seja, o corporativismo. Outro aspecto era que muita das vezes a preocupação maior era a conconcorrência entre a própria classe, dentro da própria corporação de classes. Graças à Lei de Proteção e Defesa do Consumidor, este ocupou o principal lugar em toda a relação publicitária.

Sobre o autor
Marcus Vinicius Fernandes Andrade da Silva

advogado em São Paulo (SP), mestrando em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC/SP, especialista em Direito das Relações de Consumo pela PUC/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Marcus Vinicius Fernandes Andrade. Influência da publicidade na relação de consumo.: Aspectos jurídicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 267, 25 mar. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4982. Acesso em: 15 nov. 2024.

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