Autor: Eduardo Luiz Santos Cabette, Delegado de Polícia, Mestre em Direito Social, Pós – graduado em Direito Penal e Criminologia, Professor de Direito Penal, Processo Penal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial na graduação e na pós – graduação do Unisal e Membro do Grupo de Pesquisa de Ética e Direitos Fundamentais do Programa de Mestrado do Unisal.
Há momentos em que um alerta precisa ser dado antes que o mal se alastre de forma irreversível.
Na verdade, a Polícia Judiciária no Brasil, seja a Polícia Federal, sejam as Polícias Civis dos Estados, em especial a figura do Delegado de Polícia, responsável pela presidência das investigações, desde sempre foi oprimida por um sistema que possibilita a pressão, a influência e todo tipo de manipulação e uso político (no sentido mais negativo da palavra). Isso porque os Delegados de Polícia não contam até hoje, por incrível que possa parecer, com as mesmas garantias dadas ao Ministério Público e à Magistratura, muito embora possam sofrer as mesmas ou ainda maiores pressões do que estes, eis que lidam com a investigação em seu primeiro momento, em seu nascedouro.
Conviver com essa absurdidade já é lamentável. No entanto, este é um momento de verdadeira perplexidade. Ao mesmo tempo em que Senadores da República e Deputados Federais são flagrados em interceptações telefônicas, afirmando que é necessário conter a Polícia Federal, retirar-lhe prerrogativas, com isso obviamente abrangendo por reflexo todas as Polícias Judiciárias (Polícias Civis dos Estados) e em especial a figura do Delegado de Polícia. Ao mesmo tempo que isso ocorre e em meio a um mar de lama jogado na cara da população pela famosa “Operação Lava – Jato”. Num momento em que o Ministério Público Federal teria muitos afazeres no intuito de buscar a punição rigorosa de corruptos da política ou da iniciativa privada. Nesse momento exato, eis que o Procurador Geral passa a ingressar com uma série de ações no STF para manietar, para conter a atuação dos Delegados de Polícia, da Polícia Judiciária em geral e da própria Polícia Federal, visando retirar desses operadores suas já minguadas prerrogativas. Note-se que essas ações são várias e implicam em trabalho e ônus para o Estado, quando há casos importantes de crimes para serem tratados.
Ora, isso é, no mínimo, inusitado, vergonhoso e altamente suspeito. Principalmente porque somente se vê denúncias sendo elaboradas e ações penais em andamento quando os casos chegam ao Ministério Público já totalmente instruídos com indícios mais que gritantes de autoria e materialidade e já não há mais para onde jogar o lixo, não há mais tapete que abrigue tanta sujeira.
Só que parece que essa atuação das Polícias Judiciárias, que, mesmo diante de seu quadro caótico em termos de pessoal, material e garantias, vêm conseguindo apurar casos e alta relevância está incomodando muito. Ao ponto de se pensar em retirar prerrogativas básicas dos Delegados de Polícia e, com isso, das Polícias Civis e Federal em geral. Todo Policial Civil ou Federal, todo Delegado de Polícia, mas o principal, todo cidadão deve abrir os olhos para essa “coincidência” (ou seria uma promiscuidade clara e evidente entre poderes supra legais e a busca de uma suposta legalidade e constitucionalidade que não passa de pretexto para ocultar aquela promiscuidade). E o STF, principalmente, deve abrir os olhos e não se tornar um símbolo deprimente de uma Justiça cega e surda, absolutamente alheia àquilo que se escancara à sua frente.
É necessário, é urgente que as entidades de classe das Polícias Judiciárias se unam e apresentem à população o quadro absurdo que se desnuda descaradamente para que inclusive o STF perceba com clareza a real situação. É inclusive o momento, não de questionar as minguadas prerrogativas que detém os Delegados de Polícia Civil e Federal, mas de questionar e tomar providências urgentes para que lhes sejam conferidas garantias idênticas às dos Magistrados e Membros do Ministério Público a fim de que possam exercer com segurança mínima suas funções. Cabe a essas entidades expor essa situação vergonhosa, esse momento tenebroso e levar à sociedade civil a conscientização sobre o que se pretende fazer: amarrar as Polícias Civil e Federal, avassalando seus membros e, em especial, aqueles que as presidem, os Delegados de Polícia.
Como diria Saramago em seu romance “Levantado do Chão”, não é possível permitir que as Polícias Judiciárias deste país se tornem aquilo que alguns pretendem e tentam fazer, inclusive sob a capa da legalidade e constitucionalidade: “cães retirados do meio dos cães para morder os próprios cães”. Ou seja, apenas uma força bruta, uma “jagunçada” manipulável ao gosto dos corruptos e daqueles integrantes dos poderes públicos que com estes convivem em promiscuidade, senão financeira, ao menos de favorecimento em termos de cargos e acúmulo de poder. A Polícia Judiciária pretendida neste país sempre foi essa, formada de cães que mordem os próprios cães, o povo sofrido e dilacerado na carne pela corrupção endêmica. Nunca, jamais os poderosos e seus asseclas engravatados, travestidos de defensores da suposta Justiça.
É preciso dizer não a esse sistema, é preciso dizer não a essa conduta deplorável do Ministério Público Federal, mas esse não precisa ser dito com a consciência da população brasileira, inclusive para que o STF sinta que a população sabe muito bem o que insufla ações e decisões em bastidores. Estes bastidores precisam ser escancarados, vir a público. Esta é a única saída para que todo progresso obtido pelas Polícias Judiciárias ao longo de tantos anos de opressão e manipulação não sejam jogados pelo ralo por meio de uma manobra sórdida.