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Dano social.

Uma visão tripartida da teoria da reparação do dano no âmbito cível como mecanismo de efetividade da tutela jurisdicional nas demandas recorrentes

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Agenda 23/06/2016 às 18:40

Com a massificação das relações humanas, alguns ilícitos passaram a ser recorrentes, incentivando a criação da função pedagógica da indenização. É neste ponto que nasce a necessidade de novos meios de reparação que permitam coibir esses ilícitos.

INTRODUÇÃO.

O trabalho ora proposto enfoca a temática do quantum indenizatório co-relacionando o com a efetividade das decisões judiciais no âmbito das ações de temática recorrente no judiciário brasileiro, sendo certo que o tema é cada vez mais presente no meio doutrinário e que ganha relevo com a tramitação no Congresso Nacional do Projeto de Lei da Câmara nº 3880 de 2012, o Projeto da instituição do Dano Social no ordenamento pátrio.

Por esse motivo, o presente estudo buscou analisar a estrutura clássica do sistema indenizatório brasileiro, em que o histórico jurisprudencial demonstra que o medo do enriquecimento sem causa baliza o quantum indenizatório tolhendo seus objetivos precípuos.

A presente discussão é relevante por abordar um aspecto importante da decisão judicial, a sua efetividade, sendo especialmente relevante nos casos recorrentes. Ademais, a efetividade da decisão judicial também colabora para melhorar a imagem do judiciário perante a sociedade.

Ao longo do artigo, serão analisados os seguintes tópicos: os diferentes tipos de indenizações por dano, a possibilidade de requerimento do Dano Social na tutela individual e a forma como se deve compatibilizar tal atuação com os princípios processuais constitucionais e os dispositivos legais. O estudo que se pretende realizar seguirá a metodologia do tipo bibliográfica e histórica, qualitativa, parcialmente exploratória e parcialmente descritiva.

Portanto, o presente estudo visa divulgar a idéia de Dano Social espelhada no PL 3880/2012, trazendo-o como sugestão de solução para problemática da reincidência dos ilícitos, nascidos da massificação das relações sociais. Além de possibilitar a real aplicação das três funções da reparação do Dano defendidas por nossos Tribunais, quais sejam: o aspecto compensador, ligado a idéia de Dano Moral; o aspecto reparador, ligado a idéia de Dano Material e o aspecto pedagógico, ligado a idéia do que chamaremos de Dano Social, visando a construção de uma solução que traga uma maior efetividade ás decisões judiciais nas ações individuais recorrentes e repetitivas que abarrotam o judiciário brasileiro.

1. UMA ABORDAGEM HISTÓRICA DAS FUNÇÕES DE REPARAÇÃO CIVIL

O art. 944[1], do Código Civil Brasileiro, estabelece a necessidade de quantificar a indenização pela extensão do dano sofrido. O referido artigo consagra o princípio da restitutio in integrum, pelo qual o dano deve ser integralmente reparado, com a reposição da vítima ao estado em que se encontrava antes da lesão ou, em não sendo possível a restauração da situação anterior, através de um equivalente monetário, atendendo por conseguinte o artigo 5º, inciso V[2] da CRFB, no que tange a exigência da reparação integral do dano.

Todavia, na prática o arbitramento dos valores a título de Danos Morais pelo judiciário, sempre seguiu os critérios no qual o valor arbitrado deve ser condizente com a situação do lesado, esquecendo-se, muitas vezes, de analisar as condições do lesante, o que a nosso ver só acarreta em um incentivo ao causador do dano, que continua a cometer o ilícito uma vez que os tribunais ao limitarem o caráter punitivo-pedagógico do Dano Moral, o descaracterizam, o que gera o “enriquecimento sem causa” do lesador, e indiretamente atingem toda a sociedade, além de trazer a insegurança e a desmoralização ao sistema judiciário brasileiro.

O ressarcimento por danos gerados visa permitir a efetividade do processo, ou seja, a entrega da tutela jurisdicional pretendida pela parte[3].

MARINONI[4] sustenta que o direito a uma prestação jurisdicional efetiva está insculpido no artigo 5°, inciso XXXV, da CRFB[5], que traz o princípio do acesso à justiça. Segundo o autor citado, o direito a uma prestação jurisdicional efetiva é um direito fundamental, sendo, portanto, constitucionalmente protegido.

MARINONI atribui à efetividade dois sentidos. Para ele, a efetividade em sentido estrito seria “o direito ao provimento e aos meios executivos capazes de dar efetividade ao direito substancial”[6]. Já em sentido lato, a efetividade deve ser entendida como a tutela jurisdicional tempestiva e, em alguns casos, a possibilidade de ser preventiva.

Como direito fundamental, a efetividade exige a existência de meios adequados que permitam ao Poder Judiciário identificar as pretensões legítimas que merecem a tutela estatal e  a sua eficaz proteção.

Historicamente convencionou-se a existência de três tipos indenizatórios por danos, sendo identificados pela origem de suas causas, quais sejam:

O dano material, também conhecido como dano patrimonial é o dano passível de quantificação matemática, por ser mais palpável que os demais tipos, e por esse motivo foi a primeira espécie a ser aceita na história da responsabilidade civil. Já o dano moral, por muito tempo não foi aceito nos tribunais, visto a dificuldade de quantifica-lo, sendo constitucionalmente consagrado no Brasil em 1988 com o advento da Constituição Cidadã.

O dano moral, em um primeiro momento, abarcava todos os dados não patrimoniais, e com o evoluir da jurisprudência brasileira, o dano moral passou a ter outras funções além da ressarciotória, como a chamada função punitivo-pedagógica, que nasceu na tentativa de incorporar no direito brasileiro a ideia dos “punitive damages” americano.

Com o evoluir da jurisprudência a ideia de unificar diversas funções em um único instituto foi sendo questionado, principalmente no que tange o dano estético. Assim, conforme vem sendo delineado pela jurisprudência brasileira, o dano estético passou a ser considerado como dano autônomo de caráter não patrimonial, distinto do originário dano moral.

Segundo Tereza Ancona Lopez[7], dano estético pode ser conceituado da seguinte maneira: “qualquer modificação duradoura ou permanente na aparência externa de uma pessoa, modificação esta que lhe acarreta um “enfeamento” e lhe causa humilhações e desgostos, dando origem, portanto, a uma dor moral”.

Em relação ao dano estético, a doutrina defende que este possui duas dimensões, a ontológica- que é a desfiguração da aparência externa; e a dimensão sociológica, na qual o lesado estará sujeito a rejeição e desprezo social. Assim, pode-se afirmar que o dano estético seria um dano moral agravado pela permanência da situação danosa e por isso foi retirado da seara do dano moral.

O presente trabalho defende a necessidade de se retirar o caráter punitivo do dano Moral, identificando neste uma quarta espécie de dano merecedora de ressarcimento, o chamado Dano Social.

2. A CELEUMA NO JUDICIÁRIO BRASILEIRO

No direito brasileiro, o dano é elemento indispensável à responsabilidade civil. Tal indispensabilidade adveio do Direito francês, pela célebre fórmula de Henri Lalou “pas de préjudice, pas de responsabilité civile”[8].

Deve-se salientar que a existência de Dano sempre está ligada a uma existência de antijuricidade, sendo necessária a existência de instrumentos hábeis à satisfação do lesado, pois “seria escandaloso que alguém causasse mal a outrem e não sofresse nenhum tipo de sanção; não pagasse pelo dano inferido”[9]. Bem como a falta de reparação seria uma afronta à própria Constituição brasileira, que prevê que a todo ato ilícito que gere um dano, corresponde a um dever de reparar, conforme prevê o artigo 05º, X da CRFB:

Art. 05º, X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”

Quando tratamos da necessidade de indenização o dano é o elemento mais importante da responsabilidade civil, visto que não é possível falar em recompensa ou em compensar se não puder se provar a existência de um dano[10].

Nesse sentido, o dano se configura como sendo a agressão ou a violação de um direito, seja este material ou imaterial, que venha a causar dano a outrem, seja por dolo ou culpa, gerando uma diminuição do valor do bem juridicamente protegido.

Com a massificação das relações humanas e o surgimento dos contratos de adesão, principalmente no âmbito consumerista viu-se a necessidade de que a indenização tivesse um cunho pedagógico com o intuito de evitar a repetição de demandas pelos mesmos atos danosos que são diariamente reiterados.

É nesse ponto que a função pedagógica mistura-se com a função punitiva, pois a melhor forma de exigir um cuidado maior no futuro para que tais atos ilícitos não venham se repetir é através da aplicação de uma sanção pecuniária, que possui como objetivo o desestímulo do ofensor à repetição do ato ilícito[11]. Esse desestímulo é o que caracteriza a chamada função pedagógica ou dissuasiva da indenização[12].

Parte da doutrina defende que tal condenação também possui uma natureza punitiva sancionatória.

Assim, a doutrina majoritária sustenta a existência de um duplo caráter da reparação civil do Dano Moral: o chamado caráter compensatório, para assegurar e compensar o sofrimento da vítima; e ao mesmo tempo o caráter punitivo para que o causador do dano venha a ser castigado pela ofensa que praticou. Destacando assim sua natureza de penalidade civil em represália pelo mal causado.

De sorte que se pode concluir, que quando a vítima reclama a reparação pecuniária de Dano Moral, esta está em verdade requerendo que lhe outorgue um meio de atenuar, em parte, sua dor e não a estipulação de um preço para esta, posto que a dor e o sofrimento humano jamais poderão ser ressarcidos ou compensados integralmente[13].

Ocorre que tal função esbarra na vedação ao enriquecimento sem causa prevista no Código Civil Brasileiro, o que acarreta em uma limitação do quantum debeatur a ser estipulado pelo dano sofrido, perdendo desta forma parte da sua eficácia.

Note ainda que a aplicação errada de tais limitações acarretam por ferir a constituição que defende a totalidade do ressarcimento do dano, bem como a reprovação do ato ilícito para que este não venha a ser reiterado novamente, como podemos observar pela leitura do artigo 884 do Código Civil[14] que é peremptório ao dispor na cláusula geral que “aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido.”

Assim, o enriquecimento sem causa seria a vedação ao acréscimo patrimonial à custa de outrem sem ao menos algum fato jurídico que o justifique, demonstrando um olhar do direito tanto para o ofensor como para a vítima.

Para a doutrina pátria o enriquecimento sem causa além de apresentar uma face principiológica, também seria fonte de obrigações, seja de restituir tudo o que foi indevidamente locupletado, seja o de reparar o dano causado como podemos observar na decisão da 13ª Câmara Cível da Ap. Civ. 36.495/2007 e do Resp nº 389.879-MG:

Demora irrazoável para cancelar serviços não solicitados ou que se tornaram desnecessários, cobranças indevidas, ameaça de negativação do nome etc., constituem práticas abusivas que devem ser repelidas. Vão além dos meros aborrecimentos, gerando efetiva angústia e mal-estar capaz de caracterizar o Dano Moral em sentido amplo, cuja indenização pode ter caráter punitivo. Entretanto, exige critério apropriado no seu arbitramento, que deve ser feito atentando-se para a gravidade do ilícito, o princípio da exemplaridade e o seu caráter pedagógico” (13ª Câmara Civil, Ap. Civ. 36.495/2007).

“O valor dos danos morais, de seu turno, como tenho assinalado em diversas oportunidades, deve ser fixado em termos razoáveis, não se justificando que a reparação enseje enriquecimento indevido, devendo o arbitramento operar-se com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao porte financeiro das partes, orientando-se o julgador pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, valendo-se de sua experiência e bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, não deixando de observar, outrossim, a natureza punitiva e disciplinadora da indenização”. (STJ, 4ª Turma. Resp nº. 389.879-MG, j.16/04/2002)

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No Brasil e em Portugal, a aplicação tímida do chamado caráter pedagógico-punitivo do Dano Moral nada mais foi do que um mero “sopro” dos preceitos estadunidense na tentativa de modernizar o pensamento jurídico nos países de tradição germânica-romanista, que não conseguiu seu efeito por colidir-se em parte com a função regulatória, dando a falsa impressão de enriquecimento sem causa à parte lesada, quando da sua aplicação.

O art. 944 do Código Civil Brasileiro estabelece que a extensão do dano constitui a medida e o limite da indenização. Apesar de tal dispositivo, muitos doutrinadores defendem a necessidade de uma atualização legislativa que permita a aplicação de um caráter punitivo para a indenização por danos morais, como por exemplo, o projeto de Lei nº 6.960/2002, do deputado Ricardo Fiúza, que previa a inclusão de um parágrafo ao artigo 944 do citado diploma legal, consagrando expressamente a indenização punitiva do Dano Moral, com a seguinte redação:

“§2º A reparação do Dano Moral deve constituir-se em compensação ao lesado e adequado desestímulo ao lesante”. Justifica: (...) Ao juiz devem ser conferidos amplos poderes, tanto na definição da forma como da extensão da reparação cabível, mas certos parâmetros devem servir-lhe de norte firme e seguro, sendo estabelecidos em lei, inclusive para que se evite, definitivamente, o estabelecimento de indenizações simbólicas, que nada compensam à vitima e somente servem de estímulo ao agressor[15]”.

Atualmente, prevalece na doutrina e na jurisprudência brasileiras o entendimento de que a indenização pelo Dano Moral possui uma dupla função: do lado da vítima, atua como compensação pelo dano sofrido; já enfocado o ofensor, funciona como uma pena pelo dano causado ao lesado[16].

Esse duplo caráter foi criado na tentativa de que através das indenizações por danos morais pudesse vir a dissuadir a conduta lesiva, porém tal teoria demonstrou-se falha ao analisarmos o que vem ocorrendo na prática:

0260072-15.2010.8.19.0001 - APELACAO 1ª Ementa DES. TERESA CASTRO NEVES - Julgamento: 06/07/2011 - SEXTA CAMARA CIVEL APELAÇÃO CIVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RELAÇÃO DE CONSUMO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. PARCELAS A SEREM DESCONTADAS NO CONTRACHEQUE. QUITAÇÃO TOTAL. NEGATIVAÇÃO INDEVIDA APÓS O PAGAMENTO. DANO MORAL CONFIGURADO.1- Não obstante o pagamento de todo o contrato das parcelas do empréstimo, o nome do consumidor foi encaminhado para os cadastros restritivos de crédito. 2- Responsabilidade objetiva contratual do Réu. 3- O negócio firmado pelo Órgão Pagador e a Instituição Financeira é estranho à relação jurídica discutida, não podendo ser repassado ao consumidor o ônus de responder por uma possível falha de terceiro. 4-Risco do empreendimento. 5- Ofensa a dignidade da pessoa humana. 6- Prejuízo para o sustento do Autor, art. 1º, caput e art. 5º, X da Constituição da República. 7- Falha na prestação de serviço incidência do 14, § 1º, inciso II do C.D.C. 8- Dano Moral configurado. 9- Quantum indenizatório fixado em R$7.000,00 (sete mil reais). 10- Manutenção do valor que atende ao caráter punitivo pedagógico, aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, além de está de acordo com os valores praticados por esta Corte em caso semelhantes. 11- Nome do consumidor permaneceu por mais de dois anos no rol dos maus pagadores, por contrato devidamente quitado. 12- NEGATIVA DE SEGUIMENTO DE AMBOS OS RECURSOS, na forma do art. 557, caput do CPC.

Ocorre que tal condenação não possui o condão de fazer mudar a realidade, simplesmente servido de estimativa de pagamento para os ilícitos que recorrentemente são causados, perdendo totalmente o aludido caráter.

Não se pode justificar um ilícito por outro, como não se pode justificar uma inércia judiciária baseada no fantasma doutrinário da chamada indústria do dano. O caráter dissuasivo-punitivo do Dano Moral perde completamente sua função frente a um judiciário temeroso, e inexpressivo que insiste em manter as condenações em valores relativamente baixos para o causador do ato lesivo, escondendo-se atrás da desculpa de que qualquer condenação mais expressiva viria a incentivar a chamada indústria do Dano Moral. Tal atitude só serve por incentivar a manutenção do comportamento danoso, visto que este passa a ser muito mais lucrativo do que se prontificar a evitar futuros ilícitos.

No Brasil, com a aplicação na prática da chamada “onda” de acesso a justiça defendida por Capelletti, viu-se desmoronar as antigas barreiras processuais existentes, assegurando a extensa camada da população, antes marginalizada, o efetivo acesso ao Poder Judiciário como meio de realização da Justiça. Tal ato resultou o abarrotamento do poder judiciário, o que contribuiu para um aumento significativo do medo generalizado da chamada “indústria do dano”.

A preocupação quanto a “industrialização”, verdadeiramente válida no campo científico, não condiz com a realidade brasileira, posto que na maior parte dos casos julgados pelo judiciário brasileiro, o resultado das ações de danos morais é antes frustrante que efetivamente enriquecedor.

É verdade que tais dados não excluem a valida preocupação com uma futura transformação do judiciário em uma loteria indenizatória, como ocorreu em alguns países de common law, ao mesmo tempo não se pode querer apontar armas a um fantasma que não ocorre no Brasil.

A chamada indústria do dano, não condiz com realidade das indenizações brasileiras, que contrariamente ao falado, tendem a serem no mínimo irrisórias perante os mais comuns causadores de danos, principalmente na ceara consumerista. Não sendo admissível que se condene a própria expansão do dano ressarcível sob o pretexto de estar evitando a indústria do dano ou o enriquecimento sem causa.

O medo do incentivo a criação das chamadas “indústrias do Dano Moral” por muito tempo mitigou esse caráter punitivo, mas tal mitigação não tem nos trazido bons frutos, visto que é notório o alto índice de reincidência nos ilícitos geradores de danos morais:

0392037-53.2009.8.19.0001 - APELACAO 1ª Ementa DES. TERESA CASTRO NEVES - Julgamento: 27/04/2011 - SEXTA CAMARA CIVEL RESPONSABILIDADE CIVIL. CONSUMIDOR. COBRANÇA INDEVIDA. TELEMAR. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. BLOQUEIO DO SERVIÇO DE TELEFONIA. DANO MORAL CONFIGURADO. MAJORAÇÃO. 1- Cobrança indevida de ligações. 2- Ligações não reconhecidas. 3 Operadora que não ilidiu a presunção veracidade que milita em favor do consumidor de que o serviço não foi efetivamente prestado. 4- Responsabilidade objetiva da Ré. 5- A cobrança indevida em si não gera Dano Moral, para tanto deve haver outras conseqüência. Estas de fato se deram, pela interrupção do serviço. 5- Autora teve sua linha bloqueada por cinco meses. 6- Indenização fixada em R$1.000,00 (mil reais). 7- Majoração do quantum indenizatório, para R$5.000,0 (cinco mil reais) por ser mais compatível e atender ao aspecto punitivo/educativo, observados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, atendendo ao patamar desta Câmara. 8- Recurso a que se dá parcial provimento.

0001978-13.2010.8.19.0210 - APELACAO 1ª Ementa  DES. SERGIO JERONIMO A. SILVEIRA - Julgamento: 25/04/2011 - QUARTA CAMARA CIVEL APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. TELEMAR. SERVIÇO DE ACESSO À INTERNET NÃO SOLICITADO PELA PARTE AUTORA. COBRANÇA INDEVIDA. SENTENÇA RECONHECEU A FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO E JULGOU PROCEDENTE O PEDIDO DETERMINANDO A DEVOLUÇÃO EM DOBRO DA QUANTIA INDEVIDAMENTE PAGA E CONDENOU A PARTE RÉ A PAGAR A QUANTIA DE R$ 2.000,00 (DOIS MIL REAIS) À TÍTULO DE DANO MORAL. APELAÇÃO DA PARTE RÉ PUGNANDO PELA IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL. EMPRESA NÃO COMPROVOU A INEXISTÊNCIA DE FALHA NO SERVIÇO E REGULARIDADE DAS COBRANÇAS. DEVOLUÇÃO DOS VALORES INDEVIDAMENTE PAGOS, NA FORMA DO ART. 42, DO CDC. QUANTUM INDENIZATÓRIO ARBITRADO EM PATAMAR CONDIZENDO COM OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. SENTENÇA QUE SE MANTÉM. RECURSO CONHECIDO QUE SE NEGA SEGUIMENTO, NA FORMA DO ART. 557, CAPUT, DO CPC.

0006312-16.2007.8.19.0204 - APELACAO  1ª Ementa DES. RONALDO ROCHA PASSOS - Julgamento: 08/08/2011 - TERCEIRA CAMARA CIVEL – EMENTA APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SERVIÇO DE TELEFONIA FIXA. AUTORA QUE AFIRMA HAVER ADQUIRIDO SUA LINHA TELEFÔNICA DIANTE DE UMA OFERTA DA RÉ, TELEMAR, POR PREPOSTO EM VIA PÚBLICA, COM EXIGÊNCIA DE APENAS IDENTIDADE E CPF, SENDO QUE, COM APENAS QUATRO MESES DE USO, A LINHA FOI BLOQUEADA, SEM AVISO PRÉVIO E QUALQUER INADIMPLEMENTO, SOB O ARGUMENTO DE FALTA DA DOCUMENTAÇÃO NECESSÁRIA, CONCLUINDO-SE PELA CONFIGURAÇÃO DE PROPAGANDA ENGANOSA, O QUE LHE CAUSOU ENORME PREJUÍZO, JÁ QUE UTILIZA A LINHA PARA CONTATOS DE TRABALHO. RELAÇÃO DE CONSUMO. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA RÉ.DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE CULPA. ATO ILÍCITO, DANO E NEXO DE CAUSALIDADE COMPROVADOS.DESCUMPRIMENTO PELA RÉ QUANTO À NECESSIDADE DA NOTIFICAÇÃO PRÉVIA SOBRE O BLOQUEIO DA LINHA E A OBRIGATORIEDADE DOS DOCUMENTOS, BEM COMO DEMORA NA REATIVAÇÃO DA MESMA. EVASIVAS PARA JUSTIFICAR O DESCUMPRIMENTO. TOTAL DESCONSIDERAÇÃO COM A CONSUMIDORA. CONFIGURAÇÃO DO DANO MORALSENTENÇA QUE JULGOU PARCIALMENTE PROCE-DENTE O PEDIDO.DANO MORAL. QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO EM VALOR QUE SE COADUNA COM OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE, EM RESPEITO AO CARÁTER PREVENTIVO-PEDAGÓGICO DA SANÇÃO E TENDO EM VISTA O POTENCIAL ECONÔMICO DA EMPRESA RÉ.SENTENÇA QUE DEVE SER REFORMADA APENAS NO TOCANTE AO TERMO INICIAL DA INCIDÊNCIA DOS JUROS MORATÓRIOS. RELAÇÃO CONTRATUAL. APLICAÇÃO DO ART. 405 DO CÓDIGO CIVIL. JUROS QUE SE CONTAM DESDE A CITAÇÃO INICIAL.MATÉRIA DISCUTIDA NOS AUTOS QUE SE ENCONTRA PACIFICADA NA JURISPRUDÊNCIA DESTE E. TRIBUNAL.RECURSO A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO, NOS TERMOS DO ART. 557, § 1º-A, DO CPC, REFORMAN-DO-SE PARCIALMENTE A SENTENÇA PARA DETERMINAR O TERMO A QUO DA INCIDÊNCIA DOS JUROS MORATÓRIOS A PARTIR DA CITAÇÃO VÁLIDA.

 O remédio contra ações infundadas e abusivas que busquem especular com o instituto do Dano Moral deve ser construído através de uma aplicação mais rigorosa das normas que tratam da litigância de má-fé, com a imposição das respectivas sanções até mesmo de ofício, como permite os artigos 16 e 18 do CPC, e o desenvolvimento de uma jurisprudência firme, que rejeite as pretensões desarrazoadas, bem como uma melhor análise do caso concreto, para que com o sistemático não acolhimento de postulações dessa índole desestimule os aventureiros acarretando em uma vertente diminuição de tais demandas[17].

O art. 944 do Código Civil[18] brasileiro estabelece a necessidade de quantificar a indenização pela extensão do dano sofrido.

Tal dispositivo legal consagra o princípio da restitutio in integrum, pelo qual o dano deve ser integralmente reparado, com a reposição da vítima ao estado em que se encontrava antes da lesão ou, em não sendo possível a restauração da situação anterior, através de um equivalente monetário[19].

A aproximação do judiciário com a população através das “ondas de acesso a justiça”, bem como a flexibilização dos conceitos de dano e a sensibilização dos tribunais as tutelas de aspectos existenciais da personalidade merecedores de proteção, impulsionaram o Dano Moral, e junto com este verificou-se uma crescente demanda referente a “novos danos” nos tribunais.

Na tentativa de regular a forma de valoração do chamado Dano Moral, os tribunais brasileiros, que começaram a defender a aplicação do duplo caráter do Dano Moral, e passaram a adotar quatro critérios para sua aplicação, quais sejam: a gravidade do dano; a capacidade econômico-social da vítima; o grau de culpa do ofensor, que pode ser exprimido pela obtenção de lucro com ato ilícito, na qual Cavalieri Filho define como sendo aquela “decorrente da imprudência ou negligencia grosseira”, em que o agente atua como “grosseira falta de cautela[20]”, ou seja deve ser analisado quais foram as circunstâncias fáticas em que se deu o dano, e por fim, a capacidade econômico-social do ofensor. Além desses, tudo deve ser sopesado à luz dos critérios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade.

 A nosso ver tais critérios norteadores não coadunam com o expresso no artigo 944 do CC, o qual declara que toda a indenização dever-se-ia medir pela extensão do dano sofrido, porém tais critérios não levam em consideração a extensão da lesão, mas sim as características subjetivas das partes. É verdade que não se pode avaliar precisamente qual seria a proporção ideal e qual seria a extensão da lesão, mas o que ocorre na prática é o arbitramento de tais valores pelo judiciário, sempre seguindo os critérios no qual o valor arbitrado deve ser condizente com a situação do lesado, esquecendo-se, muitas vezes, de analisar as condições do lesante, o que resulta em condenações tímidas, visto a subjetividade de tais critérios de arbitramento.

Desta forma, pode-se dizer que a prática brasileira ao prever um duplo caráter punitivo- ressarcitório dentro de um único instituto distancia-se do modelo norte-americano, que distingue e separa claramente o compensatory damage do punitive damages[21].

Ocorre que a aplicação da indenização a título de danos morais, o caráter compensatório sobressai ao punitivo, pois esta visa muito mais a reparação do mal cometido pelo ofensor ao ofendido do que a aplicação de um caráter propriamente pedagógico, posto que a aplicação e o arbitramento do montante a título punitivo são irrisórios frente ao poder aquisitivo do ofensor o que acarreta na ineficácia do aspecto punitivo do Dano Moral.

A doutrina e a jurisprudência têm falhado na elaboração dogmática dos novos critérios de responsabilidade civil, não conseguindo acalmar os anseios da sociedade. Isso acarretou a necessidade de uma maior “criatividade judicial” por parte dos tribunais na tentativa de acompanhar a necessária evolução da responsabilidade civil, visto que hoje, “a dignidade da pessoa humana, a solidariedade social e a justiça distributiva influenciam decisivamente toda a sistemática do dever de ressarcir, enquanto a responsabilidade civil tradicional se baseava exclusivamente na tutela do direito de propriedade e dos demais direitos subjetivos patrimoniais[22]”.

O art. 5º, V e X, da CRFB[23] adota reparação integral do dano, seja ele patrimonial ou moral. Este último gerou uma celeuma na doutrina pátria, posto ser impossível quantificar o dano no aspecto moral.

Desta forma o melhor critério a ser adotado seria a aplicação de uma indenização punitiva conjunta com a indenização de ressarcimento da vítima, no qual Andrade destaca que tal medida indenizatória desempenharia um papel de grande relevância social, ao impedir o lucro ilícito do ofensor, o que por sua vez não ocorreria com o tabelamento das indenizações:

“A indenização compensatória, conquanto tenha aptidão para consolar ou compensar a vítima não se preocupa em eliminar a possível vantagem obtida pelo ofensor com a pratica do ato ilícito, o que transforma alguns atos lesivos em um “bom negócio” do ponto de vista econômico.[24]

A indenização punitiva, neste aspecto, agiria como um instituto de restituição do enriquecimento sem causa, podendo ser fundamentado no artigo 884 do Código Civil brasileiro:

“Art.884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.

Esse artigo prevê a possibilidade de pleitear tal restituição através da ação de locupletamento, que tem como pressupostos o enriquecimento de um sujeito, o empobrecimento de outro, o nexo de causalidade entre esses fatos e a ausência de causa para o enriquecimento[25], ocorre que na maioria das vezes quando ocorre um ilícito este atinge não só a esfera da vítima, que será ressarcida, mas toda a sociedade, que fica sem ressarcimento, e muitas vezes na iminência de que esse ilícito venha a se repetir com novas vítimas. Tal situação é facilmente visualizada nas relações consumeristas, na qual muitas vezes uma empresa é reiteradamente demandada e prefere pagar o “preço”, das indenizações dos poucos que a pleiteiam, para continuar com seus lucros escusos.

Como bem destacou ANDRADE baseado nos ensinamentos de Pontes de Miranda, “a lesão a qualquer bem da vida empobrece a sociedade em seu conjunto, sem que isso seja necessariamente evitado pela translação dos custos entre os integrantes da sociedade[26]”, o que a nosso ver só acarreta em um incentivo ao causador do dano, que continua a cometer o ilícito uma vez que os tribunais apavorados com o “fantasma do enriquecimento sem causa” só o vêem aplicado à vitima sem contudo notarem que ao limitarem o caráter punitivo-pedagógico do Dano Moral, o descaracterizam, causando o “enriquecimento sem causa” do lesador, que ao ser beneficiado continua a cometer o mesmo ilícito gerando um empobrecimento de toda a sociedade, além de trazer a insegurança e a desmoralização ao sistema judiciário brasileiro.

3. O DANO SOCIAL COMO FORMA DE EFETIVAÇÃO DAS TUTELAS.

O dano sempre foi considerado como o grande vilão da responsabilidade civil.  Tradicionalmente conceituava-se o dano como sendo a efetiva diminuição do patrimônio da vítima, qualquer que seja a sua natureza patrimonial ou extrapatrimonial, surgindo daí a conhecida divisão clássica do dano em material e moral.

Os artigos 186 do CC e os artigos 21, 52 CC e Súmula 227 STJ por meio de uma interpretação sistemática:

Artigo 186 . Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

Ao analisar de forma sistemática notaremos que o procedimento adotado no artigo 953 dever-se-á aplicar em todos os casos relativos a danos, inclusive ao dano moral, que com o advento do artigo 953, parágrafo único combinado com o artigo 944, parágrafo único do Código Civil de 2002, foi criada a possibilidade da utilização do arbitramento deste valor pelo juiz:

Artigo 953. Parágrafo único. Se o ofendido não puder provar prejuízo material, caberá ao juiz fixar, eqüitativamente, o valor da indenização, na conformidade das circunstâncias do caso.”

Artigo 944. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.”

CAVALIERI[27], dentre outros doutrinadores, acredita que o Dano Moral não pode ser, em hipótese alguma, fonte de lucro:

 “(...)na fixação do quantum debeatur da indenização, mormente tratando-se de lucro cessante e Dano Moral, deve o juiz ter em mente o princípio de que o dano não pode ser fonte de lucro. A indenização, não há dúvida, deve ser suficiente para reparar o dano, o mais completamente possível, e nada mais. Qualquer quantia a maior importará enriquecimento sem causa, ensejador de novo dano. (...) o juiz, ao valorar o Dano Moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes.”

Tal entendimento foi distorcido por alguns autores que passaram a defender a aplicação de um dano meramente simbólico, quando não fosse possível provar a existência do dano extra-patrimonial. Conforme demonstra antiga jurisprudência:

“(...) O recorrente viu sua compra não se concretizar em razão de a assinatura constante de seu cartão de crédito não coincidir com a que ostenta em sua carteira de identidade, além de não lhe ser oportunizada outra forma para o pagamento. Daí a ação de indenização por Dano Moral que impetrou, pedido acolhido pelo juízo singular (indenização de R$ 182.500,00), porém refutado pelo acórdão da respectiva apelação, dado o entendimento de que inexistia dano a ser ressarcido, pois se tratava de mero dissabor. Posteriores embargos de declaração foram recebidos no efeito infringente, pois a apelação nada disse sobre a inexistência do dano, limitando-se a, entre outros, pedir a redução do quantum da indenização. Insurge-se, então, a recorrente contra a fixação pelo Tribunal a quo da indenização no valor de R$ 1,00, ao fundamento de cuidar-se de valor irrisório. Nesse contexto, a Turma não conheceu do especial: não há violação dos arts. 186 e 927 do CC/2002, visto que, firmado pelo acórdão recorrido não existir o dano. Nem sequer haveria de se impor indenização, que, no caso, perfaz-se, unicamente, em respeito aos limites impostos pela apelação, quanto mais se os julgados colacionados pelo recorrente (a título de ilustração, porque o REsp só veio pela letra a do permissivo constitucional) não se amoldam à hipótese: não há que se confundir valor irrisório de indenização, enquanto há dano, com valor simbólico fixado pela impossibilidade de declarar inexistente o dano por força do confinamento da prestação jurisdicional aos limites da apelação. Precedentes citados: REsp 509.003-MA, DJ 28/6/2004, e AgRg no Ag 537.867-RJ, DJ 3/5/2004.

REsp 703.583-MA, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 24/3/2009.”

Essa atitude acarretou a banalização da essência da responsabilidade civil, descredenciando o próprio Poder Judiciário.

O pensamento de Cavalieri deve ser visto por outro ângulo. Deve-se observar a reparação do Dano sob todos os aspectos de suas funções, principalmente a função punitivo-pedagógica.

A restauração do status quo anterior seria o ideal para a Responsabilidade Civil moderna, ocorre que com a volatilidade das relações e dos bens humanos, é quase certo que na maioria das vezes a restauração torna-se impossível, de forma que as compensações patrimoniais são, na prática, as mais usadas como meio de reparação por ato ilícito, pois estas satisfazem, na maior parte dos casos, de forma mais plena os anseios da vítima.

Ocorre, porém que no Estado Brasileiro, dentre outros Estados de Civil Law, verificamos que, jurisprudencialmente, o valor das indenizações monetárias por danos, especialmente o Dano Moral, é, em geral, baixo. Tal fato acaba por ferir a vítima mais uma vez, que se sente ultrajada, como se sua dignidade não merecesse a devida proteção estatal, visto que muitas vezes tal afronta é corroborada pela postura de alguns ofensores habituais e seus representantes, que preferem pagar uma indenização do que mudar seus hábitos danosos á sociedade. Daí podemos tirar a conveniência de ampliar tal pagamento, ou fazê-lo acompanhar-se de medidas de retratação que efetivamente venham a compensar o dano sofrido, seja ele patrimonial ou extra-patrimonial.

Entendemos que o Dano Moral serve para compensar o dano causado, desta forma este só teria um aspecto compensatório, distinto do aspecto ressarcitório previsto no chamado Dano Material. Já quanto à parte punitiva pedagógica associada ao primeiro tipo de dano, essa deveria ser posta como um terceiro dano autônomo dos demais, posto que ela visa não somente uma advertência da não aceitação, tolerância, bem como desestimularia a reincidência do ilícito.

Assim ter-se-ia a teoria indenizatória do dano quadripartite em: 1- indenização por Dano Moral, aquela que visa compensar os danos causados ao patrimônio imaterial do lesado; 2- a indenização por Dano Estético, quando o dano causado à integridade física gerar um abalo permanente, como vem defendendo a atual jurisprudência brasileira; 3- indenização por Dano Material, sendo aquela passível de ressarcir o patrimônio material do lesado ao status quo anterior ao ilícito praticado e, por fim, 4- a indenização por Dano Social, como chamaremos àquela que visa compensar a sociedade pelo dano causado a esta na ocorrência de um ilícito repetidamente cometido, tendo como escopo básico o desestímulo à reincidência deste perante a sociedade que o desaprova.

4. FORMAS DE TUTELA DO DANO SOCIAL

Os punitive damages, nos seus países de origem, em um primeiro momento, foram vistos como heróis, pois conseguiram incentivar diversas reformas estruturais nos agentes econômicos privados, bem como dissuadir comportamentos de desrespeito ao consumidor. 

Atualmente, prevalece na doutrina e na jurisprudência brasileiras o entendimento de que a indenização pelo Dano Moral possui uma dupla função: do lado da vítima, atua como compensação pelo dano sofrido; já enfocado o ofensor, funciona como uma pena pelo dano causado ao lesado.  Porém tal função tem falhado, devido ao pânico do judiciário no incentivo da fantasmagórica indústria do dano moral.

Não se pode justificar um ilícito por outro, como não se pode justificar uma inércia judiciária baseada no fantasma doutrinário da chamada indústria do dano. O caráter dissuasivo-punitivo do Dano Moral perde completamente sua função frente a um judiciário temeroso, e inexpressivo que insiste em manter as condenações em valores relativamente baixos para o causador do ato lesivo, escondendo-se atrás da desculpa de que qualquer condenação mais expressiva viria a incentivar a chamada indústria do Dano Moral. Tal atitude só serve por incentivar a manutenção do comportamento danoso, visto que este passa a ser muito mais lucrativo do que se prontificar a evitar futuros ilícitos.

A aplicação de forma verdadeiramente coercitiva para o lesador teria por objetivo trazer maior efetividade e eficácia para as sentenças judiciais.

O art. 944 do Código Civil brasileiro estabelece a necessidade de quantificar a indenização pela extensão do dano sofrido. Tal dispositivo legal consagra o princípio da restitutio in integrum, pelo qual o dano deve ser integralmente reparado, com a reposição da vítima ao estado em que se encontrava antes da lesão ou, em não sendo possível a restauração da situação anterior, através de um equivalente monetário.  Esse artigo respeita ainda os preceitos constitucionais do artigo 5º CR que dispõe pela reparação integral do dano, porém com tantas limitações atribuídas a função punitiva-pedagógica do dano moral, tem-se o desrespeito reiterado a essência deste artigo.

Para solucionar a celeuma aqui apresentada, entendemos que o melhor critério a ser adotado seria a aplicação de uma indenização com suas funções separadas.

Assim, o aqui chamado Dano Social seria o dano auferido por toda a sociedade, pelo cometimento reiterado de um ato ilícito que acarreta no movimento abusivo da máquina jurídica, passível de ser indenizado, uma vez que a reiteração do ilícito gera a transcendência do dano da esfera pessoal do ofendido, vindo a atingir a esfera social, que conforme os preceitos legais estampados nos artigos 186, 187 e 944 do CC c/c 5º, X da CRFB também merece ser indenizado.

Doutrinariamente divide-se a legitimidade em ordinária e extraordinária. A primeira ocorre quando há coincidência entre a legitimação de direito material e a legitimidade para estar em juízo. Essa é a regra geral prevista no artigo 6º do CPC, e caracteriza tradicionalmente as ações de interesses individuais, onde o próprio lesado defende os seus interesses que foram afetados.

Desta forma, entendemos que a legitimidade das partes para pleitear a indenização social juntamente com os demais tipos de indenizações seria: ordinária, no que se refere a legitimidade para pleitear indenização de danos morais e materiais decorrentes do ato ilícito praticado para si mesmo; e extraordinária quando pleiteasse a reparação do Dano Social, visto que estaria pleiteando em seu nome um direito que é inerente a toda a sociedade; e por fim poderia afirmar haver uma certa presentatividade na legitimação extraordinária, por esse indivíduo está inserido na própria sociedade, sendo inclusive parte desta, visto uma aplicação da chamada “teoria do órgão” analogicamente.

A teoria do Dano Social trata de um ressarcimento a própria sociedade in personae, e por isso este poderia vir a ser pleiteado por quaisquer dos lesados em concreto, em ação individual que vise ressarcir os danos que também atingiram a esfera do pleiteante. Deste modo ter-se-ia um caráter difuso da proteção social, onde um lesado poderia pleitear não só o ressarcimento para si mesmo como também para a coletividade mor a qual este faz parte, ou seja, para a própria sociedade sem prejuízo de eventual tutela coletiva com escopo idêntico ou maior; o que, nesse caso, ocorreria a chamada continência das ações, bem como a aplicação do artigo 94 do CDC, quando necessário, levando a extinção da ação individual, distinguindo-se neste ponto das tutelas coletivas.

No direito comparado temos o caso canadense Whiten v. Pilot Insurance Co., no qual a Suprema Corte do Canadá indica alguns princípios que poderiam servir de orientação para o valor a ser arbitrado a título de Dano Social no Brasil.

O primeiro ponto destacado pela corte canadense é a necessidade de se ter em mente a natureza excepcional da aplicação dos punitive damages originários, aqui comparados ao Dano Social. Assim, o dano social apenas deve ser imposto nos casos de arrogância, malícia, arbitrariedade ou conduta altamente reprovável do agente, evitando a banalização do instituto como ocorreu com o seu precursor o dano moral.

O segundo ponto refere-se a necessidade do quantum indenizatório arbitrado ser proporcional ao grau de reprovabilidade do ato lesivo, devendo ser considerado o grau de vulnerabilidade da vítima, e a vantagem ou proveito obtido pelo agente no atuar ilícito, bem como o poder econômico do ofensor e o efeito multiplicador das demandas.

Por fim, para evitar-se a temerária “indústria do dano”, na aplicação do chamado Dano Social, o montante fixado a este título deverá ser revertido para a própria sociedade, não integrando o patrimônio do lesado individualmente, mas sim ao patrimônio social, sendo destinado a um fundo estatual específico de finalidade vinculada a ser definida em lei estadual.

Na esteira da hipótese acima levantada, será mister uma reforma do pensamento jurídico Brasileiro para que possamos atingir uma maior celeridade e efetividade da prestação jurisdicional. Essa reforma no pensamento jurídico já está ocorrendo aos poucos, podendo esta ser comprovada pelos recentes julgados que alteraram, inclusive, a nossa interpretação constitucional, nos levando a acreditar, cada vez mais, que mesmo nossa Constituição só vale por aquilo que os juízes dizem que ela vale, pois esta nada mais é senão a leitura que o Poder Judiciário faz de sua letra e de seu conteúdo.

Acreditamos que a teoria do Dano Social aqui apresentada, agasalha-se na interpretação sistemática do ordenamento jurídico brasileiro, atendendo a efetivamente a aclamada função punitiva das indenizações além de dissuadir os ilícito reiterados, sem, contudo, gerar o temido enriquecimento sem causa. Por fim, a aplicação da presente teoria traria as sentenças maior eficácia, auxiliando o judiciário a retirar-se do ciclo vicioso de condenações em ações rotineiras e ineficazes por serem inexpressivas perante o poder econômico destes infratores recorrentes.

Aplicando tais preceitos estar-se ia compatibilizando a ideia do Dano Social com os princípios processuais constitucionais e os dispositivos legais vigentes no direito brasileiro.

CONCLUSÃO.

Procurou-se demonstrar com o presente artigo que, a função pedagógica da indenização não deve ser relegada a um segundo plano, sendo instrumento necessário para atender os preceitos constitucionais da proporcionalidade do quantum indenizatório frente ao dano causado, sendo possível a atuação do juiz ser balizada pelos princípios constitucionais e legais sem gerar enriquecimento desproporcional a qualquer das partes.

Ademais, sabe-se que a teoria do dano social, aqui defendida, não é a solução única dos problemas da efetividade do processo, mas apenas um meio disponível para se buscar a máxima efetividade da atividade jurisdicional, que é um direito fundamental.

Assim, não deve ser permitida sua utilização pelo juiz em qualquer caso, sem a devida análise dos seus efeitos. Não compete ao juiz, em sua atuação funcional, tentar corrigir todos os desacertos do mundo, mas deve, quando possível emitir soluções aos problemas sócias e não meras sentenças sem qualquer força efetiva.

Logo, não pode o juiz utilizar a condenação por Dano Social para qualquer caso, posto que arbitrário. Tampouco, deve o juiz deixar de aplica-la por excesso de formalismo, apego à literalidade da lei, ou mesmo timidez na hora de decidir.

Por ser um instrumento de grande valia para garantir o acesso à justiça e o direito fundamental à efetividade da decisão judicial, os institutos aqui mencionados devem ser bem empregados, na construção de uma justiça melhor.

Sobre a autora
Cristiana Campos Mamede Maia

Advogada, Sócia do Garcia Abreu Advogados Associados e Pesquisadora da FGV-Rio; Pós-Graduada em: Direito Público pela Escola de Magistratura do Rio de Janeiro - EMERJ (2016); em Direito do Estado e Regulação pela Fundação Getúlio Vargas-FGV/Rio (2013); Direito Processual Civil pela Universidade Candido Mendes- IAVM (2010); Especialista em Direito Imobiliário pela Universidade Candido Mendes-UCAM (2008); Bacharel em Direito pela Universidade Candido Mendes-UCAM (2011).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Primeira versão do Artigo Científico apresentado como exigência de conclusão de Curso de Pós- Graduação Lato Sensu da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro em 03/06/2016 tendo como Professores Orientadores: Arthur Gomes; Mônica Areal; Néli L. C. Fetzner e Nelson C. Tavares Junior

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