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Lava Jato e a implosão do parasitismo depredador dos donos do poder

Agenda 28/06/2016 às 17:24

A Lava Jato e outras operações congêneres estão diária e exuberantemente comprovando: nossas elites e oligarquias kleptocratas (que usam o Estado para o enriquecimento criminoso ou injustamente favorecido) chegaram no limite máximo de degeneração...

A Lava Jato e outras operações congêneres estão diária e exuberantemente comprovando: nossas elites e oligarquias kleptocratas (que usam o Estado para o enriquecimento criminoso ou injustamente favorecido) chegaram no limite máximo de degeneração, decadência e degradação. Mas isso não significa incapacidade do povo brasileiro para o progresso, para a evolução, para a civilização, apesar dos descrentes, dos desesperançados e dos Brasilcéticos. Dentro do Brasil, desde logo, como é fácil constatar, já existe um país bastante avançado, que nada deve a vários países europeus (por exemplo). Cabe à sociedade civil buscar a homogeneização desses vários brasis desgarrados uns dos outros.

É um engano supor que a degeneração e decrepitude das nossas elites kleptocratas governantes e dominantes – que estão sendo comprovadas e escancaradas pela Lava Jato – sejam um mal recente; deixando para outro momento a análise da kleptocracia portuguesa que durou pouco mais de três séculos e se acabou (1500-1822), a kleptocracia brasileira vem de 1822 e passa, disseminando seus rastros extrativistas e desagregadores, por várias etapas: neocolonialista (1822-1889), Primeira República (1889-1930), ditadura de Vargas (1930-1945), democracias populistas (1945-1964), ditadura civil-militar (1964-1985) e Nova República (1985-até os dias de hoje). Nossa proposta é centrar na teoria da kleptocracia uma possível explicação para muitos fenômenos do Brasil (históricos, sociológicos, políticos, econômicos, jurídicos, sociais e culturais).

Já são quase 200 anos de escamoteação científica, intelectual e educacional sobre as verdadeiras causas do nosso subdesenvolvimento (que não tem sentido prosseguir pela vontade de uns poucos contra os interesses da maioria). Os estereótipos vulgares difundidos pela inteligência e cultura nacionais (para explicar o atraso) confundem sintomas com as causas (a febre no paciente é sintoma, não a causa da doença). Nos caracterizariam e nos explicariam “o clima tropical, a mistura de raças, a origem portuguesa, a tradição religiosa, a pobreza e a ignorância dos nossos ancestrais, até, uma imaginária juvenilidade do Brasil” (D. Ribeiro, in Bomfim, A América Latina, p. 12). Essas explicações são falsas e desinformantes. E muito prejudiciais, porque enquanto não atacarmos as causas, não podemos esperar efeitos positivos.

Também são falsas as teorias populares geográficas, as culturais e as da ignorância, que sugerem que os países pobres ou com baixo crescimento não saberiam como se tornarem ricos ou economicamente sustentáveis (ver Acemoglu-Robinson, Por que as nações fracassam, p. 38 e ss.). Esses autores agregam: o mundo é desigual [e há nações que crescem pouco, desorganizadamente e vivem em crises] porque “algumas sociedades são organizadas de maneiras muito ineficazes e socialmente indesejáveis (…) os países que não prosperam erram não por uma questão de ignorância ou cultura (…) os países pobres são pobres porque os detentores do poder fazem escolhas que geram pobreza. Erram (…) de propósito (…) Estamos no campo da política e dos processos políticos”.

Tudo depende, portanto, de como são organizadas as instituições políticas, econômicas, jurídicas e sociais. No nosso caso, estamos diante de uma sociedade estruturada de cima para baixo de acordo com as bases de uma kleptocracia, que beneficia e enriquece com o dinheiro público – desequilibradamente – as elites e oligarquias (os donos do poder) que comandam a nação. Por quê? Porque são instituições extrativistas e parasitárias (que favorece o grupo bem posicionado dentro do Estado).

A consequência natural do parasitismo é sua decadência: “um grupo ou um organismo social, vivendo parasitariamente sobre outro, há de fatalmente degenerar, decair, degradar-se, involuir, em suma” (M. Bomfim, A América Latina, p. 66). As crises a que chegamos no Brasil (política, econômica, social, ética) são sintomas dessa doença muito grave. Nosso PIB per capita (de 1985 a 2012) cresceu apenas 1,4% (ver M. Mendes, Por que o Brasil cresce pouco?). Esse baixo crescimento do PIB per capita constitui um agudo sintoma de algo preocupante.

Parasitas “são organismos que vivem em associação com outros dos quais retiram os meios para a sua sobrevivência, normalmente prejudicando o organismo hospedeiro, um processo conhecido por parasitismo” (ver Wikipedia). Todas as doenças infecciosas e as infestações dos animais e das plantas são causadas por seres considerados parasitas. Há um animal marinho que é eminentemente parasitário (Chondracanthus gibbosus). “Fixado ao animal que o nutre, sua atividade vital é sugar a seiva nutritiva. É um parasita rudimentar e inferior” (M. Bomfim, A América Latina, p. 62). O parasitismo depredador (extrativismo) está na base última da nossa kleptocracia assim como do nosso subdesenvolvimento. Entendê-la significa compreender boa parcela da vida e evolução do Brasil.

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Na kleptocracia brasileira há dois tipos de parasitas sugadores (extrativistas) do dinheiro público: o criminoso (que se enriquece por meio da corrupção, evasão de divisas, peculato, sonegação de forma organizada, lavagem de capitais, organização criminosa, falsificações etc.) e o que faz fortuna por meios politica e injustamente favorecidos, como é o caso do chamado capitalismo de laços (S. Lazzarini), ou seja, riqueza decorrente de uma relação promíscua entre os entes ou agentes públicos e privados, confundindo-se a coisa pública com a privada (patrimonialismo).

A Lava Jato, pela primeira vez no Brasil, de forma sistemática, está investigando, processando e punindo os agentes públicos e privados que integram o luxuoso clube da kleptocracia nacional, fundada no parasitismo depredador (extrativismo). Analisado o tema teoricamente, poder-se-ia ter a impressão de que os danos sociais (social harm) dessa apropriação do dinheiro público ficassem restritos ao setor público. Nada mais enganoso. Toda economia está afetada.

O desmonte rigoroso da kleptocracia brasileira está revelando uma das causas desse baixo crescimento econômico (pelo menos desde 1980), que é a profunda desigualdade (ver M. Mendes, atual secretário de Política Econômica, Por que o Brasil cresce pouco?), gerada especialmente pela apropriação da arrecadação pública por poucos (elites/oligarquias, que somam digamos 1%), em detrimento dos muitos (99% restantes).

O mundo político e econômico, como não poderia ser diferente, está apresentando sinais de enorme desespero. Em jogo está um sistema de poder (kleptocrata) bissecular. Uma vez reveladas suas entranhas, se sabe comprovadamente que a corrupção sistêmica, assim como os enriquecimentos politicamente favorecidos (veja o caso de Eike Batista, por exemplo, sempre citado como um “campeão nacional”), não é fruto apenas do espírito extrativista parasitário dos donos elitistas do poder (contaminados pelo fantasma de Hernan Cortês: “Viemos aqui para evangelizar e também para enriquecer”), senão também da grandiosidade gigantesca do Estado brasileiro, onde, ademais, o patrimônio público é gerido como se fosse privado. É preciso impor limites ao extrativismo (parasitismo depredador) assim como à medonha grandeza do Estado brasileiro (priorizando-se suas funções típicas assim como o capitalismo competitivo, fiscalizado pelo poder público administrativo e instituições jurídicas).

A corrupção sistêmica, no Brasil, não é resultado apenas das oportunidades criadas pelo patrimonialismo brasileiro (Estado, no nosso caso potente, que confunde o público com o privado). Vai além: ela está enfronhada, ao lado do enriquecimento favorecido (do grupo Oi, por exemplo), desde sempre, em toda estrutura do exercício do poder. O poder, no Brasil, sempre foi kleptocrata (sempre foi apropriado para benefício de poucos em detrimento da população majoritária). A kleptocracia se converteu em um método de administração, preservação ou conquista do poder. É um referencial (epistemológico, sociológico, político, econômico) que pode explicar grande parcela da História brasileira. Conhecendo-se suas matrizes e nuances, ficará mais fácil combatê-la.

O Estado brasileiro foi sequestrado, desde 1822, para favorecer um pequeno grupo (elites/oligarquias econômicas e políticas) que mantém suas riquezas e seus privilégios típicos das castas dominantes, sendo-lhe absolutamente indiferente o teor apenas formal da nossa democracia, posto que o voto dos cidadãos e subcidadãos nunca possuem o mesmo valor do voto dos supercidadãos, que são os financiadores (lícitos ou ilícitos) das campanhas e dos mandatos dos políticos (valendo-se, para isso, de contratos superfaturados nas estatais brasileiras). O que a Lava Jato está fazendo, inusitadamente, é romper esse círculo vicioso (que é virtuoso, evidentemente, para os membros de kleptocracia).

Daí a insurreição dos políticos, empresários, agentes financeiros e corporações, que querem que a Lava Jato termine o quanto antes, aliás, antes mesmo que toda verdade sobre todos os envolvidos (incluindo, desde logo, vários partidos políticos) venha à tona. Do ponto de vista dos que estão arcando (sacrificadamente) com o enriquecimento criminoso ou favorecido dos membros do clube da kletocracia, é evidente que a Lava Jato tem que avançar em seus trabalhos, não tendo prazo para acabar, descobrindo-se todos os que denigrem a importância da nossa democracia, já bastante imperfeita (per se). Mais: na esteira da microrrevolução da Lava Jato, cabe agora à sociedade civil fazer pressão em favor de um plebiscito que cuide dos eixos de uma completa reestruturação do sistema político-eleitoral (aprovando-se, por exemplo, dentre tantos outros temas, o fim do foro especial nos tribunais).

Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

Informações sobre o texto

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