Vinculando a intolerância à política, alguns candidatos se permitem acatar ao discurso do ódio e do abuso no calor do momento em cima do palanque. Já eleitos e no exercício dos mandatos, contudo,os representantes do povo manifestam de forma imatura seus preconceitos promovendo dia-a-dia um resvalar danoso nos Direitos Humanos.
O discurso, a principal ferramenta da política, é, às vezes, prego e martelo, em outras, arma de destruição em massa. Congresso Nacional Africano e Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães. Duas faces, dois destinos. Criar ou destruir. Este é o verdadeiro poder conferido a um partido político.
O presente artigo visa analisar, com base no artigo “Liberdade de Expressão e Ideais Antidemocráticos Veiculados por Partidos Políticos – Tolerância com os Intolerantes?” de André de Carvalho Ramos, publicado no compilado “Temas de Direito Eleitoral no Século XXI”, as consequências em se ter um ponto de vista antidemocrático por um Partido Político no ordenamento jurídico brasileiro.
Antes de se definir se é possível ou não o cancelamento do registro de partidos políticos por conta do abuso da liberdade de expressão sobre propostas antidemocráticas, faz-se necessário o estudo do termo liberdade de expressão e o que seria uma proposta antidemocrática.A definição compreendida de liberdade de expressão em nosso contexto jurídico correlaciona ao próprio sentido de Estado de Direito, em que se é permitida a livre discussão dos ideais e panoramas na arena democrática, sob o pretexto de que a divergência é um aspecto positivo para o desenvolvimento de um grupo social. A nossa Constituição Federal, exempli gratia, nos incisos do artigo 5º, temos que é livre a expressão de atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença, e a manifestação do pensamento, somente vedando-se o anonimato.
Portanto, é um preceito fundamental dos Estados democráticos. Ocorre que, diante da colisão de direitos, certos limites são inerentes ao ambiente saudável de uma sociedade que almeja respeitar a dignidade humana.Deste aparente paradoxo decorre a seguinte dúvida: teriam espaço num sistema que em seu âmago é voltado para a inclusão, a xenofobia, o racismo, o fundamentalismo religioso ou até mesmo as modernas ideologias nazi-fascistas?
No rumo de um corpo social mais inclusivista, os setores conservadores da sociedade têm buscado mais e mais ardilosos métodos para a criação de obstáculos a este fim. Relegam, sem qualquer argumento aceitável e com demagogia barata, as minorias e os oprimidos de sempre. Empregam, incessantemente, os já absurdamente desgastadospreconceitos de outrora como meio de legitimar seu ódio.
O discurso de ódio, ou do inglês hate speech, consiste na exteriorização de juízos de valor que, por mais anacrônicos, são de cunho discriminatório. Incitação à violência, à atos de eugenia ou de segregação. Já decidiu o Supremo Tribunal Federal que:
“Preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o ‘direito à incitação ao racismo’, dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica.1”
O Brasil, por esse aspecto, considera a responsabilidade nas colocações dos interlocutores. A livre manifestação só se constitui em instrumentalidade quando certos direitos são em face dela contrapostos. É por esta razão que se entende que existem limites explícitos e implícitos à liberdade de expressão.São explícitos, por enquanto apenas à título de curiosidade, a vedação ao anonimato e o direito de resposta, e implícitos, a ponderação com os demais direitos por meio de ideias racistas, que vulneram o direito à igualdade.
Todavia, em 2011, o STF declarou inconstitucional a proibição que era dada às emissoras de rádio e televisões.Em qualquer tipo de programa era proibido o uso de trucagem, montagem ou qualquer recurso de áudio ou vídeo que resultasse na redicularização do candidato, partido ou coligação. Apenas foi ressalvado pelo STF que seria proibido favorecer nitidamente uma das partes na disputa eleitoral.
No Código Eleitoral nº 9.504/1997, podemos observar que a discriminação odiosa não possui destaque, exceto quando abordado o preconceito de raça.Entretanto, é incontestável que o discurso de ódio implica em ser uma opinição preconceituosa contra minorias religiosas, étnicas, culturais e sociais, que afronta os principios assegurados pelo artigo 5º da Constituição Federal:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...”
Se resta claro que a liberdade de expressão possui como limite os diretos de um individuo em relação aos direitos do outro individuo.
Neste mesmo sentido, podemos observar que o art. 17 da Constituiçao Federal, resguarda os direitos fundamentais da pessoa humana no momento da criação, fusão, incorporação e extinção dos partidos politicos:
“Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:
I - caráter nacional;
II - proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes;
III - prestação de contas à Justiça Eleitoral;
IV - funcionamento parlamentar de acordo com a lei.’’
Uma manifestação de odio feita por qualquer partido politico, que consiste em uma forma de manifestação de ideias e interesses poderá ter consequencias juricas e sociais como versa o ilustre José Cretella Júnior, em sua obra “Elementos do Direito Constitucional’’:
“Pensamento manifestado é o declarado, o que se projeta para o mundo, tornando-se conhecido e, pois, gerando consequências jurídicas e sociais.”
Deste modo, aquele partido político do qual os ideias sejam antidemocraticos ou discriminatorios deverão ser analisados e possivelmente cancelados quando violarem os principios observados na constituição Federal.
É muito tênue a linha que separa a liberdade de expressão de idéias políticas decorrente do discurso desses partidos e o abuso de direito do exercício dessa mesma liberdade de se expressarem.
Para tanto, faz-se presente a teoria do abuso de direito, que conceitualmente é a hipótese em que ocorre uma supressão do exercício de um determinado direito, quando esse vier a oferecer uma ameaça a outros direitos igualmente relevantes, como os direitos humanos e a liberdade, ou ainda, ao regime democrático em si.
O instituto do abuso de direito origina-se em um primeiro momento no Direito Privado, pois justamente da relação entre os particulares demonstrou-se necessário estabelecer um limite de proteção entre esses direitos equivalentes. Temo um equivalente em nosso código civil brasileiro sob o título Dos Atos Ilícitos, em seu artigo 187, verbis:
“Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”
Nesse mesmo sentido define bem a comissiva abusiva de um direito, quando Paulo Nader (2004, p.553) diz que:
“(...) abuso de direito é espécie de ato ilícito, que pressupõe a violação de direito alheio mediante conduta intencional que exorbita o regular exercício de direito subjetivo.”
De qualquer forma, atualmente encontra-se positivado nas cartas normativas mais expressivas em todo mundo, um exemplo é o Artigo 30 da Declaração Universal dos direitos humanos, in verbis:
“Nenhuma disposição da presente declaração pode ser interpretada de maneira a envolver para qualquer Estado, agrupamento ou indivíduo o direito de se entregar a alguma atividade ou de praticar algum acto destinado a destruir os direitos e liberdade aqui enunciados.”
Entretanto, em decorrência das experiências traumáticas dos Estados que sofreram com os regimes totalitários, que não é uma exclusividade européia, é que surge a preocupação na garantia de alguns direitos fundamentais a esses partidos ideologicamente carregados, em razão, justamente, da possibilidade desses mesmos se mostrarem eivados de atitudes antidemocráticas a ponto de serem ameaça ao próprio sistema que as tolerou e acolheu.
Contudo, em virtude dessa possível ameaça antidemocrática, é que ocorrem justamente atitudes similares, sendo a supressão desses partidos mais extremos em seus posicionamentos.
A polêmica se encontra nesse limite do que seria o abuso de direito e por parte de quem é cometido. Incorreria em abuso de direito todos os partidos que demonstram sua ideologia extremista e divulgam os seus materiais e reúnem os seus adeptos? Ou seria, em verdade, abuso de direito a vedação a esses partidos o direito de livre associação partidária, expressão, reunião e etc?
Não há resposta simples, o problema é que há geralmente uma maioria democraticamente estabelecida no poder, e essa mesma maioria cumulada com seus aliados políticos, podem a vir exercer influência suficiente para que determinadas minorias não consigam constituir um partido e se verem representadas.
Justamente, essa é a problemática principal, é a subjetividade do limite da justificativa do que é “antidemocrático” que serve de motivo para a dissolução de partidos ideologicamente muito diferentes dos amplamente estabelecidos na política. Pois, instaura-se um subjetivo protecionismo da ordem para que se efetivem atitudes intolerantes através da utilização de conceitos extremamente difíceis de determinar como “em razão da segurança nacional”, “pela defesa de ordem”, ou ainda “ameaça à soberania”
A solução que um Estado maduro deveria apoiar é em um primeiro momento, incentivar a propagação da educação política durante a formação do cidadão, para que ele compreende o papel do multiculturalismo na política e suas diversas pautas representadas por esses partidos.
E em um segundo, defender a real democracia que é o diálogo entre os mais diversos grupos existentes, de modo que possam juntos, estabelecer as prioridades do País e promover a evolução dos diversos setores basilares do Estado.
Obviamente que todos os partidos devem ter o direito de promoverem suas pautas, desde que ocorra através dos meios constitucionais pertinentes e que o conteúdo da reforma não atente contra outros direitos democráticos, bem como dos direitos fundamentes. O limite justamente é esse, a promoção das pautas de cada minoria representada por seus partidos, de modo que não venha interferir no direito de outros grupos.
É necessário compreender que a dissolução de um partido político é a ultima ratio do direito eleitoral e deve ser aplicada contra àqueles grupos que ofereçam uma real ameaça à democracia propriamente dita em razão de pautas violentas e segregatórias.
Um exemplo ilustrativo, são as pautas de grupos que geralmente incitam a violência e têm notoriedade por haver braços armados, sejam os grupos neonazistas, eivados de discursos de ódio e segregação suportados e financiados por políticos de caráter duvidoso, intelectuais conservadores, conservadores religiosos e skinheads. Ou nesse mesmo sentido, grupos notórios por terem braços armados como as FARC, ETA e etc.
Ou ainda, grupos fundamentalistas religiosos que geralmente tendem a ter conteúdo altamente segregatório e intolerante, não condizente mais com um Estado secular e maduro por conta da característica multicultural dos seus próprios cidadãos. As pautas religiosas são extremamente comprometedoras devido à impossibilidade de compatibilidade dos textos religiosos com os projetos de leis que versam sobre as mais diversas minorias dos mais diversos setores que uma sociedade moderna abrange.
Por fim, deve-se compreender a necessidade de inclusão de todos os partidos com seus mais diversos discursos que representem as mais diversas pautas de minorias, não há problema serem de direita conservadora, ou esquerda radical, de base religiosa cristã ou proveniente de matrizes africanas, de pauta LGBT ou de pauta conservadora, contanto que sempre zelem pelo secularismo do Estado, pela laicidade das instituições, pela inclusão no debate e principalmente pelo diálogo maduro.
A era moderna é a era da inclusão, da participação democrática. A democracia é indubitavelmente ter a liberdade de ser o que você realmente é e não sofrer nenhum tipo de repressão por isso. É ter o seu direito de crença ou descrença completamente respeitado e protegido. É ter seus direitos de proteção e liberdades positivados pelo Estado e ver os direitos de proteção e liberdades das outras pautas serem também tutelados pelo Estado. Isso é viver no Estado Democrático de Direito.