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Eutanásia: testamento vital

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Agenda 03/07/2016 às 23:11

No presente estudo vamos estabelecer a dialética entre a proteção ao direito à vida e o direito da autonomia privada em relação à eutanásia, e o Testamento Vital, e a sua relação com a dignidade da pessoa humana.

Resumo: No presente estudo vamos estabelecer a dialética entre a proteção ao direito à vida e o direito da autonomia privada em relação à eutanásia, e a sua relação com a dignidade da pessoa humana. O homem, sendo um valor de ser, é imprescindível na sociedade e somente se realiza enquanto é. A perspectiva da retirada desse valor de ser, será estudada sob o ponto de vista da bioética e do biodireito. Neste cotejo, imperioso estudar que vida o doente quer tirar, a vida como deveria e almejaria ser, ou a vida de sofrimento que enfrenta?

O tema é desenvolvido confrontando o desejo de matar a vida de sofrimento, e o papel dos profissionais de saúde e familiares, neste momento difícil da vida do doente, para lhe dar esperanças de viver, com conforto, humanidade e alento, e o fazer aceitar a morte na vivência deste tempo. Todas estas reflexões serão tratadas do ponto de vista do direito, das garantias constitucionais, e principalmente do direito a uma vida digna.

 Analisaremos ainda, do ponto de vista jurídico e clínico, a humanidade da pessoa, pois quando tiramos esta humanidade, mesmo que só tenha sobrado resquícios dela pela doença que aflige a pessoa, nos deparamos com a coisificação do ser humano, e nunca podemos nos colocar no lugar de coisa.  Assim, vamos analisar, também, a eutanásia sob a perspectiva da ética, que está ligada à liberdade de escolha, como finalidade de tornar melhor os vínculos sociais. São apresentados ensinamentos doutrinários de todas estas questões, para concluirmos pela superioridade da vida humana, do ponto de vista ético e jurídico, e quanto esta vida precisa ser protegida.

 

Sumário: Introdução. 1) Dignidade da pessoa como princípio constitucional - Tutela da Personalidade Jurídica – Direitos da Personalidade - Direito à Vida – Autonomia Privada 2) Eutanásia - Bioética – Biodireito 3) Legislação Brasileira e Portuguesa – Testamento Vital. Conclusão. Referências e Bibliografia.

Palavras-chave: Eutanásia. Tutela da Personalidade Jurídica – Dignidade da Pessoa Humana – Direito à Vida - Bioética – Biodireito -

 

Introdução

A reflexão sobre a vida é o ponto de partida para a problemático estudo sobre a eutanásia. E a autonomia da pessoa é confrontada com o valor superior da proteção da vida.

O presente trabalho procurou abordar a questão da prática da eutanásia, e demais temas correlatos, como o princípio constitucional da dignidade da pessoa, autonomia, e direto à vida, como valor superior, com relevância para os campos ético e jurídico.

Discorreremos sobre a tutela dos direitos da personalidade em cotejo com a eutanásia. Neste processo passaremos a conceituar a eutanásia, e descrever suas características. Faremos nesse quadrante o estudo da bioética e do biodireito relativos ao tema.

Sob o ponto de vista ético, vamos analisar se a súplica do paciente enfermo, com sofrimento prolongado e dores insuportáveis, será o desejo de uma verdadeira eutanásia, mas, acima de tudo, se são pedidos de ajuda e afeto, que todos ao seu redor, pais, filhos, médicos e demais profissionais da saúde, devem dispensar ao doente.

Nestes termos, vamos apresentar o instituto do testamento vital, que em Portugal se apresenta no sentido de resguardar a vontade do doente, prevalecendo o princípio da dignidade humana.

Será analisado o problema da eutanásia no contexto jurídico, doutrinário e, também, no que concerne ao seu aspecto ético.

1) Dignidade da pessoa como princípio constitucional - Tutela da Personalidade Jurídica – Direitos da Personalidade - Direito à Vida – Autonomia Privada.

A dignidade da pessoa humana é base de tudo. Significa que a cada pessoa deve ser atribuído direitos, que assegurem a sua dignidade na vida social.

Essas considerações nos remetem ao princípio da dignidade humana, a qual para Francisco do Amaral “a pessoa humana é um valor em si mesmo, um valor intrínseco, absoluto, não um meio de realização de interesses alheios, devendo merecer respeito e consideração social”.[2]

Na Constituição Federal brasileira, em seu art. 1º, encontra-se positivado o princípio da dignidade humana, como fundamento do Estado Democrático de direito.

 “Leo Van Holthe aduz que o art. 5º, inciso III, proíbe o tratamento do ser humano como “coisa” ou “objeto”, negando-lhe seu valor intrínseco e sua condição humana”.[3]

A Constituição da República Portuguesa, em seu artigo 1.º, acolhe a dignidade da pessoa humana.

 “A proteção da dignidade humana como valorização da pessoa em detrimento do patrimônio constitui o principal fundamento da personalização do Direito Civil e se deu com base no modelo de Immanuel Kant, sendo esse princípio o primeiro e mais importante do Direito Privado”.[4]

Oliveira Ascensão afirma que “a dignidade humana implica que a cada homem sejam atribuídos direitos, por ela justificados e impostos, que assegurem esta dignidade na vida social. Esses direitos devem representar um mínimo, que crie o espaço no qual cada homem poderá desenvolver a sua personalidade. Mas devem representar também um máximo, pela intensidade da tutela que recebem”.[5]

“Rosa Maria de Andrade Nery confirma ser o princípio da dignidade da pessoa humana o mais importante regramento do direito. A estudiosa acentua que “É por ele que se faz prevalecer, no contexto das relações humanas, o valor da vida e da liberdade humana”.[6]

 A Constituição Federal brasileira encerra diversos direitos da personalidade, como o direito à vida, à saúde, à liberdade, à segurança e à propriedade.

A Professora Doutora Ana Roque nos ensina que “podemos constatar que os direitos, liberdades e garantias consagrados na CRP têm uma corrente paralela de direitos civis, os chamados direitos de personalidade”[7].

Os direitos da personalidade, quais sejam, o direito à vida, à privacidade, informação, à saúde, disposição do corpo, entre outros, são inerentes à personalidade humana, e estão intrinsecamente ligados ao tema proposto, tendo em vida que na admissão da eutanásia, diversos direitos de personalidade podem ser violados ou exaltadas, mister se faz saber quais devem ser majorados e quais devem ser mitigados, em relação ao bem jurídico maior que é a vida.

Para Pedro Pais de Vasconcelos “personalidade jurídica costuma ser definida formalmente como a suscetibilidade de direitos e obrigações ou de titularidade, ou de ser sujeito de direitos e obrigações ou de situações jurídicas”[8].

Enfatiza Bittar que “os naturalistas (como Limongi França) salientam que os direitos da personalidade correspondem às faculdades exercitadas normalmente pelo homem. São direitos que se relacionam com atributos inerentes à condição da pessoa humana”[9].

“Para o positivismo, a personalidade jurídica é um dom do Estado, que a concede ou recusa por livre opção”.[10]

Para Oliveira Ascensão “à pessoa assim caracterizada terá de ser atribuída personalidade jurídica, pois esta é condição necessária para poder prosseguir por si os seus próprios fins”.[11]

“A origem etimológica do termo pessoa vive encerrada numa neblina de mistério. Na verdade, qual a origem da palavra e qual o correcto sentido em que foi utilizada no pensamento antigo continuam a ser questões em aberto”.[12]

“Seja qual for a mais remota origem etimológica da palavra pessoa... o pensamento antigo...não chegou a estruturar o conceito de pessoa como categoria ontológica que explicasse o que era o Homem”.[13] Os gregos e os romanos utilizaram o termo pessoa para designar a máscara usada no teatro pelos atores.

“Com Santo Agostinho (séculos IV-V) acentuam-se a individualidade e singularidade como notas do conceito, as potências da inteligência, da memória e da vontade”.[14]

“Para São Tomás de Aquino nem toda a realidade de natureza racional será pessoa, mas só aquela que for subsistente, que exista por si. É suficientemente elucidadtivo este respondeo da Summa Theologica:’[...] dicendum quod personalitais necessário intantum pertinet ad dignitatem alicuius rei et perfectionem, inquantum ad dignitatem et perfectionem eius petinet quod per se existat: quod in nomine personae intelligitur”.[15]

“Nada menos que Tomás Morus (1478-1535), um santo da Igreja Católica, defende a eutanásia em sua famosa obra Utopia. Depois de ter insistido na necessidade de que em sua sociedade ideal, utópica, se atenda aos enfermos com grande solicitude e se lute por aliviar as dores, afirma que ‘se a enfermidade não é somente incurável, mas significa um tormento e um martírio contínuo, os sacerdotes e as autoridades devem dizer a tal enfermo que, dado que não é capaz de assumir as exigências da vida e é um peso para os outros – e insuportável para si próprio (...) - , não se deve obstinar em alimentar a epidemia e o mal e não deve titubear em morrer, pois a vida para ele é um tormento’”.[16]

Descartes em tenra idade expressou a ideia de “penso logo existo”.[17] Para Locke “pessoa” era “consciência”. “Para Kant, (século XVIII), a tónica da realidade pessoal é posta essencialmente, na consciência moral. [...] Para Hegel (séculos XVIII-XIX), a individualidade humana surge de novo como um problema... na verdade, o Homem – cada indivíduo humano – não é mais que a humanidade, humanidade essa que é, por sua vez, manifestação da razão, da ideia, do espírito[...]”.[18]

Para Mota Pinto, a personalidade é para o Direito um prius, sendo o seu reconhecimento uma exigência lógica e um postulado axiológico, que impõe a tutela da personalidade de todas as pessoas.[19]

Sempre se tentou proteger mundialmente os direitos de personalidade. “Assim, embora a Declaração Universal dos Direitos do Homem seja inicialmente uma declaração das Nações Unidas, sem força jurídica para se impor aos Estados por si mesma, tornou-se na prática o primeiro instrumento de universalização dos direitos humanos”.[20]

Importante “será ainda de apontar a importância de instrumentos como a Declaração americana dos direitos e deveres do homem e a Convenção americana relativa aos direitos do homem (elaboradas no âmbito da Organização dos Estados Americanos), a par da Convenção europeia de salvaguarda dos direitos do homem e das liberdades fundamentais e da Carta social europeia (produzidas pelo Conselho da Europa), cujos textos refletem a consideração da existência de “três categorias de direitos do homem: A) primeira é a dos direitos destinados a proteger a liberdade e a integridade física e moral da pessoa humana: o direito à vida; a libertação da escravatura, da servidão e do trabalho forçado; a proibição da tortura e das penas e tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes; a proteção contra as prisões ou detenções arbitrárias; a garantia de tratamento equitativo perante os tribunais; a proteção da vida privada; a liberdade de pensamento, de consciência e de religião”.[21]

“Com o novo Código Civil de 1966, a referência a direitos originários desaparece e, em sede de pessoas singulares, surge uma secção dedicada aos direitos de personalidade”[22]. Os direitos de personalidade são tutelados pelo art. 70.º e seguintes do CCP:

“Art. 70º (Tutela geral da personalidade)

{C}1.       {C}A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral”[23].

                        Canotilho assevera que “em todos os direitos fundamentais que não impliquem exigência de conhecimento ou tomadas de decisão (ex.: direito à vida e integridade pessoal, direito à liberdade) o exercício dos direitos fundamentais não está vinculado a qualquer limite de idade, pois a capacidade de exercício inclui aqui e pressupõe mesmo a capacidade de direitos”.[24]

                        “A personalidade não depende de consciência ou vontade do indivíduo, como destaca Caio Mário da Silva Pereira, pois ‘a criança, mesmo recém-nascida, o louco, o portador de enfermidade que desliga o indivíduo do ambiente, ou a falta de reação psíquica, é uma pessoa, e por isso mesmo dotado de personalidade’”.[25] Assim, a princípio, nenhuma justificativa há para legitimação de ceifar a vida, pois princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, não deve ser usado ao reverso para legitimar prática de eutanásia, para defender que o doente tem direito à uma morte digna. Na verdade, entendemos que o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana sustenta o argumento de uma vida digna, que passa pelos cuidados com o doente, com a diminuição de seu sofrimento, com o carinho com que deve ser tratado, enfim com todos os recursos médicos e afetivos, para que enfrente a aceitação do morrer, e transcenda esse período de dor em experiência de vida humana.

“Se não nos libertarem da dor física, se nos impuserem um sofrimento enquistado, se nos matarem socialmente, se nos fizerem morrer afectivamente, como poderemos aguentar viver? Não parece ser difícil desejar, assim, não viver. E não será o encantamento da morte que me pode incentivar a deseja-la, mas o horror de uma vida dolorosa a tentação para ensaiar uma fuga. Fuga que, tantas vezes, encontrará na procura da morte da vida a única possibilidade de matar “esta” vida. Sim, o doente quererá apenas matar “esta” vida insuportável”.[26]

Podemos, então, questionar se o agir em prol ao desejo de morte do doente, ou, até mesmo, tomar a decisão pelo doente, é “uma decisão indigna, porque injusta e inumana”.[27]

A defesa do direito à vida é primordial para a dignidade humana. “Desejar morrer é recusar viver, é negar a vida. Aceitar morrer, na vivência deste tempo, é desejar viver, é aceitar a vida”.[28]

“Mas a problemática do direito à vida envolve algumas questões que, ao longo dos tempos, têm sempre suscitado discussões em todo o universo, a saber: a do suicídio; a da eutanásia; a do abortamento e da pena de morte. Com referência ao suicídio, a tese prevalecente é a da repulsa pela sociedade, eis que a vida não é renunciável. Também a eutanásia se inclui nessa orientação, sendo definida como crime, mas merecendo abrandamento na apenação (art. 121, §1º, como “crime privilegiado”)”.[29]

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Negar a eutanásia, não pode ser negar o direito a dignidade humana, mas defender a vida sobre tudo, criando meios de se experimentar a vida, mesmo em momentos de doença que nos leve à morte, de forma a preservar a dignidade humana. Não estamos a pregar o sofrimento humano acima de tudo, mais no cotejo ente o direito à vida e o direito de autonomia sobre à vida, defendemos o direito à vida, com emprego, nesta seara de doença, de todos os meios eficazes para minorar o sofrimento físico, emocional e espiritual.[30]

Sobre a crise da perda da identidade do homem, a Professora Doutora Stela Barbas nos ensina:

“I – São cada vez em maior número os autores que defendem que, à medida que se desenvolvem as áreas do saber humano que se debruçam sobre a pessoa, se agrava a crise da perda da identidade do homem’.

‘II - Como referia Scheler, na história de mais de dez mil anos, encontramo-nos numa época em que o homem se tornou para si mesmo universal e radicalmente problemático: não sabe quem ele próprio é e dá-se conta de nunca mais o saber (238)’.

‘III - Uma das fraquezas da nossa civilização consiste na visão inadequada do próprio homem. A época atual é, sem dúvida, uma época na qual muito se escreveu e falou a propósito da pessoa, o período do humanismo. Contudo, paradoxalmente, é, também, a fase das mais profundas inquietações e angústias do homem a respeito do seu próprio ser e do seu destino, o período do retrocesso do homem a níveis anteriormente inimagináveis, a época da violação de valores humanos em moldes jamais vistos anteriormente (239)’.

‘IV - A concepção da pessoa nunca tinha sido desmantelada nestes moldes. Poderá a pessoa subsistir imaculada nesta total perda de princípios, valores e certezas?”.[31]

Para a Professora Matilde Conti “é necessário declarar uma vez mais, com toda a firmeza, que nada ou ninguém pode autorizar a que se dê a morte a um ser humano, seja ele no feto o embrião, criança, adulto ou velho, doente incurável o agonizante; e também a ninguém é permitido requerer este gesto homicida para si ou para outro confiado a sua responsabilidade, nem sequer consenti-lo, explícita ou implicitamente”.[32]

Sustenta, ainda, tão prestigiada doutrinadora que “não há autoridade alguma que o passa legalmente impor ou permitir. Trata-se, com efeito, de uma violação da lei divina, de uma ofensa à dignidade da pessoa humana, de um crime contra a vida e de um atentado contra a humanidade”.[33]

Importantes considerações nos traz a Professora Doutora Stela Barbas, para refletirmos:

“O personalismo jurídico concebe o homem como sendo o pilar, o motor, o núcleo de toda a ordem jurídica; a pessoa constitui o valor programático por Excelência do Direito”.

“Todo o homem, enquanto pessoa em sentido ontológico, goza de uma dignidade intrínseca, é sujeito de direito, sendo-lhe inato um conjunto de direitos fundamentais ocupando o primeiro plano o direito à vida”.

“A noção de direitos do homem (359) implica uma panópia de exigências profundamente inscritas no próprio fato de ser homem. Deste modo, o seu reconhecimento não deve estar dependente de fatores exógenos ou de concessões de outrem, mas sim, resultar, precisamente, da circunstância de que o ser humano é o valor por excelência que preside a todo Direito”.

“A intrínseca harmonia dos valores implica que se um dos direitos do homem é violado o Direito é atingido e a dignidade do homem é posta em causa”.

A afirmação de que a dignidade pessoal é algo inerente ao ser humano fundamenta-se na unicidade e na irrepetibilidade de todo o indivíduo; em virtude de sua dignidade, o homem é sempre um valor em si e por si e como tal deve ser tratado. A dignidade pessoal é uma palavra sem sentido, despojada de valor se não tiver as suas raízes no fato de que cada ser humano é pessoa, substância individual de natureza espiritual”.[34]

Importante refletir sobre a aceitação da autonomia que põe em risco um bem superior que é a vida, que podemos dizer inviolável, indisponível e até mesmo, para os religiosos, sagrada.

                   2) Eutanásia - Bioética – Biodireito.

A complexidade do tema sob estudo, tanto quanto seu caráter polêmico, faz com que, de início, tenhamos que cuidar das definições e conceituações dos institutos propostos, tanto quanto da breve análise da sua evolução histórica.

Nesse sentido, temos a manifestação da Doutora Matilde Carone Slaibi Conti, que entende ser tormentoso o tema tratado, assim prescreveu:

“Este tema é tormentoso para médicos, juristas, leigos e filósofos. O problema da eutanásia vem exigindo, cada vez mais, um posicionamento dos estudiosos, em se aspecto social, religioso, ético, jurídico, filosófico e humano. Sempre foi repudiada pelo cristianismo e judaísmo, pois preconizavam que só Deus era o dono da vida e da morte”.[35]

 

                   Vamos passar, agora, a conhecer e dominar a terminologia e os conceitos referentes ao tema eutanásia.

Podemos definir eutanásia, com base na origem etimológica da palavra, como morte suave ou morte sem dor ou sofrimento. “Etimologicamente, a palavra eutanásia, significava, na antiguidade, uma morte suave, sem sofrimento atrozes. Hoje, pensa-se, sobretudo, na intervenção da Medicina para atenuar as dores da doença ou da agonia, por vezes, mesmo com risco de suprimir a vida prematuramente”.[36]

O termo eutanásia foi proposto pelo famoso filósofo Francis Bacon, em 1623, em sua obra intitulada “História ‘vitae et mortis” (História da vida e da morte). Passa, assim, a eutanásia ser o tratamento adequado às doenças incuráveis.

De acordo com o dicionário Houaiss, eutanásia é o ato de proporcionar morte sem sofrimento a um doente atingido por uma afecção incurável que produz dores intoleráveis[37]. Podemos, assim, diferenciar da prática da distanásia, que é relativa a uma morte lenta e sofrida, e da ortotanásia, expressão que repassa a bioética e, também, a moral de cada um, a qual pode ser definida como uma “morte correta” decorrente de um processo natural. Nesta situação o enfermo já está no processo natural da morte e recebe de um profissional da saúde uma contribuição de alguma forma, para que a morte seja atingida. Deixa-se que o processo de morte se conclua naturalmente.

Atualmente, a eutanásia extrapola os casos dos doentes terminais, abrangendo ainda outras situações polêmicas, como as de recém-nascidos com anomalias congênitas, que é chamada de eutanásia precoce, doentes que se encontram em estado vegetativo irreversível, doentes inválidos sem a capacidade de cuidar de si mesmas.

“Toda pessoa tem direito a ter cuidados adequados à sua doença, a ter um tratamento específico, de modo a amenizar a dor e o sofrimento, proporcionando o máximo de qualidade de vida. Tem o direito à medicina paliativa, reconhecendo que a morte é um processo natural do viver e por isso não deve ser acelerada nem retardada. Os cuidados paliativos, não respiram a obsessão da cura, mas preconizam a resposta eficaz ao alívio da sintomatologia e as necessidades fundamentais do doente, onde a família é inserida e fulcral para a dinâmica dos cuidados”.[38]

Há quem sustente a validade da eutanásia, sob o argumento de que a distanásia, que é o prolongamento artificial do processo de morte, por manter uma pessoa viva por aparelhos por exemplo, tem como consequência o prolongamento do processo de sofrimento do paciente. Sustentam, ainda, que o desejo de prolongar o tratamento com o fim de recuperação do doente, ao invés de permitir uma morte natural, acaba prolongando a sua agonia.

“Para García Estébanez, algumas técnicas de cuidados paliativos estão longe de constituir uma alternativa à eutanásia e podem oferecer uma solução menos dignado do ponto de vista da pessoa doente. Esse seria, por exemplo, o caso da sedação terminal, regulada pelo dito princípio do duplo efeito, mas que teria todas as características de uma eutanásia, em forma lenta. Por isso, pergunta: ‘Porque é que esta morte que duraria entre meia hora a duas é inaceitável, mas não o é uma morte prolongada durante dias?’”.[39] Nesta esteia de pensamento, sustentam que estes procedimentos colocam os princípios éticos acima do benefício do doente, afirmam ainda, que não é terapêutico, muito menos moral.

Todavia, precisas considerações nos traz a Professora Stela Barbas:

“No entanto, se é difícil, como se vê, definir e explicar os motivos do comportamento humano parece ter de se aceitar que há uma certa margem de liberdade, e é neste sentido que se diz que o Homem é dono de sua própria consciência. Afirmou-o a filosofia grega, acrescentou-o o profetismo hebraico e concluiu-o o espiritualismo cristão”.

“A autonomia da vontade é o princípio segundo o qual, dentro dos limites estabelecidos na lei, a vontade expressa livremente tem a faculdade de criar, modificar e extinguir relações jurídicas (310)”.

“Cada indivíduo tem o poder de estabelecer livremente dentro dos limites estipulados pela ordem jurídica as suas relações jurídicas (311)”.

“Contudo, assim como a lei que delimita a esfera de autonomia privada é pautada por ideais de justiça, a vontade do indivíduo, também, não pode alhear-se desses princípios. Não seria lógico que a lei permitisse a existência de um espaço autônomo privado onde a vontade do indivíduo pudesse ser contrária a essas ideias de justiça”.[40]

Temos pelo menos quatro tipos de eutanásia, divididos em duas categorias: a voluntária e a involuntária, e a passiva e a ativa. Na eutanásia ativa, também chamada de positiva ou direta, o paciente recebe uma injeção ou uma dose letal de medicamentos. Na eutanásia passiva, temos o foco na omissão: o paciente deixa de receber algo de que precisa para sobreviver.

A diferença entre eutanásia voluntária e involuntária está na participação do paciente. Na primeira, o paciente atua, tomando parte da decisão. Na segunda, a conduta é praticada sem o seu aval ou mesmo sem o seu conhecimento, diante do seu quadro de doença. Outra classificação, diferencia a eutanásia em libertadora, aquela que abrevia a dor ou sofrimento de um doente incurável, e em piedosa, a qual é aplicada a pacientes terminais e em estado inconsciente.

Encontramos diversos tipos de eutanásia na doutrina especializada. Eutanásia lenitiva ou distanásia, quando há o emprego de meios para atenuar ou eliminar o sofrimento. Eutanásia eugênica, eliminação indolor dos enfermos incuráveis, inválidos ou dos idosos. Eutanásia criminal, baseada na eliminação dos criminosos socialmente perigosos. Eutanásia experimental, quando há o sacrifício de vidas humanas com a finalidade do progresso médico ou científico. Eutanásia solidarística, tem como propósito permitir o sacrifício de um indivíduo em favor da vida ou saúde do próximo.  Eutanásia terapêutica, pode ocorrer através do emprego ou não dos meios terapêuticos para obter a morte do paciente. Eutanásia teológica, ou morte em estado de graça. Eutanásia suicídio assistido, praticada a pedido do enfermo, por razões humanitárias e a partir de meios piedosos.

Todas essas questões devem ser discutidas sob o ponto de vista ético. Embora, para cada grupo de defensores ou detratores da eutanásia, existe um suporte ético, com argumentos plausíveis para cada segmento. Na verdade, quanto maior o rigor legal e coibir a eutanásia, vemos um suporte ético pautado na proteção ao direito à vida, e quanto mais alargadas as possibilidades de se praticar a eutanásia, ficamos diante da autonomia da vontade e do princípio da dignidade humana, no aspecto de que a ninguém é obrigado a receber tratamento desumano e cruel.[41]

“O pensamento de Potter foi influenciado pelas ideias do autor Albert Schweitzer, também considerado um dos precursores da bioética. Schweitzer se preocupava com uma ética global.

‘Uma ética que nos obrigue somente a preocupar-nos com os homens e a sociedade não pode ter significação. Somente aquela que é universal e nos obriga a cuidar de todos os seres nos põe de verdade em contato com o Universo e a vontade nele manifestada”.[42]

Surge a Bioética como instrumento de sedimentação dos paradigmas ético-legais, bem como, ser um mecanismo de preservação e garantia dos direitos da personalidade e dos direitos humanos.

Para melhor compreendermos a denominada Bioética, faz-se necessário uma prévia conceituação de ética. Nesse sentido, adotamos a singela e eficaz descrição de José Renato Nalini[43], resumindo que a “Ética é a ciência do comportamento moral dos homens, em sociedade”.

Importante contribuição faz Matilde Carone Slaibi Conti sobre ética:

“ A perda de valores morais afeta a dignidade humana. Ao abandonar a Ética, o homem se sente perdido, pois a moral é um dos aspectos do comportamento humano, que poderá adotar esta ou aquela moral, mas jamais poderá viver sem ela.

O objeto da Ética é a moral; essa expressão deriva da palavra romana mores, que significa costume. A moral não é ciência, e sim objeto da ciência. O homem descobre o conteúdo da moral por meio da compreensão de si próprio. Sócrates ensinava que o conhecimento do homem é fundamental para qualquer consideração de ordem ética. A vida moral pressupõe uma faculdade a que os filósofos denominam consciência moral”.{C}[44]{C}

O conceito de Bioética foi apresentado inicialmente no livro Bhioethic: bridge to the future, escrito por Van Rensslaer Potter, em 1971. Entretanto, foi André Hellegers, da Universidade de Georgetown, quem primeiro usou a expressão para designar a área de pesquisa, da forma como hoje estudada.[45]

“Em definição sucinta, “bioética é o estudo sistemático da conduta humana no âmbito das ciências da vida e da saúde, enquanto essa conduta é examinada à luz de valores e princípios morais (...)”.[46]

“O vocábulo Bioética passa a indicar, portanto, um conjunto de pesquisas e práticas pluridisciplinares tendentes a solucionar questões éticas que o avanço das tecnociências biomédicas tem provocado. Em tal sentido, o estudo da Bioética ultrapassa a área da Medicina, abrangendo a Psicologia, a Biologia, a Antropologia, a Sociologia, a Ecologia, a Teologia, a Filosofia, dentre tantos outros ramos do conhecimento humano”.[47]

Na definição de Matilde Carone Slaibi Conti, Bioética:

“ É um ramo do conhecimento que se preocupa basicamente com as implicações ético-morais decorrentes das descobertas tecnológicas nas áreas da Medicina e Biologia. Busca entender o significado e alcance dessas descobertas, com o intuito de lançar regras que possibilitem o melhor uso dessas novas tecnologias. Ressalte-se, todavia, que essas regras são desprovidas de coerção, são apenas conselhos morais, para a utilização eticamente correta das novas técnicas. ”

A ideia de Bioética, tanto quanto nas noções do denominado Biodireito, as preocupações se multiplicam no sentido da preservação da perspectiva ético-científica, como forma de possibilitar o avanço das novas tecnologias, sem mitigar o aspecto garantista dos direitos da personalidade e a dignidade humana.

“Uma reflexão mais profunda leva-nos a concluir que a função da bioética e do biodireito, ciência que visa estudar a vida juridicamente e tudo o que com ela estiver relacionado, é reerguer a prudência ou sabedoria prática, que é uma virtude intelectual (dianoetiké intellectualis). Por isso, é preciso que o Legislativo e o Judiciário ajam com prudência objetiva, ponderação e bom senso, rejeitando tudo que for manifestamente contrário à natureza das coisas e dos homens, à vida humana e seus limites, aos valores sociais e aos da personalidade, possibilitando ao homem uma existência digna compatível com a sociedade”.[48]

Indagações acerca da proteção à vida humana, com seus corolários legais e constitucionais de inviolabilidade do direito à vida, à saúde, da autonomia da vontade, a não ser submetido a tratamento desumano e cruel, e sobre a dignidade humana, enfim, todas essas questões se projetam sobre os direitos e expectativas do doente e a garantia de seus direitos de personalidade, e acabam por formar o arcabouço da perspectiva ético-científica do estudo da eutanásia.

“Na observação de Francisco Muniz e José Lamartine Corrêa de Oliveira, “(...) no caso do ser humano, o dado pré-existente à ordem legislada não é um dado apenas ontológico, que radique no plano do ser; ele é também axiológico. (...) O homem vale, tem a excepcional e primacial dignidade de que estamos a falar, porque é. E é inconcebível que um ser humano esteja sem valer”.[49]

 

3) Legislação Brasileira e Portuguesa – Testamento Vital.

O artigo 5º, caput, da Constituição Brasileira, dispõe que o direito à vida tem que ser defendido de qualquer forma, somente em determinadas circunstâncias o Estado permite e legitima que o cidadão pratique condutas que venham a retirar a vida de outrem, como no estado de necessidade, legítima defesa e aborto legal. “Esse juízo de ponderação entre os bens em confronto pode ser feito tanto pelo juiz, para resolver uma lide, quanto pelo legislador, ao determinar que, em dadas condições de fato, um direito há de prevalecer sobre o outro”.[50]

No Direito Português “só nos casos expressamente previstos na Constituição podem ser restringidos os direitos, liberdades e garantias e só a lei os pode restringir (art. 18.º/2: reserva de lei restritiva)”.[51]

A Igreja Católica Apostólica Romana manifestando-se sobre a Eutanásia, afirma:

“A Declaração iura et bona, da Congregação para Doutrina da Fé (5 de maio de 1980) é a Encíclica Evangelium Vitae, do Papa João Paulo II (25 de março de 1995). Nos dois documentos, a posição é clara quanto à condenação da prática de eutanásia. Diz o Papa: ... confirmo que a eutanásia é uma violação grave da lei de Deus, enquanto morte deliberada moralmente inaceitável de uma pessoa humana. Tal doutrina está fundada sobre a lei natural e sobre a palavra de Deus escrita, é transmitida pela tradição da igreja e ensinada pelo Magistério Ordinário e Universal”.[52]

Em 28.11.2006 o Conselho Federal de Medicina editou uma Resolução da prática da chamada ortotanásia ou eutanásia passiva, com relação a sua não reprovabilidade. Naquela data a Resolução 1.805/06 foi publicada no Diário Oficial da União, em seu art. 1º estabelece:

“É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal.”.

 

Todavia no Brasil a Lei Penal é omissa quanto a um tratamento da eutanásia, enquadrando a tipicidade da prática apenas por analogia ao art. 121 § 1º do Código Penal. Diante da falta de regulamentação pelo poder legislativo, a citada decisão do CFM veio suprir de certa forma a regulação do tema. Com a instauração do parecer do Conselho Federal de Medicina tornou-se ainda mais nebulosa a questão da configuração ou não do crime de homicídio quando médico e familiares optarem pela ortotanásia.

A Ordem dos Advogados do Brasil lançou críticas sobre essa Resolução afirmando que contraria o Código Penal e que a conduta do médico pode ser enquadrada como omissão de socorro.

Contudo, no dia 31 de agosto de 2012 uma nova resolução foi editada (Resolução nº 1.995/2012 do CFM) a qual tratou a questão dos direitos dos pacientes terminais, sendo uma saída para a omissão legislativa sobre a eutanásia.

O Código de Ética dos Conselhos de Medicina do Brasil, Lei nº 3.268/57, prevê:

“I – São deveres fundamentais do médico:”

1 – “Guardar absoluto respeito pela vida humana, jamais usando seus conhecimentos técnicos ou científicos para sofrimentos ou extermínio do homem”. (Grifos nossos)

2 - “ Não pode o médico, seja qual for a circunstância, praticar atos que afetem a saúde ou a resistência física ou mental do ser humano, salvo quando se tratar de indicações estritamente terapêuticas ou profiláticas em benefício do próprio paciente”.

“II – Relações com o doente”.

1 – “O médico tem o dever de informar o doente quanto ao diagnóstico, prognóstico e objetivo do tratamento, salvo se as informações puderem causar-lhes dano, devendo ele, neste caso, prestá-los a família ou aos responsáveis”.

2 - “Não é permitido ao médico abandonar o tratamento do doente, mesmo em casos crônicos ou incuráveis, salvo por motivos relevantes”.

Portanto, aqui fica claro que a conduta médica deve pautar-se a partir do devido processo legal, e beneficiar os doentes e pacientes com o que a medicina pode oferecer, sempre com respeito e para preservação da vida.

“É direito do médico, pelo art. 28 do Código de Ética Médica, recusar a realização de atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência. Logo, pelo bom senso, deve o profissional da saúde concluir, sempre que o tratamento for indispensável, estando em jogo o interesse de seu paciente, pela prática de todos os atos terapêuticos que sua ciência e consciência impuserem. Trata-se do direito à objeção de consciência, que, baseado no princípio da autonomia da pessoa, implica, por motivo de foro íntimo, a isenção de um dever geral e a recusa a uma ordem ou comportamento imposto”.[53]

No Brasil, a prática da eutanásia não é concebida como homicídio, na forma do art. 121, do Código Penal, tendo em vista que a vida é considerada um bem inviolável, protegido pela Constituição da República, em seu artigo 5.º, caput. Pode ser entendido, todavia, como homicídio piedoso, aplicando a causa de diminuição de pena, do artigo 121, § 1.º, do Código Penal.[54]

O Código Penal Brasileiro, pune igualmente, o suicídio assistido em seu art. 122, quando há auxílio que o doente dê cabo de sua vida.

“Questão tomentosa é a relativa a admissibilidade por omissão. [...] Segundo enfatiza parte da doutrina, aquele que conscientemente omite a ação a que estava obrigado em razão da posição de garante que ocupava contribui também para o advento do suicídio, já que não impediu, o garantidor, o suicídio alheio, embora possuísse capacidade concreta de ação”.[55]

No caso acima estão incluídos os auxiliares de saúde e médicos, que diante de um quadro de desespero do doente e seu propósito de suicídio, não toma nenhuma medida para evitar que o doente leve a cabo a vida.

Temos ainda, a eutanásia passiva, insculpida no art. 135 do Código Penal Brasileiro, intitulado omissão de socorro, de pessoa inválidas ou feridas, deixando de procurar ajuda do poder público, mesmo que a pessoa dispense ajuda ou assistência oferecida. “Cabe ressaltar, por oportuno, que se o agente ocupa posição de garante (art. 13, § 2. Do CP), haverá abandono de incapaz, lesão corporal ou homicídio comissivos por omissão, conforme o caso, desde que, ciente da situação típica e do modo de evitar a produção do resultado, nada faz (capacidade concreta de ação) Assim, se o agente não presta assistência a pessoa inválida ou ferida que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, responderá pelo delito previsto no artigo 133 (abandono de incapaz), e não por omissão de socorro”.[56]

No Brasil é possível fazer disposições de última vontade, relativas a tratamentos médicos que aceitam ou rejeitam. Este documento deve ser assinado e estar conforme as regras, por pessoa juridicamente capaz, a qual declara quais tipos de tratamentos médicos aceitam ou rejeitam, o que deve ser obedecido nos casos futuros em que se encontre em situação que o impossibilite de manifestar sua vontade. Este documento, é produzido para ter eficácia jurídica antes da morte da morte da pessoa.  

Conforme com a Resolução nº 1.995/2012 do CFM, publicada em 31 de agosto de 2012, no Diário Oficial da União, esse preceito passa a ter validade no âmbito da medicina e, consequentemente, nas relações jurídicas. Em seu artigo 1º deixa expresso:

“Definir diretivas antecipadas de vontade como o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade”.

Nota-se que, no Brasil, mesmo diante da lacuna legislativa, a Resolução do Conselho Federal de Medicina, embora de cunho administrativo, é um caminho aberto entre a autonomia da vontade do doente e a vedação à eutanásia.

 A constituição Portuguesa consagra o direito à vida em seu art. 24, in verbis:

 

Artigo 24º (Direito à vida)

1. A vida humana é inviolável.

2. Em caso algum haverá pena de morte.

Portugal não admite a eutanásia, tampouco o suicídio assistido, essar condutas são tidas como ilegais. O Código Penal consagra a estas situações dois artigos. O 134.º, que diz que "quem matar outra pessoa" na sequência de um pedido que ela lhe tenha feito "é punido com pena de prisão até 3 anos", e o 135.º, que fala do "incitamento ou ajuda ao suicídio" e prevê, também, uma pena que vai até aos três anos (ou cinco, em certos casos).

Em Portugal a Lei n.º 25/2012 de 16 de julho, regula as diretivas antecipadas de vontade, designadamente sob a forma de testamento vital, e a nomeação de procurador de cuidados de saúde e cria o Registo Nacional do Testamento Vital (RENTEV).[57]

O testamento vital, em Portugal dispõe sobre o direito dos pacientes terminais assinem um documento declarando suas vontades quanto ao seu tratamento. Estabelece todas as diretrizes e estabelece as condições em que a pessoa pode declarar sua vontade de ter ou não determinado tipo de tratamento. Também, estabelece que a pessoa terá um procurador para fazer cumprir suas disposições de vontade estabelecidas no testamento vital, quando já estiver inconsciente.

Esta temática está ligada à morte assistida e “é a das chamadas “directivas antecipadas”, conhecidas anteriormente mais pela designação inglesa “living will” (testamentos vitais)". {C}[58]

“Nos países em que se pode dar autorização a um/a médico/a para que termine com a nossa vida nas circunstâncias prescritas na lei, como na Holanda e na Bélgica, há dois tipos diferentes de directivas antecipadas: umas que dizem respeito à eutanásia, outras que dizem respeito ao tratamento[...] Onde a morte assistida não está despenalizada, as pessoas têm apenas direito a pôr por escrito os tratamentos a que estão ou não dispostas a submeter-se caso fiquem impossibilitadas de comunicar. Nestes países, os direitos dos/as pacientes encontram-se consignados na lei, tendo assim essas declarações valor legal se forem feitas de acordo com as normas estipuladas. No entanto, pode também ser exigido, para o seu inteiro cumprimento, que a pessoa tenha declarado quem designa como seu representante no caso de já não estar em condições de comunicar [...]. Pensa-se, hoje, que esta designação é extremamente importante, pois podem sempre sobrevir situações que não estavam previstas na directiva antecipada”.[59]

Outra questão que se coloca é se a intenção do médico deve sobrepor-se à vontade do paciente, tendo em vista a autonomia de vontade do doente. “Como escreve Quill, tendo em conta esta problemática, ‘as considerações morais cruciais para avaliar qualquer acto que pudesse causar a morte seria o direito à autodeterminação e integridade corporal do/a doente’”.[60]

Mesmo levando-se em conta todos estes argumentos, não se pode recusar humanidade ao ser humano em coma profundo. A vida humana, por ser um bem anterior ao direito e superior à liberdade de querer morrer, deve ser respeitada pela ordem jurídica. Não há o direito de uma pessoa sobre si mesma. A vida não é o domínio da vontade livre, pois exige que o próprio titular do direito a respeite.  Sua proteção, como já foi salientado, está consagrada na Constituição Federal em cláusula pétrea (art. 5º, caput) que repele qualquer ação ou omissão contra a vida. Se o direito à vida é inviolável, o ordenamento jurídico não pode aceitar a eutanásia (ativa ou passiva), nem o suicídio assistido, sub pena de inconstitucionalidade. A provocação da morte não tem qualquer respaldo jurídico, e a autorização para não se tentar qualquer manobra de reanimação e deixar passivamente que o paciente terminal siga seu destino é a decretação da sua morte. A disponibilidade da própria vida não pode ser tolerada como um direito subjetivo, por ser a vida um bem indisponível. Se ninguém é dono de sua própria vida, como pode sê-lo da de outrem, praticando eutanásia? Mesmo com a anuência prévia e expressa do doente em estado terminal, ou se seu responsável, para remover aparelho de sustentação de sua vida, o médico não teria a obrigação de conservá-la, com o mínimo de sofrimento possível, diante do dever jurídico de socorro? Não se pode aceitar que o profissional da saúde tenha o poder de controlar a vida de pacientes. Deverá o médico esforçar-se para prolongar o quanto possível a vida do doente, mas sem alterar, de forma inaceitável, a qualidade de vida que lhe resta. Deve humanizar a vida do paciente terminal, devolvendo-lhe a dignidade perdida”.[61]

 

3) Conclusão.

“É de fato, no entendimento da Hora, na vivência do tempo pessoal, que se absorve um sentido para a vida que cumpre e esgota o seu tempo”.[62]

A vida é um bem indisponível, por esse motivo a eutanásia é um assunto tormentoso e dos mais difíceis a serem tratados.

Podemos ao final deste trabalho, estabelecer a importância do princípio da dignidade humana, da proteção aos direitos da personalidade, precipuamente o direito à vida, à autonomia da vontade e à saúde, que estão intrinsecamente ligados ao tema, pois, na admissão da eutanásia, diversos direitos de personalidade são violados ou exaltados.

Nas legislações do Brasil e de Portugal a eutanásia não é admitida, incidindo regras do direito penal, a quem de alguma forma ajuda, auxilia ou se omite para que o doente leve a cabo sua vida.

A Igreja Católica, através de suas encíclicas, condena a eutanásia, exaltando o direito à vida, e que a eutanásia está ligada à violação grave da Lei de Deus. Todavia Tomás Morus, um santo da Igreja Católica, defendeu a eutanásia em sua famosa obra Utopia. Nela sustenta que o enfermo, não sendo capaz de assumir as exigências da vida e é um peso para os outros e insuportável para si próprio, deve então não titubear em morrer, já que a vida para ele é um tormento.

Sob o ponto de vista ético, analisamos se a súplica do paciente enfermo, com sofrimento prolongado e dores insuportáveis, será o desejo de uma verdadeira eutanásia, mas, acima de tudo, se são pedidos de ajuda e afeto, que todos ao seu redor, pais, filhos, médicos e demais profissionais da saúde, devem dispensar ao doente. Neste ponto concluímos que toda pessoa tem direito a ter cuidados adequados à sua doença, a ter um tratamento específico, de modo a amenizar a dor e o sofrimento, proporcionando o máximo de qualidade de vida. Tem, também, o direito à medicina paliativa, e podemos sustentar que a morte é um processo natural do viver e por isso não deve ser acelerada nem retardada.

 Portanto, negar e não reconhecer a eutanásia como prática legal, não pode ser negar o direito a dignidade humana, mas defender a vida sobre tudo, criando meios de se experimentar a vida, mesmo em momentos de doença que nos leve à morte, de forma a preservar a dignidade humana. Não pregamos, de forma alguma, o sofrimento humano acima de tudo, mais no cotejo ente o direito à vida e o direito de autonomia sobre à vida, defendemos o direito à vida, com emprego, nesta seara de doença, de todos os meios eficazes para minorar o sofrimento físico, emocional e espiritual.

Grande passo é o reconhecimento ao direito da pessoa em estipular testamento vital, deixando regras sobre que tipo de tratamento aceita ou não aceita, devendo ser cumprido por seu procurador quando estiver inconsciente. Dessa forma, também se tutela o direito à autonomia da vontade, mas sem o colocá-lo acima do direito à vida.

Todavia, não preconizamos de forma alguma a violação do direito à vida, e do princípio da dignidade humana, sendo certo que entendemos que nada ou ninguém pode autorizar a que se dê a morte a um ser humano, seja ele no feto, o embrião, criança, adulto ou velho, doente incurável ou agonizante.

De certo entendemos que a dignidade humana está presente sempre, e nada justifica retirar a vida de um ser humano, mesmo que vozes preguem que é esta a mesma dignidade que se está a proteger, quando o doente já se encontra irreversivelmente fadado ao insucesso de uma vida plena. Temos aí, neste ponto, e afirmamos peremptoriamente que este doente ainda tem vida, e por isso mesmo protege-se esta vida, e ao protege-la encontramos a dignidade humana. Só podemos nos realizar quando somos, nunca podemos nos colocar no lugar de coisa, que quando estragam são descartadas. Dessa forma, afirmo, não podemos nos deixar seduzir por medos, desesperos, dor, para justificar e aceitar retirarmos a própria vida ou a de outrem.   

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Sobre a autora
Dayse Kubis Baumeier

Advogada, Pós-graduada em Responsabilidade Civil, Pós-graduada em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho, Pós-graduanda em Direito da Empresa. Mestranda em Ciências Jurídicas pela Universidade Autônoma de Lisboa.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo elaborado para a Aula de direito Constitucional, do Curso de Mestrado em Ciências Jurídicas da Universidade Autônoma de Lisboa.

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