Se a parte ingressar com o recurso equivocado contra determinada decisão, não havendo má-fé, não será prejudicada. O juiz deve mandar processar o recurso pelo rito do recurso cabível. A questão é: como fica caracterizada a má-fé? Só há uma maneira de identificá-la, quando já se encontrava ultrapassado o prazo para a interposição do recurso correto. A conclusão que se chega é que não estando ultrapassado o prazo do recurso correto, o recurso interposto incorretamente deve ser recebido e processado de acordo com o procedimento do recurso correto.
A jurisprudência e a doutrina criaram a figura do erro grosseiro como elemento impeditivo da aplicação do princípio da fungibilidade recursal. Uma invenção sem qualquer fundamento na lei e desprovida de lógica-jurídica. Sendo o recurso interposto no prazo, evidentemente não há má-fé, devendo, só por esta razão, embora equivocadamente escolhido, ser recebido. Pouco importa que haja erro grosseiro. A lei nada refere quanto ao erro impedir a fungibilidade. Só o que interessa é que não haja má-fé e, como dito, se tempestivo, não está caracterizada a má-fé. Afinal, qual má-fé teria a parte de ingressar com o recurso equivocado se estava dentro do prazo? Uma misteriosa má-fé para prejudicar a si própria? Não faz o menor sentido. Como se disse, não falta só lei à tese do erro, falta lógica elementar, o que, aliás, é mais grave, pois que silêncios da lei se preenche, da lógica não. Nos vazios da lógica habita o equívoco.
As mais diversas decisões são recorríveis no processo penal e são cabíveis diversos recursos. Não há uniformidade na jurisprudência de qual o recurso apropriado para as diversas decisões proferidas no curso do processo. Reina a insegurança neste setor no processo penal. É comum para uma mesma decisão encontrar-se três ou quatro distintas orientações jurisprudenciais em relação ao recurso cabível. Aliás, poucas são as decisões de primeira instância em relação as quais há uniformidade jurisprudencial quanto a qual o recurso apropriado. A não se aplicar com máxima amplitude à regra da fungibilidade recursal reinará a absoluta insegurança jurídica na medida em que se estará viabilizando tríplice violação de regras constitucionais basilares do processo penal: duplo grau de jurisdição, ampla defesa e o contraditório. Fauzi, em comentários ao artigo 579, exemplifica essa questão com o artigo 366 do CPP. Quando o processo é suspenso com fundamento neste dispositivo é cabível: - apelação (TRF – 3ª. Região – DJ 15.06.99, p. 892); - correição parcial (RJTA Crim, v. 35, 1977, p. 324); - recurso em sentido estrito (RJTA CrimSP34, 1997, p. 511).
Há, ainda, em favor da ampla fungibilidade, quando o recurso é da defesa, um importante argumento. Se a defesa incorreu em erro grosseiro se está diante de defesa deficiente e assim sendo cumpre ao juiz, quem tem o dever de manter a regularidade e validade dos atos processuais, reconhecer a nulidade do ato (da defesa deficiente) e sanar essa nulidade recebendo o recurso de acordo como o que entende correto e dando-lhe o rito apropriado. Se o magistrado imputa ao defensor a prática de erro grosseiro ao recorrer, não pode negar que o acusado não esteja sendo defendido amplamente, como exige e obriga a norma constitucional, no processo que está sob sua presidência e direção. Constitui obrigação do juiz, por conseqüência, retificar o processo.
Percebe-se que o legislador processual civil, sensível ao princípio constitucional do duplo grau de jurisdição, esforça-se no sentido de que os recursos sejam encaminhados e julgados pela instância superior, como se observa pela leitura do artigo 932, inciso VIII, parágrafo único, do CPC, segundo o qual, antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível e o artigo 938, parágrafo primeiro, do CPC, que diz, constatada a ocorrência de vício sanável, inclusive aquele que possa ser conhecido de ofício, o relator determinará a realização ou a renovação do ato processual, no próprio tribunal ou em primeiro grau de jurisdição, intimadas as partes. Portanto, se lá, no processo civil, onde é o reino dos direitos disponíveis, há grande preocupação com o duplo grau de jurisdição, com mais razão ainda deve haver com sua efetividade aqui, no direito processual penal, onde vigora a indisponibilidade da relação jurídica de direito penal.