O conceito de tutela de urgência na época do Código de Processo Civil de 1973 era doutrinário, a partir de estudos sobre esse instituto.
Medina, Araújo Gajardoni (2010, p. 39) ao trabalharem o conceito de tutela de urgência dizem:
Pode-se [...] dizer que, no direito brasileiro, existem três modalidades de tutela de urgência, que possuem características similares, mas têm estruturas distintas, e podem ser assim visualizadas:
a) tutela cautelar, antecedentes ou incidental, que tem por finalidade conservar a situação de fato ou de direito sobre a qual haverá de incidir eficazmente o provimento “principal”;
b) antecipação dos efeitos (diretos ou indiretos (ou reflexos)) da tutela (tutela satisfativa provisionar ou interinal) que permite a fruição imediata dos efeitos da tutela “principal”; e tutela de urgência satisfativa autônoma, com ou sem realização de cognição exauriente sucessivamente, no mesmo processo.”
Ainda Neves (2011, p. 1.137) traz a seguinte conceituação:
A doutrina majoritária divide a tutela de urgência em duas espécies: tutela cautelar e tutela antecipada. Na realidade, no âmbito da tutela de urgência também é necessário destacar a importância da liminar, termo equivocado que pode ser utilizado como espécie de tutela de urgência satisfativa ou para designar o momento de concessão de uma espécie de tutela de urgência.
Gonçalves (2012, p. 234) diz:
O Código de Processo Civil prevê a concessão de medidas de urgência quando houver uma situação de risco ao provimento final decorrente da demora. Imagine-se pessoa portadora de doença grave que necessite ser in- ternada com urgência e não consiga obter autorização do seu plano de saúde. Se fosse preciso aguardar o resultado final da ação, seria tarde demais. Suponha-se, como segundo exemplo, que um credor ajuíze contra o devedor uma ação de cobrança. Enquanto não sai a sentença, o credor não pode promover a execução.
São dois exemplos de urgência. Mas a forma de afastar a situação de perigo, em cada um dos casos, será possivelmente diferente. No caso da internação, o autor postulará que a ré seja condenada a arcar com os custos e despesas de seu tratamento médico. Em princípio, a ré seria condenada a fazê-lo somente na sentença. Mas existem mecanismos que permitem ao juiz antecipar o provimento final, concedendo antes aquilo que ele só poderia conceder por ocasião do julgamento
São dois exemplos de urgência. Mas a forma de afastar a situação de perigo, em cada um dos casos, será possivelmente diferente. No caso da internação, o autor postulará que a ré seja condenada a arcar com os custos e despesas de seu tratamento médico. Em princípio, a ré seria condenada a fazê-lo somente na sentença. Mas existem mecanismos que permitem ao juiz antecipar o provimento final, concedendo antes aquilo que ele só poderia conceder por ocasião do julgamento
O juiz concede o provimento condenatório — ainda que em caráter provisório — antes do momento em que normalmente o faria (mas o pro- cesso precisa prosseguir, porque tal provimento precisa ser substituído por um de cunho definitivo). A medida concedida pelo juiz já satisfaz a pretensão do autor: concede, total ou parcialmente, aquilo que foi pedido pelo autor, ainda que em caráter provisório. Haverá antecipação de tutela, que se carac- teriza pela natureza satisfativa, de mérito, com a concessão, no todo ou em parte, daquilo que foi pedido.
No segundo exemplo, a solução seria possivelmente diferente. O autor não necessita que o juiz, antecipadamente, condene o réu ao pagamento da obrigação. Ele não precisa executá-la desde logo. Para que o risco seja afasta- do, basta que conceda uma providência acautelatória, de preservação do patrimônio do devedor. Se ele está dilapidando o patrimônio, o juiz determinará o arresto dos bens suficientes para garantir o pagamento. A pretensão do credor, no processo de conhecimento, não estará ainda satisfeita, porque não poderá promover a execução. Será preciso, primeiro, a sentença condenatória. Mas o credor garantirá que, quando isso ocorrer, encontrará, no patrimônio do devedor, bens suficientes. Essas são as medidas de natureza cautelar.
Ambas — a tutela cautelar e a antecipada — visam afastar uma situação de risco. Mas de forma distinta. Nesta, pela satisfação antecipada do direito do autor, em caráter provisório; naquela, pela tomada de providências acautelatórias que, por meios indiretos, afastam o perigo (há tutelas antecipadas que não são de urgência. Quando houver cumulação de pedidos, e um ou mais deles ficar incontroverso, a medida será concedida ainda que não haja risco ao direito do autor. Também nos casos de abuso do direito de defesa, a tute- la antecipada terá natureza mais repressiva que preventiva).
O processo cautelar previsto no extinto CPC/1973 tinha a função acautelatória, tendo como objetivo jurídico específico garantir o resultado útil do processo, de modo que não influiria na decisão de mérito final da lide, que ocorreria no processo principal.
Sua previsão legal estava disposta no art. 796, do Código de Processo Civil de 1973: “Art. 796. O procedimento cautelar pode ser instaurado antes ou no curso do processo principal e deste e sempre dependente.”
A cautelar era uma ação autônoma, haja vista ter pressupostos e dever respeito a todos os ditames processuais de uma ação normal. Em sentido contrário, a antecipação da tutela era um incidente processual, que se resolvia por decisão interlocutória da qual caberia agravo. Os pressupostos do processo cautelar eram o fumus boni juris e o periculum in mora, fumaça do bom direito e perigo de dano pela demora na solução do litígio, respectivamente.
A característica que se destacava das tutelas acautelatórias é a instrumentalidade, visto que se fazia obrigatória à referência a um processo principal e dele dependente diretamente, porque era processo acessório, não subsistindo de maneira desacompanhada.
Vejamos o artigo 798, do CPC/73.
Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação. (NERY JUNIOR, 2010, p. 1161).
O objetivo inerente ao procedimento da cautelar tinha diferentes pontos peculiares, uma vez que deveria ser diversa da tutela pretendida no processo principal, assim como o objeto pretendido, para que não houvesse confusão com a antecipação de tutela. E, a tutela antecipada era satisfativa, ou seja, realizava de imediato a pretensão resistida, indo além da medida cautelar porque não se limitava a assegurar a viabilidade de realização do direito.
Continuando a falar sobre o procedimento cautelar, cumpre esclarecer que a tutela antecipada dispõe de alguns pontos de semelhança com a cautelar. Em razão da provisoriedade e do fato de ambas fundarem-se na cognição sumária. Demais disso, a semelhança de pressupostos fumus boni juris e periculum in mora, que são requisitos da tutela cautelar falados no próximo tópico. A tutela antecipada foi e ainda é muito confundida com a tutela cautelar, o que originou uma certa celeuma sobre as hipóteses de cabimento, ainda mais porque ambas tem a finalidade de contornar a falta de efetividade jurisdicional.
Outro ponto de relevância sobre o procedimento cautelar encravado no Código de Processo Civil de 1973, diz respeito ao seu processamento e endereçamento, sobretudo o órgão jurisdicional em que deveria tramitar. O art. 800 do CPC antigo dizia: “Art. 800. As medidas cautelares serão requeridas ao juiz da causa; e, quando preparatórias, ao juiz competente para conhecer da ação principal.”
O processo cautelar, como é ação acessória, deveria ser dirigido e encaminhado ao juízo da causa, isto é, aquele que era competente para receber e processar a ação principal. O supracitado artigo demonstrava que, até mesmo antes do ajuizamento da ação principal, poderia a ação cautelar ser intentada, pois preparava a situação litigiosa para receber posteriormente a lide principal. Todavia, pela situação fática in casu, essa futura ação principal, em alguns casos, não seria mais necessária, haja vista ter atingido sua finalidade, pois a tutela cautelar possuía, em certos casos, caráter satisfativo.
Ademais, insta salientar que no procedimento cautelar de 1973, ainda seria possível a antecipação de um direito consequentemente incidental, pois tal procedimento comportaria pedido de liminar inaudita altera pars como em qualquer outro processo de conhecimento, só que de maneira cautelar, entre outras palavras, avançava-se cada vez mais na pretensão autoral embasada na fumaça do bom direito, objetivando garantir, sobremaneira, o resultado satisfativo ou menos gravoso ao postulante.
Corrobora com o exposto o art. 804, do CPC de 1973:
Art. 804. è lícito ao Juiz conceder liminarmente ou após justificação prévia a medida cautelar, sem ouvir o réu, quando verificar que este, sendo citado, poderá torna-la ineficaz; caso em que poderá determinar que o requerente preste caução real ou fideijussória de ressacir os danos que o requerido possa vir a sofrer. (NERY JUNIOR, 2010, p. 1169)
Portanto, deveria o requerente comprovar a essencialidade da medida para obtenção da liminar, justificando o pleito com documentos e provas que seriam examinados pelo juiz. Havendo perigo de dano a parte contrária, poderia o juiz conceder a liminar condicionando que o autor prestasse caução, visando garantir um possível e futuro prejuízo por parte do requerido.
Além da tutela cautelar, embora houvesse divergências sobre o conteúdo do termo tutela de urgência, os autores inseriam nesse gênero ainda a tutela antecipada, do art. 273 do CPC de 1973, assim como as liminares que antecipavam o próprio juízo de mérito do processo, a exemplo das liminares em ações possessórias e em ações de mandado de segurança, por exemplo.
A tutela antecipada, inserida no art. 273 do CPC de 1973, era uma medida inserida pela Lei 8.950/1994, que apresentou a ideia de antecipação dos efeitos da sentença de mérito frente a provas inequívocas, que geram um sentimento de verossimilhança quanto aos fatos alegados. Era o resultado de uma cognição sumária, que poderia ser objeto de revogação a qualquer momento antes da sentença final. Daí porque o seu regime de cumprimento era o de execução provisória, com as limitações legais desse modo de cumprimento.
Após a redação original do art. 273 do CPC, a Lei 10.444/2002, trouxe a previsão da fungibilidade entre a tutela antecipada e a medida cautelar, dispondo que se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderia o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.
Ao legislar nesse sentido, o Código de 1973 construiu um início de aproximação de conceitos entre a tutela antecipada e a medida cautelar, o que contribuiu para uma fungibilidade, que se tornou objeto de norma expressa com o novo Código de Processo Civil de 2015, que as tratou sob o título de tutela de urgência, uma das espécies do gênero tutela provisória.
Isso levou, por exemplo, Castagna (2008, p. 156), a dividir a tutela de urgência em três espécies: satisfativa autônoma, pois utiliza o processo cautelar, sendo formalmente material e materialmente satisfativa, pois realizaria o direito no plano dos fatos, não possuindo o caráter de definitividade. Apesar não precisar de um processo principal, não é dotada da característica de coisa julgada material; ainda poderia ser satisfativa interinal, nas ocasiões em que é deferida dentro de um processo de conhecimento ou plenário, realizando o direito no plano dos fatos, sendo provisória, pois será substituída pela sentença final de mérito e, ao final, a tutela cautelar, que era requerida através do processo cautelar, com uma função de garantia do direito, sendo temporária, pois continuaria enquanto perdurasse a situação de perigo, não gerando coisa julgada material.
CONCLUSÃO
O presente trabalho realizou uma análise geral das tutelas de urgência no CPC de 1973 que é concedida a determinadas partes para garantir a efetividade da jurisdição em face do caráter urgente e cautelar, devendo ser aqui ressaltado que para alguns casos, tal medidas persistem mesmo até a sentença que a torna definitiva.
REFERÊNCIAS
GONÇALVES, Marcos Vinicius. Direito Processual Civil Esquematizado, Livro V, São Paulo: Editora Saraiva, 2016.
MEDINA, José Miguel Garcia; ARAÚJO Fábio Caldas de; GAJARDONI Fernando da Fonseca. Procedimentos Cautelares e Especiais. 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010
NERY JUNIOR, Nelson e De Andrade Nery, Rosa Maria, Código de Processo Civil Comentado, 11. ed. Editora Revista dos Tribunais revista, ampliada e atualizada até 17.2.2010.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 3. ed., Rio de Janeiro, Forense, São Paulo, Método, 2011.