5. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A EXPERIÊNCIA DE PORTUGAL
Várias são as formas de modelos institucionais de Regiões Metropolitanas no mundo. A experiência internacional nos mostra que, ao menos 14 são as formas de gestão metropolitana, de acordo com o prof. Frido Wagner [52]. Estas formas foram identificadas a partir da realidade institucional da experiência internacional.
São elas:
1.Cooperação informal entre as entidades governamentais presentes na área. Esta parece ser a tendência nos EUA e em alguns outros países devido, em grande medida, às dificuldades para se chegar a um consenso;
2.Cooperação formal, através da criação de uma associação de municipalidades de uma mesma área para discutir e identificar soluções, que serão executadas pelas próprias municipalidades;
3.Criação de conselhos metropolitanos de planejamento deixando, porém, a responsabilidade da sua implementação para a entidade local.(produzindo poucos resultados em muitos casos);
4.Contratos e acordos intergovernamentais para a execução de uma determinada função ou prestação de serviços, sendo criado um mecanismo específico para esse propósito;
5.Transferência compulsória de funções de um nível governamental para outro;
6.Adoção de princípio da extraterritorialidade, pelo qual a lei outorga à cidade o poder de procurar recursos fora de seus limites territoriais para solução de problemas específicos (coleta de água, destino final do lixo, etc);
7.Criação de distritos especiais (entidades autônomas ou unidades unifuncionais);
8.Procedimentos administrativos regulares para certos serviços metropolitano;
9.Distribuição de funções metropolitanas a um nível governamental já existente;
10.Criação de um governo metropolitano em dois níveis, mantendo as municipalidades certas funções e atribuindo-se ao outro nível aquelas funções de interesse comum;
11.Consolidação das municipalidades da área num só Governo;
12.Poder de anexação de áreas vizinhas pela cidade principal, a fim de ampliar sua jurisdição;
13.Anexação com descentralização, quando é coberta uma área muito grande;
14.Administração pelo nível governamental mais alto especialmente em relação à capital nacional.
Muitas são as variáveis intervenientes que atuam na estruturação institucional dos Governos ou Administrações Metropolitanas no exterior. Ao longo dessas experiências administrativas, que buscam integrar as determinantes territoriais de grandes aglomerados urbanos ao processo de tomada de decisões referente às políticas públicas dirigidas às metrópoles, vem ficando clara a multiplicidade de formas institucionais que a gestão metropolitana pode assumir.
Destacamos a realidade verificada em Portugal que tem suas áreas metropolitanas instituídas pela Lei 44/91 promulgada pela Assembleia da República, nos termos do artigo 164.º, alínea d, e 169.º, n.º 3, da Constituição daquele país.
As Regiões Metropolitanas, ou, "Áreas Metropolitanas", no caso de Portugal, são nomeadas pelo governo unitário e são, atualmente, duas: A Área Metropolitana de Lisboa e de Porto.
A Região Metropolitana de Lisboa [53] é composta por 19 Municípios: Alcochete, Almada, Amadora, Azambuja, Barreiro, Cascais, Lisboa, Loures, Mafra, Moita, Montijo, Odivelas, Oeiras, Palmela, Sesimbra, Setúbal, Seixal, Sintra e Vila Franca de Xira.
Seu objetivo é a prossecução de interesses próprios das populações da área dos Municípios integrantes. Foi criada em 1991 e é constituída por três órgãos: a Junta Metropolitana, órgão executivo, constituído pelos 19 Presidentes das Câmaras que a integram, a Assembleia Metropolitana, órgão deliberativo, constituído pelos representantes eleitos nas Assembleias Municipais das Câmaras, e o Conselho Metropolitano, órgão consultivo, composto por representantes do Estado e pelos membros da Junta Metropolitana.
A Região Metropolitana do Porto [54] é composta por 9 Municípios: Espinho, Gondomar, Maia, Matosinhos, Porto, Póvoa de Varzim, Valongo, Vila do Conde e Vila Nova de Gaia e compõe-se dos mesmos órgãos deliberativos, tal qual a Região Metropolitana de Lisboa, por força da Lei n. 44/91.
Recentemente foi aprovada a Lei n. 10/2003 de 13 de Maio, que, juntamente com a Lei n. 44/91, disciplina as atividades das "Áreas Metropolitanas". As alterações trazidas pela nova regulamentação metropolitana deverá ser observada pelas atuais Regiões Metropolitanas em um prazo máximo de um ano de sua publicação.
Fato curioso é encontramos na Lei n. 10/2003 descrição da natureza jurídica das "Áreas Metropolitanas", em se artigo 2º, que convém transcrever:
"Art. 2º. As áreas metropolitanas são pessoas colectivas públicas de natureza associativa e de âmbito territorial e visam a prossecução de interesses comuns aos municípios que as integram."
De fato a natureza jurídica da associação metropolitana não assume um caráter autónomo no contexto jurídico normativo brasileiro, tendo como referência a sua criação legal, sem destacar o seu conteúdo jurídico político.
Além das Regiões Metropolitanas, em Portugal também existe a normativa específica acerca das chamadas "comunidades intermunicipais", definidas e regidas pela Lei n. 11/2003, também de 13 de Maio de 2003.
Essas comunidades intermunicipais podem ser, ainda, de dois tipos: comunidades municipais de fins gerais e associação de municípios de fins específicos. Cada um deles dependerá do objetivo estabelecido pelos municípios associados. As comunidades intermunicipais também tem natureza jurídica de pessoas coletivas e sendo constituídas por escritura pública.
As diferenças entre uma comunidade intermunicipal e uma Área Metropolitana estão, basicamente, na iniciativa de sua criação e nos objetivos propostos. Caberá à Assembleia da República a instituição de Regiões Metropolitanas, enquanto que as comunidades intermunicipais são de iniciativa das câmaras municipais.
No Brasil também se verifica a possibilidade de estabelecer acordos intermunicipais, através de consórcios.
Por consórcio administrativo deve-se entender a formalização de um acordo de vontades entre pessoas jurídicas públicas, da mesma natureza e mesmo nível de governo, com a finalidade de obtenção de resultados comuns, de interesse de ambas as partes. O consórcio administrativo pode ser firmado, ainda, por integrantes da própria Administração Indireta.
Assim, mostra-se viável o estabelecimento de consórcio administrativo entre vários municípios, que tenham interesse execução de planos de natureza urbanística. Há, desse modo, uma associação dos Municípios na realização do objetivo comum. É como disciplina a Constituição Federal:
"Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos."
Nesse caso, o consórcio administrativo deve ser concretizado por meio de um instrumento formal, escrito, assinado pelas pessoas jurídicas públicas consorciadas, a fim de que tenha validade jurídica.
No Brasil, a resposta para as questões metropolitanas dependem da normatização de cada Estado Membro. Primeiro da Constituição Estadual, e, por fim, das Leis Complementares Estaduais.
Assim como no Brasil, Portugal também tem um Ministério das Cidades. Criação do governo atual no Brasil, esse Ministério tem por missão promover a inclusão social mediante a articulação, a implantação e a implementação - em parceria com todas as esferas do Poder Público e com a sociedade - de programas e ações destinados a universalizar o acesso da população urbana à habitação digna, ao saneamento ambiental e à mobilidade que é dada pelo trânsito e transporte público.
As realidades apresentadas em cada país são distintas. O atual governo do Brasil parece sensibilizado com a questão das cidades, principalmente por se verificar no contexto atual das Regiões Metropolitanas brasileiras cerca de 50 a 60% de habitações irregulares, bem como 20 a 30% de domicílios em favelas [55]. Ao Estado urge intervir, como reflexo do modelo social que se pretende implantar.
6. CONCLUSÕES
Pode-se dizer que a política para as Regiões Metropolitanas no Brasil passou por quatro grandes fases [56]:
1.Centralização em Brasília. Neste primeiro momento, apesar do forte componente autoritário do modelo, havia uma estrutura institucional e disponibilidade de recursos financeiros que permitiram a implementação de vários projetos metropolitanos, inclusive na área de transporte coletivo e tráfego urbano;
2.Neocapitalismo pós- constituição 1988. Este foi o período de hegemonia de uma retórica municipalista exacerbada, em que a questão metropolitana era identificada in limine, com o desmando do governo militar e, simultaneamente, como uma estrutura institucional padronizada e ineficaz.
3.Parcerias entre municípios metropolitanos e um incipiente processo de redes nacionais;
4.Nova abordagem conferida à questão das cidades, após a aprovação do Estatuto da Cidade.
Contrariamente ao primeiro momento, os dois últimos são marcados pela ausência de políticas regulatórias consistentes e de financiamentos federais. Teoricamente, o texto da Constituição de 1988 permite o surgimento de formatos institucionais mais condizentes com as diferentes realidades regionais, ao transferir essa atribuição para as Assembléias Legislativas. Entretanto, a análise do tratamento da questão metropolitana pelas diversas instituições estaduais é bastante fragmentada tanto em termos de profundidade da regulação quanto pelos fatores privilegiados, ainda que se possam levantar pistas que indicariam possíveis caminhos com maiores potencialidades para as diversas dimensões da questão metropolitana. Nesse sentido, algumas considerações gerais sobre a forma como as constituições estaduais tratam da questão metropolitana merecem destaque.
Primeiramente, chama atenção que esse tema de competência estadual, após a promulgação da Carta Magna de 1988, sequer esteja incluído nas constituições do Acre, Roraima, Tocantins, Rio Grande do Norte, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Da mesma forma, as constituições de Alagoas e de Sergipe se restrigem a reproduzir quase linearmente o parágrafo da Constituição Federal (parágrafo 3, artigo 25) sobre o tema. Poder-se-ia argumentar que o aparente ‘descaso" pela questão metropolitana desses Estados se explicava pela ausência ou pouca relevância do fenômeno da conurbação nas fronteiras de suas respectivas capitais. Ainda que fosse a hipótese, cidades como Natal, Campo Grande e Cuiabá, são a médio prazo candidatas à metropolização.
Somente as constituições do Amazonas, de Goiás, de São Paulo e de Santa Catarina estabelecem fatores e requisitos a serem considerados para a instituição de novas Regiões Metropolitanas. ( projeção de crescimento, fluxo migratório, grau de conurbação, a potencialidade das atividades econômicas e dos fatores de polarização da futura região metropolitana, etc). [57]
Após a aprovação do Estatuto da Cidade, o tema volta a ser estudado, porém, como já analisado, inserindo-se novo debate sobre a gestão das cidades.
Atualmente acontece em todo o país Conferências sobre as cidades promovidas em parceria com os diversos níveis de governo e o Ministério das Cidades, onde são debatidos os problemas comuns e realiza-se frutífera troca de experiências na gestão das Regiões Metropolitanas.
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