Como é do conhecimento de todos, é praxe no INSS a suspensão/cancelamento de benefícios previdenciários usufruídos há anos por segurados e pensionistas, sob o argumento de terem sido concedidos de forma fraudulenta.
Antes de continuarmos, deixemos claro que não se discute aqui o dever/poder de a Autarquia Previdenciária exercer permanente ação fiscal visando a combater as inúmeras fraudes que pululam no Sistema e que, de forma cruel, mutilam os já combalidos cofres da Previdência Social. Contudo, torna-se imprescindível que esta ação fiscal não agrida o Princípio Constitucional do devido processo legal.
Ao insculpir que "aos litigantes, em processo administrativo ou judicial e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes", o constituinte estabeleceu exigência expressa da existência de uma relação processual marcada por direitos, faculdades e ônus tanto para a Administração como para os administrados. O constituinte de 1988 ao se referir à ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes, indicou maior amplitude no direito de defesa, a ser interpretada como sendo a possibilidade de serem rebatidos argumentos e acusações, justamente para se evitarem sanções e prejuízos.
Nesse sentido, ensina-nos PAULO HENRIQUE DOS SANTOS LUCON: " a cláusula genérica do devido processo legal tutela os direitos e as garantias típicas ou atípicas que emergem da ordem jurídica desde que fundadas nas colunas democráticas eleitas pela nação e com o fim último de oferecer oportunidades efetivas e equilibradas no processo. Aliás, essa salutar atipicidade vem também corroborada pelo art. 5º, § 2º da Constituição Federal, que estabelece que, "os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte."
Ainda sobre a matéria, LUCON enfatiza que, "por não estar sujeito a conceituações apriorísticas, o devido processo legal revela-se na sua aplicação casuística, de acordo com o método de "inclusão" e "exclusão" característico do case system norte-americano, cuja projeção já se vê na experiência jurisprudencial pátria. Significa verificar in concreto se determinado ato normativo ou decisão administrativa ou judicial está em consonância com o devido processo legal."
Na grande maioria dos processos que apuram a existência de irregularidades na concessão de benefícios previdenciários em sede administrativa, o INSS tem por hábito efetivasr a suspensão/cancelamento desse benefício no mesmo momento em que indefere a defesa que, outrora, foi apresentada pelo segurado. Isso porque, no mesmo momento em que envia notificação ao segurado concedendo-lhe 30 dias de prazo para interposição de recursos, remete ofício ao setor de benefícios onde solicita o bloqueio do pagamento. Ou seja, antes mesmo de o segurado interpor o recurso cabível, A Autarquia já lhe suspensdeu o benefício.
Nesse sentido, é pacífico o entendimento em nossos tribunais, in verbis: " 1. O cumprimento integral do princípio constitucional do devido processo legal compreende também a via recursal administrativa. 2. A suspensão permanente de benefício previdenciário do autor, por suspeita de irregularidade na concessão, é possível somente após o exaurimento da via administrativa, sob pena de violação do devido processo legal (incidência do entendimento simulado no Verbete 160 do extinto e colendo TFR). 3. A decisão judicial não impede o INSS de proceder à suspensão do benefício. Porém, tal providência só poderá ser adotada após o trânsito em julgado do processo administrativo, ou seja, após o esgotamento de todas as vias recursais, em decisão final, em que seja facultado ao segurado a mais ampla defesa possível, em regular processo administrativo..." (TRF 1 - AC 6762 BA PROCESSO 0006762-22.2004.4.01.3300 - DJ 18/07/2012.
Em assim sendo, o direito ao recurso e ao esgotamento dos mecanismos processuais e recursais constituem direito do segurado em processo administrativo, não podendo a sanção ser aplicada sem observância do devido processo legal, no qual está inserto o esgotamento de todas as possibilidades de recurso.
KARL LARENZ, in Derecho Justo. Civitas, Madrid, 1993, cap. VI, p.p.151-189, entende que os princípios do Estado de Direito, em sentido estrito, relacionam-se ao respeito à dignidade do homem, aos direitos humanos, aos princípios comunitários. No Estado de Direito deve-se impedir de maneira especial que aqueles que exerçam o poder estatal o usem de modo diverso ao imposto pelo Direito. O mando de uns impõe deveres de obediência a outros, formando estruturas de dominação. O Estado de Direito, no sentido filosófico, é aquele em que as leis dominam, não os homens.