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Cálculo da aposentadoria.

A nova interpretação do art. 3º da Lei 9876/99 frente às recentes decisões judiciais que reconheceram a interpretação inconstitucional de sua aplicação ao longo dos últimos anos

Agenda 14/07/2016 às 17:51

Justiça Previdenciária: A nova interpretação da legislação previdenciária no cálculo da aposentadoria

                                                                                                                                              

Resumo

Este trabalho tem como objetivo demonstrar a interpretação inconstitucional que está sendo dada ao artigo 3º da Lei 9876/99, que trata sobre a forma de cálculo do salário-de- benefício da aposentadoria. O Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), ao aplicar de forma universal e absoluta o art. 3º da Lei 9876/99, está colocando na mesma situação os que se filiaram e contribuíram para a previdência social antes da competência julho de 1994 e os que se filiaram e passaram a contribuir após esta data. Situação flagrante de inconstitucionalidade e, consequentemente, injusta é o caso – por exemplo – de um segurado que tenha 34 (trinta e quatro) anos de contribuição, sobre o teto do salário-de-contribuição, antes da competência julho de 1994, e que – após a competência julho de 1994 – contribuiu, durante mais 01(um) ano, com base em um salário mínimo. Nesse caso, o segurado ao solicitar a aposentadoria por tempo de contribuição – 35 (trinta e cinco) anos – receberá o valor de um salário mínimo como renda mensal de aposentadoria. Embora tenha contribuído durante anos sobre o teto do salário-de- contribuição, todas as contribuições anteriores à competência julho de 1994 serão desprezadas no momento do cálculo. Para uma interpretação conforme a Constituição, é imprescindível a aplicação dos conceitos previdenciários de “regra de transição” e “regra geral”: conceitos diretamente relacionados ao princípio da segurança jurídica.

Palavras-chave: Interpretação. Inconstitucionalidade. Previdência Social. Cálculo da aposentadoria. Regra de Transição. Regra Geral.

1. INTRODUÇÃO

           

            Esse artigo foi desenvolvido com intuito de chamar a atenção para a situação de alguns segurados da previdência social que estão sendo vítimas da interpretação inconstitucional e, consequentemente, injusta dada ao artigo 3º. da Lei 9876/99, que trata da forma de cálculo da aposentadoria.

            A convivência com alguns segurados que se encontram nessa situação e o acompanhamento de suas manifestações de revolta e indignação motivaram a elaboração desse trabalho.

            O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) está desconsiderando, de forma universal e absoluta, no cálculo da aposentadoria, as contribuições previdenciárias anteriores à competência julho de 1994.

            Alguns segurados da previdência social estão sendo surpreendidos quando tomam conhecimento de sua renda mensal de aposentadoria. A indignação é imediata, pois não conseguem entender e aceitar que terão direito a uma renda mensal muito inferior à que recebiam quando estavam em atividade; o fator previdenciário contribui para essa redução, todavia a interpretação que o INSS está dando ao artigo 3º. da Lei 9876/99, desconsiderando todas as contribuições vertidas para a previdência social, anteriores à competência julho de 1994, está causando uma redução ainda maior na renda mensal da aposentadoria.

            Ressalta-se que essa interpretação dada ao artigo 3º. da Lei 9876/99 ignora   importantes conceitos de direito previdenciário: “regra de transição” e “regra geral”.

            Ora, qual a justificativa para desconsiderar, no cálculo da aposentadoria, anos de contribuição do segurado? É constitucional?

2.  A INTERPRETAÇÃO INCONSTITUCIONAL

            O INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), autarquia do governo federal, vinculada ao Ministério da Previdência Social, tem sob sua responsabilidade o cálculo do salário-de-benefício das aposentadorias concedidas sob o RGPS (Regime Geral de Previdência Social).

            Com a promulgação da Emenda Constitucional (EC) nº 20/1998 o cálculo da aposentadoria foi desconstitucionalizado e, desta forma, coube ao legislador ordinário estabelecer, através de lei, a nova sistemática de cálculo. A Lei 9876/99 foi a responsável por introduzir no ordenamento jurídico brasileiro essa nova sistemática. Vejamos o que diz o caput do artigo 3º da Lei 9876/99:

Art. 3º Para o segurado filiado à Previdência Social até o dia anterior à data de publicação desta Lei, que vier a cumprir as condições exigidas para a concessão dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, no cálculo do salário-de-benefício será considerada a média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição, correspondentes a, no mínimo, oitenta por cento de todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994, observado o disposto nos incisos I e II do caput do art. 29 da lei 8213, de 1991, com a redação dada por esta Lei.

           

            Conforme interpretação do art. 3º. da Lei 9876/99 dada pelo INSS, as contribuições para a previdência social de todos os segurados, anteriores à competência julho de 1994, são desprezadas no cálculo do salário-de-benefício; se o segurado contribuiu – por exemplo – durante 30 (trinta) anos sobre um elevado salário-de-contribuição e, após a competência julho de 1994, contribuiu durante 05 (cinco) anos sobre um salário-de-contribuição correspondente a um salário mínimo, esse segurado será aposentado com valor aproximado de um salário mínimo.

            Vejamos os seguintes exemplos:

            Exemplo 1: Um segurado contribuiu durante 20 (vinte) anos, antes da competência julho de 1994, sobre um salário aproximado de R$ 4.000,00 (quatro mil reais); após a competência julho de 1994 ficou desempregado ou contribuiu sobre um valor aproximado de um salário mínimo de R$ 720,00 (setecentos e vinte reais); em 2002 completa 65 (sessenta e cinco) anos. Neste caso, o segurado fará jus à aposentadoria por idade, pois atingiu a idade para obtenção do benefício, bem como possui mais de 180 (cento e oitenta) contribuições vertidas para sistema previdenciário. O INSS ao efetuar o cálculo do salário-de-benefício, que gerará a renda mensal da aposentadoria, não considerará os 20 (anos) de contribuição desse segurado no período básico de cálculo e, desta forma, o concederá uma renda mensal no valor aproximado de 01 (um) salário mínimo.

            Exemplo 2: Um segurado contribuiu durante 29 (vinte e nove) anos, antes da competência julho 1994, sobre um salário aproximado de R$ 4.000,00 (quatro mil reais); após a competência julho de 1994 contribuiu mais 06 (seis) anos sobre um salário aproximado no valor de um salário mínimo de R$ 720,00; em 1999 completa 35 (trinta e cinco) anos de contribuição. Nesse caso, como atingiu 35 (trinta e cinco) anos de contribuição tem direito ao benefício da aposentadoria por tempo de contribuição. O INSS ao efetuar o cálculo do salário-de-benefício, que gerará a renda mensal da aposentadoria, não considerará os 29 (vinte e nove ) anos de contribuição desse segurado no período básico de cálculo e, desta forma, o concederá uma renda mensal no valor aproximado de um salário mínimo.

            O INSS  está colocando na mesma situação os que se filiaram e contribuíram para a previdência social antes da competência julho de 1994 e os que se filiaram e passaram a contribuir após esta data. Essa interpretação do INSS fere os ideais de justiça e diversos preceitos constitucionais como – por exemplo – o da dignidade da pessoa humana, o do valor social do trabalho, o da construção de uma sociedade livre, justa e solidária e o da igualdade.

            Alexandre de Moraes (2003, p.50) expressa que “é através do trabalho que o homem garante sua subsistência e o crescimento do país, prevendo a Constituição, em diversas passagens, a liberdade, o respeito e a dignidade ao trabalhador […]”.     

            Segundo André Tavares, ao comentar o princípio da dignidade da pessoa humana:

Parece que o objetivo principal da inserção do princípio em tela na Constituição foi fazer com que a pessoa seja, como bem anota JORGE MIRANDA, “fundamento e fim da sociedade”, porque não pode sê-lo o Estado, que nas palavras de ATALIBA NOGUEIRA é “um meio e não um fim”, e um meio que deve ter como finalidade, dentre outras, a preservação da dignidade do Homem. (TAVARES, 2012, p.436-437)

            Destarte, é inadmissível e inconstitucional desconsiderar, no cálculo da aposentadoria, anos de contribuição daqueles que são os principais responsáveis pelo crescimento e desenvolvimento econômico-social de um país; é o desrespeito ao cidadão e aos fundamentos da República Federativa do Brasil: o valor social do trabalho e a dignidade da pessoa humana.

            O art. 3º da Constituição Federal estabelece que um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. O cálculo da aposentadoria destoa totalmente desse preceito constitucional, já que não se observa nada de justo é muito menos solidário na interpretação adotada pelo INSS. Solidariedade, dentre alguns significados, é quando há uma relação recíproca de colaboração, quando há sentimento de compadecimento com as dificuldades ou sofrimentos de outras pessoas. Nosso sistema previdenciário tem como pilar o caráter contributivo e solidário, pois os que estão na ativa contribuem para manter o benefício de quem não tem mais forças para o trabalho ou que já trabalhou muitos anos e, desta forma, necessita descansar. Aqueles que contribuíram durante anos, antes da competência julho de 1994, para a manutenção de todo o sistema previdenciário e que agora necessitam do descanso, deparam-se com o esquecimento pelo Estado do significado da palavra solidariedade.

            Em comentário aos direitos sociais e coletivos, André Tavares aduz que a solidariedade é um dos pilares da seguridade social:

A doutrina assinala o princípio da solidariedade entre as gerações como um dos pilares da seguridade social. Esse princípio é uma decorrência da obrigatoriedade de filiação à seguridade social, implicando a respectiva obrigatoriedade de participação no seu custeio, independentemente da vontade individual de filiação e contribuição. PEDRO VIDAL NETO salienta: “a solidariedade social está nas raízes da Seguridade Social, impelindo todas as pessoas a conjugarem esforços para fazer face às contingências sociais, por motivos altruístas ou não, desde que os males que afligem a cada indivíduo podem vir a ser sofridos pelos demais e, de qualquer modo atingem toda a comunidade. (TAVARES, 2012, p. 707)

            O absurdo dessa sistemática de cálculo se torna mais evidente quando nos deparamos com o princípio da igualdade: direito fundamental. É pacífico, tanto na doutrina como jurisprudência, que a verdadeira igualdade está em tratar os iguais de forma igual e os desiguais na medida de suas desigualdades. O INSS não pode – para fins de cálculo da renda mensal de aposentadoria – tratar os que se filiaram e passaram a contribuir para a previdência social antes da competência julho de 1994 da mesma forma que trata os que se filiaram e passaram a contribuir após essa data de referência.

            O ilustre ministro Gilmar Mendes do Supremo Tribunal Federal é enfático ao comentar sobre os direitos fundamentais, lecionando que – além de serem elementos essenciais ao sistema democrático, os Poderes Públicos estão  a eles vinculados.

[…] os direitos fundamentais contêm elementos essenciais não só do sistema democrático (igualdade, liberdade de opinião, liberdade de reunião, igualdade de oportunidade), mas também do próprio Estado de Direito (vinculação dos Poderes Públicos aos direitos fundamentais). (MENDES, 2011, p.121)

             No mesmo sentido,  Manoel Ferreira Filho observa que “a igualdade, desde a Antiguidade, é indissoluvelmente associada à democracia”. (FERREIRA FILHO, 2013, p. 314)

             Corroborando o entendimento e ressaltando que o intérprete da lei ou a autoridade pública não pode aplicar as leis e atos normativos aos casos concretos de forma a criar ou aumentar desigualdades arbitrárias, Alexandre de Moraes:

[…] o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de justiça […].O intérprete/autoridade pública não poderá aplicar as leis e atos normativos aos casos concretos de forma a criar ou aumentar desigualdades arbitrárias[…](MORAES, 2003, p. 64-65)

            De acordo com André Tavares, “a igualdade implica o tratamento desigual das situações de vida desiguais, na medida de sua desigualação. Aliás, trata-se de exigência contida no próprio princípio da Justiça”.(TAVARES, 2012, p. 453)

            No STF (Supremo Tribunal Federal), nossa suprema corte, as decisões envolvendo o princípio da igualdade são contundentes, como pode ser observado na decisão reproduzida abaixo:

[…] 5. A igualdade, desde Platão e Aristóteles, consiste em tratar-se de modo desigual os desiguais.[…] (STF - MS: 26690 DF , Relator: EROS GRAU, Data de Julgamento: 03/09/2008, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-241 DIVULG 18-12-2008 PUBLIC 19-12-2008 EMENT VOL-02346-03 PP-00666) (grifo nosso).

            Essa interpretação dada pelo INSS está em desacordo também com a previsão constitucional de que a previdência social deve ser organizada de modo a preservar seu equilíbrio financeiro e atuarial, conforme  redação do caput do artigo 201 da nossa Carta Magna. A incoerência com essa previsão constitucional é tão clara que será tratada em tópico específico desse artigo, demonstrando matematicamente que a atual interpretação do art. 3º da Lei 9876/99 contribuiu e continua contribuindo não só para a injustiça com alguns segurados como para o aumento do déficit da previdência.

            Além da interpretação dada pelo INSS contrair preceitos constitucionais, ela desconsidera 02 (duas) importantes regras já pacificadas no direito previdenciário:  regra de transição e regra geral (regra permanente). Impende observar que tais regras estão diretamente relacionadas ao princípio da segurança jurídica.

            O INSS não pode aplicar indistintamente o art. 3º da Lei 9876/99 para cálculo dos benefícios. Deve ser garantido ao segurado filiado à previdência social anteriormente à vigência desta lei e que possui anos de contribuição antes da competência julho de 1994 o direito de optar entre a regra de transição e a regra permanente, de acordo com a vantajosidade observada.

            O juiz federal Cristiano Aurélio Manfrim, em seu artigo “Regras de transição do fator previdenciário: a escorreita aplicação do artigo 3º da Lei 9.876”:

[...] a interpretação desse artigo pelo INSS – além de causar desconformismo aos segurados, desaguando a questão no poder judiciário – tem gerado situações absurdas, inclusive em total descompasso com a finalidade da lei, que era a de preservar o equilíbrio financeiro e atuarial da Previdência Social mediante a concessão de benefício em valor vinculado ao histórico de contribuições do segurado. No cálculo do salário de benefício do segurado da Previdência Social filiado antes da vigência da Lei 9.876/1999 e que não preencheu os requisitos da legislação anterior, deve ser possibilitada, dentre a aplicação da regra permanente (atual redação do artigo 29 da Lei 8.213/1991) ou da transitória (artigo 3º e parágrafos, da Lei 9.876/1999), a que lhe for mais vantajosa. (MANFRIM, 2010, grifo nosso).

           

            No mesmo sentido, o posicionamento da Procuradora Federal do próprio INSS, Lais Fraga Kauss, em seu artigo “Art. 3º da Lei nº 9.876/99. Regra de transição. Aplicação limitada”:

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[...] ao segurado da Previdência deveria ser garantido o direito de usar a regra nova do artigo 29 da Lei 8.213/1991, usando todo o período contributivo como período básico de cálculo. Tal procedimento, apesar de não ser a regra, pode ser mais benéfico à parte sem, contudo, atingir ou prejudicar o interesse público ou equilíbrio atuarial da Previdência. Trata-se da aplicação dos princípios constitucionais da razoabilidade, moralidade e eficiência. (KAUSS, 2009).

           

            Observa-se que nos posicionamentos do juiz e da procuradora, citados acima, é feita a diferenciação entre regra de transição (art. 3º da lei 9876/99, que considera apenas as contribuições após a competência julho de 1994) e a regra permanente ( art. 29 da lei 8213/99, que considera todo o período contributivo).

            O mesmo posicionamento é seguido pelos juízes e doutrinadores Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista de Lazzari:

Embora a Lei n. 9.876/99 não tenha previsto expressamente, há que ser entendido que   segurado poderá optar pela regra nova na sua integralidade, ou seja, a média dos 80% maiores salários-de-contribuição de todo o período em que contribuiu ao sistema e não apenas a partir de julho de 1994.Como paradigma para essa interpretação podemos citar o art. 9º da Emenda Constitucional n.20/98, que ao alterar as regras de concessão da aposentadoria por tempo de contribuição permitiu ao segurado optar pelas regras de transição ou pelas novas regras permanentes do art.201 da Constituição. Além disso, ao tratarmos de regras de transição no direito previdenciário, sua estipulação é exatamente para facilitar a adaptação dos segurados que já estavam contribuindo, mas que ainda não tinham implementado as condições para o benefício, ou seja, que ainda não possuíam o direito adquirido ao benefício. Portanto, não havendo direito adquirido à regra anterior, o segurado teria sempre duas opções: a regra nova ou regra de transição, podendo sempre optar pela que lhe for mais benéfica. ( CASTRO; LAZZARI, 2013, p. 577, grifo nosso)

           

Não há nenhuma justificativa plausível para que as contribuições anteriores à competência julho de 1994 sejam desconsideradas no cálculo da aposentadoria. Algumas alegações como, por exemplo, a de que essa desconsideração se deve à mudança no sistema monetário ( surgimento do Plano Real) e, desta forma, há dificuldade em efetuar a atualização monetária ou conversão de valores  das contribuições anteriores ao Plano Real, é – antes de tudo – falaciosa. Ora, a matemática existe anos antes de Cristo e conversão de valores, assim como atualização monetária, nos dias atuais, é rapidamente feita em milésimos de segundos com um simples aplicativo, muitos deles disponível na internet. Se fosse impossível a conversão de valores ou atualização monetária, então todos os investimentos originários em moeda anterior ao Plano Real deveriam estar congelados em réis, cruzado, cruzado novo, cruzeiro ou cruzeiro real. As dívidas dos cidadãos anteriores ao Plano Real foram perdoadas? Não foram atualizadas? Não foram convertidas para REAIS? Além disso, trata-se de previsão constitucional (art.201,§ 3º,CF)  e legal (art. 2º, inciso IV, Lei 8213/91) a atualização e correção monetária dos salários de contribuição quando do cálculo do salário de benefício.

            Ao comentar sobre o assunto, Ivan Kertzman (2012) também não encontra explicação para o fato de se desconsiderar as contribuições anteriores à competência julho de 1994 no cálculo do salário-de-benefício da aposentadoria. Kertzman supõe que o legislador, possivelmente, visou facilitar os cálculos de correção dos salários de contribuição.

As competências anteriores são, assim, desprezadas para o cálculo dos benefícios. Note que esta competência foi a que instituiu, oficialmente, o “Real”. O legislador visou, possivelmente, a facilitação dos cálculos de correção dos salários-de-contribuição para efeito do salário-de-benefício. (KERTZMAN, 2012,p. 366).     

           

            Na maioria das vezes, o silêncio é a melhor justificativa para as arbitrariedades cometidas. Tentar justificar o injustificável é fortalecer o sentimento de revolta e indignação de milhões de trabalhadores que durante anos contribuíram para o crescimento e desenvolvimento do país. Se as contribuições anteriores a competência julho de 1994 não são consideradas no cálculo da aposentadoria é possível afirmar que se trata de confisco, pois tais contribuições foram apropriadas indevidamente pelo Estado, em flagrante enriquecimento ilícito.

            O segurado que contribuiu durante anos para a Previdência Social tem direito a um benefício previdenciário e não a uma assistência social. A concessão de um salário mínimo, como renda de aposentadoria, para aqueles que possuem  20 (vinte), 25 (vinte e cinco) ou 30 (trinta) anos de contribuição, sobre o teto de salário de contribuição, antes da competência julho de 1994, é a deturpação do conceito de benefício previdenciário; a separação entre previdência social e assistência social é fato inquestionável e de previsão constitucional. O déficit da Previdência Social – resultado da irresponsabilidade histórica de nossos governantes – não pode ser corrigido a qualquer custo.

            Ao continuar prevalecendo essa interpretação dada pelo INSS, o poder judiciário será demandado cada vez mais pelos segurados na tentativa de ver seus direitos garantidos. É preciso, de forma urgente, que uma interpretação conforme a constituição seja dada ao dispositivo da Lei 9876/99; uma interpretação uniforme para que no caso concreto decidido pelo juízes não surjam interpretações diversas. É fundamental que o Supremo Tribunal Federal se manifeste.

Enquanto o INSS não mudar sua interpretação ou não houver manifestação do Supremo Tribunal Federal, todos os aposentados que sofreram prejuízos no cálculo de sua aposentadoria em virtude da aplicação equivocada e absurda dos dispositivos da Lei 9876/99 devem procurar o poder judiciário para que seu benefício seja revisto. A busca pela revisão do benefício, neste caso, trata-se do exercício legítimo de cidadania, já que a Constituição Federal, em seu art.5º, inciso XXXV, é contundente: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário  lesão ou ameaça a direito”.

No âmbito do poder judiciário, as primeiras decisões permitindo a inclusão das contribuições previdenciárias anteriores à competência julho de 1994 começam a surgir. A 3ª Turma Recursal do Estado do Paraná, em recente decisão, datada de 06/11/2013, utilizando conceitos de regra de transição e regra geral, dá ao artigo 3º da Lei 9876/99 uma interpretação conforme a Constituição. O egrégio Tribunal Paranaense, através do brilhante voto da relatora - juíza federal Flavia da Silva Xavier -, decidiu de acordo com os preceitos constitucionais e os ditames da justiça; o Tribunal não se apegou à literalidade da redação do art. 3º da Lei 9876/99; o mérito desse Tribunal está em uma interpretação teleológica do art. 3º da Lei 9876/99. Impende observar que o acórdão da 3ª Turma Recursal do Paraná foi por unanimidade.

EMENTA: RECURSO INOMINADO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DA RENDA MENSAL INICIAL. APOSENTADORIA POR IDADE. REQUISITOS IMPLEMENTADOS APÓS O INÍCIO DE VIGÊNCIA DA LEI Nº 9.876/99. REGRA DE TRANSIÇÃO. DIVISOR MÍNIMO. APLICAÇÃO DA REGRA DEFINITIVA. 1. Implementados os requisitos para obtenção de aposentadoria por idade após o início de vigência da Lei nº 9.876/99, o pedido inicial foi julgado improcedente, por entender que o cálculo efetuado pela autarquia previdenciária está correto ao usar como divisor o correspondente a 60% do período decorrido da competência de julho de 1994 até a data de início do benefício. 2. A regra de transição prevista na Lei nº 9.876/99, no entanto, não pode prevalecer nas situações em que o número de contribuições recolhidas no período básico de cálculo é inferior ao divisor mínimo. Nesses casos, em que a regra de transitória é prejudicial ao segurado, deve ser aplicada a regra definitiva, prevista no artigo 29, inciso I, da Lei nº 8.213/91, com a redação definida pela Lei nº 9.876/99. 3. Nesse exato sentido é a orientação jurisprudencial firmada ao interpretar a regra transitória prevista no artigo 9º, da Emenda Constitucional nº 20/98, que estabeleceu, além do tempo de contribuição, idade mínima e "pedágio", para obtenção de aposentadoria por tempo de contribuição integral, enquanto o texto permanente (art. 201, § 7º, inc. I, CF/88) exige tão somente tempo de contribuição. A solução definida pela jurisprudência determina a aplicação da regra definitiva, já que a regra de transição é prejudicial ao segurado, por exigir requisitos (idade mínima e "pedágio") não previstos no texto definitivo. 4. Recurso parcialmente provido, para determinar a aplicação da regra definitiva, prevista no artigo 29, inciso I, da Lei nº 8.213/91, com a redação estabelecida pela Lei nº 9.876/99, ressalvado que, se a RMI revisada for inferior àquela concedida pelo INSS, deverá ser mantido o valor original, nos termos do artigo 122, da Lei nº 8.213/991.( 5025843-93.2011.404.7000, Terceira Turma Recursal do PR, Relatora Flavia da Silva Xavier, julgado em 06/11/2013) (grifo nosso)

3. O EQUILÍBRIO FINANCEIRO E ATUARIAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

Conforme dito no tópico 2 ( “A Interpretação Inconstitucional”), a interpretação dada pelo INSS está em desacordo com a previsão constitucional de que a previdência social deve ser organizada de modo a preservar seu equilíbrio financeiro e atuarial, conforme  redação do caput do artigo 201 da nossa Carta Magna:

A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial , e atenderá, nos termos da lei [...].(grifo nosso).

            A interpretação atual destoa totalmente deste preceito constitucional, pois permite que alguns segurados, que possuem anos de contribuição, antes de 1994, sobre um salário mínimo, e que – após 1994 – contribuíram apenas durante 01 (um) ano sobre o teto do salário-de-contribuição, recebam – como renda de aposentadoria – salário próximo ao teto; enquanto os segurados que tenham – por exemplo – 30 (trinta) anos de contribuição antes de 1994, sobre o teto do salário-de-contribuição, e não tenham contribuição após 1994 ou tenham contribuído sobre um salário mínimo, receberão apenas um salário mínimo como aposentadoria. Observa-se que a Lei 9876/99 surgiu exatamente para evitar a concessão da aposentadoria com base em poucas contribuições do segurado, visando uma solução para o déficit da previdência; todavia, a atual interpretação – em alguns casos – está causando prejuízos aos segurados e – em outros – contribuindo para o aumento do déficit da previdência.

            Para comprovar a interpretação inconstitucional que está sendo dada ao art. 3º da Lei 9876/99, demonstrando a incoerência com o equilíbrio financeiro e atuarial da previdência, seguem 02 (dois) cálculos (exemplos) da aposentadoira por idade.

Cálculo 1 - inclusão das contribuições anteriores a 1994

  1. Segurado possui total de 209 contribuições registradas no CNIS (17 anos e 5 meses de contribuição comprovados) – período de 08/1976  a 01/1997;
  2. Completou 65 (sessenta e cinco anos) em 04/2015;
  3. Antes de 07/1994 contribuía sobre valores elevados de salário-de-contribuição;
  4. Após 07/1994 contribuiu durante 01 ano e 04 meses sobre um salário mínimo;
  5. Período sem contribuição: 37 meses.

*Observação: No período de 08/76 a 02/85, apenas a título exemplificativo e para facilitar a análise, foi considerado valor (uniforme) atualizado de R$ 2.500,00; nos demais anos este exemplo adotou as contribuições reais de um segurado.

            Cálculo conforme decisão da 3ª Turma Recursal do Paraná e de acordo com o equilíbrio financeiro e atuarial da previdência social, vinculando o benefício ao histórico de contribuições do segurado:

  1. Segurado possui direito à aposentadoria por idade. Tem mais de 180 contribuições. Lei 8213/91, art. 24, inciso II ( redação dada pela Lei 9876/99);
  2. Somatório 80% (salário-de-contribuição) = 168 contribuições = R$ 448.669,97 - Lei 8213/91, art. 29, inciso I ( redação dada pela Lei 9876/99);
  3. Divisor  - 60% ( julho de 1994 a abril 2015) = 0,6 * 249 meses = 149,4. Como 168 > 149,4, utiliza-se 168 no divisor. Observa-se que esse trabalho não tem como objetivo a discussão sobre o divisor previsto na Lei 9876/99, embora esse divisor deturpe o conceito de média aritmética simples - Lei 9876, art. 3º, §2;
  4. Renda mensal - aposentadoria por idade – 70% do salário de benefício + 1% a cada grupo de 12 contribuições, não podendo ultrapassar 100%. Como o segurado possui 209 contribuições ( 209/12 = 17), sua renda mensal deve ser 87% do salário-de-benefício ( 70% + 17%) - Lei 8213/91, art. 50, caput;
  5. .Salário Mínimo ( janeiro/2015): R$ 788,00
  6.  Teto do salário-de-benefício (janeiro/2015): R$ 4.663,75

SOMATÓRIO: 80% SALÁRIO-DE-CONTRIBUIÇÃO

R$ 448.669,97

DIVISOR

168

SALÁRIO-DE-BENEFÍCIO (MÉDIA ARITMÉTICA SIMPLES DOS 80% SALÁRIO-DE-CONTRIBUIÇÃO)

R$ 2.670, 65

RENDA MENSAL (87% DO SALÁRIO-DE-BENEFÍCIO)

R$ 2.323,46

            Portanto, esse segurado tem o direito a uma aposentadoria no valor de R$ 2.323,46. Se o INSS só considerar as contribuições após 1994, irá conceder aposentadoria no valor de um salário mínimo ( R$ 788,00), não vinculando o cálculo da aposentadoria a todo o período contributivo do segurado; cálculo em desacordo com o equilíbrio financeiro e atuarial da previdência.

Cálculo 2 -  considerando apenas as contribuições posteriores a 1994

            Através dessa tabela ficará evidente que a atual interpretação dada ao art. 3º da Lei 9876/99 está contribuindo para o déficit da previdência social; trazendo prejuízos ao equilíbrio financeiro e atuarial:

  1. Segurado possui total de 180 contribuições registradas no CNIS (15 anos), sendo apenas 06 contribuições após julho de 1994;
  2. Completou 65 (sessenta e cinco anos) em 01/1995;
  3. Antes de 07/1994 contribuiu durante 14 anos e 06 meses sobre o valor de um salário mínimo;

Cálculo conforme a atual interpretação dada pelo INSS ao art. 3º da Lei 9876/99, considerando apenas as contribuições posteriores a julho de 1994:

  1. Segurado possui direito à aposentadoria por idade. Tem 180 contribuições. Lei 8213/91, art. 24, inciso II, redação dada pela Lei 9876/99;
  2. Somatório 80% (salários-de-contribuição) = 05 contribuições = R$ 3.190,02– (art. 3º da Lei 9876/99);
  3. Divisor  - 60% ( julho de 1994 a janeiro de 1995 = 0,6 * 7 meses = 4,2. Como 05 > 4,2, utiliza-se 5  no divisor. Observa-se que esse trabalho não tem como objetivo a discussão sobre o divisor previsto na Lei 9876/99, embora esse divisor deturpe o conceito de média aritmética simples - Lei 9876, art. 3º, §2;
  4. Renda mensal - aposentadoria por idade – 70% do salário de benefício + 1% a cada grupo de 12 contribuições, não podendo ultrapassar 100%. Como o segurado possui 180 contribuições ( 180/12 = 15), sua renda mensal deve ser 85% do salário-de-benefício ( 70% + 15%) - Lei 8213/91, art. 50, caput;
  5.  Salário Mínimo ( janeiro/1995): R$ 100,00
  6.  Teto Salário-de-Benefício ( janeiro/1995): R$ 582,86

SOMATÓRIO: 80% SALÁRIO-DE-CONTRIBUIÇÃO

R$ 3.190,02

DIVISOR

05

SALÁRIO-DE-BENEFÍCIO (MÉDIA ARITMÉTICA SIMPLES DOS 80% SALÁRIO-DE-CONTRIBUIÇÃO)

R$ 638,00

RENDA MENSAL (85% DO SALÁRIO-DE-BENEFÍCIO)

R$ 542,30

Neste caso, o INSS concederá (concedeu) em 1995 uma aposentadoria no valor de  R$ 542,30 a um segurado que contribuiu durante sua vida laborativa sempre sobre um salário mínimo e que possuía  apenas 06 contribuições, após 1994, sobre o teto do salário-de-contribuição. Observa-se que em 1995 o valor do salário mínimo era de R$ 100,00 e o teto do salário-de-benefício era de R$ 582,86. Logo, esse segurado se aposentará(aposentou) com um renda mensal próxima ao teto do salário-de-benefício.

            Comparando os 2 (dois) cálculos, é óbvia a constatação de que o atual cálculo da aposentadoria – desconsiderando as contribuições anteriores a julho de 1994 –  é um absurdo. Vejamos:

          No primeiro cálculo: o segurado será aposentado – conforme atual interpretação do art. 3º da Lei 9876/99 – no valor de um salário mínimo. Embora tenha contribuído durante mais de 15 anos sobre um valor  aproximado (3X), receberá uma renda mensal (X).

            No segundo cálculo: o segurado será (foi) aposentado no valor próximo ao teto do salário-de-benefício. Embora tenha contribuído durante apenas 06 meses sobre o teto do salário-de-contribuição, tendo contribuído por mais de 14 anos sobre um valor (X), receberá (está recebendo) um valor (5X) como renda de aposentadoria.

            Se os dois segurados tivessem preenchidos os requisitos para aposentadoria por idade na mesma época ( janeiro de 1995), quando o salário mínimo era de R$100,00 e o teto do salário-de-benefício era de R$582,86, o segurado da tabela 01 – embora tenha  vertido para a previdência social valores muito superiores ao segurado da tabela 2 -  teria recebido até 2010 o valor total aproximado ( sem correção) de R$ 18.000,00 ( dezoito mil reais); enquanto o segurado da tabela 2 teria recebido até 2010 o valor total aproximado ( sem correção) de R$ 100.000,00 ( cem mil reais).

            Portanto, não há qualquer dúvida de que o atual cálculo da aposentadoria não atende ao equilíbrio financeiro e atuarial da previdência social, mas sim contribui para a perpetuação de seu desequilíbrio: “déficit crescente”

4. CONCLUSÃO

Diante de todo o exposto,  verifica-se que a interpretação dada pelo INSS ao caput do art. 3º. da Lei 9876/99 é inconstitucional, pois contraria diversos preceitos da Constituição Federal: o valor social do trabalho (art. 1º., IV, CF), a dignidade da pessoa humana (art.1º., III, CF), a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º., I, CF), o equilíbrio atuarial e financeiro da previdência social (art. 201, caput, CF), a correção monetária dos salários de contribuição (art. 201,§3,CF) e o consagrado princípio da igualdade (art.5º., caput, CF). Além disso, ignora importantes regras de direito previdenciário: “regra de transição”  e “regra geral”.

Essa interpretação contraria, também, a natureza jurídica da contribuição previdenciária e vai de encontro ao princípio da segurança jurídica. A contribuição previdenciária é um tributo de arrecadação vinculada, pois toda arrecadação deve ser destinada ao pagamento de benefícios previdenciários. Se as contribuições previdenciárias anteriores à competência julho de 1994 não são consideradas no cálculo da aposentadoria, é possível afirmar que o INSS transformou o tributo em imposto: tributo de arrecadação não vinculada; paga-se e pronto! No âmbito do princípio da segurança jurídica, pode-se dizer que o Estado  - no momento em que desconsidera as contribuições anteriores à competência de julho de 1994 no cálculo da aposentadoria – quebra a relação de confiança com o segurado e atenta contra o Estado de direito. Conforme leciona Canotilho:

               

“O homem necessita de segurança para conduzir, planejar e conformar autônoma e responsavelmente a sua vida. Por isso desde cedo se consideravam os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança como elementos constitutivos do Estado de direito. [..]  (Canotilho apud Damares Medina, em Regras de Transição em Matéria Previdenciária, publicado 20/06/2014)

                       

Segundo Damares Medina ( 2014), ao comentar as regras de transição em direito previdenciário:

O segurado que contribui para usufruir no futuro, precisa ter a certeza de que as mudanças irão proteger proporcionalmente o que já ocorreu na relação previdenciária, o tempo que ele já contribuiu, sob pena de ver a previdência e a seguridade social transformadas em pura insegurança social. [...] A natureza jurídica dos direitos previdenciários impõe que a alteração do regime jurídico seja acompanhada, sempre, de uma regra de transição que permita a preservação das situações jurídicas individuais legalmente constituídas, quando da vigência do regime jurídico revogado. Portanto, a regra de transição em matéria previdenciária é uma imposição principiológica em apreço ao instituto da segurança das relações jurídicas e do ato jurídico perfeito. A não previsão de regras de transição que visem à garantia das situações em curso na mudança ou alteração do regime previdenciário, importa na aplicação retroativa da alteração e em consequente violação aos princípios, já referidos, da segurança jurídica, do direito adquirido e acumulado e do ato jurídico perfeito. (MEDINA, 2014).(grifo nosso).

                       

A interpretação inconstitucional dada ao art. 3º da Lei 9876/99 fica ainda mais evidente no plano fático, já que alguns segurados não possuem contribuições após a competência julho de 1994, todavia possuem – por exemplo -  mais de 30 (trinta) anos de contribuição antes de tal competência.

Em relação à inconstitucionalidade no plano fático, o Procurador Federal Rafael Gomes de Santana, em seu artigo: “O Controle de Constitucionalidade e o Plano Fático”:

[...] Vê-se que a inconstitucionalidade não seria patente ou clara na norma, mas sim excepcional, e somente se mostraria de forma explícita se presentes determinadas circunstâncias fáticas. Ou seja, na maior parte das hipóteses de incidência a norma é válida e constitucional, porém, se aplicada diante de específicas circunstâncias, seria considerada inconstitucional. (SANTANA, 2012, grifo nosso).

[...] Vê-se que, seja por meio da técnica da “lei ainda constitucional”, seja por meio da técnica da “inconstitucionalidade circunstancial”, a análise da constitucionalidade não pode ser realizada apenas sob o aspecto puramente normativo. As circunstâncias fáticas podem e devem sim ser levados em consideração no julgamento, fazendo prevalecer o senso de justiça. (SANTANA, 2012, grifo nosso)

                                  

Santana (2012), no mesmo artigo, lembra ainda o julgamento da ADI 2415 em que o Ministro Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal (STF), na sua decisão, cita Goethe: “Poderosa é a lei, porém, mais poderosa é a realidade”

Destarte, o afastamento dessa interpretação dada pelo INSS é necessário, além de ser questão de justiça, para corroborar a supremacia da Constituição e seus princípios no ordenamento jurídico.

Alexandre de Moraes aduz que:

[...] a existência de escalonamento normativo é pressuposto necessário para a supremacia constitucional, pois ocupando a constituição a hierarquia do sistema normativo é nela que o legislador encontrará a forma de elaboração legislativa e o seu conteúdo. Além disso, nas constituições rígidas se verifica a superioridade da norma magna em relação àquelas produzidas pelo Poder Legislativo, no exercício da função legiferante ordinária. Desta forma, nelas o fundamento do controle é o de que nenhum ato normativo, que lógica e necessariamente dela decorre, pode modificá-la ou suprimi-lá.(MORAES, 2003, p.50)

Cléver Vasconcelosno mesmo sentido:

A carta constitucional é o diploma jurídico de maior relevância no ordenamento jurídico de um país, de forma a ocupar o ápice deste sistema normativo estatal, do que decorre a posição de hierarquia máxima que ocupa em relação às demais normas do corpus juridicus. Acertada a lição de Zeno Veloso, aclarando que as “normas constitucionais são dotadas de preeminência, supremacia em relação às demais leis e atos normativos que integram o ordenamento jurídico estatal. Todas as normas devem se adequar, têm de ser pertinentes, precisam se conformar com a Constituição, que é o parâmetro, o valor supremo, o nível mais elevado do direito positivo, a Lex legum (a Lei das leis)”. Neste turno, por ser a Constituição o paradigma maior de validade e fundamento de legitimidade das demais normas do repertório jurídico nacional, há de se apurar a relação de compatibilidade e conformidade existente, ou não, entre normas infraconstitucionais e o texto constitucional.(VASCONCELOS, 2014, p. 373)

Conforme Manoel Ferreira Filho:

Como a Constituição se revela num enunciado normativo, a sua interpretação segue os mesmos métodos de interpretação do direito em geral. Entretanto, como a Constituição, por um lado, registra os valores mais caros à comunidade, que os manifesta pelo Poder Constituinte, por outro, é a “lei das leis”, a lei suprema; sua interpretação não pode olvidar esses dois aspectos. Deles de pronto decorre que, na exegese de qualquer de suas disposições, se deve levar em conta os valores que inspiram a Constituição e os objetivos a que esta se propõe. Servem, pois, de ponto de referência para a aplicação do método teleológico de interpretação.(FERREIRA FILHO, 2013, p. 417)

                                              

O artigo 3º. da Lei 9876/99 não pode ser aplicado de forma universal e absoluta, sob pena de ignorar a realidade de alguns segurados e, consequentemente, contribuir para a promoção de uma sociedade cada vez mais injusta.

Portanto, o INSS deve interpretar o art. 3º. da Lei 9876/99 de acordo com nossa Lei Maior: a Constituição Federal. Para uma interpretação conforme a Constituição, é imprescindível a aplicação dos conceitos previdenciários de “regra de transição” e “regra geral”, assim como decidiu a 3ª Turma Recursal do Paraná. De acordo com o voto da relatora – juíza federal Flavia da Silva Xavier:

Portanto, a Lei nº 9.876/99 e a regra de transição do art. 3º, podem ser interpretadas nos termos seguintes: a) aplica-se a regra de transição do art.  3º, se o número de salários-de-contribuição do segurado, correspondentes a oitenta por cento do período contributivo decorrido após julho/1994, for superior a sessenta por cento do número de meses decorridos entre julho/1994 e a data de início do benefício: o salário-de-benefício corresponderá à média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição existentes após julho/1994, multiplicada pelo fator previdenciário. No cálculo da média, devem ser utilizados mais de oitenta por cento dos salários-de-contribuição existentes nesse período, até cem por cento, de forma a atingir o divisor mínimo exigido pelo § 2º (60% do número de meses decorridos entre julho/1994 e a data de início do benefício); b) se o número total (cem por cento) de salários-de-contribuição do segurado existentes após julho/1994 for inferior a sessenta por cento do número de meses decorridos entre julho/1994 e a data de início do benefício, o cálculo deve ser feito com aplicação da regra definitiva do art. 29 da Lei 8.213/91, com as alterações introduzidas pela Lei Lei nº 9.876/99. Em suma: o salário-de-benefício corresponderá à média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a 80% de todo o período contributivo, nos estritos termos da regra definitiva, sem o marco inicial do PBC fixado em julho de 1994. Não há nenhuma coerência na aplicação de uma regra transitória que seja mais prejudicial ao segurado que a própria regra definitiva. E a regra definitiva é a "verdadeira regra", enquanto a regra de transição somente se justifica para amenizar seus efeitos deletérios. Se a regra de transição é mais prejudicial que a definitiva, aplica-se esta última. Penso que essa interpretação, além de se compatibilizar com os fins da norma e a lógica das regras de transição, evita situações de extremo prejuízo ou extremo benefício ao segurado.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Lei 8213/91. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm> Acesso em 14/0ut/14

BRASIL. Lei 9876/96. Dispõe sobre a contribuição previdenciária do contribuinte individual, o cálculo do benefício, altera dispositivos das Leis nos 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991, e dá outras providências. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9876.htm> Acesso em 14/out/14.

Brasil. Tribunal Regional Federal. Seção Judiciária do Paraná. Acórdão no Recurso Cível nº 5025843-93.2011.404.7000/PR. Relatora: Juíza Federal Flávia da Silva Xavier. Data: 06/11/2013. Disponível https://eproc.jfpr.jus.br/consultapublica . Acesso em 28/03/2015.

CASTRO, Carlos Alberto Pereira; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 577.

FERREIRA FILHO, Manoel.  Curso de direito constitucional, 39ª edição. Saraiva, 2013, p. 314, 417.

MANFRIM, Cristiano Aurélio. Regras de transição do fator previdenciário: a escorreita aplicação do artigo 3º da Lei 9.876. Porto Alegre: Revista de Doutrina, 2010.Disponívele<http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao037/cristiano_manfrim.html>Acesso em:10 dez. 2014.

MEDINA, Damares. Regras de transição em matéria previdenciária . Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n.4006, 20 jun. 2014. Disponível em:<http://jus.com.br/artigos/29171>. Acesso em: 26 mar. 2015.

MENDES, Gilmar. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade – Estudos de Direito Constitucional. 4ª edição. Saraiva, 2011, p. 121.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 14º Edição. Atlas, 2003, p.50, 64-65.

KAUSS, Laís Fraga. Art. 3º da Lei nº 9.876/99. Regra de transição. Aplicação limitada. Teresina: Jus Navigandi, 2009.Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/13434>. Acesso em: 10 dez. 2014.

KERTZMAN, Ivan. Curso Prático de Direito Previdenciário. JusPODIVM, 2012, p.366.

SANTANA, Rafael Gomes. O Controle de Constitucionalidade e o Plano Fático. Jus Navigandi, Teresina, 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/23090> Acesso em 12 dez 2014.

TAVARES, André. Curso de Direito Constitucional. 11ª Edição.Saraiva, 2012. p.436-437, 453, 707.

VASCONCELOS, Clever. Curso de direito constitucional. Atualizado até a EC nº 77/2014, 2ª edição, 2014.

ANEXO A

Recurso Cível Nº 5025843-93.2011.404.7000/PR: Voto da Relatora – Juíza Federal Flavia da Silva Xavier

Trata-se de recurso da parte contra sentença que julgou improcedente o pedido de revisão da RMI do benefício de aposentadoria por idade (NB 1310512547), porquanto apurado nos termos da Lei 9.876/99 (evento 09).

Insurge o recorrente alegando, em síntese (evento 14), que o benefício foi concedido mediante aplicação de critérios equivocados, deduzindo que há erro por parte do INSS na apuração da RMI, porquanto em descompasso com o previsto no art. 29, inciso I, da Lei 8.213/91, considerando que o segurado é filiado antes da promulgação das regras de transição.

A sentença julgou improcedente o pedido revisional por entender que o cálculo efetuado pela autarquia previdenciária está correto ao usar como divisor o correspondente a 60% do período entre julho de 1994 e a DIB (17/08/2003) que, no caso, corresponde a 66 meses.

Observo que a controvérsia instalada gira em torno da correta interpretação das disposições constantes do art. 3º da Lei nº 9.876/99 que estabelece:

Art. 3.º Para o segurado filiado à Previdência Social até o dia anterior à data de publicação desta Lei, que vier a cumprir as condições exigidas para a concessão dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, no cálculo do salário-de-benefício será considerada a média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição, correspondentes a, no mínimo, oitenta por cento de todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994, observado o disposto nos incisos I e II do caput do art. 29 da Lei no 8.213, de 1991, com a redação dada por esta Lei.

§ 1.º Quando se tratar de segurado especial, no cálculo do salário-de-benefício serão considerados um treze avos da média aritmética simples dos maiores valores sobre os quais incidiu a sua contribuição anual, correspondentes a, no mínimo, oitenta por cento de todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994, observado o disposto nos incisos I e II do § 6o do art. 29 da Lei no 8.213, de 1991, com a redação dada por esta Lei.

§ 2.º No caso das aposentadorias de que tratam as alíneas b, c e d do inciso I do art. 18, o divisor considerado no cálculo da média a que se refere o caput e o § 1º não poderá ser inferior a sessenta por cento do período decorrido da competência julho de 1994 até a data de início do benefício, limitado a cem por cento de todo o período contributivo.

A Lei nº 9.876/99 tratou, entre outros assuntos, sobre a alteração da forma de cálculo do salário-de-benefício, estendendo, como regra, o período básico de cálculo a oitenta por cento de todo o período contributivo do segurado e introduzindo o fator previdenciário, coeficiente calculado de acordo com a idade, a expectativa de sobrevida e o tempo de contribuição do segurado.

Tais alterações têm como principal justificativa a manutenção do equilíbrio atuarial dos cofres da Previdência, pois antes aquelas variáveis não eram consideradas no cálculo do benefício. Este era calculado apenas com base nos últimos salários-de-contribuição, até o máximo de trinta e seis, apurados em um período não superior a quarenta e oito meses, não importando o histórico de contribuições recolhidas pelo segurado durante sua vida laboral.

Assim, ainda que as alterações tenham preservado o equilíbrio financeiro da Previdência Social, trouxeram regras mais rígidas para o cálculo da renda mensal dos benefícios, sendo justificável o estabelecimento de normas de transição para aqueles que se filiaram ao Regime Geral da Previdência Social antes da vigência da lei. Este é o propósito do artigo 3º e seus parágrafos: estabelecer regras de transição que garantam que os segurados não sejam atingidos de forma abrupta por normas mais rígidas de cálculo dos benefícios.

A lógica da norma de transição é minimizar os efeitos de novas regras mais rígidas para aqueles que já eram filiados ao sistema, mas ainda não haviam adquirido o direito de se aposentar pelas regras antes vigentes, mais benéficas. Fica, então, estabelecida uma transição em que os segurados devem obedecer às regras transitórias, não tão benéficas quanto às anteriores nem tão rígidas quanto às novas. É essa premissa lógica que merece ser considerada para efeito de interpretação da regra estabelecida no art. 3º, da Lei nº 9.876/99.

No caso, a regra de transição estabelecida pela Lei 9.876/99 para o cálculo do salário-de-benefício estabelece que será calculado pela média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição do segurado, correspondentes a, no mínimo, oitenta por cento do período contributivo decorrido após julho/1994, multiplicada pelo fator previdenciário (art. 3º,caput). Contudo, o § 2.º estabelece um limite: veda que o divisor utilizado naquela média seja inferior a sessenta por cento do número de meses existente entre julho/1994 e a data de início do benefício. É justamente este divisor mínimo da regra de transição que está sendo discutido na hipótese dos autos.

No caso, o número de meses apurado entre julho/1994 e a data de início do benefício do autor (17/08/2003 - evento 1 / CCON8) é de 110 meses. Como o segurado tem apenas 29 salários-de-contribuição comprovadamente recolhidos após julho/1994, número inferior ao correspondente a 60% de 110 meses (no caso, 66 meses), a ele deve ser aplicada a regra do § 2º.

A interpretação literal desse dispositivo é condizente com a forma de cálculo adotada pelo INSS quando da concessão do benefício: o salário-de-benefício deve corresponder à soma dos salários-de-contribuição equivalentes a oitenta por cento do período contributivo decorrido após julho/1994, dividida pelo número correspondente a sessenta por cento do número de meses existentes entre julho/1994 e a data de início do benefício, multiplicada pelo fator previdenciário. No caso do autor, o INSS efetuou a soma dos 29 salários-de-contribuição, dividiu-os por 66 (60% de 110) e multiplicou o resultado pelo fator previdenciário.

Ocorre que, no meu sentir, essa regra de transição não pode prevalecer em situação como a dos autos, em que o número de contribuições recolhidas no PBC é inferior ao divisor mínimo de 60%. Isso porque conduz a situações absurdas.

A título de exemplo, por aplicação da Lei 10.666/2003, é possível que uma pessoa obtenha aposentadoria por idade, mesmo que não detenha qualidade de segurado. Assim, por exemplo, se o segurado possuir toda a carência e contribuições necessárias àquela aposentadoria antes de julho/1994 e apenas um único salário-de-contribuição posterior a essa data, poderá se aposentar após a vigência da Lei 9.876/99, ao completar a idade mínima, mesmo que não tenha qualidade de segurado. Supondo que a DIB fosse em janeiro/2000, o cálculo do salário-de-benefício corresponderia ao único salário-de-contribuição recolhido posteriormente a julho/1994, dividido por 39 (sessenta por cento de 66 meses - tempo decorrido entre julho/94 e a DIB), multiplicado pelo fator previdenciário, conduzindo a valor muito inferior ao salário-mínimo, ainda que este único salário de contribuição (e todo seu histórico contributivo anterior a julho de 1994) seja equivalente ao teto ou próximo disso. O benefício a ser concedido, então, desprezaria todo o histórico contributivo do segurado (o que contraria a finalidade da lei 9.876/99) e seria equiparado ao salário mínimo por força de disposição constitucional.

De outro lado, entendo que a interpretação proposta pela parte autora, também contraria a lógica de uma regra de transição: a de ser norma intermediária entre a situação anterior benéfica e a posterior prejudicial ao segurado.

Alega a parte autora que, por aplicação do § 2º, quando o segurado não dispõe de salários-de-contribuição correspondentes a sessenta por cento do número de meses existente entre julho/1994 e a data de início do benefício, devem ser utilizados no cálculo do salário-de-benefício não apenas oitenta por cento deles, mas até cem por cento dos salários-de-contribuição existentes naquele período (29, em seu caso). Além disso, o divisor da média mencionada no caput do art. 3º da lei deve ser limitado sempre ao número de salários-de-contribuição que o segurado tenha naquele mesmo período, em respeito à expressão "limitado a cem por cento de todo o período contributivo" contida na parte final do § 2º.

Com base neste raciocínio,  como somente possui 29 salários-de-contribuição comprovadamente recolhidos após julho/1994, o salário-de-benefício equivaleria à soma de cem por cento desses salários, dividida por 29 meses (número de contribuições que possui de julho/1994 até a DIB), multiplicada pelo fator previdenciário.

No entanto, a aplicação da referida interpretação pode conduzir a situações mais benéficas ao segurado do que a que existiria se fossem aplicadas as regras vigentes antes da Lei nº 9.876/99, razão pela qual não pode ser esta a interpretação conferida à norma de transição.

No mesmo exemplo da aposentadoria por idade citado alhures, o salário-de-benefício do segurado corresponderia ao único salário-de-contribuição existente após julho/1994, multiplicado pelo fator previdenciário. Se o segurado sempre houvesse contribuído pelo valor mínimo, mas tivesse recolhido o equivalente ao teto do salário-de-contribuição após julho/1994, seu salário-de-benefício ficaria muito próximo ao teto, excessivamente alto se comparado ao seu histórico contributivo.

Ou, ainda, poderia ocorrer uma situação mais prejudicial ao segurado se o salário-de-contribuição posterior a julho/1994 fosse de valor ínfimo, levando a  salário-de-benefício também seria irrisório, não importando as contribuições anteriores àquele termo.

Isto é, na situação hipotética ora construída, a renda-mensal da aposentadoria seria definida com fulcro em um único salário-de-contribuição do segurado. Ambas situações contrariam a intenção do legislador, de vincular o valor da aposentadoria ao histórico de contribuições do segurado à Previdência.

Por isso, sem deslustro das opiniões em sentido contrário, entendo que as duas interpretações dadas ao art. 3º, § 2º, da Lei nº 9.876/99 não são compatíveis com a finalidade da regra de transição. Isto porque, a interpretação aplicada pelo INSS pode prejudicar excessivamente o segurado, colocando-o em situação mais prejudicial do que a estabelecida pela nova lei. Por outro lado, a interpretação defendida pela parte autora ora beneficia, ora prejudica o segurado, podendo ser mais benéfica que o regime anterior ou mais prejudicial do que o regime criado pela lei atual, tal qual exposto na exemplificação supra.

A resposta que reputo como correta para a solução dos casos em que a regra transitória é prejudicial ao segurado, está na aplicação da regra definitiva. Isso porque a regra de transição não deve ser mais prejudicial do que aquela estabelecida pela nova lei.

Nesse exato sentido é a orientação jurisprudencial firmada ao interpretar a regra transitória prevista no artigo 9º, da Emenda Constitucional nº 20/98, que estabeleceu, além do tempo de contribuiçãoidade mínima e "pedágio", para obtenção de aposentadoria por tempo de contribuição integral, enquanto o texto permanente (art. 201, § 7º, inc. I, CF/88) exige tão somente tempo de contribuição. A solução definida pela jurisprudência determina a aplicação da regra definitiva, já que a regra de transição é prejudicial ao segurado, por exigir requisitos (idade mínima e "pedágio") não previstos no texto definitivo:

PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CONVERSÃO DE TEMPO ESPECIAL EM COMUM. TEMPO DE SERVIÇO POSTERIOR À EC 20/98 PARA APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO INTEGRAL. POSSIBILIDADE. REGRAS DE TRANSIÇÃO. INAPLICABILIDADE. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. (...). 2. A Emenda Constitucional 20/98 extinguiu a aposentadoria proporcional por tempo de serviço. Assim, para fazer jus a esse benefício, necessário o preenchimento dos requisitos anteriormente à data de sua edição (15/12/98). 3. Com relação à aposentadoria integral, entretanto, na redação do Projeto de Emenda à Constituição, o inciso I do § 7º do art. 201 da CF/88 associava tempo mínimo de contribuição (35 anos para homem, e 30 anos para mulher) à idade mínima de 60 anos e 55 anos, respectivamente. Como a exigência da idade mínima não foi aprovada pela Emenda 20/98, a regra de transição para a aposentadoria integral restou sem efeito, já que, no texto permanente (art. 201, § 7º, Inciso I), a aposentadoria integral será concedida levando-se em conta somente o tempo de serviço, sem exigência de idade ou "pedágio". 4. Recurso especial conhecido e improvido. (STJ, REsp 797.209/MG, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 16/04/2009, DJe 18/05/2009 - destaquei).

Portanto, a Lei nº 9.876/99 e a regra de transição do art. 3º, podem ser interpretadas nos termos seguintes:

a) aplica-se a regra de transição do art.  3º, se o número de salários-de-contribuição do segurado, correspondentes a oitenta por cento do período contributivo decorrido após julho/1994, for superior a sessenta por cento do número de meses decorridos entre julho/1994 e a data de início do benefício: o salário-de-benefício corresponderá à média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição existentes após julho/1994, multiplicada pelo fator previdenciário. No cálculo da média, devem ser utilizados mais de oitenta por cento dos salários-de-contribuição existentes nesse período, até cem por cento, de forma a atingir o divisor mínimo exigido pelo § 2º (60% do número de meses decorridos entre julho/1994 e a data de início do benefício);

b) se o número total (cem por cento) de salários-de-contribuição do segurado existentes após julho/1994 for inferior a sessenta por cento do número de meses decorridos entre julho/1994 e a data de início do benefício, o cálculo deve ser feito com aplicação da regra definitiva do art. 29 da Lei 8.213/91, com as alterações introduzidas pela Lei Lei nº 9.876/99. Em suma: o salário-de-benefício corresponderá à média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a 80% de todo o período contributivo, nos estritos termos da regra definitiva, sem o marco inicial do PBC fixado em julho de 1994.

Não há nenhuma coerência na aplicação de uma regra transitória que seja mais prejudicial ao segurado que a própria regra definitiva. E a regra definitiva é a "verdadeira regra", enquanto a regra de transição somente se justifica para amenizar seus efeitos deletérios. Se a regra de transição é mais prejudicial que a definitiva, aplica-se esta última.

Penso que essa interpretação, além de se compatibilizar com os fins da norma e a lógica das regras de transição, evita situações de extremo prejuízo ou extremo benefício ao segurado.

Feito esse raciocínio, vejamos em que situação a parte autora se enquadra: conta com 29 salários-de-contribuição comprovadamente recolhidos após julho/1994; além disso, o período entre julho/1994 e DIB (17 de agosto de 2003) é de 110 meses. Considerando que o número de salários-de-contribuição que possui após julho/1994 é inferior a sessenta por cento do período de tempo decorrido entre julho/1994 e a DIB (66 meses), aplico a regra definitiva, prevista no artigo 29, inciso I, da Lei nº 8.213/91, com redação definida pela Lei nº 9.876/99,ou seja, o salário-de-benefício deve corresponder à média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a 80% de todo o período contributivo.

Portanto, tenho que o cálculo da RMI do benefício de aposentadoria do autor não foi corretamente realizado pelo INSS, merecendo parcial reforma a sentença de improcedência.

O INSS deverá elaborar novo cálculo da renda mensal inicial do benefício de aposentadoria por idade, conforme previsto no artigo 29, inciso I, da Lei nº 8.213/91, e pagar eventuais diferenças, desde a data de início do benefício (17/08/2003), corrigidos monetariamente pelos mesmos índices que reajustam os benefícios mantidos pelo RGPS (Lei 10.741/03, art. 31), e acrescidas de juros de mora de 1% ao mês a contar da citação (Súmula 75 do TRF4ª Região), observada a prescrição quinquenal.

É inaplicável a regra contida no art. 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei 11.960/2009, porque os índices de remuneração da poupança são imprestáveis para refletir a variação do poder aquisitivo da moeda. Opera-se o reconhecimento da inconstitucionalidade pelo controle difuso de constitucionalidade, com maior razão agora, com a orientação oferecida pelo STF, quando do julgamento das ADINs 4357 e 4425.

Por essa razão, os créditos previdenciários pagos judicialmente devem ser atualizados, desde quando se tornaram devidos, pelos mesmos índices utilizados para o reajustamento dos benefícios previdenciários, e acrescidos de juros de mora de 12% ao ano, a contar da citação. Em outras palavras, deve ser desconsiderada, ex tunc, a eficácia da sistemática de atualização monetária e remuneração pela mora oferecida pela Lei 11.960/2009.

De outro lado, caso a renda mensal inicial do benefício da parte autora revisada seja inferior àquela concedida pelo INSS, deverá ser mantido o valor original, nos termos do artigo 122, da Lei nº 8.213/91.

Sem honorários (Lei 9.099/95, art. 55, 2ª parte).

Ante o exposto, voto por DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO.

Flavia da Silva Xavier

Juíza Federal Relatora

Sobre o autor
Alexandre Barros da Costa

Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil, Professor de Teoria Econômica e Matemática Financeira, graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Paraná - UFPR, especialização em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, pós-graduando em Relações Internacionais Contemporâneas pela Universidade Federal da Integração Latino-Americana - UNILA.

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Artigo elaborado como Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização em Direito do Trabalho e Previdenciário pela PUC/MG.

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