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Aspectos da teoria da imprevisão no Direito Civil brasileiro

Agenda 14/07/2016 às 22:27

O presente artigo trata da Teoria da Imprevisão como forma de extinção do contrato que se torna excessivamente oneroso para uma das partes.

Resumo: O presente artigo trata da Teoria da Imprevisão como forma de extinção do contrato que se torna excessivamente oneroso para uma das partes, tratada no Código Civil brasileiro como resolução por onerosidade excessiva, utilizando-se de breve análise histórica do seu surgimento e da aplicação da referida teoria aos contratos no âmbito do direito civil brasileiro, considerando os aspectos legal, doutrinário e jurisprudencial.

Palavras-chave: Contratos, Teoria da Imprevisão, Onerosidade Excessiva, Resolução.

Sumário: 1. Introdução – 2. Breve histórico; 2.1. No mundo; 2.2. No Brasil – 3. Da aplicabilidade da teoria da imprevisão no direito civil brasileiro; 3.1. Segundo a lei; 3.1.1. No Código Civil de 2002; 3.1.2. No Código de Defesa do Consumidor; 3.2. Segundo a doutrina; 3.3. Segundo a jurisprudência – 4. Considerações finais – 5. Referências bibliográficas.

1. Introdução

Por muitos anos, o princípio pacta sunt servanda, que estabelece o contrato como lei entre as partes se mostrou absoluto no ordenamento jurídico brasileiro.

Contudo, a partir de alterações na concepção dos contratos, com o estabelecimento de novas funções ante a sociedade e o Estado, houve a necessidade de uma atenuação desse princípio, conforme VENOSA (2008: 447).

Assim, passou-se a considerar a possibilidade das partes de um contrato, conjuntamente, rever, alterar, ou extinguir o pacto, dentro dos limites de sua autonomia.

Posteriormente, a matéria alcançou previsão legal, em que se admitia a revisão ou resolução dos contratos em razão de onerosidade excessiva decorrente de fato superveniente à sua celebração, conforme art. 6º, V, do Código de Defesa do Consumidor.

O Código Civil de 2002 regulou a possibilidade de resolução e revisão dos contratos em razão de onerosidade excessiva, adicionando como requisito a necessidade de o fato superveniente ser imprevisível e extraordinário.

A onerosidade excessiva foi o meio pelo qual o legislador passou a prever a Teoria da Imprevisão no direito civil brasileiro.

O presente trabalho tem por objetivo analisar os momentos históricos que deram origem à Teoria da Imprevisão no mundo e no Brasil, além de discorrer acerca da aplicabilidade da teoria de acordo com a lei, a doutrina e a jurisprudência.

Ademais, neste contexto, busca-se demonstrar os requisitos para aplicação do instituto, de acordo com o texto legal, além da aplicação prática da teoria, por meio de análise da jurisprudência e as discussões doutrinárias acerca do tema.

2. BREVE HISTÓRICO

Antes de tratar da aplicação atual da Teoria da Imprevisão, faz-se necessária uma breve análise histórica do seu surgimento, bem como da forma de aplicação em diferentes momentos.

2.1. No mundo

            Segundo a doutrina, princípios de mesma natureza da teoria da imprevisão são anteriores a Idade Média e ao direito romano, conforme a Lei 48 do Código de Hammurabi, escrito em pedra, com seu conteúdo destacado por GAGLIANO (2010: 308), ao citar J. M. Othon Sidou:

“Se alguém tem um débito a juros, e uma tempestade devasta o campo ou destrói a colheita, ou por falta de água não cresce o trigo no campo, ele não deverá nesse ano dar trigo ao credor, deverá modificar sua tábua de contrato e não pagar juros por esse ano.”

Ao tratar da origem histórica da teoria da imprevisão, VENOSA (2008: 451) pondera que:

É costume colocar na Idade Média a materialização dessa doutrina. É levada em consideração a aplicação da conditio causa data non secuta, segundo a qual o contrato deveria ser cumprido conforme as condições em que foi ultimado. Possibilitava-se a alteração se se modificassem as condições: contractus qui habent tractum secessivum et dependentiam de futuro rebus sic stantibus intelligentur. Difundiu-se a cláusula resumidamente como rebus sic stantibus, nos contratos de trato sucessivo e dependentes do futuro, como implícita em todo contrato de trato sucessivo. No entanto, princípios da mesma natureza foram observados em legislações muito anteriores a Roma.

Não obstante esses princípios que resultaram na teoria da imprevisão ter origem em momento histórico anterior a Roma, a mesma foi conhecida e aplicada no direito romano.

A doutrina aponta para um período de esquecimento da teoria da imprevisão, tratada também como cláusula rebus sic stantibus, entre os séculos XVIII e XIX, vindo a despontar novamente no período da Primeira Guerra Mundial.

Os conflitos da Primeira Guerra Mundial geraram desequilíbrio nos contratos a longo prazo.

Nesse contexto, na França, em 21/01/1918, surgiu a Lei Failliot, a qual, segundo VENOSA (2008: 451), autorizou a resolução dos contratos concluídos antes da guerra porque sua execução se tornara muito onerosa.

Acerca do período da Primeira Guerra Mundial, a interferência dos conflitos nos contratos celebrados a longo prazo e a edição da Lei Falliot, GAGLIANO (2010, p.309) conclui:

O pacta sunt servanda, pois, deveria ser repensado.

E foi a França o primeiro Estado a editar uma lei direcionada à disciplina de tão importante questão.

Trata-se da famosa Lei Falliot, de 21 de maio de 1918.

(...). Assim, ganhou base legal a denominada Teoria da Imprevisão, consistente no reconhecimento de que a ocorrência de acontecimentos novos, imprevisíveis pelas partes e a elas não imputáveis, com impacto sobre a base econômica ou a execução do contrato, admitiria a sua resolução ou revisão, para ajustá-lo às circunstâncias supervenientes.

Da análise histórica, o que se conclui é que são bastante antigos os fundamentos e princípios que deram origem à teoria da imprevisão, o que ressalta sua necessidade e importância.

2.2. No Brasil

A possibilidade de revisão contratual não foi regulamentada pelo Código Civil de 1916.

À época da entrada em vigor do Código Civil de 1916, a economia brasileira, bem como as relações de consumo, eram baseadas na confiança, no respeito entre as partes e no fato da economia nacional ser ainda rudimentar.

Portanto, era impensável qualquer ideia sobre revisão de cláusulas e contratos, pois tinha-se a exata certeza de que seriam cumpridos ou mesmo quando não cumpridos haveria o pagamento do valor devido por seu descumprimento.

Durante os primeiros anos de vigência do código civil de 1916 até o início dos anos 90, o princípio do pacta sunt servanda regia nosso ordenamento jurídico de maneira quase absoluta.

Entretanto, alguns pensamentos dissidentes passaram a surgir no Brasil.

Nesse sentido, importa destacar a análise histórica de GONÇALVES (2010: 195) acerca do tema:

Entre nós, a teoria em relevo foi adaptada e difundida por Arnoldo Medeiros da Fonseca, com o nome de teoria da imprevisão. Em razão da forte resistência oposta à teoria revisionista, o referido autor incluiu o requisito imprevisibilidade, para possibilitar sua adoção. Assim, não era mais suficiente a ocorrência de um fato extraordinário, para justificar a alteração contratual. Passou a ser exigido que fosse também imprevisível. É por essa razão que os tribunais aceitam a inflação e alterações na economia como causas para a revisão de contratos. Tais fenômenos são considerados previsíveis entre nós.

A possibilidade de alteração ou resolução dos contratos em razão de fatos supervenientes à época de sua celebração, e que o torne excessivamente oneroso, somente foi adotada pela legislação brasileira com a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor, através de seu art. 6º, inciso V, o qual, de acordo com a lição de GONÇALVES (2010: 197):

(...) elevou o equilíbrio do contrato como princípio da relação de consumo, enfatizando ser direito do consumidor, como parte vulnerável do contrato na condição de hipossuficiente, a postulação de modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.

Já o Código Civil de 2002 consagrou a matéria, ao tratar da resolução, e possibilidade de alteração, dos contratos por onerosidade excessiva decorrente de fatos supervenientes e imprevisíveis à época de sua celebração, nos artigos 478 a 480.

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Importa ressaltar que, além da resolução do contrato, há também a possibilidade de alterá-lo, buscando o reequilíbrio das partes, a fim de se evitar que o mesmo se torne excessivamente oneroso para um ou outro contratante.

Ainda no Código Civil de 2002, verifica-se a aplicação da teoria da imprevisão também no art. 317, o qual faculta ao juiz a possibilidade de corrigir o valor real da prestação quando, por motivos imprevisíveis, houver desproporção entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução.

            Com a análise histórica da aplicação da teoria da imprevisão no direito civil brasileiro, conclui-se que à época do início da vigência do Código Civil de 1916, era absoluto o princípio do pacta sunt servanda, tendo em vista o momento vivido pela sociedade e economia brasileira, o que foi se alterando ao longo dos anos, por ocasião dos acontecimentos e o próprio desenvolvimento econômico, culminando no momento atual, em que a imprevisão se encontra consagrada em nosso Código Civil como um dos requisitos para resolução ou alteração dos contratos.

3. DA APLICABILIDADE DA TEORIA DA IMPREVISÃO NO DIREITO CIVIL BRASILEIRO

A Teoria da Imprevisão não foi tratada pelo legislador no Código Civil de 1916, somente com a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078/90, e, posteriormente, o Código Civil de 2002 é que o instituto da Teoria da Imprevisão passou a ser expressamente reconhecido no nosso ordenamento jurídico.

Para o melhor entendimento acerca do tema, faz-se necessário trazer a definição da Teoria da Imprevisão que, conforme GAGLIANO (2010: 309), seria:

(...) consistente no reconhecimento de que a ocorrência de acontecimentos novos, imprevisíveis pelas partes e a elas não imputáveis, com impacto sobre a base econômica ou a execução do contrato, admitiria a sua resolução ou revisão, para ajustá-lo às circunstâncias supervenientes.

Definida a teoria, passa-se a análise da aplicabilidade da Teoria da Imprevisão no direito brasileiro, segundo a lei, a doutrina e a jurisprudência.

3.1. Segundo a lei

O estudo do aspecto legal da aplicabilidade da teoria da imprevisão no direito civil brasileiro requer uma análise detalhada dos artigos 478, 479 e 480 do Código Civil Brasileiro de 2002, os quais tratam de uma das causas de extinção do contrato, a Resolução por Onerosidade Excessiva.

De início, importa demonstrar o disposto no art. 478 do Código Civil de 2002:

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato.

Parágrafo único. Os efeitos da sentença que a decretar, retroagirão à data da citação.

Da leitura do artigo acima colacionado, conclui-se que o mesmo estabelece os pressupostos para a resolução por onerosidade excessiva, sendo o primeiro deles a existência de um “contrato de execução continuada ou diferida”

Pois bem, o requisito da existência de um “contrato de execução continuada ou diferida” se dá pela necessidade do intervalo de tempo entre a celebração do contrato e sua completa execução.

De acordo com LOUREIRO (2004: 266), o motivo para existência do intervalo de tempo entre a celebração e execução completa do contrato seria evidente:

(...) os dois momentos devem ser cronologicamente distanciados, porque o remédio da resolução por onerosidade excessiva tutela, em certos limites, a originária economia do contrato que seja perturbada por circunstâncias surgidas após a sua conclusão, mas antes de sua execução.

Como exemplos de contratos de execução diferida, pode-se destacar a compra e venda com postergação da entrega do bem para o mês seguinte ou o transporte estabelecido para o mês seguinte ao da celebração do contrato. Como exemplos de contratos de execução continuada, tem-se o de prestação de serviço por prazo determinado, de locação e o de empreitada.

O segundo requisito que se destaca do artigo 478 do Código Civil de 2002 é que a prestação se torne “excessivamente onerosa”, que pode ser entendido como a necessidade de que o desequilíbrio entre as partes ultrapasse a medida das oscilações de mercado consideradas como normal.

Com relação à identificação do que é considerado “excessivo”, ou “extremo”, no tocante ao desequilíbrio entre as partes, LOUREIRO (2004: 268) pontua que:

O extremo desequilíbrio das prestações não pode ser identificado de modo geral e abstrato, para todo tipo de relação contratual, mas varia em relação aos diversos tipos de contrato e aos particulares mercado e conjunturas econômicas. Cabe, portanto, ao juiz avaliar se a onerosidade surgida posteriormente no contrato submetido ao seu juízo pode considerar-se excessiva.

Outro ponto a se destacar é que a lei exige a “extrema vantagem” de uma parte em relação à outra, para que se configure a resolução do contrato por onerosidade excessiva.

É possível encontrar na doutrina discordância nesse ponto, como a crítica de VENOSA (2008: 456):

Na dicção do art. 478 de nosso vigente estatuto critica-se o fato de ser exigido que na hipótese ocorra “uma extrema vantagem para a outra parte”. Como apontamos, o essencial nesse instituto é a posição periclitante em que se projeta uma das partes no negócio, sendo irrelevante que haja benefício para a outra. Desse modo, não se deve configurar a onerosidade excessiva com base em um contraponto de vantagem.

O próximo requisito contido no artigo 478 do Código Civil de 2002 são acontecimentos “extraordinários e imprevisíveis” capazes de gerar o desequilíbrio contratual.

O referido acontecimento extraordinário e imprevisível deve ocorrer após a celebração do contrato, posto que ocorrendo em momento anterior não se teria o caráter superveniente. Deve, ainda, ser anterior à sua completa execução.

Quanto ao requisito extraordinário e imprevisível do fato que altera a condição das partes no contrato, DINIZ (2010: 164) afirma que:

(...) d) imprevisibilidade e extraordinariedade daquela modificação, pois é necessário que as partes, quando celebraram o contrato, não possam ter previsto o evento anormal, isto é, que está fora do curso habitual das coisas, pois não se admitirá a rebus sic stantibus se o risco advindo for normal ao contrato.

Nesse sentido, destaca-se o Enunciado n. 366 do CJF, Conselho da Justiça Federal: O fato extraordinário e imprevisível causador de onerosidade excessiva é aquele que não está coberto objetivamente pelos riscos próprios da contratação.

Do exposto, conclui-se que o Código Civil de 2002 trata como regra a resolução do contrato quando constatada a onerosidade excessiva, o que é alvo de críticas de alguns doutrinadores, posto que, em certos casos, é possível que a alteração do contrato resulte no reequilíbrio da condição das partes.

Para os críticos da forma como o Código Civil de 2002 privilegiou a resolução dos contratos, a teoria da imprevisão deveria ser o pressuposto necessário da revisão dos contratos, de modo que a resolução fosse trata apenas como exceção.

A possibilidade de alteração, ou revisão, dos contratos está prevista no artigo 479 do Código Civil de 2002, senão vejamos:

     

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.

A possibilidade de se modificar o contrato para reequilibrar as partes atende ao princípio da manutenção do negócio jurídico.

Da leitura do texto legal, verifica-se que foi remetido ao credor a faculdade de modificar os termos do contrato para que se alcance novamente o equilíbrio entre as partes, de modo que caberia ao devedor apenas a propositura da ação.

Por atribuir expressamente ao réu faculdade de modificar o contrato, o texto legal é criticado por GAGLIANO (2010: 320):

Como conceber que a revisão da base econômica do contrato fique ao alvedrio de apenas uma das partes?

A negativa dessa via – deferida exatamente à parte que, em geral, goza de maior poder econômico – pode significar, na prática, que ao autor da ação (devedor onerado pelo evento imprevisível) caiba, apenas, pleitear a resolução do contrato, ou seja, a dissolução do negócio, o que poderá não lhe interessar, ou, até mesmo, ser-lhe ainda mais prejudicial.

Na doutrina, é possível encontrar uma interpretação extensiva do disposto no artigo 479, conforme lição de LOUREIRO (2004: 270):

Embora o texto do dispositivo se refira a “réu”, é evidente que o contratante, a fim de evitar a futura resolução do contrato, se ofereça para restabelecer o equilíbrio contratual antes da propositura, pela parte prejudicada, da ação de resolução contratual.

Nesse sentido, GAGLIANO (2010: 321) afirma que aquele que pode o mais, também pode o menos, razão pela qual o autor, que pode propor a resolução do contrato, também poderia requerer a revisão, fundamentando seu entendimento no artigo 317 do Código Civil de 2002, abaixo exposto:

Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

O artigo acima mencionado também consagra a possibilidade de revisão, podendo a “desproporção manifesta” prejudicar tanto o credor quanto devedor.

Desse modo, entende-se que, apesar do Código Civil de 2002 ter adotado a resolução do contrato como regra, esta medida deveria ser tomada apenas nos casos em que a revisão do contrato fosse ineficaz.

O artigo 480 do Código Civil de 2002 trata da possibilidade de se alterar o contrato unilateral para que se evite a onerosidade excessiva, conforme abaixo:

Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.

De acordo com a classificação dos contratos, o contrato unilateral é aquele em que as obrigações recaem apenas sobre uma das partes.

Ao estabelecer a norma para os contratos unilaterais, verifica-se que o legislador buscou uma medida acautelatória, posto que busca evitar a onerosidade excessiva, enquanto que na regra do artigo 478 este prejuízo já atinge uma das partes contratantes.

Outro ponto de destaque do texto legal é que cabe ao devedor pleitear a redução de sua prestação ou alteração do modo de execução.

3.1.2. No Código de Defesa do Consumidor

O Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078/90, também admite a aplicação da Teoria da Imprevisão, em seu artigo 6º, inciso V, abaixo exposto:

Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

(...)

V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão dos fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.

O legislador aplicou de maneira diversa a teoria, posto que permite a revisão contratual, independente da imprevisibilidade do fato superveniente que alterou a condição das partes.

Ao contrário do Código de Defesa do Consumidor, o Código Civil de 2002 prevê expressamente como requisito para resolução ou revisão do contrato a imprevisibilidade do fato superveniente à época de sua celebração.

Acerca dessa diferença entre as normas, GONÇALVES (2010: 457) aponta que:

A dispensa da imprevisibilidade, contudo, ainda que exclusivamente nas relações de consumo, traz, sem dúvida, maior desestabilidade aos negócios e deve ser vista com muita cautela. Como temos reiterado, o excesso de prerrogativas e direitos do consumidor opera, em última análise, contra nós mesmos, todos consumidores, pois deságua no aumento de despesas operacionais das empresas e acresce o preço final.

Diante do exposto, o que se conclui é que a ausência do requisito imprevisibilidade do fato superveniente e gerador da onerosidade excessiva foi uma forma do legislador conferir maior proteção ao consumidor, o que seria a finalidade da norma.

3.2. Segundo a doutrina

No tópico anterior, foi apresentada a aplicabilidade da Teoria da Imprevisão segundo a lei, observando-se alguns posicionamentos doutrinários acerca dos dispositivos legais.

Para tratar do aspecto doutrinário da aplicação da Teoria da Imprevisão, é relevante abordar a possível incidência da referida teoria aos contratos aleatórios.

O contrato aleatório, previsto nos artigos 458 a 461 do Código Civil de 2002, é definido por PEREIRA (2006: 68) como aquele em que a prestação de uma das partes não é precisamente conhecida e suscetível de estimativa prévia, inexistindo a equivalência de valores, sendo que o risco da perda ou o ganho pode ser de uma ou de ambas as partes, mas a incerteza do evento tem que ser de todos os contratantes, sob pena de não subsistir a obrigação.

Portanto, os riscos e as incertezas são inerentes a essa modalidade de contrato.

Quanto à aplicação da teoria da imprevisão aos contratos aleatórios, destaca-se o posicionamento adotado por LOUREIRO (2004: 270), conforme abaixo exposto:

A resolução por onerosidade excessiva não se opera nos contratos aleatórios, uma vez que, nestes contratos, a medida das prestações recíprocas, ou até a suscetibilidade de as obter, são confiadas pelos contraentes ao acaso, que cada um espera evolua em sentido favorável para si. (...). Neste caso, a norma não tutela a parte contra um risco elevado e não evita a extrema vantagem, porque ambas as partes concordaram em correr o máximo de risco. É o que ocorre nos contratos de seguro, de jogo, de aposta, de renda vitalícia, etc.

Tendo em vista que o risco e a incerteza são características inerentes ao contrato aleatório e as partes se submeteram ao mesmo, conclui-se pela incompatibilidade do contrato aleatório com o instituto da Teoria da Imprevisão.

Ainda na doutrina, discute-se a validade da cláusula contratual proibitiva da teoria da imprevisão e da revisão dos contratos.

Para tanto, destacamos a posição de VENOSA (2008: 457) que propõe a análise de duas situações: a primeira seria a existência de uma cláusula genérica no contrato proibindo qualquer das partes de recorrerem à teoria da imprevisão; a segunda situação é quando as partes estipulam expressamente os fatos que configuram a onerosidade excessiva.

No primeiro caso mencionado, tem-se que uma cláusula genérica com tal finalidade não tem validade, por cercear o direito de ação e ser renúncia prévia genérica a direitos.

Quanto ao segundo caso, a partir do momento em que as partes estipulam os fatos que configuram a onerosidade excessiva, torna-os previsíveis, tratando-se de cláusulas ordinárias do contrato.

A garantia ao princípio da função social do contrato é observada por GAGLIANO (2010: 323) para se posicionar contrário à cláusula mencionada, afirmando que a mesma violaria preceito de ordem pública, seria atentatória da garantia da função social do contrato e, portanto, leonina.

Diante do exposto, considerando que a existência da cláusula acabaria por cercear o direito de ação e violar o princípio da função social do contrato, opta-se pela impossibilidade de se restringir a aplicação da teoria por força de cláusula contratual.

3.3. Segundo a jurisprudência

A partir da análise da jurisprudência há a oportunidade de se constatar a forma pela qual as normas estabelecidas no Código Civil de 2002 e no Código de Defesa do Consumidor para a Teoria da Imprevisão são aplicadas aos casos concretos.

Nesse sentido, abordando a utilização da teoria da imprevisão como forma de obtenção do equilíbrio contratual o Superior Tribunal de Justiça, asseverou da seguinte maneira:

ONEROSIDADE EXCESSIVA. CONTRATO DE SAFRA FUTURA DE SOJA. FERRUGEM ASIÁTICA.

Reiterando seu entendimento, a Turma decidiu que, nos contratos de compra e venda futura de soja, as variações de preço, por si só, não motivam a resolução contratual com base na teoria da imprevisão. Ocorre que, para a aplicação dessa teoria, é imprescindível que as circunstâncias que envolveram a formação do contrato de execução diferida não sejam as mesmas no momento da execução da obrigação, tornando o contrato extremamente oneroso para uma parte em benefício da outra. E, ainda, que as alterações que ensejaram o referido prejuízo resultem de um fato extraordinário e impossível de ser previsto pelas partes. No caso, o agricultor argumenta ter havido uma exagerada elevação no preço da soja, justificada pela baixa produtividade da safra americana e da brasileira, motivada, entre outros fatores, pela ferrugem asiática e pela alta do dólar. Porém, as oscilações no preço da soja são previsíveis no momento da assinatura do contrato, visto que se trata de produto de produção comercializado na bolsa de valores e sujeito às demandas de compra e venda internacional. A ferrugem asiática também é previsível, pois é uma doença que atinge as lavouras do Brasil desde 2001 e, conforme estudos da Embrapa, não há previsão de sua erradicação, mas é possível seu controle pelo agricultor. Sendo assim, os imprevistos alegados são inerentes ao negócio firmado, bem como o risco assumido pelo agricultor que também é beneficiado nesses contratos, pois fica resguardado da queda de preço e fica garantido um lucro razoável. Precedentes citados: REsp 910.537-GO, DJe 7/6/2010; REsp 977.007-GO, DJe 2/12/2009; REsp 858.785-GO, DJe 3/8/2010; REsp 849.228-GO, DJe 12/8/2010; AgRg no REsp 775.124-GO, DJe 18/6/2010, e AgRg no REsp 884.066-GO, DJ 18/12/2007. REsp 945.166-GO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 28/2/2012.

 Em que pese a decisão ser desfavorável a aplicação da teoria, tem-se a definição do tema, bem como uma possibilidade de sua aplicação.

Outra possibilidade da utilização da teoria da imprevisão reside no fato de acabar com a onerosidade excessiva das relações contratuais, ou seja, quando pacto passa a render a outra parte ganhos absurdos, muito além daqueles contratados.

Quanto a aplicação da Teoria da Imprevisão na forma prevista no artigo 6º, V, do Código de Defesa do Consumidor, destaca-se o seguinte:

CIVIL. ARRENDAMENTO MERCANTIL. CONTRATO COM CLÁUSULA DE REAJUSTE PELA VARIAÇAO CAMBIAL. VALIDADE. ELEVAÇAO ACENTUADA DA COTAÇAO DA MOEDA NORTE-AMERICANA. FATO NOVO. ONEROSIDADE EXCESSIVA AO CONSUMIDOR. REPARTIÇAO DOS ÔNUS. LEI N. 8.880/94, ART. 6º. CDC, ART. 6º, V. I. Não é nula cláusula de contrato de arrendamento mercantil que prevê reajuste das prestações com base na variação da cotação de moeda estrangeira, eis que expressamente autorizada em norma legal específica (art. 6º da Lei n. 8.880/94).

II. Admissível, contudo, a incidência da Lei n. 8.078/90, nos termos do art. 6º, V, quando verificada, em razão de fato superveniente ao pacto celebrado, consubstanciado, no caso, por aumento repentino e substancialmente elevado do dólar, situação de onerosidade excessiva para o consumidor que tomou o financiamento.

III. Índice de reajuste repartido, a partir de 19.01.99 inclusive, eqüitativamente, pela metade, entre as partes contratantes, mantida a higidez legal da cláusula, decotado, tão somente, o excesso que tornava insuportável ao devedor o adimplemento da obrigação, evitando-se, de outro lado, a total transferência dos ônus ao credor, igualmente prejudicado pelo fato econômico ocorrido e também alheio à sua vontade. IV. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. (STJ, REsp 472594/SP; REsp (2002/0132082-0), DJ, 4-8-2003, p217, rel. p/ Acórdão Min. Aldir Passarinho Junior, j. 12-2-2003, 3.ª Turma).

Da observância aos julgados destacados, conclui-se que o Superior Tribunal de Justiça, ao firmar seu posicionamento acerca do tema, observou os requisitos legais estabelecidos para a aplicação da teoria da imprevisão.

4. Considerações finais

Diante da análise histórica, bem como dos aspectos legais, doutrinários e jurisprudenciais, é possível concluir que a aplicação da teoria da imprevisão aos contratos tem sido de grande valia para as relações jurídicas e para o direito pátrio de forma geral.

A admissão da Teoria da Imprevisão, como relatado no presente artigo, relativizou o princípio do pacta sunt servanda e permitiu a mutabilidade dos contratos, quando evidente a ocorrência de acontecimentos supervenientes à celebração dos mesmos e imprevisíveis à época, evitando-se que tais situações atípicas tragam vantagem muito acima do que era esperado com o pacto para uma das partes da relação contratual.

A utilização da teoria não fere os princípios da obrigatoriedade das convenções e observa a função social do contrato, permitindo a revisão ou resolução do contrato apenas em situações específicas e obedecidos os requisitos impostos pela lei.

No tocante à aplicabilidade da teoria, a mesma se encontra regulada no Código Civil, que impõe os requisitos necessários para a resolução ou revisão do contrato, assim como o Código de Defesa do Consumidor que, ao regular a matéria, não previu expressamente o pressuposto da imprevisibilidade do fato superveniente, acredita-se que com a finalidade de conferir maior proteção ao consumidor.

5. Referências bibliográficas

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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 472594/SP (2002/0132082-0). Recorrente: José Antônio Batista dos Santos. Recorrido: Fibra Leasing S/A – Arrendamento Mercantil. Relator: Min. Aldir Passarinho Junior. Data do julgamento 12.02.2003. Disponível em: http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/7299229/embargos-de-declaracao-no-recurso-especial-edcl-no-resp-472594-sp-2002-0132082-0/relatorio-e-voto-13016896. Acessado em 13.05.2016.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. 24ª ed. rev., atual. e ampl. de acordo com a reforma do CPC e com o Projeto de Lei n. 276/2007. São Paulo: Saraiva, 2008. vol. 3.      

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, volume IV: contratos, tomo I: Teoria Geral. 6ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. vol. 3.

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Sobre o autor
Thiago da Costa Queiroz Dauria

Advogado, Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Católica Dom Bosco

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