É inquestionável que a população brasileira clama pela punição de criminosos em decorrência da prática de delitos. Axiologicamente, tais crimes possuem alta reprovação social.
Diante de tais fatos típicos, a sociedade roga por penas de caráter perpétuo e pena de morte. Ainda, em alguns locais, utiliza-se do exercício da autotutela, pela qual os indivíduos fazem as suas “próprias leis.”
Cotidianamente, as pessoas expõem nas ruas e nas redes sociais incentivos às condutas supramencionadas, e ainda defendem o retorno da ditadura militar (sem qualquer argumento histórico ou científico), apenas afirmam que o “governo dos militares não tinham tamanha bandidagem e que as pessoas podiam andar livremente”.
Ainda, estão em voga na grande mídia, principalmente, em jornais ditos sensacionalistas (que lucram com a violência e não apresentam qualquer comportamento ético, como bem abordado por Balzac em “Ilusões Perdidas”) expõem comentários sem quaisquer fundamentos jurídicos e que incitam publicamente a violência pelos cidadãos e pelos policiais.
Tais apresentadores de televisão disseminam na população brasileira mais insegurança e ódio das Instituições estatais. Muitos destes comentaristas incentivam as Polícias, explicitamente, a matar os criminosos com clara apologia a fato criminoso (conduta descrita no artigo 287 do Código Penal Brasileiro como delito, a ser punido por detenção de três a seis meses ou multa).
Neste ínterim se encontra o chamado Direito Penal do Inimigo. A sociedade, inconscientemente, invoca a teoria de Günter Jakobs, que se pauta pelo chamado Funcionalismo Sistêmico, o qual concebe que a função do Direito Penal é restabelecer e reforçar a validade da norma jurídica. O Direito Penal do inimigo é conhecido como a terceira velocidade do Direito Penal.
Assim, a função do Direito Penal seria reforçar as expectativas normativas. Trabalha com o Direito Penal do Inimigo, baseando-se em teorias de contratualistas, em especial, de Thomas Hobbes.
Para Jakobs, seriam necessários a utilização de dois sistemas penais distintos. Portanto, para o criminoso dito comum, deve-se pautar pela utilização e aplicação de um Direito Penal do cidadão, todavia, para aqueles violadores do pacto social, deve-se aplicar o Direito Penal do Inimigo, sob o argumento de que estes não poderiam ser beneficiários das garantias que o Estado concebe aos demais cidadãos (que não violaram o contrato social).
Entretanto, para Jakobs, quem é o inimigo?
O inimigo seria identificado pela prática reiterada de crimes, possuidor de maus antecedentes, por ter habitualidade criminosa e, principalmente, por integrar organizações criminosas estruturadas ou ser terrorista.
Em suma, o inimigo tem que ser combatido, não pelo Direito Penal comum, mas pelo Direito Penal do Inimigo.
De forma sucinta, o Direito Penal do Inimigo apresenta algumas características, tais como a antecipação da punibilidade, ou seja, devem ser punidos os atos meramente preparatórios, crimes de mera conduta e crimes de perigo abstrato.
Sugere o autor um Direito Penal prospectivo, que “olha para frente”, para antecipar o inimigo. Como exemplo, no ordenamento jurídico brasileiro, tem-se a Lei 13.260/2016 (Lei do terrorismo), que pune atos meramente preparatórios, conforme previsão abaixo.
“Art. 5o Realizar atos preparatórios de terrorismo com o propósito inequívoco de consumar tal delito:
Pena - a correspondente ao delito consumado, diminuída de um quarto até a metade”. (grifo nosso)
Ainda, o Direito Penal do Inimigo pauta-se por leis de luta e de combate, ou seja, são aquelas regras que identificam e punem com mais rigor os crimes praticados pelo inimigo.
Nesta senda, o Direito Penal do Inimigo abusa na utilização de tipos penais abertos, elementos normativos do tipo e leis penais em branco[i]. Tipos penais que não são norteados pelo princípio da taxatividade, assim, respectivamente, podem ser valorados pelo juiz ou complementados por outra norma de natureza administrativa. O argumento se fundamenta na imprevisibilidade do inimigo, pois seriam necessários tipos penais mais flexíveis e não taxativos para o devido combate daquele que violou as expectativas sociais.
Finalmente, o Direito Penal do Inimigo defende a Relativização de garantias do indivíduo, para aplicar penas e restrições de liberdade para aqueles que não reconhecem a ordem social.
Em suma, o Direito Penal do inimigo não é compatível com a Constituição Federal. Viola princípios constitucionais e penais. O Supremo Tribunal Federal (STF), por inúmeras vezes, pronunciou-se pela inconstitucionalidade de dispositivos legais que versavam por um Direito Penal do inimigo. Assim, o art. 44 da 11.343/2006 (Lei de Drogas) veda a aplicação da liberdade provisória e penas restritivas de direito para os delitos desta Lei. Contudo, o STF declarou as referidas vedações inconstitucionais.
Igualmente, declarou a inconstitucionalidade do art. 2º, §1º, da Lei 8.072/90 de Crimes hediondos, versava que a pena deveria ser cumprida “integralmente no regime fechado". Logo, em posterior alteração, o legislador previu que pena deveria ser cumprida em regime “inicialmente fechado". Em ambas as situações, o STF declarou inconstitucional o mencionado dispositivo, em prestígio aos princípios da Individualização das penas e da reserva constitucional de jurisdição.
Portanto, o Direito Penal do inimigo deve ter a sua aplicação rechaçada, pois não se compatibiliza com o nosso ordenamento jurídico e com a concepção do Estado Democrático de Direito com viés garantista, como bem apresentado pelo jurista italiano Luigi Ferrajoli, em sua importante obra chamada “Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal.”.
Nota
[i] É importante pontuar que o tipo penal em branco se difere de elementos normativos do tipo que impõem ao juiz a necessidade de especial juízo de valor sobre o tipo penal. O magistrado deverá recorrer a métodos de interpretação, pois o tipo carece de compreensão imediata. Como exemplo, apresentam-se tipos penais que contenham termos no preceito primário, tais como “mulher honesta”, “ato obsceno”, “níveis tais que possam resultar” etc.