Sumário:1.Introdução 2. Do Princípio da eqüidade - conceito e aplicabilidade 3. O instituto do Seguro e sua origem 4. Classificação dos contratos de seguro 5. Seguro de Assistência à Saúde 6. O contrato de Seguro 7.Dec. Lei73/66 8. A Lei 9.656/98 9. Código de Defesa do Consumidor – sua aplicação 10. Dos direitos do segurado 10.1. Do direito ao reembolso 10.2. Direito à escolha do médico ou hospital 10.3. Direito a tratamento igualitário 10.4.Direito à inscrição do filho como dependente 10.5. Do direito à renovação do contrato 10.6. Do direito a continuar como beneficiário 10.7. Direito à informação 11. Da cobertura 11.1. O contrato de seguro saúde com "cobertura reduzida 11.2. Contrato de seguro com cobertura ampliada 12. Da Jurisprudência coletada 12.1. Epidemia – exclusão 12.2. Doença pré-existente 12.3. Carência 12.4. Violação ao princípio da livre escolha 12.5. Período máximo de internação em UTI 12.6. Casos de incidência da aplicação do princípio da eqüidade 13. Conclusão 14. Referências Bibliográficas 15.Anexos I e II. Gráficos exemplificativos Anexo III. Relatório das jurisprudências Anexo IV. Quadro Geral de Jurisprudências.
1.Introdução.
A assistência à saúde promovida em caráter mercantil, com a finalidade de lucro e de iniciativa privada vive um momento de grande expansão no Brasil.
Deficiências no sistema único de saúde confirmam a incapacidade do Estado de promover esse direito garantido pela Constituição Federal de nosso país, o que eleva o número de pessoas que buscam um plano ou seguro de saúde privados, que lhe garantam conforto e segurança.
De fato, apenas 25% dos brasileiros têm acesso a um plano ou seguro de saúde particulares. A grande maioria, portanto, ainda depende do Estado para receber assistência médica e sofre com os mais diversos tipos de problemas causados pelas superlotações dos hospitais, falta de equipamentos, médicos e, principalmente, de políticas de saúde pública eficientes.
Assistência médica hospitalar de qualidade transformou-se em produto exclusivo para aqueles que podem pagar e, em um país onde a péssima distribuição da renda é uma realidade, vivenciamos a verdadeira "elitização da saúde". Apesar de todo o discurso idealista que encontramos na legislação acerca da prestação pública desses serviços, quem pode prefere pagar a se submeter aos cuidados do Estado Brasileiro.
Contudo, a assistência à saúde não é um serviço em que a iniciativa privada possa estabelecer seus parâmetros e limites de risco e atuação. O que se "vende" e o que se "compra" é o próprio direito à vida, à saúde, ao bom tratamento físico e mental do indivíduo, bens indisponíveis e de relevância indiscutíveis.
Trata-se, pois, de um serviço de responsabilidade do Estado que autoriza sua prestação por terceiros que participam, de forma complementar, desde que seguindo as diretrizes impostas pela Legislação específica e pelos princípios de Direito. Destaca-se, no presente, a normativa disposta na Constituição Federal e no Código de defesa do consumidor.
Regular, através de normas públicas, tais relações estabelecidas por meio de um contrato de direito privado é forma de garantir a preservação dos interesses sociais e da dignidade da pessoa humana, fundamentais em uma sociedade que preza pela valorização do indivíduo como sujeito de direitos ao qual se procura garantir a liberdade material e não apenas a formal.
O papel do Estado, nesse caso, é de interventor das relações econômicas em nome do atendimento desses princípios básicos dispostos na Constituição Federal em seus incisos II e III, do art. 1º. Todos tem direito à cidadania e ao respeito da dignidade da pessoa humana e o Estado deverá agir a fim de promovê-los.
Manter um sistema de saúde ineficiente pode não ser a melhor resposta à esses princípios constitucionais, da mesma forma, transferir tal responsabilidade ao setor privado e omitir-se em regularizar o sistema mercantil de saúde, de longe pode ser considerado como solução para o caos social enfrentado no setor da saúde pelo Estado brasileiro, na atualidade.
A Lei que dispõe sobre a assistência mercantil à saúde, nº 9.656, de 3 de junho de 1998, tardou em ser promulgada, deixando os dispositivos constitucionais de eficácia limitada, sem a devida regulamentação. O consumidor desses serviços, como é de se prever, contava, apenas, com as designações impostas pelas empresas de convênios médicos e os princípios estabelecidos pelo Código de Defesa do consumidor, instrumento moderno de defesa utilizado na interpretação dos referidos contratos (normalmente seguros e planos de saúde) levados à apreciação do Judiciário. Ainda assim, vários elementos proporcionavam e proporcionam desequilíbrios contratuais de difícil superação.
Nesse período e, ainda hoje, poder-se-ia dizer que os princípios gerais do direito e aqueles estabelecidos pelo Código de Defesa do Consumidor formavam os fundamentos utilizados para a defesa do usuário de serviços mercantis de saúde.
Indaga-se, pois, se a Legislação acerca da matéria alterou de forma substancial o tratamento dado pelo judiciário às questões que envolvam contratos de seguro ou planos de saúde privados.
Analisaremos no presente trabalho, a aplicação do princípio da eqüidade para solução dos conflitos decorrentes de um contrato de seguro saúde, forma comum de prestação de serviços relacionados à assistência à saúde.
2.Do princípio da eqüidade - conceito e aplicabilidade.
O Código de Defesa do consumidor estabelece em seu art. 7º que: "os direitos previstos neste Código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade."
Não excluiu, dessa forma, o legislador, a incidência de outras normas que estipulem direitos e deveres relacionados às relações de consumo.
Em função do objeto do presente estudo, trataremos do conceito de eqüidade suscitado pelo mencionado art. 7º como categoria ensejadora de direitos, verdadeiro princípio interpretativo do CDC.
Conceituar eqüidade é de longe uma tarefa simples. Sua significação tem variado no tempo e no espaço tornando-se indispensável analisar seus sentidos a partir das idéias elaboradas pela corrente iluminista / racionalista / liberal, que se contrapõem à concepção de Razoabilidade na aplicação do Direito.
O movimento racionalista elevou a norma à categoria máxima da aplicação da justiça. Sua influência na elaboração dos códigos, na visão sistêmica do Direito culminaram com a noção de eqüidade como sinônimo de norma, por sua vez, de aplicação indiscriminada.
A aplicação universal da lei, o alcance massificado da norma que condensaria os ideais de justiça, criando a concepção de eqüidade como sendo idêntica a de aplicação estrita da lei, são orientações racionalistas/positivistas. (racional = norma = justiça/ visão da Idade Moderna)
Dentro dessa visão, podemos destacar que na Idade Moderna a eqüidade se reduzia a colocar na mesma situação jurídica todos aqueles que se encontravam em circunstâncias de fato semelhantes.
A razoabilidade revela-se oposta ao racionalismo quando entende a eqüidade como a justiça do caso concreto. Enriquece a aplicação da norma revelando pluralismo, diversidade, fragmentação. A eqüidade, aparece como um "princípio de justiça natural que defende o reconhecimento dos aspectos subjetivos de cada caso, de forma a alcançar uma solução judicial acima da frieza do direito positivo e em favor das condições especiais de uma dada situação1."
Ensina Maria Helena Diniz, in Dicionário Jurídico, editora Saraiva, Vol. 2:
"Eqüidade. Disposição do órgão judicante para reconhecer, com imparcialidade o direito de cada um. 2. Sentimento seguro e espontâneo do justo e do injusto na apreciação de um caso concreto (Lalarde). 3. Justiça no caso singular. 4. Autorização, explícita ou implícita, de apreciar, eqüitativamente, um caso, estabelecendo uma norma individual para o caso concreto e tendo por base as valorações positivas do ordenamento jurídico. É um ato judiciário, um poder conferido ao magistrado para revelar o direito latente."
Quando se fala em interpretação eqüitativa do direito, alguns aspectos devem ser analisados. Primeiramente, em nosso ordenamento, herança dos ideais racionalistas, o julgamento com base na eqüidade sofre certa restrição, prevista no art. 127 do CPC brasileiro:
"Art. 127. O Juiz só decidirá por eqüidade nos casos previstos em lei."
Tal disposição legal é fundada no receio de que o Juiz, ao deparar-se com lacuna decorrente de deficiência da lei, decida de acordo com seus designos, atuando como legislador.
De fato, o Juiz age como legislador ao decidir de acordo com suas convicções, ainda que promova o melhor direito entre as partes. Porém, buscar um sistema em que a norma seja de tal forma imutável, anula o aplicador da lei, tolindo-o na interpretação legislativa, o que provoca o "engessamento" do direito, que se torna inviável e insuficiente para responder aos anseios sociais.
Melhor é o entendimento de a eqüidade, longe de ter somente a função de suprir uma ausência de normas, venha a ser uma contribuinte para a renovação legislativa. Interessa, pois, identificar não só o conteúdo e o conceito de eqüidade, mas, sua função, que constituindo força operante no campo social, ampliou-se no campo jurídico, ultrapassando o setor meramente individual e o próprio regulamento privado, para incidir, mesmo que indiretamente, sobre a norma legal.
Importante frisar que, ausência de lei nem sempre significa ausência de princípios, que são normas de direito e que, juntamente com a eqüidade, devem nortear as decisões judiciais. Na verdade, ao decidir com base na eqüidade, o juiz lança mão de inúmeros princípios gerais do direito para promover e fundamentar sua decisão. Até por que, para dar a cada um o direito que lhe pertence, deve-se buscar nos princípios a direção a ser seguida. Não há como negar o vínculo existente entre ambos auxiliando, sempre, na interpretação e aplicação do Direito.
Para Clovis Beviláqua [2], ambos os institutos se identificam, tendo em vista que representam para o aplicador da lei, recurso interpretativo obrigatório, nos casos de ausência de norma.
Assim ensina:
"As expressões: princípios gerais do direito, direito natural, espírito das leis, no sentido, em que, neste caso as empregam, e eqüidade, pretendem significar a mesma coisa. Trata-se de indicar, como fontes supletivas do direito positivo, as regras mais gerais que constituem o fundamento mesmo da ciência e da arte do direito; não somente os princípios, que dominam o direito nacional, como ainda o conjunto dos preceitos essenciais, que servem de expressão ao fenômeno jurídico."
Dentro do pensamento pós-moderno em que o Direito, e, conseqüentemente o Direito do Consumidor, passa a ser visto como algo mais que simplesmente um corpo sistêmico de normas, surge como grande expoente a idéia de aplicação razoável da Lei, ou seja, a aplicação do princípio da eqüidade no seu sentido mais moderno. A aplicação é feita, pois, não só estritamente nos casos em que a Lei autoriza o Legislador (art. 127, CPC) mas sempre. É sempre necessária a aplicação da norma segundo o princípio da eqüidade. É o princípio da eqüidade que norteia o julgador para que se reconheça igualmente o direito de cada um.
3.O instituto do Seguro e sua origem
O homem, concluindo que seria mais fácil suportar os danos provocados pelos acidentes e efeitos dos riscos que corria se diluíssem-nos em um grupo, cria o contrato de seguro.
A partir do desenvolvimento do comércio marítimo, já no final da Idade Média e início da Idade Moderna, surgiu o primeiro contrato de seguro, instrumento jurídico utilizado para garantir os comerciantes dos perigos da navegação.
Até o século XIX, o contrato de seguro marítimo era o mais utilizado. Atualmente, os seguros terrestres são bem mais comuns e, dentre eles, destacamos o seguro saúde, instituto de certa forma ainda recente no ordenamento jurídico brasileiro.
Curioso verificar-se que no século passado, os seguros sobre as pessoas eram proibidos. Os legisladores entendiam que seria contra a segurança e a moral pública colocar um preço na vida de um ser humano.
No Brasil, o seguro sobre a vida era proibido pelo art. 686,III, do Código Comercial. Apenas a partir de novembro de 1855, com o Decreto nº 1.669, foi permitida a celebração de tal espécie de contrato de seguro.
Segundo Picard e Besson, " o seguro supõe essencialmente o agrupamento de pessoas que, para fazer frente a um mesmo risco suscetível de a todos prejudicar, decidem contribuir ao regramento de sinistros."
O mutualismo é, portanto, a base do seguro. Apenas a cotização do grupo de pessoas torna possível a existência do sistema de seguro. Apenas o mutualismo não é, entrentanto, suficiente para garantir a estabilidade de todo este mecanismo. Vários conceitos matemáticos são utilizados para o cálculo do "quantum" que cada segurado deve contribuir para o fundo comum, de modo que a parcela de contribuição de cada segurado corresponda ao montante do sinistro a ser coberto pelo segurador.
4.Classificação dos contratos de seguro [3]
Os contratos de seguro podem ser divididos em marítimos e terrestres. Aqueles disciplinados no Código Comercial (art. 666 e seguintes). Os seguros terrestres, como já mencionado anteriomente, surgiram depois dos marítimos, e ambos possuem características comuns.
O seguro poderá ser, ainda, mútuo ou a prêmio fixo. O seguro mútuo está previsto no art. 1.467 do Código Civil :
"Art. 1.467. Nesta forma de seguro, em lugar do prêmio, os segurados contribuem com as quotas, necessárias para ocorrer às despesas da administração e aos prejuízos verificados. Sendo omissos os estatutos, presume-se que a taxa das quotas se determinará segundo as contas do ano."
Nesse seguro de mútuo não há prêmios. Há contribuição dos sócios para ocorrer às despesas da administração e aos prejuízos verificados.
Já no seguro a prêmio fixo, há uma sociedade ou companhia para o fim especial de assegurar e os segurados são todos aqueles que pretendem evitar os riscos de sinistros. Sua finalidade é a produção de lucro para a empresa seguradora.
Quanto ao bem segurado, o seguro poderá ser de danos e de pessoas.
O seguro de dano tem por objeto reparar o prejuízo sofrido pelo segurado, seja como consegüência da perda de uma coisa que lhe pertence, ou ainda como conseqüência de um recurso por responsabilidade que se exerce contra ele. O seguro de dano tem o caráter indenitário. Ressalte-se dois aspectos: exige que o segurado possua um interesse assegurável e também que o montante da indenização prometida não exceda o valor da coisa garantida (art. 1.437 do CC).
Para nosso estudo, importa aprofundarmos a análise do seguro de pessoa, que, como o nome já diz, é aquele que tem por objeto não uma coisa, mas um bem pessoal, como a vida, a saúde, a incolumidade física, etc.
Tais bens são insuscetíveis de avaliação comercial e em dinheiro, desta forma, o seguro de pessoa não possui um caráter indenitário como o seguro de dano. O montante a ser pago pelo segurador, no caso de sinistro, não obedece a um teto legal, e sim, é convencionada conforme livre vontade das partes. Da mesma forma, poderá o segurado estabelecer vários contratos de seguro sobre o mesmo risco. As espécies mais utilizadas de seguro de pessoa são o seguro de vida e o seguro saúde.
5.Seguro de Assistência à Saúde
Pode ser objeto do contrato de seguro o risco apresentado por doenças.
O contrato de seguro-saúde pode ser definido por envolver a transferência (onerosa e contratual) de riscos futuros à saúde do segurado (consumidor) e seus dependentes, mediante a prestação de assistência médico-hospitalar por meio de entidades "conveniadas" ou do reembolso das despesas.
Trata-se, na essência, de um contrato de seguro, onde um dos elementos principais é o risco e a livre escolha do segurado.
Em 1966 regulou-se o mercado de seguros através do Dec. Lei 73 de 21 de Novembro. O regulamento dispunha sobre o Sistema Nacional de Seguros Privados e o seguro-saúde recebeu conformação jurídica nos artigos 129 e 130, caput:
"Art. 129. Fica instituído o Seguro Saúde para dar cobertura aos riscos de assistência médica e hospitalar"
"Art. 130. A garantia do Seguro Saúde consistirá no pagamento em dinheiro, efetuado pela sociedade seguradora à pessoa física ou jurídica prestante da assistência médico-hospitalar ao segurado."
Esse instrumento instituiu o Conselho Nacional de Seguros Privados, cabendo-lhe fiscalizar a "constituição, organização, funcionamento e operações das sociedades seguradoras" (art. 35 e 36) e a autarquia Superintendência de Seguros Privados (Susep), a quem incumbe a executar a política traçada por aquele Conselho.
O código Civil Brasileiro de 1916 dispunha expressamente sobre o seguro saúde nos arts. 1.432 a 1.476:
"Art. 1.432. Considera-se contrato de seguro saúde aquele pelo qual uma das partes se obriga para com a outra, mediante a paga de um prêmio, a indenizá-la do prejuízo resultante de riscos futuros, previstos no contrato."
O novo Código Civil não há referência expressa do contrato de seguro saúde. Resta-nos, entretanto, trazer à colação o conceito geral de seguro do art. 757, senão vejamos:
"Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados."
A Lei 9.656 de 03 de junho de 1998 deu nova disciplina à matéria, trazendo inovações que serão analisadas mais profundamente. Todos os contratos firmados até 31 de dezembro de 1998 foram obrigatoriamente adaptados às novas regras.
A natureza do contrato de seguro-saúde é a de um contrato de seguro e, como tal, submete-se às características e regulamentos dessa modalidade contratual.
Ainda que pareça óbvia a classificação do contrato analisado, algumas questões deverão ser melhor esclarecidas. Para Pontes de Miranda a "natureza do contrato de seguro é uma só para todas as espécies", o que permite concluir que, ainda que a atual legislação discipline acerca atuação das seguradoras e das administradoras de planos e seguros de saúde tenha alargado e quase equiparado as duas espécies de contrato, estes se apresentam distintos. Suas diferenças devem ser identificadas para que não se desvirtue as responsabilidades e os direitos das partes contratantes, principalmente o segurado/consumidor, comumente prejudicado pelo desequilíbrio contratual.
Passemos a analisar alguns dos elementos do seguro saúde definidos pelo Dec. Lei 73 para, em momento posterior, darmos a nova visão trazida pela Lei 9.656/98 e, por fim, estabelecermos as diferenças e semelhanças entre este instituto e o plano de assistência à saúde.