6.O contrato de seguro
O contrato de seguro é consensual, sinalagmático e aleatório e seu objeto consiste em transferir o risco do segurado para o segurador, que o indeniza.
É um contrato oneroso, pois que cada uma das partes procura obter uma vantagem de caráter patrimonial. É aleatório, visto que envolve o risco e o evento futuro, incerto, porém, previsível.
É também um contrato de adesão, pois o segurado se submete às cláusulas e condições pré-estabelecidas pelo segurador.
Além desses, um dos principais elementos do contrato de seguro é o trato sucessivo, ou seja, a relação é contígua e protrai a execução das obrigações, configurando um contrato de longa duração. Cria-se uma espécie de catividade ou dependência dos clientes desses serviços. São contratos que envolvem não uma obrigação de dar (para o fornecedor) mas sim de fazer – de promover os serviços autorizados pelo Estado ou privatizados, sempre prestados de forma contínua.
Nesses contratos a relação que se forma entre as partes, principalmente de confiança, além da expectativa criada em relação ao segurador, tornam-se dados para a determinação da abusividade que alguns dispositivos contratuais podem representar.
7. Dec. Lei nº 73/66
O Dec. Lei 73/66 dispõe sobre o Sistema Nacional de Seguros Privados, regulando as operações de seguro e resseguros.
Assim, a Lei introduziu a modalidade básica de assistência à saúde, que é o seguro saúde, mas também admitiu a chamada medicina em grupo (art. 135), desde que se trata-se de entidades sem objetivo de lucro.
Segundo a referida norma, pois, são duas as modalidades de contrato de seguro-saúde: o art. 129 garante o reembolso das despesas médicas, após o atendimento, e o art. 135 envolve o pré-pagamento de despesas eventual e futuramente havidas com tratamento de saúde.
Esse pré-pagamento supõe a realização anterior de cálculos estatísticos específicos para o ramo de seguros, que levam em conta a probabilidade de ocorrência do sinistro a partir de critérios calcados na exposição natural do segurado a situações de risco (ex. idade e profissão).
Ambas as modalidades incluem-se no âmbito de seguro-saúde, que é diferente dos contratos de assistência médica, denominados pela professora Cláudia Marques de contrato de medicina pré-paga.
Segundo a professora gaúcha, podemos responder às questões que envolvem a natureza do seguro saúde e os elementos diferenciadores deste e o contrato de "plano de saúde ou medicina pré-paga", tendo em vista que o seguro é a operação pela qual o segurador recebe dos segurados uma prestação, chamada prêmio, para formação de um fundo comum por ele administrado e que tem por objetivo garantir o pagamento de uma soma de dinheiro àqueles que forem afetados por um dos riscos previstos. Já as operadoras de plano de saúde prestam, na grande maioria, os serviços diretamente ao consumidor de seus serviços que contribuem mensalmente pagando por uma assistência previamente estabelecida no contrato.
Outros elementos diferenciadores encontram-se na organização das operadoras. As operadoras de planos privados de assistência à saúde são pessoas jurídicas de direito privado, com liberdade de forma societária, que prestam serviços próprios ou através de terceiros, mediante contraprestações pecuniárias. As seguradoras, em contrapartida, são sociedades anônimas e organizam-se nos moldes do Dec. Lei 73/66, com a finalidade de cobrir os riscos de assistência à saúde, mediante livre escolha pelo segurado do prestador do respectivo serviço e o reembolso das despesas.
É claro que, não há como negar a semelhança entre eles no que se refere a forma de funcionamento. A "confusão" foi ainda mais ressaltada quando a então Lei 9.656/98, até a última modificação dada em razão da Medida Provisória nº2.177-44, de 24.8.2001, trazia diversas modificações ao sistema legal normativo e fiscalizador da assistência privada à saúde, além de permitir às operadoras do sistema de saúde alternativas no cumprimento de suas obrigações. Os planos poderiam manter serviços próprios de assistência à saúde, contratar ou credenciar serviços de terceiros, reembolsando o beneficiário das despesas feitas. As seguradoras, por sua vez, poderiam reembolsar o segurado ou pagar por ordem e conta deste diretamente aos prestadores de serviços.
Observe-se que, até esse ponto, nada descaracterizava o papel das operadoras, porém, ao analisar o parágrafo único, do art. 2º da referida Lei, antes da alteração mencionada, percebe-se que a disposição apresentava-se prejudicial ao consumidor por permitir que as sociedades seguradoras apresentem relação de prestadores de serviços.
Nesse caso, ficaria difícil identificar qual é a diferença entre os dois institutos (seguro e plano) ainda mais por que o princípio da livre escolha garantido pelo Dec - Lei 73/66, em seu art. 130, parágrafo 2º, ficava comprometido.
Vejamos o que dispunha a Lei nº 9.656/98:
"Art. 2o Para o cumprimento das obrigações constantes do contrato, as pessoas jurídicas de que trata esta Lei poderão:
I - nos planos privados de assistência à saúde, manter serviços próprios, contratar ou credenciar pessoas físicas ou jurídicas legalmente habilitadas e reembolsar o beneficiário das despesas decorrentes de eventos cobertos pelo plano;
II - nos seguros privados de assistência à saúde, reembolsar o segurado ou, ainda, pagar por ordem e conta deste, diretamente aos prestadores, livremente escolhidos pelo segurado, as despesas advindas de eventos cobertos, nos limites da apólice.
Parágrafo único. Nos seguros privados de assistência à saúde, e sem que isso implique o desvirtuamento do princípio da livre escolha dos segurados, as sociedades seguradoras podem apresentar relação de prestadores de serviços de assistência à saúde." (4)
O que põe fim à questão da equivalência entre ambos os institutos está na responsabilidade solidária pelos danos aos consumidores que se estabelece entre os planos de saúde e seus prepostos e credenciados. Neste tipo de assistência à saúde a operadora responde pelos serviços prestados, ainda que indiretamente ou por reembolso, já que, não se trata de prestação autônoma e de livre escolha do consumidor. Trata-se de responsabilidade objetiva, podendo, "a posteriori", a operadora promover ação regressiva contra os prestadores.
No caso dos seguro saúde, a responsabilidade não se estabelece solidariamente entre às operadoras e os prestadores diretos do serviço. A obrigação limita-se ao pagamento do prêmio do seguro, desde que respeitado o princípio da livre escolha do segurado.
A Lei 9.656/98 também diferenciava as atividades, bem como as operadoras de assistência à saúde:
"Art. 1º... . .
§ 1o Para os fins do disposto no caput deste artigo, consideram-se:
I - operadoras de planos privados de assistência à saúde: toda e qualquer pessoa jurídica de direito privado, independente da forma jurídica de sua constituição, que ofereça tais planos mediante contraprestações pecuniárias, com atendimento em serviços próprios ou de terceiros;
II - operadoras de seguros privados de assistência à saúde: as pessoas jurídicas constituídas e reguladas em conformidade com a legislação específica para a atividade de comercialização de seguros e que garantam a cobertura de riscos de assistência à saúde, mediante livre escolha pelo segurado do prestador do respectivo serviço e reembolso de despesas, exclusivamente." (5)
Atualmente a Lei 9.656/98, com alteração promovida pela medida provisória nº 2.177-44, de 24.08.2001, trás nova redação:
Art.1º Submetem-se às disposições desta Lei as pessoas jurídicas de direito privado que operam planos de assistência à saúde, sem prejuízo do cumprimento da legislação específica que rege a sua atividade, adotando-se, para fins de aplicação das normas aqui estabelecidas, as seguintes definições: (Redação dada pela MPV nº 2.177-44, de 24.8.2001)
I-Plano Privado de Assistência à Saúde: prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada, contratada ou referenciada, visando a assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor; (Redação dada pela MPV nº 2.177-44, de 24.8.2001)
II-Operadora de Plano de Assistência à Saúde: pessoa jurídica constituída sob a modalidade de sociedade civil ou comercial, cooperativa, ou entidade de autogestão, que opere produto, serviço ou contrato de que trata o inciso I deste artigo; (Redação dada pela MPV nº 2.177-44, de 24.8.2001)
III-Carteira:o conjunto de contratos de cobertura de custos assistenciais ou de serviços de assistência à saúde em qualquer das modalidades de que tratam o inciso I e o §1ºdeste artigo, com todos os direitos e obrigações nele contidos. (Redação dada pela MPV nº 2.177-44, de 24.8.2001)
Não resta, entretanto, qualquer dúvida da distinção jurídica entre plano de saúde e seguro saúde, ainda que, na prática, essas duas atividades se revistam de semelhanças tantas ao ponto de dificultar sua identidade até mesmo nas decisões judiciais referentes a esse tipo de contrato.
8. A Lei 9.656/98
A Lei 9.656/98 veio, desta feita, nortear e regular os contratos de adesão de assistência à saúde disponibilizados por empresas privadas. Após vários anos sem regularização, a nova norma é uma iniciativa que tenta minimizar as desigualdades contratuais tão comuns nesse ramo de atividade. Ocorre que, reiteradas modificações promovidas por medidas provisórias sucessivamente editadas, comprometem a aplicação da norma e obscurecem alguns pontos elementares.
Um deles se refere à aplicabilidade da Lei aos contratos de seguro saúde. Se em um primeiro momento a Lei dispunha em seu Art.1º que “Submetem-se às disposições desta Lei as pessoas jurídicas de direito privado que operam planos ou seguros privados de assistência à saúde, sem prejuízo do cumprimento da legislação específica que rege a sua atividade “, hoje a redação dada pela MP 2.177-44 de 24.08.01 não menciona tal atividade:
"Art.1º Submetem-se às disposições desta Lei as pessoas jurídicas de direito privado que operam planos de assistência à saúde, sem prejuízo do cumprimento da legislação específica que rege a sua atividade, adotando-se, para fins de aplicação das normas aqui estabelecidas, as seguintes definições: (Redação dada pela MPV nº 2.177-44, de 24.8.2001)"
Nota-se a dificuldade que o legislador encontra em definir com clareza a incidência da norma que, não afastando a aplicação da legislação específica para cada atividade, também não consegue conceituar precisamente a relação que regula.
Entendemos nesse ponto que, a dificuldade é basicamente referente à nomeclatura dos contratos e, longe de afastar a incidência da Lei 9.656/98, as alterações acerca do Seguro Saúde não o excluem e nem o tornam "imune" aos regramentos, principalmente, à fiscalização dos órgãos administrativos controladores.
É o que se depreende do parágrafo 1º, do Art. 1º da Lei 9.656/98:
§1o Está subordinada às normas e à fiscalização da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS qualquer modalidade de produto, serviço e contrato que apresente, além da garantia de cobertura financeira de riscos de assistência médica, hospitalar e odontológica, outras características que o diferencie de atividade exclusivamente financeira, tais como: (Redação dada pela MPV nº 2.177-44, de 24.8.2001)
Concluímos, assim, que a Lei 9.656/98 é aplicável ao contrato de seguro e que esta impõe uma série de obrigações e direitos aos Seguradores e Segurados, que merece estudo pormenorizado a seguir, em destaque, ao tratarmos da cobertura do contrato de Seguro.
9. Código de Defesa do Consumidor – sua aplicação
Antes de passarmos para a análise dos novos elementos trazidos pela Lei 9.656/97, cumpre analisar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor nas relações que envolvem Seguro Saúde, até porque, apesar de considerada como avanço na legislação que trata das relações de consumo na assistência privada à saúde, muitas disposições constantes na nova Lei diminuem direitos firmados pela jurisprudência em favor do consumidor, razão pela qual reforça-se a importância da aplicação do CDC como norma reguladora a fim de garantir a eqüidade nos contratos.
Cumpre destacar, ainda, que o art. 3º do texto original fazia referência ao Código de Defesa do Consumidor não excluindo a aplicação deste no que se refere à regulamentação dos planos privados de assistência à saúde.
Ainda que não haja previsão expressa segundo a redação atual, é indubitavelmente possível a aplicação dos princípios do CDC, entre eles o da eqüidade disposto no art. 7º deste regulamento, cabendo ao julgador utilizar-se deste instrumento legal para garantir o equilíbrio entre as partes contratantes tendo em vista que notadamente o consumidor se apresenta como hipossuficiente da relação jurídica de consumo.
Um dos principais objetivos da Lei em análise foi o de coibir os abusos promovidos pelo comércio livre e desenfreado envolvendo a prestação de assistência à saúde, garantindo um mínimo de equilíbrio contratual, por meio do estabelecimento de cláusulas e coberturas básicas para o consumidor.
A oferta de um plano ou seguro – referência que assegure alguns atendimentos como ambulatorial, hospitalar e obstétrico (art. 10), impede que as operadoras atuem somente nos ramos que lhes garantam maiores lucros.
"Art.10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto: (Redação dada pela MPV nº 2.177-44, de 24.8.2001)"
Tenta-se, pois, estabelecer por meio da legislação, o controle Estatal dessa atividade que, como já mencionado, se diferencia das demais por envolver a vida como bem a ser segurado, bem como a dignidade da pessoa humana [6].
Para tanto, além de instituir elementos mínimos para prestação dos serviços, indica Órgãos competentes para fiscalização das empresas seguradoras.