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A evolução da guarda compartilhada no direito brasileiro

Agenda 08/10/2016 às 18:30

Faz-se um breve panorama histórico da legislação referente à guarda, observando houve que um grande avanço no intuito de equilibrar o princípio do melhor interesse do menor ao princípio da igualdade da responsabilização dos pais.

INTRODUÇÃO

O instituto da guarda adveio de um tempo ainda patriarcal no qual o homem era provedor do sustento da família e a mulher era dona de casa e provedora dos cuidados da prole.

As modificações da sociedade e das famílias trouxeram o advento do divórcio e ficou a questão da guarda dos filhos de pais separados que dentro do contexto da época era, preferencialmente, concedido às mães. Já os pais tinham, apenas, o direito de visitas.

Portanto, o legislador veio buscando novas soluções para atender os anseios das novas modalidades de famílias, no intuito de cumprir os princípios constitucionais que dispõem sobre o assunto.

Desta forma, desde 1916 o legislador vem publicando, revogando e modificando diversas leis a fim de minimizar os atritos judiciais dos pais que divergem quanto à guarda e dispôs sobre a guarda compartilhada como regra a fim de equilibrar a responsabilização de ambos os pais com os interesses de seus filhos.


A GUARDA NO DIREITO BRASILEIRO

O Código Civil de 1916 disciplinava a proteção dos filhos em seus artigos 325 a 328, nos quais se pautava o direito à guarda dos filhos menores apenas ao cônjuge não culpado pela dissolução conjugal.

Portanto, se a dissolução conjugal fosse por desquite amigável, observar-se-ia o que fosse acordado entre os cônjuges, varão e virago, quanto à guarda dos filhos menores. No entanto, se a dissolução fosse por desquite judicial, o cônjuge inocente seria o guardião dos filhos menores.

Ainda, se ambos os cônjuges fossem culpados pela dissolução conjugal, os filhos menores ficariam com a mãe, desde que o magistrado entendesse que esta solução não traria prejuízo de cunho moral aos menores, sendo assim havia a discricionariedade deste para decidir, desde que fossem verificados motivos graves.

Ainda, se os filhos menores não ficassem na guarda de um dos genitores, estes teriam direito de visita.

Com a publicação da Lei nº 6.515 de 1977 (Lei do Divórcio), foram revogados os artigos 325 a 328 do Código Civil de 1916 e a proteção da pessoa dos filhos ficou disciplinada nos artigos 9º ao 16 da referida Lei, porém sem que fosse acrescentada modificação significativa no instituto da guarda, continuando a culpa sendo o principal motivador para concessão da guarda ou não.

Desta forma, o artigo 9º da Lei do Divórcio apenas replicou o que estava disciplinado no artigo 325 do Código Civil de 1916, dispondo: “No caso de dissolução da sociedade conjugal pela separação judicial consensual (art. 4º), observar-se-á o que os cônjuges acordarem sobre a guarda dos filhos”.

Ainda, o artigo 15 da Lei do Divórcio disciplinou como regra a guarda materna: “O filho natural enquanto menor ficará sob o poder do genitor que o reconheceu e, se ambos o reconhecerem, sob o poder da mãe, salvo se de tal solução advier prejuízo ao menor”.

Portanto, diante destas Leis supramencionadas, que disciplinavam a proteção da pessoa dos filhos, fica evidente que o legislador desejava estabelecer a guarda exclusiva a um cônjuge, preferencialmente a mãe, e, como forma mitigante, a fim de se evitar disputas judiciais, ao não guardião foi estabelecido o direito de visita e fiscalização, fundado no princípio do melhor interesse do menor, porém chocando-se com o princípio da igualdade, disciplinado nos §5º do artigo 226 e §6º do artigo 227, ambos da Carta Magna de 1988.

O Código Civil de 2002, atento as modificações sociais das famílias modernas, retirou a culpa como fator de estabelecimento da guarda dos filhos menores e disciplinou a guarda dos filhos menores a quem melhor tiver condições de exercer, observando-se os princípios do melhor interesse da criança e do adolescente.

Logo, a regra é que os cônjuges decidem nas questões que tange seus filhos, porém, se não houver consenso, cabe ao juiz a discricionariedade de resolver a lide, observando o interesse do menor como princípio superior.

 Fica evidente que o legislador ficou cada vez mais vinculado aos princípios constitucionais que envolvem as crianças e os adolescentes a fim de atender os interesses destes e não dos genitores deles, posto que os filhos menores estão, na maioria das vezes, sendo utilizados como instrumento de disputa no momento de dissolução conjugal.

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Sendo assim, surge outra modalidade de guarda que não só a exclusiva, sendo ela a compartilhada, possibilitando, assim, que ambos os cônjuges tenham igualdade de condições na convivência com seus filhos.

A guarda compartilhada veio como forma de minimizar o ponto de divergência de ambos os cônjuges já separados ou divorciados e convergir para o melhor interesse dos filhos menores, a fim de lhes proporcionar um melhor convívio familiar e comunitário, bem como lhes auxiliar da melhor forma possível na sua formação e desenvolvimento, retirando, assim, a culpa que os menores sentem quanto a separação de seus pais.

Neste contexto, é disciplinada a Lei nº 11.698 de 2008, a fim de instituir e disciplinar a guarda compartilhada no ordenamento brasileiro, alterando os artigo 1583 e 1584 do Código Civil de 2002.

O parágrafo 1º do artigo 1593 do Código Civil de 2002 conceitua a guarda compartilhada:

Art. 1593. § 1º.  Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5o) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. (grifo nosso).  

Portanto, a referida Lei veio para reconhecer o equilíbrio entre os pais na criação de seus filhos, garantindo, assim, o melhor interesse da criança e do adolescente, além de atender o princípio da igualdade entre os cônjuges na responsabilização de seus filhos, bem como garantir a convivência dos filhos com a família de ambos os cônjuges e com a comunidade.

Desta forma a guarda compartilhada, que só era disciplinada se acordada entre os cônjuges, passou a ser regra e a guarda exclusiva passou a ser exceção.

Diante das divergências doutrinárias e jurisprudenciais surgidas com o advento da Lei nº 11.698 de 2008, no que se refere ao poder familiar e a guarda compartilhada, foi publicada a Lei nº 13.058 de 2014, a fim de disciplinar sobre a expressão guarda compartilhada e estabelecer sobre sua aplicação, bem como dispor sobre o exercício do poder familiar.


CONCLUSÃO

Verifica-se diante das diversas Leis publicadas desde 1916 que houve um grande avanço no intuito de equilibrar o princípio do melhor interesse do menor ao princípio da igualdade da responsabilização dos pais, de forma a preservar o desenvolvimento dos filhos de pais separados, visto que as famílias sofrem modificações no decorrer do tempo e as leis têm que acompanhar as modificações da sociedade para que não haja prejuízo aos pais e aos filhos.

Sendo assim, o que fica evidenciado é que o legislador cada vez mais tenta ordenar a questão das novas disposições familiares, principalmente no que se refere à dissolução conjugal com o interesses dos filhos menores, de forma a atender os princípios constitucionais que regem os institutos da guarda.


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Sobre o autor
Angelo Suliano Bento

Advogado Associado ANACRIM/CE - 2o. Vice Presidente da Comissão de Estudos em Direito Penal da OAB/CE - Membro efetivo da Comissão de Direito de Família da OAB/CE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BENTO, Angelo Suliano. A evolução da guarda compartilhada no direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4847, 8 out. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/50790. Acesso em: 22 dez. 2024.

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