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Breves apontamentos sobre a fungibilidade recursal

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Agenda 20/07/2016 às 02:08

O presente trabalho cuida da fungibilidade no âmbito dos recursos. No Processo Civil, a fungibilidade ainda é relevante, sobretudo, em razão das alterações advindas com o novo Código de Processo Civil, embora não haja regra expressa sobre o tema.

Sumário

A fungibilidade é figura prevista em alguns institutos do Direito. Entre eles, encontramos a sua aplicação no âmbito dos recursos. Nesse campo processual, a fungibilidade ganhou espaço em razão, sobretudo, das alterações do processo civil[1]. Com a chegada do novo Código de Processo Civil, o tema ainda é relevante, embora não haja regra expressa sobre ele[2].

De fato, como a sentença não põe necessariamente um fim ao processo, mas a uma fase dele, visto que em seguida passa-se ao cumprimento de sentença, esse ato (ou pronunciamento judicial) pode admitir mais de um recurso, em contrariedade ao princípio da unirrecorribilidade das decisões[3]. A possibilidade de ocorrer dúvida quanto à natureza desse pronunciamento judicial e, portanto, do recurso adequado, poderá fazer ressurgir a figura da fungibilidade recursal. Ela decorreria, então, do próprio sistema jurídico.

Sabe-se que a fungibilidade, criação do Direito Alemão, com previsão no Direito Português também, foi adotada pelo Código de Processo Civil de 1939, mas retirada do estatuto processual revogado (CPC de 1973), embora a jurisprudência o admita em situações precisas, em que não haja erro grosseiro nem má-fé, ou não seja caso de dúvida objetiva nem de intempestividade, como esclareceremos adiante.

Ademais, os recursos, que são instrumentos para obter a revisão de uma decisão ou a sua integração, aplicam-se às diferentes hipóteses legais seguindo a orientação de que cada um se presta a um fim colimado se houver necessidade, utilidade e legitimidade, quando do manejo do recurso. Assim, a finalidade dos recursos e sua pertinência evidenciam o instrumento adequado para as várias situações processuais.

Note-se que os pronunciamentos judiciais podem ser sentenças, decisões interlocutórias e despachos, (CPC, art. 203, antigo 162/73). Da sentença cabe apelação (CPC, art. 1009, antigo 513/73); e da decisão interlocutória, o agravo[4] (CPC, art. 1015, antigo 522/73). Dos despachos não cabe recurso (CPC, art. 1001).

Com essa nova disposição dos recursos e suas consequências, a fungibilidade recursal ressurge com mais força na atualidade, como será visto a seguir. Antes, porém, devemos falar a respeito dos princípios que regem a matéria, ressaltando seu fundamento no vasto campo dos Direitos Humanos[5].

O formalismo exagerado, muitas vezes, pode impedir o conhecimento da demanda, em ofensa ao princípio do acesso à Justiça. Desse modo, o abrandamento da norma processual se impõe para que o Estado distribua a justiça.

Nessa ordem de ideias, a fungibilidade também atende à instrumentalidade das formas[6], porque a forma não deve ser mais importante que a finalidade do ato, salvo se a lei a exigir.

A doutrina, igualmente, indica o princípio do devido processo legal. Esse princípio do devido processo legal encontra-se positivado na Constituição Federal (art. 5º, LIV). De fato, a produção de decisões judiciais deve ser exercida por um processo devido, tanto formalmente, quanto materialmente. O princípio foi concebido historicamente para controle da justiça.[7] Assim, ele encampa todos os demais princípios.

No seu aspecto processual ou procedimental, os poderes estatais devem observar as formas próprias dos atos normativos e decisórios[8], bem como um rito procedimental pautado nas suas formalidades, que foram escolhidas e consentidas pelo processo legislativo, segundo um interesse geral. Quanto à dimensão material, os atos normativos ou jurisdicionais são vistos pelo seu conteúdo, ou substância, de modo que o resultado seja justo, ou razoável. Por isso, a forma deve expressar o conteúdo normativo. Quando essa forma obstrui a justiça, não se pode imaginar que o apego exagerado à forma sobreponha-se ao seu resultado justo.

Daí, a idéia de fungibilidade pode superar a forma quando ela desvirtua o objetivo fundamental do devido processo legal, que é a obtenção da justiça. Poder-se-ia dizer que a forma pela qual o ato se dá, ou seja, a forma em si, não deve impedir tal objetivo principal de alcançar a devida justiça.

Isso também está em conformidade com o princípio da celeridade processual ou da eficiência, visto que a não aceitação de um recurso por outro, desde que preenchidos seus requisitos, leva a prolongar desnecessariamente o processo, não apresentando o resultado processual com menor custo e no menor tempo possível.[9] Ademais, essa recusa da fungibilidade de recursos pode impedir o direito de ampla defesa.

Poderíamos, ainda, acrescentar o princípio da segurança jurídica, pois o processo se torna efetivamente o meio para se alcançar a tutela jurisdicional, com o julgamento do mérito da causa, dando certeza a essa finalidade e não a criação de discussões que na maioria das vezes se perdem na sua forma.

Diante das razões expostas acima, vamos mostrar como o princípio da fungibilidade se apresenta, quanto aos seus requisitos e quanto às hipóteses às quais ele se aplica.

O princípio da fungibilidade pode ser aplicado aos recursos, substituindo-se um instrumento por outro, naqueles casos em que haja dúvida objetiva sobre qual recurso cabe de determinada decisão, quando não existir erro grosseiro ou má-fé e o prazo do recurso for o daquele cabível na hipótese.

O primeiro requisito consiste na ocorrência de dúvida objetiva sobre qual o recurso a ser interposto. Com efeito, em determinados casos, o recorrente se depara com situações em que não sabe exatamente qual o recurso é cabível contra certa decisão, por esta não caracterizar o que aparenta ser.

Mais adiante examinaremos esse requisito da dúvida objetiva e daremos exemplos de situações que geram tal dúvida. Antes, vejamos o percurso histórico do instituto processual.

No Código de Processo Civil de 1939, eram então considerados como requisitos para o cabimento da fungibilidade a inexistência de má-fé e de erro grosseiro.[10] Eis a disposição do estatuto processual revogado:

“Salvo a hipótese de má-fé ou erro grosseiro, a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro, devendo os autos ser enviados à Câmara, ou Turma, a que competir o julgamento.”

Na estrutura do código anterior (CPC de 1939), o sistema recursal levava em conta o teor da decisão para fixar-lhe a natureza, de forma que as quais julgavam o mérito eram atacadas por sentença e as demais por agravo. Como eram freqüentes as situações de dúvida e controvérsias quanto ao recurso apropriado, o legislador, ciente disso, determinou expressamente a fungibilidade dos recursos.[11]

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Pelo sistema do Código de 1973 (redação original), determinaram-se decisões e recursos precisos, como a sentença, da qual cabe apelação; decisão interlocutória, o agravo; e os despachos, dos quais não cabem recursos, como dito acima. Nesse sistema, leva-se em conta a finalidade da decisão que põe ou não fim ao processo.

Ocorre que, na atualidade, o sistema de decisões e recursos também tem gerado dúvidas e controvérsias, em função do sincretismo dos processos, com divisões em fases, dando-se sequência ao cumprimento da sentença. Assim, o novo CPC também pode gerar dúvidas com relação ao recurso cabível ao pronunciamento judicial.

Note-se que o próprio STJ já adotava o entendimento a respeito dos requisitos do instituto processual da fungibilidade recursal, como se vê da seguinte decisão:

STJ. Recurso. Fungibilidade. Requisitos.

A Fungibilidade recursal subordina-se a 03 requisitos: a) dúvida objetiva sobre qual o recurso a ser interposto; b) inexistência de erro grosseiro (v.g. interposição de recurso impróprio, quando o correto encontra-se expressamente indicado na lei, sobre o qual não se opõe nenhuma dúvida; c) que o recurso erroneamente interposto tenha sido interposto no prazo do que se pretende transformá-lo. Ausente qualquer destes pressupostos, não incide o princípio da fungibilidade. (...)

Eis algumas orientações jurisprudenciais a respeito do tema, ainda com base no código revogado (1973), surge essa dúvida quanto ao recurso pertinente. É o que ocorre com a decisão que homologa o depósito e exclui o autor da lide, a qual ainda pode surgir em função do novo código[12]:

STJ. Recurso. Locação. Consignação em pagamento. Recurso cabível da decisão que homologa o depósito e exclui o autor da lide. Apelação ou agravo de instrumento. Dúvida objetiva caracterizada. Fungibilidade recursal. Precedente do STJ. CPC, arts. 162, §§ 1º e 2º, 522 e 898.

1. A matéria relativa ao recurso cabível contra a decisão que homologa o depósito na ação de consignação em pagamento não está pacificada na doutrina, caracterizando dúvida objetiva capaz de justificar a aplicação do princípio da fungibilidade.

2. Esta Corte já se pronunciou no sentido de que a ação consignatória, por sua natureza, enseja dúvida quanto ao recurso cabível para impugnar a decisão que homologa o depósito e exclui o devedor da lide.

3. Recurso Especial provido. (...)

Esses requisitos da ausência de erro grosseiro e da inexistência da má-fé, na verdade, resume-se na dúvida objetiva, como mencionado anteriormente.

O erro grosseiro está associado à idéia de dúvida apta a justificar o equívoco. No caso, não se admite outro recurso quando há um recurso próprio para cada decisão, expressamente previsto na lei.

São exemplos de erro grosseiro: agravar-se da sentença que indefere a petição inicial[13]; de agravar-se da sentença que julga a ação (ou fase) de liquidação de sentença[14] etc.

Vamos indicar mais adiante os casos relativos ao erro grosseiro, mas já apontamos algumas decisões a respeito do tema:

STJ. Recurso especial. Agravo regimental interposto contra decisão colegiada. Erro grosseiro. Princípio da Fungibilidade recursal. Não aplicação. CPC de 1973, arts. 541 e 557, § 1º. RISTJ, art. 258. Lei 8.038/90, art. 26.

A interposição de Agravo Regimental contra decisão colegiada constitui erro grosseiro, sendo inviável a aplicação do princípio da Fungibilidade recursal para o recebimento do recurso como Embargos de Declaração. (...)

STJ. Recurso Especial. Interposto em lugar de recurso extraordinário. Princípio da Fungibilidade recursal. Inaplicabilidade. CPC, art. 541.

A interposição de recurso especial em lugar de recurso extraordinário constitui erro grosseiro. Impossibilidade de aplicação do princípio da Fungibilidade recursal. (...)

No tocante à ausência de má-fé, a doutrina voltou-se para a intempestividade do recurso interposto em lugar do que teria sido o adequado.

A grande controvérsia, nesse caso, é a de que o prazo do recurso equivocado deve ser o do recurso correto. Mas a doutrina[15] tem reclamado dessa interpretação, que é principalmente jurisprudencial, porque o recorrente utiliza-se do prazo do recurso que acredita ser o cabível, apesar da dúvida objetiva.

Assim, como diz Câmara, a dúvida objetiva alcança não somente o “nomen iuris” do recurso, mas também seus requisitos de admissibilidade, inclusive o seu prazo.[16] Quando se interpõe apelação em lugar de agravo, não se pode aplicar o princípio da fungibilidade para, posteriormente, se considerar o recurso inadmissível por intempestividade. No caso, a fungibilidade deve ser aplicada, pois ao escolher a via utilizada, levam-se em conta os seus próprios requisitos de admissibilidade e não a da outra via que não foi empregada.

Em suma, temos os seguintes requisitos do princípio da fungibilidade, ausência de erro grosseiro ou inexistência de má-fé e o prazo adequado, que se resumem na dúvida objetiva. Embora haja controvérsia a respeito do prazo, a jurisprudência tem admitido que ele deve ser o do recurso adequado.

As principais hipóteses de incidência podem ser examinadas segundo o critério elaborado por um dos doutrinadores que melhor tratou do assunto, Nelson Nery Júnior[17], pelo qual a dúvida objetiva pode ser de três ordens:

a)o código designa uma decisão interlocutória como se fosse sentença, ou vice-versa;

b)a doutrina e/ou jurisprudência divergem quanto à classificação de determinados pronunciamentos judiciais e, consequentemente, quanto à adequação do respectivo recurso para atacá-los;

c)o juiz profere um pronunciamento em lugar de outro.

No primeiro grupo[18], temos o ato que julga o incidente de falsidade documental, que o código revogado dizia equivocadamente ser sentença. No entanto, o artigo 433 do novo CPC prevê que “a declaração sobre a falsidade do documento, quando suscitada como questão principal, constará da parte dispositiva da sentença e sobre ela incidirá também a autoridade da coisa julgada.” Essa regra pode, em tese, suscitar dúvida sobre o recurso cabível, pois o incidente não terminaria o processo, apenas esse procedimento de arguição de falsidade é que terminaria.[19]

Uma hipótese que, em tese, pode ocorrer é o caso de rejeição ou desconsideração de laudo pericial. Se esse caso disser respeito apenas à consideração ou não dessa prova no momento da fundamentação da sentença, não há dúvida que o pronunciamento é caso de apelação, mas se se referir a uma decisão que, desconsiderando a prova pericial, venha a afastá-la, seria caso de decisão interlocutória, passível de impugnação por outro instrumento. Veja-se o seguinte artigo:

Art. 479. O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito.

No segundo grupo[20], a divergência pode se dar quanto ao caso de ato que homologa o cálculo do contador, no curso da execução por título extrajudicial; bem como a decisão que exclui litisconsorte do processo.

Eis algumas decisões para ilustrar a hipótese acima relativa ao segundo grupo, como as seguintes:

REsp 1.338.399-MG, 2012/0169632-7, Ministra relatora ELIANA CALMON, julgado em 07/05/2013, T2 - SEGUNDA TURMA, publicado no DJe em 15/05/2013.

PROCESSO CIVIL - RECURSO ESPECIAL - SENTENÇA QUE HOMOLOGA CÁLCULOS DE EXECUÇÃO - RECURSO CABÍVEL: APELAÇÃO - PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - ADMISSÃO - PRECEDENTE DA CORTE ESPECIAL.

1. A Corte Especial pacificou entendimento de que, embora seja cabível apelação da sentença que homologa cálculos de liquidação, admite-se a interposição de agravo de instrumento em face do princípio da fungibilidade recursal.

2. No caso dos autos, o município recorrente interpôs corretamente o recurso de apelação contra a decisão de fls. 365, não havendo sequer razão de aplicação do princípio da fungibilidade.

3. Recurso provido.

STJ - RECURSO ESPECIAL REsp 369271 RS 2001/0126391-2 (STJ), Julgado em 26/05/2011, publicado em 15/12/2003

"PROCESSUAL CIVIL. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. RECURSO CABÍVEL. APLICAÇÃO DO PRINCIPIO DA FUNGIBILIDADE DOS RECURSOS. I - Ao interpor agravo de instrumento contra decisão que homologa cálculos de liquidação, o recorrente não comete erro grosseiro. Nesta situação, o agravo pode ser conhecido como apelação, em homenagem aos princípios da fungibilidade e instrumentalidade das formas. II - Precedentes do STJ."REsp 116.274/HUMBERTO. III - O Princípio da Fungibilidade dos Recursos, expressamente consagrado no art. 810 do CPC /1939, ainda vige no atual sistema processual civil como decorrência do Princípio da Instrumentalidade do Processo. IV - Recurso provido

Ilustre-se com as seguintes decisões relativas ao recurso cabível em caso de exclusão de litisconsorte da lide. Note-se que a jurisprudência já pacificou seu entendimento sobre essa hipótese.

STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL AgRg no REsp 1352229 RS 2012/0233277-0 (STJ) Data de publicação: 06/03/2014.

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSUAL CIVIL. EXCLUSÃO DE LITISCONSORTE. RECURSO DE APELAÇÃO. NÃO CABIMENTO. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. INAPLICABILIDADE. PRECEDENTES. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83/STJ. 1. É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que o ato judicial que exclui litisconsorte não põe termo ao processo em sua inteireza, mas somente em relação a uma das partes e, por isso mesmo, o recurso cabível é o agravo, não sendo aplicável o princípio da fungibilidade em caso de interposição de apelação. Incidência da Súmula 83/STJ. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.

Encontrado em: 06/03/2014 - 6/3/2014 AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSOESPECIAL AgRg no REsp 1352229 RS 2012/0233277-0 (STJ) Ministro OG FERNANDES

STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL AgRg no AgRg no AREsp 616226 RJ 2014/0308741-7 (STJ). Data de publicação: 21/05/2015

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EXCLUSÃO DE LITISCONSORTE DA LIDE. RECURSO CABÍVEL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. INAPLICÁVEL. ACÓRDÃO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO IMPROVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte possui entendimento de que a decisão que exclui litisconsorte na demanda possui natureza interlocutória e que, portanto, o recurso cabível é o agravo de instrumento e não a apelação, sendo inaplicável o princípio da fungibilidade. Precedentes. 2. O principio da fungibilidade incide quando preenchidos os seguintes requisitos: a) dúvida objetiva quanto ao recurso a ser interposto; b) inexistência de erro grosseiro; e c) que o recurso interposto erroneamente tenha sido apresentado no prazo daquele que seria o correto. A ausência de quaisquer desses pressupostos impossibilita a incidência do princípio em questão. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.

Encontrado em: REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL AgRg no AgRg no AREsp 616226 RJ 2014/0308741-7 (STJ) Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE.

Por último, o terceiro grupo é o mais raro, mas ocorre quando o pronunciamento judicial, por um lapso, decide questão incidente sem por fim ao processo como sentença, quando deve ser decisão interlocutória. Aqui, importa para os sistemas em que a forma do ato é utilizada para classificar o ato, de maneira que o erro do juiz se torna irrelevante.

No que tange à inexistência de erro grosseiro na interposição de recurso podemos apontar os seguintes exemplos.

O de agravar da sentença que indefere a petição inicial, pois o art. 485, I e o § 7º falam textualmente que se trata de apelação.

Ou ainda o de agravar-se da sentença que julga a ação de liquidação de sentença (CPC, art. 509). De fato, o novo CPC não definiu qual pronunciamento ocorre com o término da fase de liquidação, passando-se ao cumprimento de sentença.

Outra hipótese é de agravar-se da sentença proferida em procedimento de interdição (CPC, art. 755, § 3º).

Por fim, a hipótese de agravar-se da sentença que julga ação de busca e apreensão (DL 911/69, art. 3º, § 5º).

Mas registre-se que a hipótese de agravar da sentença que julgava pedido de assistência judiciária, conforme o artigo 17 da Lei nº 1.060 (revogada), agora não há mais, tendo em vista que o artigo 101 do novo CPC corrigiu o problema. Veja-se:

Art. 101. Contra a decisão que indeferir a gratuidade ou a que acolher pedido de sua revogação caberá agravo de instrumento, exceto quando a questão for resolvida na sentença, contra a qual caberá apelação.

Da mesma forma, não haverá o erro grosseiro nos casos de incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.

Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.

No tocante ao julgamento conforme o estado do processo, que consta da extinção do processo, caberá o seguinte:

Art. 354. Ocorrendo qualquer das hipóteses previstas nos arts. 485 e 487, incisos II e III, o juiz proferirá sentença.

Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput pode dizer respeito a apenas parcela do processo, caso em que será impugnável por agravo de instrumento.

Outro caso em que dificilmente ocorrerá erro grosseiro é do julgamento antecipado parcial do mérito, pois a decisão decorrente desse julgamento é atacável por agravo de instrumento:

Art. 356. O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles:

I - mostrar-se incontroverso;

II - estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355.

(...)

§ 5o A decisão proferida com base neste artigo é impugnável por agravo de instrumento.

Outras hipóteses foram corrigidas como as de agravar de instrumento das decisões proferidas em audiência, da qual cabia agravo retido (CPC, art.523, § 4º). Ou a hipótese de agravar na forma retida da decisão que indeferia a apelação (CPC, art. 523, § 4º, in fine), pois não há mais agravo retido.

Com a novidade trazida pelo CPC de 2015, podem-se imaginar novas situações que vão gerar dúvida objetiva quanto ao recurso cabível. Principalmente, porque está em aberto a funcionalidade (operabilidade) do novo CPC.

Isso poderá acontecer no tocante à divergência da doutrina e/ou da jurisprudência relativa à classificação de determinados pronunciamentos judiciais e também quanto à adequação do respectivo recurso para atacá-los.

Em suma, essas são as principais hipóteses de incidência do erro grosseiro, do prazo adequado ao caso e da dúvida objetiva.

Diante de todo o exposto acima, podemos chegar às seguintes conclusões a respeito da aplicação do princípio da fungibilidade.

Esse princípio decorre do acesso à Justiça, visto que a intenção de recorrer (aspecto material) deve prevalecer sobre a forma. Decorre também do princípio da instrumentalidade das formas e da celeridade do processo.

Como fora previsto no Código de Processo Civil de 1939, o princípio já se apresentava com os requisitos da ausência de erro grosseiro e inexistência da má-fé.

Em outras palavras, seria aplicável nos casos em que há dúvida objetiva sobre qual recurso cabe de determinada decisão, quando não existir erro grosseiro e o prazo do recurso for o daquele cabível na hipótese.

Esses requisitos da ausência de erro grosseiro e inexistência da má-fé, na verdade, resumem-se na dúvida objetiva.

Por outro lado, as principais hipóteses de incidência podem ser examinadas segundo o critério elaborado por Nelson Nery Júnior, pelo qual a dúvida objetiva pode ser de três ordens: a) o código designa uma decisão interlocutória como se fosse sentença, ou vice-versa; b) a doutrina e/ou jurisprudência divergem quanto à classificação de determinados atos judiciais e, consequentemente, quanto à adequação do respectivo recurso para atacá-los; c) o juiz profere um pronunciamento em lugar de outro.

No tocante ao prazo, a doutrina apresenta controvérsia quanto ao fato de que o prazo deve ser o da via escolhida, inclusive quanto aos seus requisitos de admissibilidade e não da outra via que não foi utilizada, ainda que a cabível no caso. Mas a jurisprudência tem adotado a corrente do prazo menor, para afastar a chamada má-fé.

Em suma, o princípio da fungibilidade cada vez mais se aplica na atualidade, visto que o novo sistema sincrético tem levado à dúvida objetiva sobre qual o recurso cabível de determinada decisão, como consta da atual definição de sentença, ato que implica as situações dos artigos 485 e 487 do novo Código de Processo Civil.

BASTOS, Lucília Isabel Candini. Princípio da fungibilidade recursal. Âmbito Jurídico. Rio Grande – RS, n. 76, maio 2010. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/pdfsGerados/artigos/7822.pdf>. Acesso em: 04 fev. 2011.

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MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de Processo Civil Interpretado – artigo por artigo, parágrafo por parágrafo, 13 edição, Editora Manole, São Paulo, 2014.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Forense, São Paulo, 2004.

Sobre o autor
Carlos Augusto de Carvalho Filho

Doutor em Direito Civil pela USP – FDUSP; Mestre em Direito Civil pela USP – FDUSP; Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV-SP EDESP; Especialista em MBA Direito Bancário da FGV-RJ; Especialista em Direito Civil pela ESA - OAB-SP; Pós-graduado em Processo Civil pela PUC-SP; Ex-Monitor em Direito Romano na USP – FDUSP; Bacharel em Direito pela USP – FDUSP; Bacharelando em Filosofia na FFLCH-USP e na Anhanguera; Professor Universitário; Advogado; e Escritor.

Informações sobre o texto

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