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O planejamento familiar das pessoas com deficiência

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Agenda 31/07/2016 às 09:23

4.      FUNDAMENTOS JURÍDICOS DO PLANEJAMENTO FAMILIAR DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Inicialmente, cabe referir que a literatura nos traz, ao longo dos tempos, a sexualidade das pessoas com deficiência de duas formas: assexuada e hiperssexuada. No entanto, pesquisas científicas comprovam que a sexualidade de indivíduos com deficiência assemelha-se aos demais seres humanos, embora existam restrições, dependendo do contexto social no qual encontram-se inseridos.

Verifica-se, dessa forma, que, na realidade, a sociedade teme a reprodução das pessoas com deficiência por acreditar que a prole também será diagnosticada com alterações genéticas, receio esse que não se justifica. Isso porque, em que pese exista a possibilidade de reincidência de alguma anomalia genética, há, também, a probabilidade – que até pode ser maior, dependendo do contexto fático e da deficiência que se está analisando – do nascimento de filhos sem qualquer alteração.

Portanto, o principal desafio de proclamar o direito das pessoas com deficiência ao planejamento familiar consiste em provocar a ideologia da normalidade, pois, através da reprodução social, definem-se os padrões familiares. Apesar dos estigmas sociais existentes em torno da deficiência, todos têm assegurado o direito à concepção e à descendência, podendo exercê-los por meio do ato sexual ou da fertilização assistida, em caso de infertilidade (DINIZ, 2014).

Nesse sentido, o artigo 226, § 7° da Constituição Federal de 1988 estabelece que o planejamento familiar é livre decisão do casal, cabendo ao Estado somente propiciar os recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito.

Ademais, o artigo 2° da Lei n°. 7.853/89 estabelece que cabe ao Poder Público e aos seus órgãos assegurar o exercício dos direitos básicos às pessoas com deficiência, incluindo a promoção de ações preventivas, como as referentes ao planejamento familiar.

De acordo com a Constituição Federal, o planejamento familiar fundamenta-se nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável. A dignidade da pessoa humana é tida como fundamento da República Brasileira e, ao admiti-la como fundamento, o Constituinte quis afirmar que “toda a atividade estatal deve estar direcionada ao bem coletivo”, isto é, “o Estado deve servir as pessoas e não as pessoas servirem o Estado. Esta é a premissa fundamental de qualquer Estado Constitucional” (GARCIA; CARDOSO; ARAÚJO, 2003).

Bahia, Kobayashi e Araújo, em relação ao princípio da dignidade da pessoa humana, afirmam que:

Uma das grandes preocupações em relação à necessidade de efetivação da dignidade da pessoa humana e, consequentemente, da concretização do princípio da igualdade no seio social, diz respeito às minorias, as quais, seja em razão de apresentarem comportamento diferenciado daquele normalmente experimentado por uma determinada comunidade, seja em razão de não ostentarem as mesmas características físicas e psíquicas verificadas na maioria dos indivíduos, sofrem os mais diversos tipos de discriminação e de exclusão, sendo, inclusive, expungidas injustamente do benefício resultante do exercício de direitos que, ao menos em tese, se mostram pertencentes a qualquer cidadão (BAHIA; KOBAYASHI; ARAÚJO, 2003. p. 45).

Assim, no momento em que efetivado o princípio da dignidade da pessoa humana, perceber-se-á concretizado o princípio da igualdade, base de todas as garantias, privilégios e proteções previstas às pessoas com deficiência. A igualdade, enquanto norma constitucional, deve ser lida como a obrigatoriedade de tratamento isonômico a todos os cidadãos e a possibilidade de tratamentos diferenciados a pessoas ou grupos que, por sua qualidade diferencial ou desequilíbrio fático em relação ao resto da sociedade, necessitam de um tratamento diferenciado, justamente porque igualdade pressupõe o respeito e a preservação das diferenças individuais e grupais ou da diversidade que é inerente à natureza humana.

Seguindo a linha dos princípios constitucionais relacionados ao tema, Albuquerque (2013) refere que, ocasionalmente, há conflito entre o respeito ao princípio da autonomia da pessoa com deficiência e a obrigação do Estado de salvaguardá-las. Isso ocorre porque o estigma da loucura, proveniente da deficiência, acarreta a perda da autonomia dos indivíduos, fazendo com que seus discursos, bem como suas ações sejam percebidos como sintomas de sua deficiência.

Outrossim, durante um longo período, o Estado ou a família que geriam a vida privada da pessoa com deficiência, motivo pelo qual, atualmente, ainda se encontram muitas dificuldades em reconhecer-lhes a autonomia em suas decisões. Contudo, a limitação dessa autonomia apenas se justifica para sua autoproteção, ou seja, implica, necessariamente, a presença de um mal ou dano. Caso contrário, configurar-se-á violação da dignidade humana.

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Com o intuito de substancializar a proteção e promoção da autonomia das pessoas com deficiência, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, em seu artigo 3°, alínea “a”, destaca o princípio do “respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a independência das pessoas”. Não obstante, o Estatuto da Pessoa com Deficiência refere, em diversos dos seus artigos, que visa à autonomia e à independência dos indivíduos.

Dessa forma, conforme explanado acima, as pessoas com deficiência possuem direitos em condições de igualdade com as demais pessoas, motivo pelo qual tolher-lhes a autonomia de suas decisões e o direito ao planejamento familiar pelo fato de não se enquadrarem nos padrões de “normalidade”, não é justificável.

Por fim, em 2015, o Estatuto da Pessoa com Deficiência dispôs, em seu artigo 6°, que a deficiência não afeta a plena capacidade civil para exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar.

Dessa forma, verifica-se que o direito ao planejamento familiar, bem como à reprodução das pessoas com deficiência encontra-se previsto tanto na Constituição, expressamente ou por meio dos princípios constitucionais, quanto em legislações infraconstitucionais, motivo pelo qual pode-se afirmar que pessoas com deficiência têm assegurado tais direitos, nas mesmas condições que as demais pessoas.


5.      CONSIDERAÇÕES FINAIS

Atualmente, diante do ritmo alucinante de vida experimentado pelos indivíduos, ocasionado pelas exigências no âmbito econômico-social que assolam a sociedade, as minorias têm encontrado cada vez menos oportunidade de se inserir e interagir em sociedade. Dentre essas minorias encontram-se as pessoas com deficiência que, há muito, buscam seu reconhecimento como indivíduos que possuem diferenças inerentes à natureza humana.

Por um longo período histórico, as pessoas com deficiência eram excluídas do convívio social, sendo internadas em instituições assistencialistas para tratamento, motivo pelo qual seus direitos não lhe eram reconhecidos. Entretanto, a partir do Renascimento, quando estudos científicos passaram a justificar a origem das moléstias e das deficiências, iniciaram-se as proclamações dos primeiros direitos àqueles que se encontravam às margens da sociedade.

Em que pese os constantes progressos em relação ao reconhecimento das pessoas com deficiência, grande parte da sociedade – aquela que se encontra em ritmo alucinado visando à ascensão – é incapaz de conviver socialmente com pessoas que se encontram em um ritmo que não seja o seu.

Dessa forma, contata-se que, apesar das previsões legais que garantem condições de igualdade às pessoas com deficiência, essas percebem dificuldades em se enquadrar nos padrões estabelecidos pela sociedade. Tais dificuldades refletem-se nos mais variados setores da vida em sociedade, até mesmo em suas vidas privadas.

Como o objetivo geral desse texto estava centrado em analisar os fundamentos jurídicos que garantem o planejamento familiar às pessoas com deficiência, foram descritas breves notas acerca da ascensão histórica das pessoas com deficiência, sobretudo, em relação aos seus direitos adquiridos.

Nesse contexto, cabe ressaltar o Estatuto da Pessoa com Deficiência, que se trata de um marco nas conquistas sociais desses indivíduos, sendo que sua promulgação refletiu nas mais variadas legislações infraconstitucionais.

Diante da análise do problema proposto para este estudo – quais as bases legais que garantem o exercício do planejamento familiar às pessoas com deficiência, no sentido de que, a partir do princípio constitucional da igualdade, esses indivíduos possuem assegurados os seus direitos e deveres em condição de igualdade com as demais pessoas? – conclui-se que a hipótese inicial levantada para tal questionamento pode ser considerada verdadeira, na medida em que a Constituição Federal – seja através dos direitos, seja através dos princípios constitucionais – e o Estatuto da Pessoa com Deficiência asseguram o direito à reprodução e ao planejamento familiar, buscando a integração social das pessoas com deficiência.

Portanto, entende-se que o planejamento familiar possui previsão legal expressa. Contudo, para o seu exercício, é primordial que as pessoas com deficiência consigam satisfazer os deveres parentais, exercendo a paternidade responsável, da mesma forma que as demais pessoas.


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Sobre a autora
Fernanda Diehl

Formada em Direito no Centro Universitário Univates.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIEHL, Fernanda. O planejamento familiar das pessoas com deficiência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4778, 31 jul. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/50816. Acesso em: 5 nov. 2024.

Mais informações

Artigo selecionado e apresentado, em forma de pôster, no VIII Congresso do Mercosul de Direito de Família.

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