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O planejamento familiar das pessoas com deficiência

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31/07/2016 às 09:23
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Analisam-se os fundamentos jurídicos que asseguram o exercício do planejamento familiar a pessoas com deficiência.

1.      INTRODUÇÃO

De acordo com o Censo efetuado e publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, em 2010 (dois mil e dez), 23,9% (vinte e três inteiros e nove décimos por cento) dos brasileiros entrevistados – aproximadamente 45,6 (quarenta e cinco milhões e seiscentos mil) - declararam possuir alguma deficiência (IBGE, censo 2010).

Anomalias físicas ou mentais, deformações congênitas, amputações traumáticas, doenças graves e de consequências incapacitantes, sejam elas de natureza transitória sejam permanentes, são tão antigas quanto a própria humanidade (SANTOS, 2007). Por isso, diante da ascensão dos direitos das pessoas com deficiência, principalmente quanto à reprodução e à preservação de sua fertilidade, entende-se relevante discutir o seu planejamento familiar, na medida em que o Estatuto da Pessoa com Deficiência estabelece que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa para ter acesso a informações adequadas sobre a reprodução e planejamento familiar.

As pessoas com deficiência, conceituadas pela legislação como aquelas que possuem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, de regra, são consideradas “assexuadas”. A sexualidade desses indivíduos reveste-se de estereótipos diretamente vinculados à Idade Média, quando pessoas com deficiência eram consideradas como um anjo, um sujeito sem sexo, dotado de uma ingenuidade que não permitia o desenvolvimento de qualquer espécie de desejo.  

Nesse sentido, este artigo tem como objetivo geral analisar os fundamentos jurídicos que asseguram o planejamento familiar às pessoas com deficiência. O estudo discute como problema: quais as bases legais que garantem o exercício do planejamento familiar às pessoas com deficiência, no sentido de que, a partir do princípio constitucional da igualdade, esses indivíduos possuem assegurados os seus direitos e deveres em condição de igualdade com as demais pessoas?

Como hipótese para tal questionamento, entende-se que a Constituição Federal e o Estatuto da Pessoa com Deficiência asseguram o direito ao planejamento familiar, buscando efetivar a integração social das pessoas com deficiência. Contudo, tendo em vista o princípio da igualdade, ressalta-se que, para o seu efetivo exercício, faz-se necessário que essa pessoa possa satisfazer os deveres parentais e exercer a paternidade responsável, da mesma forma que pessoas sem deficiência.

A pesquisa, quanto à abordagem, será qualitativa, que tem como característica o aprofundamento no contexto estudado e a perspectiva interpretativa desses possíveis dados para a realidade, conforme esclarecem Mezzaroba e Monteiro (2008). Para obter a finalidade desejada pelo estudo, será empregado o método dedutivo, cuja operacionalização se dará por meio de procedimentos técnicos baseados na doutrina e na legislação, relacionados, inicialmente, à evolução histórica das pessoas com deficiência, passando pelas alterações legislativas decorrentes do Estatuto da Pessoa com Deficiência, para chegar ao ponto específico dos fundamentos jurídicos que asseguram o planejamento familiar às pessoas com deficiência.


2.      BREVES NOTAS ACERCA DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Objetivando compreender o processo de ascensão dos direitos das pessoas de deficiência, faz-se necessário um levantamento histórico acerca do que se pode chamar de “movimento inclusivo”, iniciado nos primórdios da civilização.

Apesar das sociedades primitivas possuírem uma convivência coletiva lastreada no princípio da solidariedade, pois conscientes de suas responsabilidades com os enfermos, os idosos, as crianças e os deficientes, no período anterior ao século XVI, o tratamento dos portadores de deficiência poderia ser compreendido de duas formas:

[...] de um lado temos, como conduta prevalente, o tratamento discriminatório reservado ao portador de deficiência. No outro extremo, e de incidência rara, a pessoa portadora de deficiência chega a ser considerada como uma bênção divina para o grupo social ao qual pertence (MELO, 2004, p. 27).

Entretanto, a imagem dos deficientes que prevaleceu no decorrer da história da humanidade era da deformação do corpo e da mente, ou seja, da imperfeição humana.

Na Idade Média, de acordo com Maranhão (2005), as pessoas com deficiência começaram a receber maior atenção, sendo criados hospitais e abrigos por senhores feudais e governantes, com a ajuda da igreja. Nesse mesmo período histórico, segundo o autor, com o surgimento do Cristianismo, as pessoas com alguma deficiência passaram a ser percebidas como humanas e aceitas como seres criados por Deus.

Em que pese as sociedades medievais tenham dado um importante passo no tocante ao tratamento daqueles que eram excluídos da sociedade, esse tratamento possuía cunho eminentemente assistencialista, representando, para Jannuzzi (2004), um custo para o sistema que, por sua vez, tinha o interesse no discurso da autonomia e da produtividade.

“A partir do Renascimento – entre o século XIV e XVI –, estudos científicos começam a buscar explicações mais concretas, com base na ciência e no conhecimento, dando novo rumo à situação das pessoas com deficiência” (KÖRBES, 2011, p. 17). Em suma, foi o aparecimento do denominado espírito científico, que substituiu o pensamento puramente filosófico, que incitou o surgimento dos primeiros direitos àqueles que viviam às margens da sociedade.

É importante mencionar, também, que no século XX, o extermínio nos campos de concentração de milhares de pessoas com deficiência, embasado na superioridade ariana apregoada por Adolf Hitler, veio a retroceder o que até então havia se conquistado no que se refere ao reconhecimento das pessoas com deficiência. Entretanto, no período pós-guerra, houve grande transformação, pois se propagou a ideia de habilitação e reabilitação dos mutilados de guerra, como heróis sobreviventes (SILVA, 1986).

A Revolução Francesa (1789-1799) e a Revolução Industrial (1760-1840), por sua vez, também foram dois grandes acontecimentos mundiais de suma importância, pois, através delas, a sociedade voltou sua atenção às dificuldades encontradas pela pessoa com deficiência. Foi com a inserção da máquina como instrumento de trabalho que se percebeu eclodir novas deficiências, isto é, as deficiências que antigamente tinham como causas “as guerras, desordens congênitas, acidentes domésticos (domésticos e trabalhos não industriais) e doenças de várias naturezas” (Alves, 1992, p. 28) passaram a ser ocasionadas pelos acidentes oriundos do ofício.

No Brasil, segundo Júnior (2010), o período de 1854 a 1956 foi marcado por iniciativas oficiais e particulares isoladas no sentido de fornecer atendimento escolar especial para os indivíduos com deficiência. Nesse sentido, criou-se o Imperial Instituto dos Meninos Cegos (atualmente, Instituto Benjamin Constant), pelo Imperador Dom Pedro II (1840-1889), por meio do Decreto Imperial n° 1.428, de 12 de Setembro de 1854.

Ademais, em 26 de setembro de 1857, o Imperador, apoiando as iniciativas do professor francês Hernest Huet, fundou o Imperial Instituto de Surdos Mudos (atualmente, Instituto Nacional de Educação e Surdos – INES). Esse Instituto passou a atender indivíduos surdos de todo o país, grande parte abandonados pelas famílias (JÚNIOR, 2010).

Conforme se verifica, o Estado brasileiro foi pioneiro, na América Latina, no atendimento às pessoas com deficiência. No entanto, durante o século XIX, apenas os cegos e surdos eram contemplados com ações para educação e, além disso, a oferta de atendimento concentrava-se na capital do Império. Nesse período, apenas a cegueira e a surdez foram as deficiências reconhecidas pelo Estado como possíveis de uma abordagem que visava superar as dificuldades que traziam. A deficiência intelectual, por sua vez, era considerada como uma forma de loucura e era tratada em hospícios.

Diante do déficit de ações concretas por parte do Estado em relação às demais deficiências, a sociedade civil criou organizações voltadas para assistência nas áreas de educação e saúde. Assim, surgiu, em 1954, a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE).

No que tange às Constituições, aquelas elaboradas ao longo do século XX passaram a incorporar em seus textos novos direitos, inspirados no ideário socialista emergente, tais como o direito ao trabalho, à saúde e à educação. Embora fossem proclamados esses direitos, os interesses das pessoas com deficiência continuavam sendo ignorados.

A partir de então, o maior progresso ocorreu com a atual Constituição Federal de 1988 que, conforme Rebelo (2008), buscou assegurar a igualdade de oportunidades, tendo por base o princípio da equidade de tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais, na medida de sua desigualdade, de forma a se assegurar a igualdade real. Foi a partir desse diploma constitucional que a pessoa com deficiência se viu protegida legalmente.

Em setembro de 2001, na Conferência Mundial contra o Racismo e a Discriminação Racial, a Xenofobia e as formas conexas de intolerância, realizada em Durban, na África do Sul, Gilberto Rincón Gallardo, presidente da delegação do México, propôs que a Conferência recomendasse à Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas) considerar a elaboração de uma Convenção Internacional para proteger os direitos das pessoas com deficiência. Após a resistência de vários países – principalmente os desenvolvidos – e o apoio de diversas instituições internacionais, a proposta do México foi aceita pela Assembleia Geral das Nações Unidas em dezembro de 2001 (JÚNIOR, 2010).

Assim, em 2008, o Brasil ratificou, por meio do Decreto Legislativo n° 186, de 9 de julho de 2008, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – homologada pela Assembleia das Nações Unidas em 13 de dezembro de 2006, em homenagem ao 58° aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos –, bem como seu Protocolo Facultativo. Promulgado pelo Decreto n° 6.949, de 25 de agosto de 2009 – data de início de sua vigência no plano interno –, o documento obteve equivalência de emenda constitucional (artigo 5°, §3º da Constituição Federal), e preza pela atuação conjunta entre o Estado e a sociedade civil.

Ademais, em 2015, o Estatuto da Pessoa com Deficiência – Lei n°. 13.146/15 –, embasado na Convenção e seu Protocolo Facultativo, inaugurando um sistema normativo inclusivo, que homenageia o princípio da dignidade da pessoa humana em diversos níveis, representa uma verdadeira conquista social.

Feitas estas breves considerações históricas acerca da pessoa com deficiência, passa-se à abordagem da ascensão de seus direitos diante das alterações legislativas decorrentes da Lei n°. 13.146/15.


3.      ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS DECORRENTES DO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

Em janeiro de 2016, entrou em vigor a Lei n°. 13.146/2015 – Estatuto da Pessoa com Deficiência –, embasada na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo. Através da mesma, percebe-se uma “verdadeira desconstrução ideológica (STOLZE, 2016, texto digital), que clama por adaptações hermenêuticas. Portanto, para compreender a repercussão da entrada em vigor da referida legislação, que ampliou os direitos das pessoas com deficiência, serão identificadas as principais alterações legislativas oriundas do Estatuto da Pessoa com Deficiência, que se relacionam diretamente ao planejamento familiar desses indivíduos.

3.1 CAPACIDADE CIVIL

Capacidade, de acordo com Fiuza (2016, p. 163), é a “aptidão inerente a cada pessoa para que possa ser sujeito ativo ou passivo de direitos e obrigações”. Para ser pessoa, basta que o ser humano exista, mas, para ser capaz, faz-se necessário satisfazer os requisitos para agir por si próprio (Diniz, 2003).

Segundo Coelho (2010), a capacidade é tida como regra geral. Portanto, para ser considerado incapaz, é necessária expressa previsão legal. Assim, inexistindo lei que suprima ou limite a capacidade, ela será plena, não se podendo exigir que a pessoa se faça acompanhar de um assistente ou se substitua por um representante.

Dessa forma, a diferença entre capazes e incapazes consiste na mediação dos atos e negócios jurídicos. Apenas os capazes poderão praticá-los imediatamente, enquanto que os incapazes os praticam por meio de seu representante ou com o auxílio de um assistente.

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De acordo com o Código Civil, consideram-se capazes os maiores de 18 anos e os emancipados – àqueles menores de 18 anos aos quais a Lei, os pais ou o juiz concedam capacidade. Esses possuem capacidade de direito e de fato, habilitando-os a exercer todos os atos da vida civil.

Os absolutamente incapazes, por sua vez, estão previstos no artigo 3° do Código Civil, que trata dos menores de 16 anos, também chamados menores impúberes. Conforme ensinamento de Fiuza (2016), antes das recentes alterações sofridas pelo Código Civil, com a promulgação da Lei n°. 13.146, em 2015, eram também consideradas como absolutamente incapazes as pessoas que, por enfermidade ou deficiência mental, não tivessem o discernimento necessário para a prática de atos da vida civil, bem como aqueles que, mesmo por causa transitória, não pudessem exprimir sua vontade.

No que se refere aos relativamente incapazes, esses estão previstos no artigo 4° do Código Civil, que assim dispõe:

Art. 4o  São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:

I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;

III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; 

IV - os pródigos.

Atualmente, a Lei n°. 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) substitui a ausência ou redução de discernimento pela impossibilidade de expressão da vontade como fato gerador de incapacidade, pois a deficiência consiste em um impedimento físico, mental ou sensorial duradouro e, não induz, em princípio, a incapacidade, mas sim a uma vulnerabilidade. No período anterior as alterações de 2015, os critérios para a fixação da incapacidade absoluta consistiam na idade, na ausência de discernimento e na impossibilidade total de expressão da vontade.

Dessa forma, as pessoas com deficiência, que antes eram consideradas absolutamente incapazes, tornam-se relativamente incapazes e passam a ser suscetíveis à interdição. Já àquelas pessoas com deficiência que eram consideradas relativamente incapazes por discernimento reduzido, atualmente, são tratadas como capazes para os atos da vida civil e direcionadas ao modelo da tomada de decisão apoiada.

A deficiência, portanto, não afeta a capacidade civil da pessoa para, inclusive, conservar sua fertilidade. Assim, no próximo item, será abordada a esterilização compulsória proveniente de ideias eugênicas que, atualmente, encontra-se expressamente vedada.

3.2 ESTERILIZAÇÃO COMPULSÓRIA E EUGENIA

A esterilização humana, realizada de forma artificial, consiste no ato de empregar técnicas especiais (cirúrgicas ou não), seja no homem, seja na mulher, com o intuito de impedir a fecundação (KIRMSER apud DINIZ, 2014). No que tange à eugenia, cujo termo significa “bem-nascido”, trata-se de um movimento, iniciado em 1883, que busca aprimorar geneticamente a raça humana.

Naquela oportunidade, sir Francis Galton, primo de Charles Darwin, estava convencido de que a hereditariedade dominava o talento e o caráter. Dessa forma, defendia-se que era necessário evitar a reprodução dos geneticamente desqualificados, defeituosos (SANDEL, 2015). Assim, deu-se a origem da esterilização eugênica, com a finalidade de “impedir a transmissão de moléstias hereditárias, evitando a prole inválida ou inútil” (DINIZ, 2014, p. 187).

Em que pese possuísse o objetivo de buscar o aprimoramento da raça humana, a eugenia sempre teve, também, o seu lado mais duro. Durante a Segunda Guerra Mundial, Adolf Hitler, quando conquistou o poder, em 1933, utilizando-se das ideias eugênicas, promulgou uma ampla lei de esterilização. Não obstante, nesse mesmo período, as ideias eugênicas disseminavam-se ao redor do mundo.

Em 1907, o Estado de Indiana adotou a primeira lei de esterilização compulsória para pacientes mentais, prisioneiros e miseráveis. Após, vinte e nove Estados americanos também acabaram adotando leis de esterilização compulsória e mais de 60 mil americanos geneticamente defeituosos foram esterilizados. Todavia, a eugenia de Hitler, passou a assassinato em massa e genocídio. Anos mais tarde, levando-se em conta as atrocidades cometidas pelos nazistas, houve o recuo do movimento eugenista e, a partir de então, caíram os números de esterilizações involuntárias (SANDEL, 2015).

No Brasil, em 1996, promulgou-se a Lei n°. 9.263, que tornou lícita a esterilização, mas apenas em situações específicas previstas em lei. No que se refere à esterilização de pessoas com deficiência, o referido diploma legal dispôs, em seu artigo 10, § 6° que: “a esterilização em pessoas absolutamente incapazes somente poderá ocorrer mediante autorização judicial, regulamentada na forma da Lei” – lei essa que nunca existiu no ordenamento jurídico pátrio.

Ocorre que, para que a prática da esterilização não configure crime de lesão corporal, impõe-se a presença do consentimento informado do paciente. Entretanto, o consentimento, para ser juridicamente válido, deve ser proferido por pessoa não absolutamente incapaz e, naquela época, a pessoa com deficiência era tratada, juridicamente, como absoluta ou relativamente incapaz. Dessa forma, familiares ou representantes legais ingressavam com ações no Poder Judiciário visando à autorização judicial para esterilização daqueles (ALBUQUERQUE, 2013).

Apesar de não existir, no ordenamento jurídico brasileiro, hipótese de esterilização compulsória, ou seja, nenhuma pessoa pode ser obrigada a ser submetida à esterilização, na prática, isso ocorria, pois os pedidos de esterilização formulados por familiares ou responsáveis legais não observavam e, muitas vezes, eram contrários a vontade da pessoa com deficiência, configurando, assim, violação do princípio da dignidade humana.

Entretanto, através do Estatuto da Pessoa com Deficiência, percebe-se que essa realidade foi alterada, tendo em vista a vedação expressa, em seu artigo 6°, da esterilização compulsória. Outrossim, o referido diploma legal assegura às pessoas com deficiência o direito à reprodução e ao planejamento familiar, que serão estudados a seguir.

3.3. DIREITO À REPRODUÇÃO E AO PLANEJAMENTO FAMILIAR

A primeira formulação clara da ideia de direitos reprodutivos e sexuais ocorreu na Conferência Mundial sobre População e Desenvolvimento, convocada pela ONU (Organização das Nações Unidas) e realizada em Cairo, no Egito, em 1994. Após, em 1995, na Conferência Internacional de Beijing, a formulação foi confirmada, com o seguinte teor:

Os direitos reprodutivos incluem certos direitos humanos que já estão reconhecidos nas leis nacionais, nos documentos internacionais sobre os direitos humanos e em outros documentos pertinentes nas Nações Unidas, aprovados por consenso. Esses direitos firmam-se no reconhecimento do direito básico de todos os casais e indivíduos a decidir livre e responsavelmente o número de filhos, o espaçamento dos nascimentos e o intervalo entre eles, e a dispor da informação e dos meios para tanto e o direito a alcançar o nível mais elevado de saúde sexual e reprodutiva (...) A promoção do exercício responsável destes direitos de todos deve ser a base principal das políticas e programas estatais e comunitários na esfera da saúde reprodutiva, incluindo o planejamento familiar (MINAHIM apud DINIZ, 2014, p. 177).

Outrossim, através da Declaração de Direitos do Deficiente Mental da Convenção de Guatemala e, posteriormente, da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada pelo governo brasileiro a título de emenda constitucional, tutelou-se, especificamente, o direito à reprodução e ao planejamento familiar das pessoas com deficiência. Em 2015, com a promulgação do Estatuto da Pessoa com Deficiência – Lei n°. 13.146/15 – esses direitos foram novamente ratificados.

Da mesma forma que os demais direitos, o exercício dos direitos reprodutivos também impõe obrigações, na medida em que os casais e os indivíduos devem considerar, sobretudo, as necessidades de seus filhos e seus deveres para com a comunidade. Portanto, os direitos reprodutivos não são absolutos, tendo os direitos da prole e o bem comum como seus limites (DINIZ, 2014).

Ou seja, não há o que se falar em liberdade procriadora exercida de qualquer maneira, mas sim de uma liberdade responsável. Assim, o planejamento familiar responsável trata-se de um direito reprodutivo, um direito humano básico reconhecido pela ONU (Organização das Nações Unidas), na Resolução de 1968, e pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, § 7°, “sendo, com base nos princípios do respeito à dignidade humana e da paternidade responsável, um paradigma da política populacional” (DINIZ, 2014, p. 178).

A seguir, será feita uma sucinta análise das bases legais que asseguram o planejamento familiar das pessoas com deficiência, a fim de identificá-las e relacioná-las com os princípios constitucionais.

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Sobre a autora
Fernanda Diehl

Formada em Direito no Centro Universitário Univates.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIEHL, Fernanda. O planejamento familiar das pessoas com deficiência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4778, 31 jul. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/50816. Acesso em: 2 nov. 2024.

Mais informações

Artigo selecionado e apresentado, em forma de pôster, no VIII Congresso do Mercosul de Direito de Família.

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