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OS DANOS MORAIS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO

Á luz da jurisprudência do STJ

Agenda 26/07/2016 às 09:27

O presente artigo trata da possibilidade de incidência dos danos morais nas relações de consumo, conforme jurisprudência do STJ

  1. INTRODUÇÃO

Com base no princípio do Protecionismo ao Consumidor, da Hipossuficiência deste, e da Reparação Integral dos danos, o regramento fundamental do direito consumerista é a reparação integral dos danos, o que assegura aos consumidores a prevenção e reparação de todos os danos suportados, quer sejam eles materiais ou morais, individuais, coletivos ou difusos.

Se houver danos materiais, quer sejam na modalidade de  danos emergentes ou de lucros cessantes, o consumidor terá direito à reparação integral de suas perdas; da mesma forma, se houver danos morais, terá o consumidor direito à reparação por estes, quais sejam, aqueles que atingem seu direito de personalidade.

É válido lembrar a redação da súmula 37 do STJ, que admite a cumulação, na mesma ação, de pedido de reparação por danos materiais e morais, súmula esta que tem plena aplicação ao direito do consumidor.

  1. BREVE HISTÓRICO E FUNDAMENTO DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS

No passado, o dano moral não era indenizável no Brasil, não importando qual fosse sua causa; após, o dano moral passou a ser indenizável somente quando houvesse, simultaneamente ao dano moral, dano material calculável; somente com a Constituição da República de 1988, que previu explicitamente a reparação do dano moral, acabaram as lacunas que havia até então.

O dano moral encontra respaldo na Constituição Federal, em seu art. 5º, incisos V e X, conforme lê-se:

“Art. 5º, V: é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem.

(...)

X- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”

O Código de Defesa do Consumidor também faz referência ao dano moral no art. 6º, VI:

“São direitos básicos do consumidor: a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.”

  1. CONCEITO

O dano moral passou a ser definido, jurisprudencial e doutrinariamente, como o dano extrapatrimonial, isto é, o dano que atinge a vítima em seus direitos não-patrimoniais, sendo porém sua reparação, patrimonial.

Diferentemente do dano material, cujo ressarcimento restaura o estado quo ante, o dano moral não pode ser ressarcido, pois é impossível restaurar o estado quo ante daquele que o sofreu. A reparação pelo dano moral é, portanto, definida como compensatória, e não como ressarcimento.

No caso de morte por acidente de consumo, por exemplo, o STJ consolidou o entendimento de que a indenização tem natureza extrapatrimonial, pois origina-se no sofrimento e no trauma dos familiares próximos da vítima.

 Os danos morais podem ser individuais, coletivos, e ainda, difusos. Eles são individuais quanto suportados por um único indivíduo; são coletivos quanto atingem, ao mesmo tempo, vários direitos de personalidade de pessoas determinadas, e a indenização deve ser destinada a tais pessoas, vítimas reais de um evento.

O STJ tem sido pioneiro quanto se trata de danos morais nas relações de consumo, e é da Terceira Turma do referido tribunal o principal julgado que admitiu a reparação dos danos morais coletivos, no conhecido caso das pílulas de farinha. O Tribunal entendeu como cabíveis as indenizações às mulheres que tomaram as citadas pílulas anticoncepcionais e vieram a engravidar.

Segue a ementa do julgado:

 

“Civil e processo civil. Recurso especial. Ação civil pública proposta pelo PROCON e pelo Estado de São Paulo. Anticoncepcional Microvlar. Acontecimentos que se notabilizaram como o "caso das pílulas de farinha". Cartelas de comprimidos sem princípio ativo, utilizadas para teste de maquinário, que acabaram atingindo consumidoras e não impediram a gravidez indesejada. Pedido de condenação genérica, permitindo futura liquidação individual por parte das consumidoras lesadas. Discussão vinculada à necessidade de respeito à segurança do consumidor, ao direito de informação e à compensação pelos danos morais sofridos.

- Nos termos de precedentes, associações possuem legitimidade ativa para propositura de ação relativa a direitos individuais homogêneos.

- Como o mesmo fato pode ensejar ofensa tanto a direitos difusos, quanto a coletivos e individuais, dependendo apenas da ótica com que se examina a questão, não há qualquer estranheza em se ter uma ação civil pública concomitante com ações individuais, quando perfeitamente delimitadas as matérias cognitivas em cada hipótese.

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- A ação civil pública demanda atividade probatória congruente com a discussão que ela veicula; na presente hipótese, analisou-se a colocação ou não das consumidoras em risco e responsabilidade decorrente do desrespeito ao dever de informação.

- Quanto às circunstâncias que envolvem a hipótese, o TJ/SP entendeu que não houve descarte eficaz do produto-teste, de forma que a empresa permitiu, de algum modo, que tais pílulas atingissem as consumidoras. Quanto a esse "modo", verificou-se que a empresa não mantinha o mínimo controle sobre pelo menos quatro aspectos essenciais de sua atividade produtiva, quais sejam: a) sobre os funcionários, pois a estes era permitido entrar e sair da fábrica com o que bem entendessem; b) sobre o setor de descarga de produtos usados e/ou inservíveis, pois há depoimentos no sentido de que era possível encontrar medicamentos no "lixão" da empresa; c) sobre o transporte dos resíduos; e d) sobre a incineração dos resíduos. E isso acontecia no mesmo instante em que a empresa se dedicava a manufaturar produto com potencialidade extremamente lesiva aos consumidores.

- Em nada socorre a empresa, assim, a alegação de que, até hoje, não foi possível verificar exatamente de que forma as pílulas-teste chegaram às mãos das consumidoras. O panorama fático adotado pelo acórdão recorrido mostra que tal demonstração talvez seja mesmo impossível, porque eram tantos e tão graves os erros e descuidos na linha de produção e descarte de medicamentos, que não seria hipótese infundada afirmar-se que os placebos atingiram as consumidoras de diversas formas ao mesmo tempo.

- A responsabilidade da fornecedora não está condicionada à introdução consciente e voluntária do produto lesivo no mercado consumidor. Tal ideia fomentaria uma terrível discrepância entre o nível dos riscos assumidos pela empresa em sua atividade comercial e o padrão de cuidados que a fornecedora deve ser obrigada a manter. Na hipótese, o objeto da lide é delimitar a responsabilidade da empresa quanto à falta de cuidados eficazes para garantir que, uma vez tendo produzido manufatura perigosa, tal produto fosse afastado das consumidoras.

- A alegada culpa exclusiva dos farmacêuticos na comercialização dos placebos parte de premissa fática que é inadmissível e que, de qualquer modo, não teria o alcance desejado no sentido de excluir totalmente a responsabilidade do fornecedor.

- A empresa fornecedora descumpre o dever de informação quando deixa de divulgar, imediatamente, notícia sobre riscos envolvendo seu produto, em face de juízo de valor a respeito da conveniência, para sua própria imagem, da divulgação ou não do problema, Ocorreu, no caso, uma curiosa inversão da relação entre interesses das consumidoras e interesses da fornecedora: esta alega ser lícito causar danos por falta, ou seja, permitir que as consumidoras sejam lesionadas na hipótese de existir uma pretensa dúvida sobre um risco real que posteriormente se concretiza, e não ser lícito agir por excesso, ou seja, tomar medidas de precaução ao primeiro sinal de risco.

- O dever de compensar danos morais, na hipótese, não fica afastado com a alegação de que a gravidez resultante da ineficácia do anticoncepcional trouxe, necessariamente, sentimentos positivos pelo surgimento de uma nova vida, porque o objeto dos autos não é discutir o dom da maternidade. Ao contrário, o produto em questão é um anticoncepcional, cuja única utilidade é a de evitar uma gravidez. A mulher que toma tal medicamento tem a intenção de utilizá-lo como meio a possibilitar sua escolha quanto ao momento de ter filhos, e a falha do remédio, ao frustrar a opção da mulher, dá ensejo à obrigação de compensação pelos danos morais, em liquidação posterior.

Recurso especial não conhecido”. (STJ – Resp 866.636/SP – Terceira Turma – Rel. Min. Nancy Andrighi – j. 29.11.2007 – DJ 06.12.2007, p. 312)

 

A terceira modalidade, o dano moral difuso é compreendido como aquele que traz dano sociais. Conforme as lições de Antônio Junqueira de Oliveira, os danos difusos “são lesões à sociedade, no seu nível de vida, tanto por rebaixamento de seu patrimônio moral – principalmente a respeito da segurança – quanto por diminuição na qualidade de vida”. São prejuízos que podem causar repercussões materiais ou morais decorrentes de condutas socialmente reprováveis e envolvem situações em que as vítimas são indeterminadas, previsto no art. 81, parágrafo púnico, inc. I do CDC, segundo o qual são interesses ou direitos difusos os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas, ligadas por circunstancias de fato. Como neste caso não é possível identificar as vítimas, a indenização deve ser destinadas para um fundo de proteção, ou mesmo para uma instituição de caridade, a critério do juiz.

Como exemplo de indenização por danos morais difusos, temos o caso da AMIL, que no ano de 2013, foi condenada pelo TJ de São Paulo a pagar uma indenização de R$ 1.000.000,00 a título de danos sociais, valor destinado ao Hospital das Clínicas de São Paulo, por conta de reiteradas negativas de coberturas médicas notoriamente praticadas por tal operadora de planos de saúde.

  1. QUANTIFICAÇÃO DO DANO MORAL

É importante ressaltar que não são todas as lesões que caracterizam a indenização por dano moral. O Superior Tribunal de Justiça  afirmou que “o mero aborrecimento, dissabor, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral.” (STJ, REsp. 303.396, Rel. Min. Barros Monteiro, 4ªT., j. 05/110/2002). É preciso que haja este limite para que a justiça não fique inchada e obesa com casos que não justifiquem a mobilização do aparelho estatal, demandando tempo e dinheiro público com questões tolas. A identificação dos casos irrelevantes e dos casos graves fica a cargo da jurisprudência, da doutrina, e do poder discricionário do juiz no caso concreto.

Neste sentido, há importantes julgados do STJ:

“No âmbito dos danos à pessoa, comumente incluídos no conceito de dano moral, estão a dor sofrida em consequência do acidente, a perda de um projeto de vida, a  diminuição no âmbito das relações sociais, a limitação das potencialidades do indivíduo, a perdre de jouissance de vie”, tudo elevado a um grau superlativo quanto o desastre se abate sobre a pessoa com a gravidade que a fotografia de fl. 13 revela.” (STJ, REsp. 164.126, Rel . Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4ª T., j. 20/08/1998, p. DJ 23/11/2005).

“O soar de alarme anti-furto em estabelecimento comercial de grande porte, chamando a atenção e todos para o cliente que portava mercadorias adquiridas, uma das quais continha etiqueta equivocadamente não destacada no caixa, acarreta dano de ordem moral e o dever de pagar pela indenização respectiva, que deve, por outro lado, ser fixada com moderação, a fim de evitar enriquecimento sem causa.” (STJ, REsp. 552.381, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, 4º T., j. 28/09/2004, p. DJ 27/06/2005).

As soluções em relação ao dano moral dependem fundamentalmente das circunstancias, os contextos são importantes para diferenciar os casos, e os julgadores devem estar muito atentos a eles. Há casos considerados gravíssimos, reconhecidos pela jurisprudência do STJ, como aqueles em que a operadora de saúde se recusa a cobrir internação de emergência em virtude de patologia aguda, ou o caso do aquecedor que, em virtude do mau-funcionamento, causa incêndio em residência da ensejo à indenização por danos morais no valor de 300 salários mínimos.

A quantificação do dano moral não é tarefa simples, e o magistrado deve estar atento à realidade de vida e às peculiaridades de cada caso; fica a cargo da jurisprudência, principalmente do STJ, fixar padrões  a fim de evitar injustiças. O STJ, cumprindo a importante função de uniformizar a jurisprudência no Brasil, define critérios de razoabilidade, sem prejuízo das especificidades de cada caso.

Por mais que não seja possível ao STJ a revisão de matéria fática já discutida na instância ordinária, essa máxima foi flexibilizada no que tange à indenização por danos morais, pois o STJ aceita rever os valores fixados nas instancias inferiores quando os mesmos forem irracionais: ou muito baixos, ou muito elevados. Neste sentido é o trecho do julgado do STJ:

“(...)o valor da condenação por danos mais pode ser revisto quando exorbitante, abusivo, ou mesmo insignificante, irrisório (...)” (STJ, REsp. 438.696, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 3ª T. j., 18/03/2003, p. DJ 19/05/2003).

Como exemplo, há o caso em que o Superior Tribunal de Justiça elevou o valor da indenização fixada para o caso de morte de filho provocada por erro médico, que era de R$12.000,00, e aumentou para R$72.000,00.

Nesta linha, seguem os julgados:

“Responsabilidade civil. SERASA. Dano moral. Indenização. É irrisória a quantia de R$1.559,00 estipulada para reparar dano moral decorrente de inscrição, na SERASA, do nome do autor, executivo e administrador de empresas, que percebia salário de R$10.000,00, por dívida que não era sua. Considerando as condições das partes e a importância que para o autor tem o bom conceito na praça, eleva-se a verba indenizatória para R$ 20.000,00”.  (STJ, REsp 302.022, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4ªT. j., 21/08/2001, p. DJ 04/02/02).

“(...)admitida no caso a indenização e restrito o recurso à redução do quantum indenizatório, defere-se nesse sentido o apelo manifestado, em face de suas peculiaridades.” (STJ, REsp. 468.377, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4ª T., j. 06/05/2003, p. DJ. 23/06/2003).

Em, regra, a jurisprudência afirma que deve ser levada em conta a condição econômica do agressor no momento da fixação dos valores da indenização por danos morais, valendo-se o STJ da condição econômica do agressor para aumentar o quantum da indenização. É considerada também a condição econômica do agredido: quanto mais humilde, maior a possibilidade de aumento do valor da indenização. O magistrado deve ter atenção especial neste caso, a fim de evitar estabelecer indenizações irrisórias quando o ofendido for pessoa humilde, com parco patrimônio.

  1. O ASPECTO PEDAGÓGICO DO DANO MORAL

A indenização por dano moral tem dúplice função, quais sejam: de um lado, compensar a vítima pelo dano sofrido e, de outro, punir o agressor. Esta última é também conhecida como função pedagógica, ou inibidora, admitida a fim de evitar condutas semelhantes no futuro. Ela contribui para desestimular o ofensor a repetir o ato danoso, inibindo sua conduta.

“O valor do dano moral tem sido enfrentado no STJ com o escopo de atender a sua dupla função: reparar o dano, buscando minimizar a dor da vítima, e punir o ofensor para que não reincida.” (STJ. REsp. 550.317, Rel. Min. Eliana Calmon, 2ª T., j. 07/12/2004, p. DJ 13/06/2005).

O sentido pedagógico tem sido reforçado em diferentes julgados:

Responsabilidade Civil. Dano moral. Indenização. O dano moral deve ser indenizado mediante a consideração das condições pessoais do ofendido e do ofensor, da intensidade do dolo ou grau de culpa e da gravidade dos efeitos, a fim de que o resultado não seja insignificante, es estimular a prática do ato ilícito, nem o enriquecimento sem causa da vítima.” (STJ, REsp. 207.392. Rel. Min. Ruy Rosado Aguiar, 4ªT. j. 01/06/1999, p. DJ 08/03/2000).

As decisões do STJ tem sido, de modo reiterado, no sentido de arbitrar valores equilibrados, capazes de inibir a repetição do ilícito por parte do ofensor, e também de compensar o ofendido sem ocasionar seu enriquecimento sem causa.

  1. CONCLUSÃO

 

O Superior Tribunal de Justiça tem sido, ao longo dos anos, fundamental na tarefa de uniformização da jurisprudência relativa à aplicação de indenização por danos morais no direito consumerista.

 

Seus julgados tem caminhado, via de regra, lado a lado com a mais refinada doutrina, o que possibilita aos magistrados e demais operadores do direito o preenchimento de diversas lacunas que outrora havia na seara em questão. Diversos são os entendimentos do STJ já cristalizados na prática e no dia-a-dia dos tribunais de justiça brasileiros, os quais facilitam a prestação jurisdicional, e homenageiam os princípios da celeridade e economia processual.

 

Por ser dinâmico e dialogar com as metamorfoses sociais, o direito do consumidor surge com novas demandas diariamente,  demandas tais que, não raro, geram dúvidas e incertezas aos magistrados, doutrinadores e juristas. Para fazer face a tais mudanças sociais, o STJ tem sido primordial na tarefa de estabelecer entendimentos equilibrados, equânimes e coerentes, que façam jus à nobre tarefa que tem uniformizar a jurisprudência, mantendo como pilares os princípios e fundamentos do Direito do Consumidor.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito do Consumidor : direito material e processual / Flávio Tartuce, Daniel Amorim Assumpção Neves.- 3. Ed. – Rio de Janeiro: Forense: São Paulo: MÉTODO, 2014.

BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Manual de Direito do consumidor: à luz da jurisprudência do STJ/Felipe Peixoto Braga Netto. – Salvador :  Edições Juspodvm, 2013.

 

Sobre a autora
Ana Paula Fagundes Diniz

Acadêmica do 10º período de Direito na Universidade Federal do Maranhão.

Informações sobre o texto

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