Uma das preocupações que o Magistrado costuma enfrentar na sua carreira é o eventual conflito negativo de competência, baseado na interpretação do artigo 132 do CPC, normalmente suscitado entre o Juiz titular e seu substituto e entre o Juiz removido e aquele que assumiu a titularidade do novo Juízo.
A questão, embora antiga, era até recentemente por demais tormentosa.
A meu ver, o princípio consagrado na norma contida no art. 132 do CPC vincula apenas o Juiz que conclui a instrução por estar melhor habilitado a apreciar as provas que tomou do ponto de vista do seu valor ou de sua eficácia em relação aos demais pontos debatidos.
Por vezes, a confusão que se tem decorre, a que tudo indica, da antiga redação do art. 132 que utilizava a expressão "iniciar a audiência", dando-lhe uma interpretação literal, a despeito de, em sede doutrinária e jurisprudencial, o entendimento se haver firmado de que a norma deveria ser interpretada em harmonia com a finalidade do instituto, somente se aplicando a regra se o Juiz houvesse colhido provas em audiência.
Com a alteração introduzida pela Lei 8.637, de 31/03/93, dúvida não mais subsiste, isso porque o legislador pátrio emprega agora a expressão "concluir a audiência". Concluir a audiência significa concluir a instrução e encerrar os debates. Quem concluir a instrução e encerrar os debates deve proferir sentença, julgando a lide, salvo tenha sido convocado, licenciado, afastado, promovido ou aposentado, hipótese em que deve passar os autos ao seu sucessor.
O termo "transferido" também foi retirado do texto processual, diante da nova redação dada pela Lei 8.637/93, o que excluiria por si só o Juiz removido da excepcionalidade da regra, mas a despeito de meu singelo entendimento, as decisões mais recentes de nosso Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro vem dando interpretação extensiva ao termo "afastado" para distanciar do julgamento do feito o Juiz que colheu a prova, consoante as decisões que se seguem, decisões estas hoje prevalentes:
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. Restará vinculado para prolatar sentença o Magistrado que concluir a audiência instrutória, salvo as exceções contidas no art. 132 do CPC, dentre as quais se enquadra a remoção, que vem a ser o afastamento em caráter definitivo. Declara-se, pois, a competência do Juizo Suscitante. (TJ/RJ, CC 2003.008.00334, 11ª.CC, REL.CLAUDIO DE MELLO TAVARES, julg. 26/11/2003).
"CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUIZ REMOVIDO. COMPETÊNCIA DO JUIZ SUSCITANTE. INTELIGÊNCIA DO ART. 132 DO CPC. Estará vinculado para prolatar sentença o Juiz que concluir a audiência, salvo as exceções do art. 132 do Código de Processo Civil. Deve-se entender "por qualquer motivo" todo e qualquer afastamento definitivo do magistrado que procedeu a instrução. Firma-se a competência do Juiz suscitante " (TJ/RJ, CC 2003.008.00119, 7ª.CC, REL. DES. RICARDO CARDOSO, Julg. 08/07/2003).
Contudo, a respeito do tema debatido, a questão, como já disse, não era pacífica, conforme se verifica das decisões que se seguem:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. SENTENÇA PROLATADA POR MAGISTRADO QUE NÃO CONCLUIRA A INSTRUÇÃO NEM PRESIDIRA A AUDIÊNCIA. HIPÓTESE DE SIMPLES REMOÇÃO DA JUÍZA ANTERIOR QUE NÃO A AFASTAVA DA VINCULAÇÃO AO FEITO. LIÇÃO DO S T J SOBRE O THEMA. NULIDADE DO DECISUM QUE SE IMPÕE (TJ/RJ, 1ª CC, Apel 2002.001.03901, Rel. Des. Benito Ferolla, Julg. 21/05/02).
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. VINCULAÇÃO DO JUIZ AO JULGAMENTO. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA. CONCLUSÃO DA AUDIÊNCIA ONDE COLHIDA PROVA ORAL. IRRELEVÂNCIA DA REMOÇÃO DO MAGISTRADO, PRINCIPALMENTE SE REALIZADA PARA OUTRA VARA DA MESMA COMARCA, PARA AFASTAR A VINCULAÇÃO, INCUMBINDO-LHE A PROLAÇÃO DA SENTENÇA. APLICAÇÃO DO ART. 132 DO CPC. PROVIMENTO DO AGRAVO. (TJ/RJ, 3ª CC, AI 2000.002.07991, Rel. Des. Luiz Fernando de Carvalho, Julg. 19/12/2000) AUTOS. INTELIGÊNCIA DO ART. 132, CAPUT, DO CPC. ACOLHIMENTO DA PRELIMINAR DE APELAÇÃO PARA ANULAR A SENTENÇA, DEVENDO OUTRA SER PROLATADA PELA MMª. JUÍZA VINCULADA (TJ/RJ, 8ª CC, Apel 2001.001.29012, Rel. Des. Ronaldo Rocha Passos, Julg. 18/06/02)
Assim, com a preponderância da nova interpretação surgida, mais uma vez se tem a aplaudir a modificação da jurisprudência dominante do nosso próprio Tribunal de Justiça, fato este que dificilmente aconteceria fosse aplicada a temerosa "súmula vinculante" em detrimento da independência dos nossos Julgadores.