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Proventos depositados erroneamente a servidor público e sua restituição: interpretação conforme o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça

Agenda 28/07/2016 às 20:41

Este breve estudo aborda a decisão do STJ no REsp 1387971 DF 2013/0184278-9 acerca de proventos depositados erroneamente a servidores públicos e sua restituição. Ademais, aborda de maneira esmiuçada os pormenores e reflexos do tema.

RESUMO

Este breve estudo aborda a decisão do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1387971 DF 2013/0184278-9 acerca de proventos depositados erroneamente a servidores públicos e sua restituição.  Ademais, aborda de maneira esmiuçada os pormenores e reflexos do tema.  E, por fim, relata também, a discussão acerca dos herdeiros e a restituição a Administração Pública quanto ao recebimento de proventos indevidamente.  

Palavras-chave: REsp 1387971 DF 2013/0184278-9. Proventos pagos a servidores indevidamente. Restituição de proventos recebidos indevidamente. Restituição de proventos indevidos recebido pelos herdeiros.
 
           SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Breves considerações iniciais. 3. Previsão legal da obrigação de restituir. 4. Da não diferenciação das espécies de erro. 5. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça (antes do julgamento do REsp  1387971 DF 2013/0184278. 6. Recebimento de valor indevido por servidor público com decisão administrativa revogada posteriormente. 7. Tribunal de Contas da União e seu entendimento acerca do assunto. 8. Recebimento de valores indevidos em decorrência de erro operacional. 9. Herdeiros de servidores e o recebimento de valores da Administração Pública. 10. REsp 1387971 DF 2013/0184278-9 - Superior Tribunal de Justiça. 11. Em breve síntese, posição do Superior Tribunal de Justiça. 12. Conclusão. 13. Referências bibliográficas.  

1. Introdução

Este estudo tem como objetivo analisar os desdobramentos administrativos que cercam as hipóteses em que servidores públicos recebem valores considerados como indevidos.

Sendo que as principais hipóteses são o erro da própria Administração, seja por algum equívoco pontual, ou mesmo por um entendimento originário posteriormente modificado, além da intervenção do judiciário.

O Superior Tribunal de Justiça decidiu, conforme seus precedentes, acerca da Restituição de valores recebidos indevidamente.

E, por fim, faz a abordagem sobre as restituições à Administração Pública quando o servidor recebe proventos indevidos, inclusive quando o recebimento se dá pelos seus herdeiros. 

2. Breves considerações iniciais

Cumpre destacar, a priori, que o poder público foi o responsável pelo pagamento do numerário indevido. Assim sendo, não foi o servidor quem deu causa. Dessa forma, o ônus pelo erro é da Administração, não podendo ser repassado ao servidor. Neste cenário, o servidor encontra de boa-fé. Portanto, não pode ser compelido a devolver valores indevidos.

É cediço e desnecessário destacarmos e aprofundarmos que o Principio da Ampla Defesa e do Contraditório, mesmo que na esfera administrativa, devem ser respeitados.

3. Previsão legal da obrigação de restituir 

Na esfera federal, a Lei nº 8.112 de 11 de dezembro de 1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, foi concebida para integrar e disciplinar o artigo 37 da Constituição Federal. Contudo, cada Munícipio tem seu Estatuto (sua lei municipal), ao qual, possivelmente, preveja acerca da restituição. No entanto, a esmagadora maioria da legislação que rege os servidores públicos das esferas regionais e locais foi concebida sob os contornos e as balizas do diploma federal. Em alguns casos, são verdadeiras reproduções.

4. Da não diferenciação das espécies de erro

O presente estudo não vislumbra diferenciar os diferentes tipos de erros, mas apreciar e pormenorizar a decisão do REsp  1387971 DF 2013/0184278-9 e precedentes daquele Tribunal.

5. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça (antes do julgamento do REsp  1387971 DF 2013/0184278-9

O Superior Tribunal de Justiça já sedimentou o entendimento de que, nos casos de interpretação equivocada ou má aplicação da legislação pela própria Administração, o servidor fica dispensado da devolução. Aduz à sua posição o caráter alimentar da verba, além da boa-fé envolvida.

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADIANTAMENTO DE REMUNERAÇÃO DESTINADA À CARREIRA DE MAGISTÉRIO. PAGAMENTO INDEVIDO À IMPETRANTE EM RAZÃO DO GOZO DE LICENÇA ESPECIAL REMUNERADA. MÁ APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. PRETENSÃO ADMINISTRATIVA DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO.
 1.   É incabível a exigência de restituição ou a procedência de descontos referentes a valores pagos em decorrência de interpretação equivocada ou má aplicação da legislação regente pela própria Administração, quando constatada a boa-fé do beneficiado.
 2.   O requisito estabelecido para a não devolução de valores pecuniários indevidamente recebidos é a boa-fé do Servidor que, ao recebê-los na aparência de serem corretos, firma compromissos com respaldo na pecúnia; a escusabilidade do erro cometido pelo agente, autoriza a atribuição de legitimidade ao recebimento da vantagem. 
3.   Não há que se impor a restituição pelo Servidor de quantias percebidas de boa-fé e por equívoco do erário, ainda que a título de adiantamento de remuneração destinada à carreira de magistério, porquanto tais valores não lhe serviram de fonte de enriquecimento ilícito, mas de sua subsistência e de sua família.
 4.   Recurso desprovido.
 (AgRg no RMS 24.715/ES, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 19/08/2010, DJe 13/09/2010)
 
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDORES PÚBLICOS. RESTITUIÇÃO DE VALORES PAGOS EM VIRTUDE DE LIMINAR. POSSIBILIDADE. PAGAMENTO INDEVIDO POR ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. DEVOLUÇÃO. NÃO CABIMENTO. AMBOS OS EMBARGOS REJEITADOS.
 1. Nos termos do art. 535 do CPC, os embargos de declaração são cabíveis para modificar o julgado que se apresentar omisso, contraditório ou obscuro, bem como para sanar possível erro material existente na decisão, o que não ocorre no presente caso.
 2. "Valores pagos pela Administração Pública em virtude de decisão judicial provisória, posteriormente cassada, devem ser restituídos, sob pena de enriquecimento ilícito por parte dos servidores beneficiados (REsp 725.118/RJ, Rel. Min. PAULO GALLOTTI, Sexta Turma, DJ 24/4/06).
 3. Descabe restituição de valores recebidos de boa-fé pelo servidor em decorrência de errônea interpretação ou má aplicação da lei pela Administração Pública. Precedentes.
 4. Ambos os embargos de declaração rejeitados.
 (EDcl no RMS 32.706/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/10/2011, DJe 09/11/2011)
 

É importante destacarmos que, em que pese à afirmação de que a boa-fé e o caráter alimentar são requisitos que dispensam a devolução por parte do servidor, o caso concreto deve ser avaliado.

 Conforme pode ser observado no precedente abaixo –  AgRg no REsp 1108462/SC, o STJ autoriza o desconto em folha dos valores indevidamente recebidos pelo servidor, “quando não se tratar de errônea interpretação ou má aplicação da lei, mas sim de erro da Administração”

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. VIOLAÇÃO AO ART. 46 DA LEI N.º 8.112/90. INEXISTÊNCIA DE COMANDO CAPAZ DE ALTERAR O ACÓRDÃO RECORRIDO.

1. É descabida a devolução de valores indevidamente recebidos pelos servidores em face de errônea interpretação ou má aplicação da lei pela Administração Pública, desde de que constatada a boa-fé do beneficiado. Precedentes.

2. É cabível o desconto em folha dos valores indevidamente recebidos pelo servidor, quando não se tratar de errônea interpretação ou má aplicação da lei, mas sim de erro da Administração, consubstanciado no pagamento em duplicidade de vantagem, como na hipótese dos autos de pagamento da GAE - Gratificação de Atividade Executiva -, em duplicidade nos meses de setembro e outubro de 2005, voltando à normalidade em novembro.

3. Agravo regimental desprovido.
 (AgRg no REsp 1108462/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 23/06/2009, DJe 03/08/2009)
 

A boa-fé, bem como o caráter alimentar da verba, como visto, são sempre necessários para a dispensa.

Por fim, há que se fazer menção ao próprio entendimento da Administração. No mesmo sentido, a Súmula nº 34 da Advocacia-Geral da União assim dispõe:

SÚMULA Nº 34, DE 16 DE SETEMBRO DE 2008 (*)Publicada no DOU, Seção I, de 17/09; 18/09 e 19/09/2008 "Não estão sujeitos à repetição os valores recebidos de boa-fé pelo servidor público, em decorrência de errônea ou inadequada interpretação da lei por parte da Administração Pública".(*) Súmula Consolidada publicada no DOU I de 20.1.2012
 

6. Recebimento de valor indevido por servidor público com decisão administrativa revogada posteriormente

Em consonância com o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento pacífico no sentido de que é incabível a restituição ao erário dos valores recebidos de boa-fé pelo servidor público em decorrência de errônea ou inadequada interpretação da lei por parte da Administração Pública.

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Em virtude do princípio da legítima confiança, o servidor público, em regra, tem a justa expectativa de que são legais os valores pagos pela Administração Pública, porque jungida à legalidade estrita.

Assim, diante da ausência da comprovação da má-fé no recebimento dos valores pagos indevidamente por erro de direito da Administração, não se pode efetuar qualquer desconto na remuneração do servidor público, a título de reposição ao erário.

STJ. 1ª Seção. REsp 1.244.182-PB, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 10/10/2012 (recurso repetitivo).

7. Tribunal de Contas da União e seu entendimento acerca do assunto

É parecido com o entendimento do STJ, apesar de um pouco mais rigoroso com o servidor ao exigir que o erro seja escusável.

Súmula 249 do TCU: É dispensada a reposição de importâncias indevidamente percebidas, de boa-fé, por servidores ativos e inativos, e pensionistas, em virtude de erro escusável de interpretação de lei por parte do órgão/entidade, ou por parte de autoridade legalmente investida em função de orientação e supervisão, à vista da presunção de legalidade do ato administrativo e do caráter alimentar das parcelas salariais.

8. Recebimento de valores indevidos em decorrência de erro operacional

Recebimento de valores indevidos em decorrência de erro operacional, o servidor recebeu os valores indevidamente por causa de erro da Administração na interpretação da lei. Vale ressaltar, no entanto, que, segundo a posição majoritária no STJ, este mesmo entendimento deve ser aplicado nos casos em que o servidor recebe as quantias indevidas por força de erro operacional da Administração. Confira:

(...) 1.   A Primeira Seção do STJ, no julgamento do Recurso Especial Representativo da Controvérsia 1.244.182/PB, firmou o entendimento de que não é devida a restituição de valores pagos a servidor público de boa-fé, por força de interpretação errônea ou má aplicação da lei por parte da Administração.

2.   O mesmo entendimento tem sido aplicado por esta Corte nos casos de mero equívoco operacional da Administração Pública, como na hipótese dos autos. Precedentes.

3.   O requisito estabelecido para a não devolução de valores pecuniários indevidamente pagos é a boa-fé do servidor que, ao recebê-los na aparência de serem corretos, firma compromissos com respaldo na pecúnia (...)

STJ. 1ª Turma. AgRg no REsp 1447354/PE, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 16/09/2014.

(...) Esta  Corte  firmou  entendimento  no  sentido  de  não ser devida a devolução  de  verba paga indevidamente a servidor em decorrência de erro  operacional da Administração Pública, quando se constata que o recebimento  pelo  beneficiado  se  deu  de  boa-fé, como no caso em análise. (...)

STJ. 2ª Turma. AgRg no REsp 1560973/RN, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 05/04/2016.

Em suma, os valores recebidos pelo servidor em decorrência de errônea interpretação da lei e em virtude de erro operacional estão sujeitos ao mesmo tratamento. Assim, houve boa-fé do servidor, não se restitui; não houve boa-fé, deve-se restituir.

9. Herdeiros de servidores e o recebimento de valores da Administração Pública

A título de exemplo, servidor falecido. Portanto, cessação do seu subsidio – remuneração –. Acaso a Administração Pública continue realizando os pagamentos do subsidio – caso de filhos maiores e sem direito a pensão morte –, os herdeiros que receberam – fizeram o saque dos proventos depositados indevidamente – devem restituir os proventos que, por erro operacional da Administração Pública, continuaram sendo depositados em conta de servidor público após o seu falecimento STJ. 2ª Turma. AgRg no REsp 1.387.971-DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 15/3/2016 (Info 579).

Como vimos, o STJ tem o entendimento pacificado no sentido de que as verbas alimentares pagas ao servidor de boa-fé não podem ser repetidas (pedidas de volta) mesmo que tenham sido pagas indevidamente por erro da Administração Pública na interpretação da lei. Isso porque houve uma falsa expectativa criada no servidor de que os valores recebidos são legais e definitivos, o que decorre, em certo grau, pela presunção de validade e de legitimidade do ato administrativo que ordenou a despesa. Veja o recurso repetitivo que consolidou a posição:

(...) quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público. (...) (STJ. 1ª Seção. REsp 1244182/PB, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 10/10/2012)

Contudo, no caso de as quantias indevidas terem sido pagas aos herdeiros do falecido, a situação deverá ser analisada sob outro ângulo e merece uma conclusão diferente. Isso porque, nesse caso, os valores pagos já não mais possuem caráter alimentar. Os salários ou proventos do servidor possuem natureza alimentar somente em relação ao próprio servidor. Se ele já morreu, tais valores são considerados como herança e herança não é remuneração nem aposentadoria. Logo, não é uma verba alimentícia.

Cumpre destacarmos que pelo princípio da saisine, com a morte, houve a transferência imediata da titularidade da conta bancária da falecida aos seus herdeiros e os valores que foram nela depositados (por erro) não tinham mais qualquer destinação alimentar. Logo, por não se estar diante de verbas de natureza alimentar, não é nem mesmo necessário analisar se os herdeiros estavam ou não de boa-fé ao sacar o dinheiro. A boa-fé aqui não importa. Os herdeiros tem o dever de restituir as quantias porque eles não possuem nenhum direito sobre as verbas. O fundamento aqui para que ocorra a devolução está baseado no princípio da proibição do enriquecimento sem causa, previsto no art. 884 do CC:

Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.

10. Do inteiro teor do REsp 1387971 DF 2013/0184278-9 - Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.387.971 - DF (2013/0184278-9) RELATOR: MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES RECORRENTE: DISTRITO FEDERAL PROCURADOR: JOAQUIM FRANCISCO NUNES BANDEIRA E OUTRO (S) RECORRIDO: RICARDO SERGIO PEREIRA DOS PASSOS E OUTRO ADVOGADO: DEFENSORIA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO DISTRITAL. RESTITUIÇÃO DE VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ERRO OPERACIONAL. DEPÓSITO DE PROVENTOS DA SERVIDORA FALECIDA APÓS O PEDIDO DE AUXÍLIO-FUNERAL. RESTITUIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA SEGUIMENTO. DECISÃO

Trata-se de recurso especial interposto por DISTRITO FEDERAL, com fundamento no artigo 105, III, a, da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça distrital, assim ementado (fl. 177): ADMINISTRATIVO. PENSÃO POR MORTE. RESTITUIÇÃO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. A Administração Pública, constatando o pagamento de proventos a herdeiros de servidora falecida, pode, valendo-se de seu poder de autotutela, corrigir o ato e suspender o pagamento indevido. Descabe, contudo, exigir dos herdeiros a devolução de parcelas recebidas de boa-fé, em decorrência de pagamento irregular, sobretudo se comprovado que, mesmo ciente da morte da servidora aposentada, a Administração efetua o pagamento dos proventos. Apelação provida. Sustenta a parte recorrente que o acórdão contrariou as disposições normativas contida no artigo 884 do CC, ao argumento de que a parte recorrida deve devolver os valores indevidamente depositados na conta corrente de sua genitora, a título de proventos, nos quatros meses subsequentes ao óbito, sob pena de enriquecimento ilícito. Ao contrário do que consignado no v. acórdão recorrido, sequer há que se falar, no caso presente, em prevalência do princípio da boa fé: primeiro, por que é nítido que os réus/recorridos, que promoveram o levantamento dos valores indevidamente depositados na conta-corrente de sua mãe, em decorrência de proventos de aposentadoria, quando iá falecida esta, agiram com a consciência de estarem se apropriando de valores a que não tinham direito, pois até o mais simplório e pouco esclarecido dos indivíduos sabe que, com o óbito, extingue-se a aposentadoria e, por conseqüência, o pagamento dos proventos. Não é de bom alvitre, portanto, dar guarida à alegação de boa fé por parte dos réus/recorridos, sendo mais evidente, ou, pelo menos, mais provável a sua má fé. Em segundo lugar, há de se ter presente que, ainda que realmente estivessem de boa fé os réus/recorridos, tal constatação não lhes exime do dever de repetir o indébito, podendo, quando muito, servir-lhes de escusa quanto a possível acusação de prática de ilícito criminal. Jamais, porém, poderia tornar legitimamente seus os valores apropriados, principalmente em se tratando de dinheiro público, que tem no princípio da indisponibilidade dos bens públicos a sua nota característica, a obrigar, por si só, a sua persecução por parte dos agentes públicos responsáveis que tomarem conhecimento da sua indevida aplicação, com vistas à recomposição do erário. Há de se ressaltar, por fim, que não se trata, aqui, de percepção, por servidor público, de valores pagos por erro da Administração, conforme equivocadamente assentado no v. acórdão. Diferentemente, o que se tem nos autos é o levantamento, pelos herdeiros, de valores indevidamente depositados em conta salário de sua mãe, relativos a proventos, após o falecimento desta. Contrarrazões às folhas 200/204. Juízo prévio de admissibilidade às folhas 206/207. O Ministério Público Federal, às folhas 217/220, opinou pelo não provimento do recurso: DIREITO CIVIL. ADMINISTRATIVO. PROVENTOS DE APOSENTADORIA. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ POR PARTE DOS HERDEIROS DA EX-SERVIDORA. RESSARCIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. 1  Não há que se falar em ressarcimento de proventos recebidos de boa-fé pelos herdeiros da ex-servidora, em virtude de erro imputável exclusivamente à Administração Pública. Precedentes. 2  Parecer pelo conhecimento e não provimento do recurso especial. É o relatório. Passo a decidir. De início, para melhor compreensão da controvérsia, transcrevo os fundamentos do voto condutor do aresto recorrido (fl. 175/181): A mãe dos réus, servidora aposentada do DF, faleceu em 8.2.08 (f. 24). Os herdeiros requereram auxílio funeral em 15.02.08 (fls. 25). A Administração, mesmo após a solicitação do auxílio funeral depositou os proventos da falecida nos meses de fevereiro/2008 a maio/2008 (fls. 15/18). Na escritura de inventário e partilha da mãe dos autores, Modesta Cardoso de Jesus, entre os bens móveis, consta saldo em conta da falecida no valor de R$ 7.037,56 em 14.4.08. E a Fazenda Pública do DF homologou o pagamento do ITCMD (imposto de transmissão causa mortis e doação) em 24.4.08, que foi recolhido em 19.05.08 (fls. 79/81). O Distrito Federal estava ciente da morte da mãe dos autores, e mesmo assim, por erro, pagou os proventos de aposentadoria nos meses de fevereiro/2008 a maio/2008. O eventual pagamento indevido se deu por erro da própria Administração, por desorganização administrativa, donde se presume a boa-fé daqueles que o receberam. Sem dúvida, que é possível descontar do servidor o que ele recebeu indevidamente (art. 46, da L. 8.112/90) e interromper o pagamento. Se houve, no entanto, boa-fé dos herdeiros da servidora aposentada ao receber os valores, afasta-se a obrigação de devolver. Segundo o Parquet: "Sustenta o recorrente que os recorridos promoveram levantamento de valores, indevidamente depositados na conta corrente da mãe, quando já falecida a ex-servidora. Ora, mesmo tendo conhecimento do falecimento da ex- servidora o ente público continuou a efetuar os depósitos sem o conhecimento dos herdeiros. Não restou demonstrado nos autos que os herdeiros-recorridos agiram de má-fé, sequer ficou demonstrado que houve movimentação na conta-corrente onde a aposentada recebia seus proventos. Assim, tendo em vista que o fato ocorreu por erro da Administração Pública e diante da boa-fé dos herdeiros, não há que se falar em devolução de valores aos cofres públicos" (fl. 217/220). Com efeito, depreende-se da leitura do aresto distrital que o pagamento indevido não foi consequência de erro de interpretação legal, mas sim de erro operacional da Administração Pública, que continuou o pagamento dos proventos de aposentadoria mesmo a pós o falecimento da servidora  os quais foram levantados pelos herdeiros. Ressalta-se que esse Superior Tribunal de Justiça já se manifestou pela impossibilidade de restituição dos valores recebidos por servidor, quando esses foram pagos pela Administração em razão de equívoco de fato: o chamado "erro operacional". Nesse sentido: ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE POR ERRO OPERACIONAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. DESCABIMENTO DA PRETENSÃO ADMINISTRATIVA DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES. AGRAVO REGIMENTAL DA UNIÃO DESPROVIDO. 1. A Primeira Seção do STJ, no julgamento do Recurso Especial Representativo da Controvérsia 1.244.182/PB, firmou o entendimento de que não é devida a restituição de valores pagos a servidor público de boa-fé, por força de interpretação errônea ou má aplicação da lei por parte da Administração. 2. O mesmo entendimento tem sido aplicado por esta Corte nos casos de mero equívoco operacional da Administração Pública, como na hipótese dos autos. Precedentes. 3. O requisito estabelecido para a não devolução de valores pecuniários indevidamente pagos é a boa-fé do servidor que, ao recebê-los na aparência de serem corretos, firma compromissos com respaldo na pecúnia; a escusabilidade do erro cometido pelo agente autoriza a atribuição de legitimidade ao recebimento da vantagem. 4. Agravo Regimental da UNIÃO desprovido. (AgRg no REsp 1447354/PE, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe 09/10/2014). ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL - SERVIDOR PÚBLICO - RESTITUIÇÃO AO ERÁRIO DE VALORES INDEVIDAMENTE PAGOS - VERBA DE NATUREZA ALIMENTAR - IMPOSSIBILIDADE - QUESTÃO JULGADA PELA SISTEMÁTICA DOS RECURSOS REPETITIVOS. 1. A Primeira Seção do STJ, no julgamento do REsp 1.244.182/PB, submetido ao rito dos recursos repetitivos, confirmou o entendimento de que não é cabível a devolução de valores percebidos por servidor público de boa-fé devido a erro da Administração, principalmente em virtude do caráter alimentar da verba recebida. 2. Caso em que a Corte de origem asseverou ter havido erro operacional da Administração ao não observar que a rubrica não era mais devida ao servidor. 3. Agravo regimental interposto em ataque ao mérito de decisão proferida com base no art. 543-C do processo-civil-lei-5869-73">CPC não provido, com aplicação de multa no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa. (AgRg no REsp 1385492/PE, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe 03/12/2013). Diante do exposto, com base no art. 557, caput, do CPC, NEGO SEGUIMENTO ao RECURSO ESPECIAL. Publique-se. Intimem-se. Brasília (DF), 16 de outubro de 2014. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES Relator.

11. Em breve síntese, quadro explicativo da posição do Superior Tribunal de Justiça

Servidor recebendo verba indevidamente

  • A quantia recebida possui natureza alimentar.
  • Servidor não tem o dever de restituir.
  • A análise que é feita aqui é se o servidor estava ou não de boa-fé.
  • Quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público (STJ. 1ª Seção. REsp 1244182/PB, julgado em 10/10/2012).
  • Não é devida a devolução  de  verba paga indevidamente a servidor em decorrência de erro  operacional da Administração Pública, quando se constata que o recebimento  pelo  beneficiado  se  deu  de  boa-fé (STJ. 2ª Turma. AgRg no REsp 1560973/RN, julgado em 05/04/2016.

Herdeiro recebendo verba indevidamente – erro operacional

  • A quantia recebida não possui natureza alimentar.
  • Herdeiro tem o dever restituir.
  • Não se analisa aqui se o herdeiro estava ou não de boa-fé. Isso não importa.
  • O herdeiro é obrigado a devolver porque ele não tem qualquer razão jurídica para ficar com aquele dinheiro em prejuízo da Administração Pública. Não havia nenhuma relação jurídica entre o herdeiro e o Estado.
  • O fundamento aqui é o princípio que veda o enriquecimento sem causa (art. 884 do CC).´
  • STJ. 2ª Turma. AgRg no REsp 1.387.971-DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 15/3/2016 (Info 579).

12. Conclusão

Diante do exposto, o recebimento de valores indevidos é bastante comum na prática administrativa. É natural que surja um conflito de interesses entre a Administração e seus servidores. A Administração pauta-se pelo interesse público e deve nortear sua atuação sob a intransigente proteção do patrimônio público. De outro lado, o servidor, defende seu interesse privado como qualquer outro.

Não podemos ocultar que nos casos de maior complexidade, a solução invariavelmente é ditada pelo poder judiciário. E, nesses casos, a decisão costuma ser tomada nos interesses do servidor. Nestes casos, o Poder Judiciário analisará se a conduta é desprovida de qualquer má-fé.

Ademais, outro argumento de peso, que embasa a dispensa na repetição dos montantes recebidos, é a natureza alimentar da verba salarial. Somado à boa-fé, esse critério legitima a posição da justiça pela impossibilidade de devolução. Parece-me um raciocino bastante razoável.

Assim sendo, a Administração possui uma atuação mais pautada na legalidade estrita, diferentemente do Poder Judiciário, em que a lei pode sofrer mitigações principiológicas e constitucionais.  

REFERÊNCIAS

http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/153379870/recurso-especial-resp-1387971-df-2013-0184278-9 (STJ REsp)

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>

http://www.agu.gov.br/atos/detalhe/29994 (Súmula AGU)

Sobre a autora
Juliana Leme Ferrari

Procuradora do Município

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