Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Limites objetivos da coisa julgada

Agenda 06/10/2016 às 14:05

Estão implicitamente resolvidas todas as questões cuja solução é logicamente necessária para chegar à solução expressa na decisão. Se o juiz se pronuncia sobre a rescisão de um contrato, implicitamente vai decidir sob a sua validade.

I – Os motivos da sentença

Na conhecida lição de Enrico Tulio Liebman, exposta em sua obra “Eficácia e autoridade da Sentença”, só o comando concreto pronunciado pelo juiz torna-se imutável por força da coisa julgada.

A eficácia preclusiva da coisa julgada manifesta-se com o impedimento que surge com o trânsito em julgado, a discussão e apreciação das questões. Se a decisão é das que produzem coisa julgada formal (art. 267 do CPC), o efeito preclusivo fica no interior do processo. Se o efeito se projeta fora do processo, há coisa julgada material (art. 269 do CPC).

Para Paula Baptista, em seu “Compêndio de Teoria e Prática”, a coisa julgada restringe-se à parte dispositiva do julgamento e aos pontos aí discutidos e fielmente compreendidos com relação aos seus objetivos.

Discute-se, porém, na doutrina brasileira, desde João Mendes Jr. e João Monteiro, na obra “Teoria do Processo Civil e Comercial”, acerca da extensão da autoridade da coisa julgada aos motivos objetivos, consoante lição de Savigny, que via ingressarem na coisa julgada os fundamentos objetivos ou elementos objetivos, elementos constitutivos da relação jurídica.

De toda sorte, o artigo art. 469, I, do Código de Processo Civil de 1973 dispõe que “não fazem coisa julgada os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença”.

Sendo assim, estaria na decisão a autoridade da coisa julgada, tornando imutável e indiscutível o que aí se declarar.

Em  verdade,  a  coisa  julgada,  no  que  diz respeito aos  limites  objetivos,  encontra-se nas  soluções  das  questões. Ora,  a  lide,  na  escorreita  lição  de  Carnelutti,  tem  seus limites  firmados  pelas  questões,  geradas  pelas  razões  da  pretensão  (causa  petendi) e  sua  resistência,  sendo  a  estrutura  das  razões,  consistente  na  afirmação  de  fatos jurídicos. Ora, a eficácia da coisa julgada se esgota na cadeia de fatos que forma a decisão.

Não fazem parte da estrutura da coisa julgada os motivos da sentença, que são elementos de convicção. Já os fatos jurídicos litigiosos e sua invocação (razão) são alcançados pelo dispositivo da sentença. Diversamente, os fatos simples, que servem à convicção do juiz, não passam em julgado.

Afirmam,  em uníssono,  Lopes  da  Costa  e,  por  sua  vez,  Ronaldo  Cunha Campos, “Limites objetivos da coisa julgada”, pg. 81, que a razão da decisão integra o julgado, pois o comando se prende a sua razão. No entender de Humberto Theodoro Jr., “Curso de Direito Processual Civil”, vol. I, 25.ª  ed., pg. 256, a invocação do fato jurídico básico.


II – Questões prejudiciais

A doutrina dominante considera como elementos essenciais da prejudicialidade: anterioridade lógica, necessidade e autonomia.

A questão é prejudicial quando condiciona o teor da decisão sobre a subordinada, ao contrário da questão preliminar que impede, impossibilita, a decisão sobre a subordinada. É que a questão (ponto controvertido) prejudicial é um antecedente lógico e necessário da prejudicada, sendo que a decisão a seu respeito pode subordinar o teor da decisão sobre a prejudicada.

O ponto é o fundamento da afirmação referente à pretensão. A questão, como ensinou Carnelutti, é o ponto duvidoso. Questão prejudicial é a dúvida sobre o ponto duvidoso.

A questão prejudicial traz, portanto, a aptidão para ser objeto de um processo novo, pois toda prejudicial goza de autonomia, por ter aptidão para fazer parte de processo autônomo.

São conhecidos os exemplos de questões prejudiciais: os que se relacionam ao domínio da coisa numa ação de indenização de danos; à sanidade mental do devedor ao tempo da constituição da dívida numa ação de cobrança; à relação de paternidade numa ação de alimentos.

A solução da questão prejudicial não se apresenta na parte dispositiva da sentença. No entanto, na linha de Chiovenda, e de experiências como a do Direito Austríaco, a solução dessa questão pode vir por ação declaratória incidental (art. 5.° e 325 do Código de Processo Civil) e apresentar a eficácia de coisa julgada, com ampliação da lide, necessariamente.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

O novo CPC julgou por bem extinguir a ação declaratória incidental.


III – Questões implicitamente resolvidas

Aduz o artigo 468 do Código de Processo Civil de 1973 que a sentença que julgar total ou parcialmente a lide tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas.

Já advertia o Ministro Moacir Amaral Santos, em suas “Primeiras linhas de direito processual civil”, 3.°  vol., que na solução das questões da lide está a decisão da lide.

Ficam preclusas tanto as questões efetivamente apreciadas como:

a)     as questões que, passíveis de conhecimento de officio, de fato não hajam sido examinadas pelo juiz;

b)     as que dependentes da iniciativa da parte, hajam sido suscitadas mas não apreciadas na motivação da sentença;

c)     as que, também dependente da iniciativa da parte, não hajam sido suscitadas nem, por conseguinte, apreciadas.

De forma elucidativa, Humberto Theodoro Jr., “Curso de Direito Processual Civil”, pg. 538, 25.ª edição, aduz que o réu que não opôs uma série de deduções defensivas que poderia ter oposto e, em consequência, foi condenado, não pode, após, opor aquelas deduções contra a coisa julgada.

Barbosa Moreira, em trabalho publicado na Revista Forense, vol. 246 e em seu livro “Temas de Direito Processual Civil”, 1.ª  série, Saraiva, pg. 90, “Os limites objetivos da coisa julgada no sistema do novo Código de Processo Civil”, exemplifica:

“Suponhamos, v. g., que Caio peça e obtenha, por sentença transita em julgado, a condenação de Tício ao pagamento de multa pela infração de certa cláusula do contrato entre ambos celebrado. Tendo pago a multa, volta Tício a juízo e, alegando a nulidade absoluta do contrato, pode a restituição da importância correspondente à pena convencional. A questão da nulidade, conforme o sentido em que fosse resolvida, seria obviamente capaz de influir no resultado do primeiro processo: se o contrato é na verdade nulo, a suposta obrigação não existia, nem havia que cogitar-se na aplicação da cláusula penal. O crédito de Caio, a esse título, em face de Tício, está, porém coberto pela autoridade da coisa julgada, e nenhum argumento utilizado ou não no feito anterior, autoriza a reabertura da discussão-fatos, é claro, mediante rescisão da sentença – em torno da lide decidida”.

No entanto, se Caio propuser nova ação contra Tício para exigir o cumprimento de nova obrigação, a lide não é a mesma, podendo Tício arguir a nulidade do contrato.

Parece-nos que fica excluída do novo processo toda alegação do autor tendente a dar a imagem ou criar um juízo que divirja do material processual do processo decidido com autoridade de coisa julgada. Assim como relata Ovídio Baptista da Silva, “Sentença e coisa julgada”, 2.ª  edição, pg. 167, proposta uma ação de despejo fundada no fato de que o inquilino não cumpriu o contrato, na cláusula que mandava conservar o imóvel, uma vez rejeitada a ação, por não provados tais fatos, poderia o locador propor uma segunda ação em que alegue que o locatário infringira outra cláusula contratual, como, v.g., o corte do fornecimento de água ou energia elétrica.

Se o fundamento exposto, portanto, na inicial, foram os danos ocasionados culposamente à colheita, ter-se-á de identificar nessa demanda, como seu verdadeiro fundamento (causa petendi), além do fato descrito, todos os outros que com ele sejam compatíveis. O critério é objetivo.

Estão implicitamente, pois, resolvidas todas as questões cuja solução é logicamente necessária para chegar à solução expressa na decisão: se, por exemplo, o juiz se pronuncia sobre a rescisão de um contrato, implicitamente vai afirmar sob a sua validade.

Assim, se peço a revogação de uma doação, por ingratidão, e me esqueço de dizer que o réu, está hoje abastado porque recebeu fecunda herança, não poderei alegar tal fato depois, com nova ação com o mesmo objetivo, sob o pálio de que o donatário, obrigado a ministrar alimentos não o fez, quando obrigado. Porém, poderei ajuizar ação de alimentos.

Da mesma forma com relação à questão de direito. Se sou alvo de executivo fiscal, e, ao embargar, esqueço-me de levantar a inconstitucionalidade incidenter tantum de lei, não poderei pedi-lo depois, pois acobertada a questão pela eficácia preclusiva da coisa julgada.

Observo, no entanto, que, se o juiz não aprecia na sentença o pedido, ficará a parte livre para renová-lo em outra ação, uma vez que inexistem julgamentos presumidos.

No entanto, em outro exercício, diante da nova cobrança do fisco com relação ao tributo com incidência periódica, poderei discutir novamente a questão. Isso porque a eficácia preclusiva não apanha os fatos supervenientes.

Nos fatos deduzíveis atingidos pelo efeito preclusivo da coisa julgada, incluem-se os que não foram oportunamente deduzidos, por não terem chegado ao conhecimento da parte interessada.

Observo, no entanto, que, se o juiz não aprecia na sentença o pedido formulado na inicial, a parte ficará livre para renová-lo em outra ação, uma vez que inexistem julgamentos presumidos.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Limites objetivos da coisa julgada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4845, 6 out. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51189. Acesso em: 17 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!