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O contrato eletrônico:singularidades

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O contrato eletrônico é fruto da expansão do fenômeno contratual, que proporcionou a diversificação e especialização dos contratos, para em seguida proceder-se à conceituação contemporânea de contrato e de contrato eletrônico.

RESUMO:Parte-se da consideração de contrato eletrônico como fruto da expansão do fenômeno contratual, que proporcionou a diversificação e especialização dos contratos, para em seguida proceder-se à conceituação contemporânea de contrato e de contrato eletrônico. São abordadas as singularidades e extraídas, dentro do tema proposto, as conclusões acerca desta nova forma de composição contratual. Serviu de base uma exaustiva pesquisa literária sobre o tema.

PALAVRAS-CHAVES: Contrato Eletrônico, Lugar de Formação, Negociação entre Presentes, Negociação entre Ausentes, Autenticidade, Documentos Eletrônicos.

ABSTRACT:It starts with the consideration of electronic contract as a result of the expansion of the phenomenon contract, which provided the diversification and specialization of contracts, to then proceed to the contemporary concept of contract and contract electronics. Singularities are addressed and taken within the theme, the conclusions about this new form of contract composition. Formed the basis of an exhaustive literature search on the topic.

KEYWORDS: Electronic Contract, City Formation, Negotiation between gifts, Negotiation between Absent, Authenticity, Electronic Documents.


1. INTRODUÇÃO

A ideia de contrato remonta a períodos longínquos da história da humanidade, inclusive houve quem afirmasse que a convivência social só seria possível através de sociedade formada a partir de um contrato: contrato social.[1] E o longo do tempo o contrato foi sendo conceituado, caracterizado e classificado de acordo com os princípios que regentes do seio social em que se formava. Diversas formas, variados tipos.

Ao se expandir, o fenômeno contratual trouxe diversificação ainda maior dos contratos, que se especializaram em múltiplas modalidades nas últimas décadas, o que, para Sílvio de Salvo Venosa[2] “é a tendência deste século”.

Essa diversificação, associada aos crescentes avanços tecnológicos e ao advento da globalização, deu nova roupagem ao fenômeno contratual. E, dentro desse contexto tecnológico globalizado das relações humanas, apresenta-se o contrato eletrônico — uma forma contratual específica que comporta outros tipos contratuais —, que impõe mudanças legislativas e no pensamento jurídico contemporâneo.

“O desafio da especialização é desafio deste período, era de rápidas e radicais mudanças em todos os ramos do conhecimento. Aos juristas é dada a tarefa de acompanhar essa especialização, que nada mais é do que a busca da vocação histórica da ciência jurídica.”[3]

No exame do contrato eletrônico, uma vez que não existe legislação específica, deve o intérprete fazer uso da teoria geral. No entanto, face a especial forma e diversificados tipos, apresenta algumas características próprias, singularidades que serão tratadas adiante.


2. CONCEITO

Assim como a ideia, o conceito de contrato sofreu alterações significativas. Fábio Ulhoa Coelho[4] traz um conceito contemporâneo, afirmando que o “contrato é o negócio jurídico bilateral ou plurilateral gerador de obrigações para uma ou todas as partes, às quais correspondem direitos titulados por elas ou por terceiros”.

Por sua vez, o contrato eletrônico seria “aquele celebrado por meio de programas de computador ou aparelhos com tais programas”.[5] Todavia, face a velocidade com que novas tecnologias são desenvolvidas, esse conceito se torna restritivo, haja vista hoje ser possível realizar compras, fazer empréstimos, e inúmeros negócios não só através de computadores ou de programas de computador, mas também através de dispositivos eletrônicos cada vez mais utilizados, principalmente os de tecnologia móvel, como por exemplo ipad, iphone, tablets, smartphones, etc.


3. LEGISLAÇÃO

Não há legislação específica disciplinando os negócios jurídicos celebrados por meio eletrônico. Entretanto, a Medida Provisória 2.200/2001, publicada em 29 de junho de 2001, institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) e dá outras providências, disciplina a integridade, autenticidade e validade dos documentos eletrônicos, permitindo a comunicação de órgãos públicos por meios eletrônicos.[6]

Ante essa lacuna legislativa, tem-se aplicado o Código de Defesa do Consumidor em relação ao empresário brasileiro que utiliza meios eletrônicos para venda de produtos e serviços aos consumidores. Sendo assim, qualquer transação eletrônica realizada entre brasileiros está sujeita às regras e princípios que são aplicadas aos demais contratos celebrados aqui.[7]

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De outra parte, em se tratando de contrato de consumo eletrônico internacional, aplica-se o disposto no art. 9º, § 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil, ou seja, a lei a ser aplicada ao caso concreto será a do domicílio do proponente. Logo, se um brasileiro adquire algum bem oferecido pela Internet por pessoa jurídica estrangeira, o contrato reger-se-á pelas leis do país do proponente.[8]

“Assim, embora o Código de Defesa do Consumidor brasileiro (art. 51, I), por exemplo, considere abusiva e não admita a validade de cláusula que reduza, por qualquer modo, os direitos do consumidor (cláusula de não indenizar), o internauta brasileiro pode ter dado sua adesão a uma proposta de empresa ou comerciante estrangeiro domiciliado em país cuja legislação admita tal espécie de cláusula, especialmente quando informada com clareza aos consumidores. E, nesse caso, não terá o aderente como evitar a limitação de seu direito.”[9]

Nessa esteira, optando o empresário brasileiro em anunciar seus produtos ou serviços pela Internet, deverá, obrigatoriamente, obedecer às normas do Código de Defesa do Consumidor pátrio, mormente os requisitos de oferta, como, por exemplo, informações claras e precisas, e em português, acerca de preço, prazo de validade, garantia, qualidade, origem, prazo de validade, possíveis riscos à saúde ou segurança do consumidor, política e forma de troca e devolução. A responsabilidade de prestar tais informações é exclusiva do anunciante e fornecedor, não recaindo sobre o titular do estabelecimento eletrônico onde se realiza o anúncio, nem sobre o provedor de acesso à Internet, uma vez que o aquele atua apenas como veículo, e este, somente presta serviços instrumentais (de suporte).[10]


4. LUGAR DE FORMAÇÃO

O Código Civil, em seu artigo 435, estabelece que o contrato reputa-se celebrado no lugar em que foi proposto. Entretanto, em se tratando de contratação eletrônica, essa regra nem sempre poderá ser verificada e aplicada seguramente, haja vista a dificuldade de precisão acerca do local originário da proposta. Em vista disso, é que os atuais sites de vendas de produtos condicionam a venda ao preenchimento de formulário com indicação dos dados pessoais, bem como do endereço do internauta/consumidor.[11]

Em caso de não haver essa indicação, considera-se realizado o contrato eletrônico no endereço residencial do proponente e, não sendo possível proceder ao rastreamento do endereço residencial ou sede do proponente, o local de celebração do contrato eletrônico será determinado pelo registro lógico do computador ou equipamento eletrônico através do qual se realizou o contrato.[12]

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho[13] chamam a atenção para o fato de que, em relação ao local de celebração dos contratos eletrônicos, o art. 15, § 4º, da Lei Modelo da UNCITRAL[14], estabelece “que uma declaração eletrônica se considerará expedida e recebida no lugar onde remetente e destinatário, respectivamente, tenham seu estabelecimento”. Havendo mais de um estabelecimento, optar-se-á por aquele que guarde maior relação com o objeto do contrato, ou pelo estabelecimento principal. Não possuindo, remetente e destinatário, estabelecimento, será considerado a residência habitual como sendo o local do contrato.

O art. 435 do Código Civil harmoniza-se com o art. 9º, § 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil, ao estabelecer que o contrato reputa-se celebrado no lugar em que foi proposto. Já o Código de Defesa do Consumidor assegura aos consumidores brasileiros o direito de promover no foro de seu próprio domicílio, quaisquer ações que tenham por fundamento a responsabilidade do fornecedor. Sendo assim, a ação poderia ser proposta no Brasil aplicando-se as leis do país de origem da proposta.[15] Diante disso, questiona-se: é possível a aplicação de direito alienígena em terras tupiniquins?

“Essa situação, como se pode perceber, traz inúmeros problemas. Assinala a propósito, e com razão, Ronaldo Lemos da Silva Júnior que a aplicação de direito estrangeiro por parte dos tribunais brasileiros traz insegurança tanto para as partes quanto para o próprio Judiciário. A tendência seria, assim, a princípio, a aplicação da lex fori, ou seja, a lei brasileira. Todavia, tal solução não seria consistente do ponto de vista estritamente jurídico. Ademais, aduz, para que a decisão de tribunal brasileiro seja acatada em países como os Estados Unidos, por exemplo, precisaria ela ser homologada pelas cortes americanas, o que obriga o consumidor a promover uma outra ação naquele país para que estes reconheçam a decisão proferida no Brasil.”[16]

Diante das considerações acima expostas, restariam duas opções aos consumidores brasileiros em caso de compra realizada com empresa estrangeira por meio eletrônico: a) ajuizar a ação judicial no país onde fica a sede social da empresa; ou b) promovê-la no Brasil, com fundamento na garantia constitucional prevista no art. 5º, XXXII, e pelas disposições do art. 9º, § 2º da Lei de Introdução ao Código Civil, pelo disposto no art. 88, II, do Código de Processo Civil, e pela previsão do art. 101, I, do Código de Defesa do Consumidor.[17]


5. NEGOCIAÇÃO ENTRE AUSENTES OU ENTRE PRESENTES

Muito já se discutiu acerca da caracterização de contrato eletrônico: se este se daria entre ausentes ou entres presentes. Para o deslinde desse enfrentamento, necessário que se leve em consideração que, devido à velocidade com que as mensagens eletrônicas, o regime de formação dos contratos eletrônicos se divide em três espécies distintas: a) instantânea, que se dá de imediato, o intervalo entre oferta e aceitação é desprezado; b) ex intervallo, em que há intervalo de tempo significativo entre oferta e aceitação; e c) ex intervallo temporis, neste caso há contrapropostas entre os contratantes.[18]

Daí, tem-se que ocorre contratação entre presentes somente na espécie instantânea, conforme se extrai das lições de Elpídio Donizetti e Felipe Quintella.

“Diz-se que a proposta é feita entre presentes quando o proponente se encontra na presença do oblato, ou, ainda, quando é feita por telefone ou outro meio de comunicação semelhante, como os serviços de comunicação instantânea na Internet (por exemplo, Skype, MSN, ICQ). Exige-se, em qualquer caso, que haja contato instantâneo entre os sujeitos.”[19]

Em se tratando de negociação entre ausentes, preleciona José Fernando Simão[20] que, não obstante o Código Civil brasileiro tenha optado pela teoria da expedição (art. 434), em se tratando de contrato eletrônico entre ausentes, a III Jornada de Direito Civil, realizada nos dias 1º a 3 de dezembro de 2004, trouxe exceção à regra do art. 434 do CC ao aprovar o Enunciado 173, adiante transcrito.

 “Enunciado 173: A formação dos contratos realizados entre pessoas ausentes por meio eletrônico se completa com a recepção da aceitação pelo proponente.”


6. AUTENTICIDADE DOS DOCUMENTOS

Questão relevante se assenta na validade jurídica dos documentos do comércio eletrônico. O entendimento em voga é que há necessidade de que o documento seja assinado dentro do ambiente digital ou virtual, através de assinaturas eletrônicas, sendo que estas nada tem a ver com a tradicionalmente utilizada: a manuscrita.[21]

“Na categoria de assinaturas eletrônicas, podem-se enquadrar vários tipos diferentes de processos técnicos, que precisam dos meios informáticos para serem aplicados, como: código secreto, assinatura digitalizada, assinatura digital (criptográfica), criptografia com chave privada (simétrica, com utilização de uma senha comum), criptografia com chave pública (assimétrica, com utilização de um senha ou chave privada).”[22]

Para os efeitos jurídicos, independente da existência de legislação específica ou complementar sobre o tema, a doutrina tem entendido pela equiparação da assinatura digital a um documento original escrito e assinado de punho, ou seja, de forma autógrafa por seu subscritor.[23] Nesse sentido o julgado que segue.

Inventário. Certidão negativa quanto à divida da União, obtida por meio da Internet. Não aceitação, com ordem de juntada de outra, fornecida pela Secretaria da Receita Federal. Portaria da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (Portaria 414/98) que concede a esse documento os mesmos efeitos da certidão negativa comum. Aplicação do disposto na Lei Fed. 9.800/99. Recurso a que se dá provimento. (TJSP, 1ª Câm. Dir. Priv., AgI 139.645-4, rel. Dês. Luís de Macedo, j. 16-11-1999). No mesmo sentido acórdão da 8ª Câm. Dir. Priv. da mesma Corte, AgI 105.464.4/7-SP, rel. Dês. César Lacerda, j. 17-3-1999.

Na mesma esteira.

AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. PROCESSO ELETRÔNICO. DECLARAÇÃO DE AUTENTICIDADE DE DOCUMENTOS ENVIADOS PELOS CORREIOS EM VIRTUDE DO TAMANHO DO ARQUIVO. A Instrução Normativa 30/07 do TST e a Lei 11.419/06 tratam da informatização do processo judicial e dispõem que os documentos produzidos eletronicamente serão considerados originais para todos os efeitos legais. Não preveem, porém, que os documentos enviados fisicamente pelos correios, quando não há a possibilidade do envio eletrônico em virtude do grande volume (como é o caso dos autos), presumir-se-ão também autênticos sem declaração alguma da parte agravante nesse sentido. Assim, não havendo nas mencionadas regras de exceção previsão acerca da autenticidade presumida, impõe-se a aplicação da regra geral, contida no artigo 830 da CLT. Finalmente, ausente a declaração de autenticidade, correto o despacho que negou seguimento ao agravo de instrumento por irregularidade de traslado. Agravo a que se nega provimento. (TST - Ag-AIRR: 20959620105120000  2095-96.2010.5.12.0000, Relator: Horácio Raymundo de Senna Pires, Data de Julgamento: 08/06/2011, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 17/06/2011).

Sobre os autores
Antonilson Lélis França

Acadêmico do curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão.

José Francisco Neves Júnior

Acadêmico de Direito da Universidade Federal do Maranhão

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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