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A responsabilidade subsidiária da administração pública tomadora de serviços, a ADC 16, o STF, o TST e o ônus da prova

Afinal de contas, o ônus de provar a (ir)regularidade da fiscalização e da contratação é do reclamante ou do ente público?

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Agenda 02/01/2017 às 10:10

4. O ÔNUS DA PROVA DA CULPA IN ELIGENDO E IN VIGILANDO (ANÁLISE TEÓRICA)

O ônus da prova, no Processo do Trabalho, é regulado no artigo 818 da Consolidação das Leis do Trabalho: “A prova das alegações incumbe à parte que as fizer”. Tal regra, por sua excessiva simplicidade, costuma ser criticada pela doutrina. Nesse sentido, Schiavi (2015, p. 667-668):

O referido art. 818 da CLT, no nosso entendimento, não é completo, e por si só é de difícil interpretação e também aplicabilidade prática, pois, como cada parte tem de comprovar o que alegou, ambas as partes têm o encargo probatório de todos os fatos que declinaram, tanto na inicial, como na contestação.

Além disso, o art. 818 consolidado não resolve situações de inexistência de prova no processo, ou de conflito entre as provas produzidas pelas partes. O juiz da atualidade, diante do princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF), não pode furtar-se a julgar, alegando falta de prova nos autos, ou impossibilidade de saber qual foi a melhor prova. Por isso, a aplicação da regra de ônus da prova como fundamento de decisão é uma necessidade do processo contemporâneo. [...]

Já o Código de Processo Civil de 2015, além de consagrar expressamente a possibilidade de inversão judicial do ônus da prova (§§1º, 2º e 3º do art. 37318), esmiúça melhor as regras gerais (“estáticas”) sobre ônus probatório:

Art. 373. O ônus da prova incumbe:

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

[...]

Didier Júnior (2015, p. 111-113) nos ajuda a compreender o dispositivo:

O fato constitutivo é o fato gerador do direito afirmado pelo autor em juízo. Compõe o suporte fático que, enquadrado em dada hipótese normativa, constitui uma determinada situação jurídica, de que o autor afirma ser titular. Como é o autor que pretende o reconhecimento deste seu direito, cabe a ele provar o fato que determinou seu nascimento.

[…]

O fato extintivo é aquele que retira a eficácia do fato constitutivo, fulminando o direito do autor e a pretensão de vê-lo satisfeito – tal como o pagamento, a compensação e a decadência legal.

[…]

O fato impeditivo é aquele cuja existência obsta que o fato constitutivo produza efeitos e o direito, dali, nasça – tal como a incapacidade, o erro, o desequilíbrio contratual.

[…]

O fato modificativo, a seu turno, é aquele que, tendo por certa a existência do direito, busca, tão somente, alterá-lo – tal como a moratória concedida ao devedor.

Apesar de a jurisprudência e a doutrina serem praticamente unânimes na aplicabilidade de tal artigo processual civil ao Processo do Trabalho, devemos, mesmo que sucintamente, analisar a possibilidade de integração de tal artigo ao Processo Laboral.

Seguindo o método defendido por Bruxel (2016)19, estamos diante de uma omissão parcial20 - a norma do Código de Processo Civil regula de forma mais completa o tema, sem contrariar a norma celetista – e, portanto, devemos analisar sua compatibilidade21 com o Processo do Trabalho. Nessa trilha, observa-se que a norma processual comum detalha o teor do artigo 818 da CLT, garantindo, ao distribuir diferenciadamente e de forma mais clara o ônus probatório entre as partes, que se possa julgar o feito com base nas regras sobre encargo probatório (a problemática norma celetista dá a entender que, se uma parte disser que o fato X ocorreu e a outra parte disser que o fato X não ocorreu, ambas terão o encargo de demonstrar suas alegações; caso ninguém prove nada, o artigo 818 da CLT não apresenta uma regra cristalina sobre qual parte arcaria com as consequências advindas da ausência probatória em torno do fato X). Desse modo, percebe-se que o artigo 373 do CPC assegura maior Efetividade da Jurisdição e ainda, por sua pormenorização, garante maior Segurança Jurídica (previsibilidade) às partes, sem causar prejuízos a outros fundamentos do Processo Laboral ou princípios processuais constitucionais, circunstância que demonstra sua compatibilidade com o Processo Trabalhista e atrai sua aplicabilidade a esta seara como reforço ao artigo 818 da CLT.

Definido isso, percebemos que, ao empregado que postula a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços ente público – supondo que tenha direitos trabalhistas a receber de sua empregadora (a empresa prestadora) - basta: a)comprovar, caso exista controvérsia a respeito, a prestação de serviços em prol da Administração Pública (fato constitutivo de seu direito, nos termos do art. 373, I, CPC); b)alegar o descumprimento, pelo ente público, dos deveres de cautela na escolha e de fiscalização.

Basta a alegação de descumprimento, pois o adimplemento (“pagamento”) de um dever/obrigação é um fato extintivo do direito da parte reclamante (art. 373, II, CPC) e, portanto, incumbe ao ente público (réu) comprovar que efetivamente adotou as cautelas na escolha da empresa prestadora e que regularmente fiscalizou o cumprimento dos haveres trabalhistas.

Entender de modo contrário seria atribuir ao autor um ônus que este não possui (se o adimplemento é fato extintivo, certamente não poderíamos entender que o inadimplemento seria um fato constitutivo, sob pena de cairmos no mesmo impasse criticado e possivelmente ocorrente quando aplicado exclusivamente o artigo 818 da CLT) e, o pior, significaria impor um encargo praticamente impossível (provar que a Administração não cumpriu seus deveres) e absurdo (o inadimplemento da empresa prestadora, por mais que não seja suficiente por si só para a responsabilidade subsidiária da tomadora, é no mínimo um provável e gigante indício de que esta não cumpriu com seus deveres contratuais).

Frisar que se trata de um ônus probatório “normal” (estático) do ente público tomador de serviços – e não um encargo decorrente da inversão do ônus da prova – é, ainda, um aspecto relevantíssimo, haja vista que evita maiores controvérsias e alegações em torno da temática ao longo do processo.

Analisemos agora como a questão tem sido tratada pela jurisprudência.


5. O ÔNUS DA PROVA DA CULPA IN ELIGENDO E IN VIGILANDO: OS JULGADOS TRABALHISTAS E A INTERPRETAÇÃO DO TEOR DA ADC 16 PELO PRÓPRIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Em recentes decisões do Tribunal Superior do Trabalho – as quais, em sua maioria, levaram em conta expressamente o julgado da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16 -, percebe-se que 6 (seis) das 8 (oito) Turmas do TST encampam - ao menos no que pertine ao dever de fiscalização, mas em raciocínio perfeitamente aplicável ao dever de cautela na escolha – ser do ente público o ônus probatório:

[...] AGRAVO DE INSTRUMENTO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENTE PÚBLICO. CULPA IN VIGILANDO. DECISÃO DO STF NA ADC 16. ÔNUS DA PROVA. 1. O Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal julgou procedente ação declaratória de constitucionalidade, firmando o seguinte entendimento: "[...] Contrato com a administração pública. Inadimplência negocial do outro contraente. Transferência consequente e automática dos seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, resultantes da execução do contrato, à administração. Impossibilidade jurídica. Consequência proibida pelo art. 71, § 1º, da Lei Federal nº 8.666/93. [...]" (excerto do v. acórdão proferido na ADC 16, Relator: Ministro Cezar Peluso, DJe nº 173, divulgado em 08/09/2011). 2. Aferida tal decisão, na hipótese de terceirização lícita, não há responsabilidade contratual da Administração Pública pelas verbas trabalhistas dos empregados terceirizados, conforme a literalidade do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/1993. 3. Contudo, o acórdão prolatado nos autos da ADC 16 pelo Pretório Excelso não sacramenta a intangibilidade absoluta da Administração Pública pelo descumprimento de direitos trabalhistas dos empregados lesados quando terceiriza serviços. 4. A própria Lei de Licitações impõe à Administração Pública o dever de fiscalizar a execução dos contratos administrativos, conforme se depreende dos artigos 58, III, e 67, § 1º, da Lei 8.666/93. 5. O Supremo Tribunal Federal, ao examinar a Reclamação n.º 13.272, Relatora Ministra Rosa Weber, Dje 03/09/2012, em sede liminar, sufragou entendimento no sentido de que incumbe à Administração Pública o ônus da prova de sua conduta comissiva. 6. Na hipótese dos autos, o Tribunal Regional, após o exame do conteúdo fático-probatório, concluiu pela existência de culpa in vigilando da Administração Pública devido à ausência de fiscalização das obrigações assumidas pela contratada. 7. Agravo de Instrumento a que se nega provimento. (Ag-AIRR - 218100-51.2008.5.04.0018, Relator Desembargador Convocado: Marcelo Lamego Pertence, Data de Julgamento: 22/06/2016, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 24/06/2016) (grifo nosso)

RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.015/2014 1 - RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENTE PÚBLICO. ÔNUS DA PROVA SOBRE A FISCALIZAÇÃO DO CONTRATO (DECISÃO EM CONFORMIDADE COM O ENTENDIMENTO FIXADO PELO STF NA ADC 16/DF E PELA SÚMULA 331, V, DO TST). Na hipótese, o Tribunal Regional reconheceu a responsabilidade subsidiária da parte ré em razão da ausência de prova de que tivesse procedido à efetiva fiscalização e acompanhamento da execução do contrato. Com efeito, por ser o natural detentor dos meios de prova sobre a fiscalização das obrigações contratuais, bem como da manutenção pelo contratado das condições originais de habilitação e qualificação exigidas na licitação (art. 55, XIII, da Lei 8.666/93), inclusive sua idoneidade financeira (art. 27, III), pertence ao ente público o ônus de comprovar que desempenhou a contento esse encargo. Dessa forma, a responsabilização subsidiária da Administração Pública não decorre de presunção de culpa, mas de sua verificação em concreto a partir do conjunto da prova, e das regras de distribuição do onus probandi. Recurso de revista não conhecido. [...] (RR - 155100-62.2013.5.17.0011 , Relatora Ministra: Delaíde Miranda Arantes, Data de Julgamento: 29/06/2016, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 01/07/2016) (grifo nosso)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. RECURSO INTERPOSTO NA ÉGIDE DA LEI 13.015/2014. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENTE PÚBLICO. CULPA IN VIGILANDO. ÔNUS DA PROVA. Foram preenchidos os requisitos da Lei nº 13.015/2014. A jurisprudência desta Corte entende que compete ao ente público comprovar a fiscalização da prestadora de serviços terceirizados no tocante ao adimplemento das obrigações trabalhistas. Do quadro fático delineado pelo TRT extrai-se que a condenação decorre da culpa in vigilando do tomador dos serviços, por não fazer prova da fiscalização efetiva do contrato de prestação de serviços, quanto ao adimplemento das verbas trabalhistas. Com efeito, o Regional consignou que o Estado "não trouxe aos autos prova de que efetivamente tomou medidas que visassem o fiel cumprimento das obrigações trabalhistas pela 1ª reclamada". Nesse contexto, inviável a admissibilidade do recurso de revista, pois a decisão recorrida encontra-se em consonância com o item V da Súmula 331/TST. Ademais, o Supremo Tribunal Federal, nos autos da Reclamação nº 13901, registrou que: "Como o controle da regularidade da execução dos contratos firmados com a administração deve ser feito por dever de ofício, é densa a fundamentação do acórdão-reclamado ao atribuir ao Estado o dever de provar não ter agido com tolerância ou desídia incompatíveis com o respeito ao erário". [...] (AIRR - 491-15.2015.5.23.0002 , Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra Belmonte, Data de Julgamento: 29/06/2016, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 01/07/2016) (grifo nosso)

[...] AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DO TERCEIRO RECLAMADO - INSS. APELO INTERPOSTO SOB A VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.015/2014. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENTE PÚBLICO. COMPROVAÇÃO DA CULPA IN VIGILANDO. ÔNUS DA PROVA. PRINCÍPIO DA APTIDÃO PARA A PROVA. Nos moldes do item V da Súmula n.º 331 desta Corte: "Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21/6/1993; especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada". Sendo a efetiva fiscalização da execução do contrato encargo do ente integrante da Administração Pública, compete a ele provar que cumpriu com o seu dever legal, sobretudo porque eventuais documentos que demonstram a fiscalização estão em seu poder. Outrossim, pelo princípio da aptidão para a prova, deve ser atribuída ao ente integrante da Administração Pública a comprovação da efetiva fiscalização do contrato, sendo caso, portanto, de inversão do ônus da prova. Precedentes. Agravo de Instrumento conhecido e não provido. (ARR - 1021-14.2011.5.04.0026 , Relatora Ministra: Maria de Assis Calsing, Data de Julgamento: 29/06/2016, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 01/07/2016) (grifo nosso)

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AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI 13.015/2014. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. TERCEIRIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. CONFIGURAÇÃO DE CULPA IN VIGILANDO. PARÂMETROS FIXADOS PELO STF NO JULGAMENTO DA ADC 16/DF. Ao julgar a ADC 16/DF e proclamar a constitucionalidade do § 1º do art. 71 da Lei 8.666/93, a Suprema Corte não afastou a possibilidade de imputação da responsabilidade subsidiária aos entes da Administração Pública, por dívidas trabalhistas mantidas por empresas de terceirização por eles contratadas, desde que configurada conduta culposa, por omissão ou negligência, no acompanhamento da execução dos contratos de terceirização celebrados, nos moldes da Súmula 331, V, do TST. Para a fixação da responsabilização em causa, portanto, que não deriva do simples inadimplemento dos créditos trabalhistas por parte da empresa contratada, faz-se necessária a comprovação de que a entidade pública praticou ato omissivo ou comissivo, revelador de negligência no dever - e não apenas prerrogativa! - jurídico-constitucional de fiscalizar e acompanhar a execução dos contratos de prestação de serviços celebrados (art. 58 da Lei 8.666/93). Nesse contexto, e não sendo possível o reexame do acervo fático-probatório aos órgãos da jurisdição extraordinária (Súmula 279 do STF e Súmula 126 do TST), aos juízos naturais de primeiro e segundo graus de jurisdição cabe aferir, concretamente, caso a caso, de acordo com os elementos de convicção produzidos ou segundo as regras de distribuição do ônus probatório correspondente, se houve culpa da entidade pública tomadora, a ensejar a sua responsabilização subsidiária. Fixada a responsabilidade nesses termos, não se poderá cogitar de transgressão à decisão proferida nos autos da ADC 16/DF, tal como proclamado em decisões proferidas em diversas reclamações e acórdãos daquela Corte (Rcl 18021 AGR/RS, Relator Ministro Edson Fachin, julgamento em 15/3/2016; Rcl 10.829 AgR, Relator Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJe de 10/2/2015; Rcl 16.094 AgR, Relator Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJe de 2/2/2015; Rcl 17.618 AgR, Relator Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, DJe de 23/3/2015). De destacar, porém, em respeito ao máximo contraditório que deve pautar as decisões judiciais, notadamente no âmbito das Cortes Superiores, que há decisões monocráticas e colegiadas oriundas da Excelsa Corte, consagrando orientações distintas, ora afirmando a absoluta impossibilidade de transferência da responsabilidade em questão aos entes da Administração Pública (Rcl 21.898/PE, Relator Ministro Marco Aurélio, DJe 25/4/2016), tese que foi expressamente superada no julgamento da ADC 16/DF, ora assentando a tese de que a motivação exposta nas instâncias ordinárias, sem a indicação de qualquer elemento ou conduta capaz de justificar a culpa da entidade pública, não autorizaria igualmente a imputação da aludida responsabilidade, por configurada mera presunção da culpa (Ag-Rcl 20.905/RS, Redator Ministro Teori Zavascki, julgamento 30/6/2015). Buscando evidenciar o que seria condenação por simples presunção, decisões monocráticas proferidas em Reclamações a anunciam como efeito do mero inadimplemento dos créditos trabalhistas pela empresa contratada (Rcl 16.846-AgR, Relator o Ministro Roberto Barroso, Primeira Turma, julgado em 19/5/2015), ainda quando haja registro produzido pelas instâncias ordinárias, a partir do exame do acervo fático-probatório, relativo à configuração da culpa in elegendo e in vigilando da Administração Pública (Rcl 14.522-AgR, Relator o Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 3/2/2015). Diante desse expressivo dissenso no âmbito da Suprema Corte, a quem cabe ditar em última ratio o sentido e alcance dos preceitos constitucionais, promovendo igualmente a defesa da autoridade e eficácia de seus julgados, o critério a ser adotado para o julgamento de casos similares deve ser aquele consagrado por seu órgão plenário. Nesse cenário, além de o voto condutor (que foi agregado por novos motivos durante os debates então travados) consagrar a possibilidade da responsabilização subsidiária da entidade pública, quando, com base nos elementos de prova, for demonstrada a culpa decorrente da omissão ou negligência no exercício adequado do dever de vigiar, a matéria foi objeto de exame plenário, após o julgamento da ADC 16/DF, por ocasião do julgamento do Ag-Rcl 16.094-ES (Relator o Ministro Celso de Mello, em 19/11/2014). Nesse julgamento, com a presença de nove ministros, restou vencido apenas o Ministro Dias Tóffoli, não participando do julgamento a Ministra Cármen Lúcia (impedida). Portanto, entre os presentes, sete Ministros seguiram o voto condutor, o que configura maioria absoluta, autorizando os demais órgãos do Poder Judiciário a aplicar a diretriz consagrada no julgamento da ADC 16/DF, cujo conteúdo foi explicitado, ainda uma vez mais, pelo Plenário da Excelsa Corte, nos autos do Ag-Rcl 16.094-ES. No presente caso, o Tribunal Regional, ao registrar que "Na hipótese dos autos, verifico que o tomador de serviços não demonstrou que, de fato, fiscalizou o cumprimento , pela prestadora, do pagamento de verbas trabalhistas e rescisórias da obreira", ressaltou que o ente público não logrou comprovar a fiscalização das obrigações contratuais e legais da empresa prestadora, o que configura a culpa in vigilando, a legitimar a imputação da responsabilidade subsidiária combatida. Incidência da Súmula 331, V, do TST. Agravo não provido. (Ag-AIRR - 10109-57.2014.5.15.0061 , Relator Ministro: Douglas Alencar Rodrigues, Data de Julgamento: 29/06/2016, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 01/07/2016) (grifo nosso)

RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.015/2014 [...] RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA - ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - SÚMULA Nº 331, V, DO TST - ÔNUS DA PROVA 1. O acórdão regional está em harmonia com a Súmula nº 331, item V, do TST, pois a responsabilização subsidiária do ente público decorreu do reconhecimento de conduta culposa na fiscalização do cumprimento do contrato. 2. Compete à Administração Pública o ônus da prova quanto à fiscalização, considerando que: i) a existência de fiscalização do contrato é fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do reclamante; ii) a obrigação de fiscalizar a execução do contrato decorre da lei (arts. 58, III, e 67 da Lei nº 8.666/93); e iii) não se pode exigir do trabalhador a prova de fato negativo ou que apresente documentos aos quais não tem acesso, em atenção ao princípio da aptidão para a prova. Julgados. [...] Recurso de Revista conhecido parcialmente e provido. (RR - 760-13.2013.5.04.0662, Relatora Ministra: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Data de Julgamento: 10/08/2016, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 15/08/2016) (grifo nosso)

Divergem de tal posicionamento - levando em conta decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em Reclamações Constitucionais (art. 102, I, “l”, e §2º, Constituição Federal22; art. 988, III, CPC23) que versaram sobre suposto descumprimento do julgado na ADC 16 - a 5ª e a 6ª Turmas do Tribunal Superior do Trabalho:

RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA ADMINSTRAÇÃO PÚBLICA. CULPA IN VIGILANDO. ÔNUS SUBJETIVO DA PROVA. DESCABIMENTO. PRESUNÇÃO RELATIVA DE LEGITIMIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA APTIDÃO DA PROVA. CONTRARIEDADE À SÚMULA 331, ITEM V, DO TST, E VIOLAÇÃO AO ARTIGO 71, § 1º, DA LEI 8.666/93. I - Para equacionar a controvérsia em torno da existência ou inexistência de responsabilidade subsidiária da Administração Pública pelas obrigações trabalhistas não honradas pela empresa prestadora de serviço é imprescindível trazer a lume a decisão proferida pelo STF na ADC 16/2007. II - Nela, malgrado tenha sido reconhecida a constitucionalidade do artigo 71, § 1º, da Lei 8.666/93, os eminentes Ministros daquela Corte permitiram-se alertar os tribunais do trabalho para não generalizarem as hipóteses de responsabilização subsidiária da Administração Pública. III - Na ocasião, traçaram inclusive regra de conduta a ser observada pelos tribunais do trabalho, de se proceder, com mais rigor, à investigação se a inadimplência da empresa contratada por meio de licitação pública teve como causa principal a falha ou a falta de fiscalização pelo órgão público contratante. IV - A partir dessa quase admoestação da Suprema Corte, o Tribunal Superior do Trabalho houve por bem transferir a redação do item IV da Súmula 331 para o item V desse precedente, dando-lhe redação que refletisse o posicionamento dos Ministros do STF. V - Efetivamente, o item V da Súmula 331 passou a preconizar que "Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n. 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada". VI - Compulsando esse precedente, percebe-se, sem desusada perspicácia, que a responsabilização subsidiária tem por pressuposto a existência de conduta culposa da Administração Pública, ao se demitir do dever de fiscalizar o cumprimento das obrigações trabalhistas da empresa prestadora de serviços. VII - Em outras palavras, impõe-se extrair da decisão do Regional elementos de prova de que a Administração Pública deixou de observar o dever de fiscalização dos direitos trabalhistas devidos aos empregados da empresa prestadora de serviços, uma vez que o seu chamamento à responsabilização subsidiária repousa na sua responsabilidade subjetiva e não objetiva. VIII - A Ministra Cármen Lúcia, na Reclamação nº 19.147-SP, ao julgá-la procedente, por meio de decisão monocrática lavrada em 25/2/2015, assentou "que as declarações e as informações oficiais de agentes públicos, no exercício de seu ofício, têm presunção relativa (juris tantum) de legitimidade e devem prevalecer até prova idônea e irrefutável em sentido contrário". IX - Ainda nesta decisão, a ilustre Ministra alertou que "para se afirmar a responsabilidade subsidiária da Administração Pública por aqueles encargos, imprescindível a prova taxativa do nexo de causalidade entre conduta da Administração e o dano sofrido pelo trabalhador, a dizer, que se tenha comprovado no processo essa circunstância. Sem a produção dessa prova, subsiste o ato administrativo e a Administração Pública exime-se da responsabilidade por obrigações trabalhistas com relação àqueles que não compõem os seus quadros". X - Delineado no acórdão recorrido que a responsabilização subsidiária do recorrente devera-se apenas à ausência de prova de que procedera à fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas devidas pela empresa contratada, ônus que se advertiu lhe cabia, inoponível à presunção relativa de legitimidade dos atos administrativos, sobressai incontrastável a alegada violação do artigo 71, § 1º, da Lei 8.666/93, e contrariedade à Súmula 331, item V, do TST. XII - Isso considerando ser do reclamante e não do reclamado o ônus de que se demitira do dever de fiscalização das obrigações trabalhistas da empresa prestadora de serviços, não havendo lugar sequer para a adoção da tese da aptidão da prova, na esteira da presunção relativa de legitimidade dos atos administrativos. XIII - Sendo assim, sobrevém a evidência de o acórdão recorrido ter contrariado a Súmula 331, item V, do TST, de modo que se impõe, o conhecimento e o provimento do apelo extraordinário para excluir a recorrente da condenação a título de responsabilidade subsidiária. XIV - Recurso de revista de que se conhece e se dá provimento para excluir a responsabilidade subsidiária atribuída ao recorrente, restando prejudicado o tema juros de mora. (RR - 2986-17.2013.5.02.0057, Relator Ministro: Antonio José de Barros Levenhagen, Data de Julgamento: 03/08/2016, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 05/08/2016) (grifo nosso)

AGRAVO DE INSTRUMENTO em recurso de revista. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA ENTE PÚBLICO. SÚMULA 331 DO TST. CULPA IN VIGILANDO. ÔNUS DA PROVA. MÁ APLICAÇÃO. Agravo de instrumento provido para verificar possível violação, por má aplicação, do § 1º do artigo 71 da Lei 8.666/1993. RECURSO DE REVISTA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA ENTE PÚBLICO. SÚMULA 331 DO TST. CULPA IN VIGILANDO. ÔNUS DA PROVA. MÁ APLICAÇÃO. A 6ª Turma do TST decidiu seguir o teor de decisões monocráticas do STF as quais têm afirmado ser do reclamante o ônus da prova acerca da efetiva fiscalização na execução do contrato de terceirização de mão de obra por integrante da Administração Pública. No caso em exame, a ausência de fiscalização decorreu unicamente do entendimento de não satisfação do encargo probatório pela tomadora dos serviços, e isso contrariaria o entendimento exarado pela Suprema Corte - ressalvado entendimento diverso do relator -, ficou ausente registro factual específico da culpa in vigilando, na qual teria incorrido a tomadora de serviços. Nesse contexto, não há como manter a responsabilidade subsidiária do órgão público contratante. Recurso de revista conhecido e provido. (RR - 548-67.2010.5.01.0019, Relator Ministro: Augusto César Leite de Carvalho, Data de Julgamento: 03/08/2016, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 12/08/2016) (grifo nosso)

A despeito da gritante divergência jurisprudencial entre as Turmas do TST, não se constatou, até agosto de 2016, algum julgado pacificador da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, em sede de recurso de embargos (art. 894, CLT), ou alguma decisão do Tribunal Pleno em sede de Incidente de Uniformização de Jurisprudência. Também se verificou nenhum recurso de revista repetitivo sobre a matéria.

Diante da ausência de resolução da cizânia e tendo em vista que a controvérsia, no TST, se instaurou principalmente por consequência de decisões do Supremo Tribunal Federal, em sede de Reclamações Constitucionais, que versaram sobre o conteúdo da ADC 16, percebe-se que a clarificação e a ponderação definitiva sobre o problema do ônus probatório perpassa pela análise em torno dos entendimentos exarados em tais Reclamações.

Atualmente, convém esclarecer que a competência para processar e julgar as Reclamações Constitucionais é das Turmas do Supremo Tribunal Federal (artigo 9º, I, “c”, Regimento Interno do STF, com a redação dada pela Emenda Regimental nº 49, de 3 de junho de 2014; antes de tal emenda, o Tribunal Pleno detinha competência para apreciar as reclamações que tratassem sobre a preservação da competência ou da autoridade das decisões plenárias).

Nesta toada, constata-se que a Primeira Turma do STF vem entendendo que a distribuição do ônus probatório não foi questão discutida e decidida na ADC 16:

EMENTA

DIREITO DO TRABALHO E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECLAMAÇÃO CONHECIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. CARÁTER INFRINGENTE. PODER PÚBLICO. TERCEIRIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. 1. Decisão reclamada que afirma responsabilidade subsidiária da Administração por débitos trabalhistas de suas contratadas, quando reconhecida a omissão da contratante na fiscalização da execução do contrato (culpa in eligendo ou in vigilando). 2. Inexistência da violação à autoridade da decisão proferida na ADC 16. 3. Em reclamação, é inviável reexaminar o material fático-probatório dos autos, a fim de rever a caracterização da omissão do Poder Público. 4. Embargos de declaração conhecidos como agravo regimental, a que se nega provimento.

FUNDAMENTAÇÃO

[…]

4. No caso dos autos, a decisão reclamada explicitamente assentou a responsabilidade subsidiária do ente público por culpa in vigilando. A conclusão foi alcançada a partir da omissão da reclamante em produzir prova da efetiva fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas por parte de sua contratada. A única forma de superar a conclusão do julgado seria pela reabertura do debate fático-probatório relativo à configuração efetiva da culpa ou omissão da Administração, ou, ainda, à correta aplicação das regras de distribuição do ônus da prova, o que é inviável em reclamação (Rcl 3.963 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski; Rcl 4.057, Rel. Min. Ayres Britto).

[…]

DISPOSITIVO

Por maioria de votos, a Turma converteu os embargos de declaração em agravo regimental e o desproveu, nos termos do voto do Relator, vencido o Senhor Ministro Marco Aurélio. Presidência do Senhor Ministro Luís Roberto Barroso. 1ª Turma, 7.6.2016.

(Rcl 19564 ED, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 07/06/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-171 DIVULG 15-08-2016 PUBLIC 16-08-2016) (grifo nosso)

EMENTA

AGRAVO REGIMENTAL EM RECLAMAÇÃO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO ENTE PÚBLICO. DEVERES DE FISCALIZAÇÃO DO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES TRABALHISTAS. DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA. AUSÊNCIA DE AFRONTA À DECISÃO PROFERIDA NA ADC 16 OU CONTRARIEDADE À SÚMULA VINCULANTE 10/STF. PRECEDENTES. 1. O registro da omissão da Administração Pública quanto ao poder-dever de fiscalizar o adimplemento, pela contratada, das obrigações legais que lhe incumbiam - a caracterizar a culpa in vigilando-, ou da falta de prova acerca do cumprimento dos deveres de fiscalização - de observância obrigatória-, não caracteriza afronta à ADC 16. 2. Inviável o uso da reclamação para reexame de conjunto probatório. Precedentes. 3. A afronta à Súmula Vinculante 10 se dá quando o sentido conferido a determinada norma por órgão fracionário de tribunal acaba por deixá-la à margem do ordenamento jurídico, sem qualquer aplicabilidade, de forma direta - com o reconhecimento da inconstitucionalidade - ou indireta - com o completo esvaziamento do conteúdo da norma, a eliminar suas hipóteses de incidência. A violação da reserva de plenário não se configura na mera interpretação de determinada norma à luz da Carta Política. Agravo regimental conhecido e não provido.”

FUNDAMENTAÇÃO

[…]

4. Limitado a obstaculizar a responsabilização subsidiária automática da Administração Pública - como mera decorrência do inadimplemento da prestadora de serviços-, no julgamento da ADC 16, não resultou enfrentada a questão da distribuição do ônus probatório, tampouco estabelecidas balizas para a apreciação da prova ao julgador – hipóteses, portanto, que não viabilizam o uso do instituto da reclamação com espeque em alegada afronta à ADC 16, conforme já decidido em várias reclamações: Rcl 14832/RS, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 19.11.2012 , Rcl 15194/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, DJe 18.3.2013, Rcl 15385/MG, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 15.3.2013.

[…]

DISPOSITIVO

A Turma negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto da Relatora. Unânime. Não participaram, justificadamente, deste julgamento, os Senhores Ministros Marco Aurélio e Luiz Fux. Presidência da Senhora Ministra Rosa Weber. 1ª Turma, 15.12.2015.

(Rcl 13253 AgR-segundo, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 15/12/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-029 DIVULG 16-02-2016 PUBLIC 17-02-2016 REPUBLICAÇÃO: DJe-038 DIVULG 29-02-2016 PUBLIC 01-03-2016) (grifo nosso)

Já a Segunda Turma do STF tem enveredado por linha diversa, pontuando, direta ou indiretamente, que o ônus de comprovar o descumprimento dos deveres de fiscalização e de cautela na escolha seria do empregado demandante e que tal aspecto teria restado decidido na ADC 16:

EMENTA

RECLAMAÇÃO – ARGUIÇÃO DE OFENSA AO POSTULADO DA RESERVA DE PLENÁRIO (CF, ART. 97) – SÚMULA VINCULANTE Nº 10/STF – INAPLICABILIDADE – INEXISTÊNCIA, NA ESPÉCIE, DE JUÍZO OSTENSIVO, DISFARÇADO OU DISSIMULADO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE QUALQUER ATO ESTATAL – PRECEDENTES – ALEGADO DESRESPEITO À AUTORIDADE DA DECISÃO PROFERIDA, COM EFEITO VINCULANTE, NO EXAME DA ADC 16/DF – RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO PODER PÚBLICO POR DÉBITOS TRABALHISTAS (LEI Nº 8.666/93, ART. 71, § 1º) – AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO PRECISA DOS ELEMENTOS FÁTICOS E PROBATÓRIOS APTOS A SUBSIDIAREM A IMPUTAÇÃO DE COMPORTAMENTO CULPOSO À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – IMPRESCINDIBILIDADE DA COMPROVAÇÃO, EM CADA CASO, DA CONDUTA ATRIBUÍDA À ENTIDADE PÚBLICA CONTRATANTE QUE EVIDENCIE A SUA CULPA “IN OMITTENDO”, “IN ELIGENDO” OU “IN VIGILANDO” – PRECEDENTES – RESSALVA DA POSIÇÃO DO RELATOR DESTA CAUSA – OBSERVÂNCIA, CONTUDO, DO POSTULADO DA COLEGIALIDADE – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.

FUNDAMENTAÇÃO

[…]

Ocorre, no entanto, que a decisão judicial reclamada deixou de indicar, precisamente, a conduta que, evidenciada por elementos fáticos e probatórios produzidos nos autos do processo trabalhista, subsidiaria a imputação de responsabilidade subjetiva à Administração Pública.

Vale destacar, por relevante, neste ponto, que a colenda Segunda Turma deste Supremo Tribunal Federal passou a reconhecer, em reiterados julgamentos (nos quais fiquei vencido), a imprescindibilidade da prova, em cada caso, da conduta da entidade pública que evidenciaria a sua culpa “in omittendo”, “in eligendo” ou “in vigilando” (Rcl 1 9.458-AgR/RS, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI – Rcl 19.937-AgR/RS, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI – Rcl 19.982-AgR/RS, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI – Rcl 20.285-AgR/RJ, Red. p/ o acórdão Min. TEORI ZAVASCKI, v.g.):

[…]

DISPOSITIVO

A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator. Não participou, justificadamente, deste julgamento, o Senhor Ministro Teori Zavascki. Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli. 2ª Turma, 24.11.2015.

(Rcl 22273 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 24/11/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-029 DIVULG 16-02-2016 PUBLIC 17-02-2016) (grifo nosso)

EMENTA

AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. CONTRATO ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. RECONHECIMENTO POR PRESUNÇÃO. AFRONTA À AUTORIDADE DA DECISÃO PROFERIDA NA ADC 16. CONFIGURAÇÃO. 1. Afronta a autoridade da decisão proferida no julgamento da ADC 16 (Min. Cezar Peluso, Pleno, DJe 9/9/2011) a transferência à Administração Pública da responsabilidade pelo pagamento de encargos trabalhistas sem a indicação de específica conduta que fundamente o reconhecimento de sua culpa. 2. Agravo regimental não provido.

FUNDAMENTAÇÃO

[…]

Isso porque o acórdão reclamado, ao concluir pela responsabilização do Município, valeu-se de fundamentação de aresto do Tribunal Regional do Trabalho, abaixo transcrito, que faz referência à culpa in vigilando como decorrência do inadimplemento contratual:

[...]

Com efeito, o acórdão tem como fundamento da responsabilidade exclusivamente a culpa in eligendo, o que, em regime jurídico de submissão a licitação, não é fundamento adequado. Não há menção alguma a elementos fáticos e probatórios para subsidiar a condenação da Administração Pública, o que evidencia, sem adentrar na discussão acerca do ônus da prova, a presunção de responsabilidade da ora reclamante – conclusão não admitida por esta Corte quando do julgamento da ADC 16.

[…]

DISPOSITIVO

A Turma, por maioria, deu provimento ao agravo regimental e julgou procedente o pedido, de forma seja cassado o acórdão reclamado (Processo 0001622-80.2012.5.04.0512), nos termos do voto divergente do Ministro Teori Zavascki, redator para o acórdão, vencido o Ministro Celso de Mello (Relator). Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Gilmar Mendes. Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli. 2ª Turma, 30.06.2015.

(Rcl 20905 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 30/06/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-156 DIVULG 07-08-2015 PUBLIC 10-08-2015) (grifo nosso)

EMENTA

AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE N. 16. ART. 71, § 6º, DA LEI N. 8.666/1993. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. AUSÊNCIA DE ELEMENTO PROBATÓRIO CAPAZ DE DEMONSTRAR OMISSÃO DE AGENTES PÚBLICOS. PRESUNÇÃO DA CULPA DA ADMINISTRAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A responsabilidade subsidiária da Administração Pública por encargos trabalhistas somente tem lugar quando há prova taxativa do nexo de causalidade entre a conduta de agentes públicos e o dano sofrido pelo trabalhador. 2. O inadimplemento de verbas trabalhistas devidas aos empregados da empresa contratada por licitação não transfere para o ente público a responsabilidade por seu pagamento. Não se pode atribuir responsabilidade por mera presunção de culpa da Administração. 3. Agravo regimental ao qual se nega provimento.

FUNDAMENTAÇÃO

[…]

2. Como salientei no julgamento da reclamação, a atribuição de responsabilidade subsidiária ao Município Reclamante decorreu da inadimplência da Cooperativa contratada quanto ao pagamento de verbas trabalhistas devidas aos cooperados/empregados.

3. Não há, na decisão reclamada, nem nas presentes razões recursais, indicação de elementos capazes de comprovar a omissão de agentes públicos municipais, mas apenas a afirmação de o Município Reclamante ter deixado de produzir prova em sentido contrário. Isso apenas reforça que a Agravante não provou a culpa da Administração e corrobora o fundamento central no qual se ampara a decisão agravada: a impossibilidade de se responsabilizar o ente público por presunção de culpa pelo inadimplemento de verba trabalhista.

[…]

5. Para afirmar a responsabilidade subsidiária da Administração Pública por encargos trabalhistas da contratada com os seus empregados, imprescindível a prova taxativa do nexo de causalidade entre a conduta da Administração e o dano sofrido pelo trabalhador, que se tenha comprovado essa circunstância no processo. Sem a produção dessa prova, subsiste o ato administrativo, e a Administração Pública exime-se da responsabilidade por obrigações trabalhistas com relação àqueles que não compõem os seus quadros.

[…]

DISPOSITIVO

A Turma, por votação unânime, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto da Relatora. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Celso de Mello. Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli. 2ª Turma, 23.06.2015.

(Rcl 16671 AgR, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 23/06/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-151 DIVULG 31-07-2015 PUBLIC 03-08-2015) (grifo nosso)

Em face desse impasse, convém analisar a Reclamação 10.829 (BRASIL, 2014), uma das últimas Reclamações apreciadas pelo Plenário do STF, na qual foram desenvolvidos debates que podem ajudar (ou não) na compreensão do entendimento da Corte Máxima.

Nesse julgado, percebe-se, com destaque, que a Ministra Cármen Lúcia, conforme delineado na Reclamação 16.671 (acima transcrita), é a que puxa a corrente “pró Poder Público”, defendendo interpretação de que na ADC 16 restou firmado que, em decorrência da declaração de constitucionalidade do art. 71, §1º, a responsabilidade subsidiária da Administração Pública tomadora de serviços somente poderia advir de prova da culpa in eligendo e in vigilando, e não de mera “presunção de culpa”. Dá a entender que não se poderia atribuir ao ente público o ônus probatório sobre o cumprimento de seus deveres de cautela na escolha e de fiscalização, pois os atos da Administração Pública se presumiriam válidos “até prova cabal e taxativa em contrário”24.

Já a Ministra Rosa Weber, na mesma Reclamação, esclareceu que a principal dúvida do tema, no TST, girava em torno do “ônus da prova” sobre a culpa do Poder Público. Após debates e divergências sobre a questão, o Ministro Ricardo Lewandowski (então Presidente) assim assentou: “[...] Agora, existem falhas, ou ainda lacunas, como essa apontada pela Ministra Rosa Weber, que é a dificuldade de se assentar a quem cabe provar que deixou de fiscalizar ou não. Mas, enfim, não está em questão esta matéria”.

Pois é.

Lamentável que a Corte Suprema do Brasil não consiga manter minimamente a uniformidade no trato de um problema que, no caso, é: o que foi decidido na ADC 16? Aparentemente, cada Ministro entende ao seu modo o acórdão da ADC 16. No Pleno, a questão foi tratada de forma divergente e nenhuma posição clara foi firmada sobre o tópico.

Complementando esse verdadeiro caos jurisprudencial, cada Turma do STF firmou posicionamento em um sentido. A Primeira Turma sustenta que o tema “ônus da prova” não foi objeto de deliberação na ADC 16. A Segunda Turma oscila no fundamento, mas aparentemente compreende que precisa ser apontada alguma prova no feito que indique a responsabilidade do Poder Público, direta ou indiretamente refutando que o ônus probatório de demonstrar o adimplemento dos deveres da tomadora de serviços ente público seja deste.

A confusão do STF respinga seus efeitos danosos nos julgados Tribunais Laborais: Reclamações Constitucionais são decididas monocraticamente pelos Ministros do STF e, por consequência, vários acórdãos trabalhistas que julgaram com base no ônus da prova vêm sendo cassados. Não bastasse, visando prestigiar a Suprema Corte, a 5ª e a 6ª Turmas do Tribunal Superior do Trabalho chegaram a inclusive mudar sua jurisprudência para, supostamente, se adequar ao entendimento do STF (antigamente as 8 Turmas do TST eram uníssonas de que era ônus probatório do Poder Público comprovar que cumpriu seu deveres de cautela na escolha e de fiscalização).

A confusão existente é tão absurda quanto atribuir o ônus probatório à parte reclamante. Na ADC 16, o Supremo Tribunal Federal não fixou ônus probatório. Refutou-se a responsabilidade subsidiária decorrente do mero inadimplemento dos débitos trabalhistas pela empresa prestadora. A condenação por mero inadimplemento é que é a tal “responsabilização por presunção de culpa”, rechaçada pelo STF.

A possibilidade, respaldada pelo STF na ADC 16, de fixar a responsabilidade subsidiária da tomadora, no caso concreto, por consequência de eventual ação ou omissão culposa (culpa in eligendo, in vigilando etc.) do ente público nada define acerca do tema “ônus da prova”. No caso concreto, as instâncias ordinárias devem solucionar a matéria levando em conta as alegações, as provas e a distribuição do encargo probatório. Por qualquer caminho podemos chegar validamente à conclusão de que a Administração Pública cumpriu ou não com seus deveres de cautela na escolha e de fiscalização. Em um processo, um “fato” considerado verdadeiro não é necessariamente fruto de prova. Pode também decorrer do encargo probatório, da incontrovérsia, da ausência de impugnação específica etc. A ADC 16 não definiu que o Poder Público somente poderia ser responsabilizado por “fato provado”.

Sobre a temática, portanto, razão assiste ao entendimento majoritário do E. TST e da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal.

Sobre o autor
Charles da Costa Bruxel

Doutorando em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Mestre em Direito na área de concentração de Constituição, Sociedade e Pensamento Jurídico pela Universidade Federal do Ceará (2021). Especialista em Direito Processual Civil pela Damásio Educacional (2018). Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Gama Filho (2013). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará (2016). Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Ceará (2011). Analista Judiciário - Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (CE), exercendo atualmente a função de Assistente em Gabinete de Desembargador. Explora pesquisas principalmente o Direito Processual do Trabalho, Direito do Trabalho, Direito Processual Civil e Direito Constitucional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRUXEL, Charles Costa. A responsabilidade subsidiária da administração pública tomadora de serviços, a ADC 16, o STF, o TST e o ônus da prova: Afinal de contas, o ônus de provar a (ir)regularidade da fiscalização e da contratação é do reclamante ou do ente público?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4933, 2 jan. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51484. Acesso em: 22 dez. 2024.

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