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Uma polícia que resolve conflitos sociais:NECRIM

Agenda 21/08/2016 às 10:10

A Polícia Civil de São Paulo, através de ações pioneiras, tem contribuído para a melhora da prestação de serviço à população através dos Núcleos Especiais Criminais – NECRIM.

Resumo

O Brasil tem enfrentado sérios problemas de aumento de criminalidade, e a dificuldade do acesso à justiça é uma das causas do recrudescimento desse problema. O atual sistema de justiça criminal não tem conseguido desempenhar o seu papel; formado por instituições desestruturadas e com uma gestão arcaica e deficitária, o cidadão encontra se vilipendiado em seus direitos. A Polícia Civil de São Paulo, através de ações pioneiras, tem contribuído para a melhora da prestação de serviço à população através dos Núcleos Especiais Criminais – NECRIM.

Palavra-chave:

Criminalidade, Sistema de Justiça Criminal, Núcleo especial criminal

Abstract

Brazil has faced serious problems of crime rising, and the difficult access to justice is one of the causes of the resurgence of this problem. The current criminal justice system has been unable to play its part, made up of dysfunctional institutions and an archaic and deficient management, the citizen lies vilified for their rights. The Civil Police of São Paulo, through pioneering actions, has done much to improve service delivery to the population through the Special Criminal Cores - NECRIM.

Agradecimentos:

A Fundação Getulio Vargas que proporcionou a produção deste artigo através do financiamento de bolsa acadêmica. E também aos professores da FGV, Rafael Alcadipani e Renato Sérgio de Lima, por toda a assistência prestada. 

1. Introdução

            A sociedade brasileira tem se deparado com o aumento dos problemas sociais, e, como reflexo disso, altos índices de criminalidade, em que o Estado, com os meios que dispõe, não tem cumprido o seu papel. O surgimento de normas em nada tem influenciado no controle social, fazendo com que o abismo entre o cidadão e a prestação de serviços estatais aumente consideravelmente. Fato confirmado na publicação do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2015:

... somos uma sociedade muito violenta e nossas políticas públicas são extremamente ineficientes e obsoletas.

Por detrás da imagem de um país cordial e pacífico, somos um país que convive anualmente com 59 mil mortes violentas intencionais e com vários outros crimes com taxas elevadas.

            A falta de estrutura do poder público tem feito com que o cidadão deixe de procurar o Estado e busque soluções impróprias de restabelecimento da paz em seu meio, nas quais grupos organizados com interesses escusos amparam as pessoas na falta de organismos sociais, passando o sujeito a conviver nessas organizações criando uma espiral criminosa, ocultando crimes de todas as espécies.

A grande maioria da população urbana depende de guardas privados sem profissionalização, apoia-se perversamente na ‘proteção’ oferecida por traficantes locais ou procura resolver suas pendências e conflitos por conta própria. (ADORNO, 2002).

             O Estado não cumpre sua parcela de responsabilidade no Contrato Social, dando margem para que outras formas de organização assumam esse papel (ZAFFARONI, 2002).

             O Sistema de Justiça Criminal tem encontrado diversos problemas para o atendimento dos direitos do cidadão. Desde o início do sistema encontramos problemas: a Segurança Pública desestruturada, a falta de coordenação entre os entes Federados e os diversos órgãos de segurança pública, um Poder Judiciário moroso e hermético e finalizando com o cumprimento de pena em estabelecimentos prisionais mais parecidos com masmorras.

“A ideia de que a repressão total vai sanar o problema é totalmente ideológica e mistificadora. Sacrificam-se direitos fundamentais em nome da incompetência estatal em resolver os problemas que realmente geram a violência” (LOPES JR, 2006).

Nos mutirões feitos pelo elo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) foram encontradas pessoas presas há mais de dez anos sem terem sido sentenciadas, tendo o Ministro do Supremo Tribunal Federal concluído que "Quando se chega a isso, estamos falando de uma falência do sistema de justiça criminal". (MENDES, 2013).

            A crise do Estado deve ser enfrentada de forma rápida e com iniciativas que demonstram com êxito a capacidade de levar ao cidadão as respostas aos seus anseios, abrindo à possibilidade de mudar o entendimento de acesso à justiça, buscando assim uma sociedade livre, justa e solidária.

            Ao pontuar a importância de políticas sociais e públicas, Lemgruber (2001) afirma que:

“só um maciço esforço de resgatar a dívida social o mais rapidamente possível, junto com uma profunda revisão do nosso falido modelo de segurança e justiça, é que nos permitirá vislumbrar no horizonte um país menos injusto e violento. O resto são mitos, ou demagogia de quem busca na manipulação do medo uma fonte de lucro e poder”.

            O sistema de justiça criminal está em colapso, como veremos a situação caótica da segurança pública, do Poder Judiciário e do Sistema Penitenciário, e para buscarmos meios para minorar essa crise, demonstraremos através de dados atuais que a instalação do Núcleo Especial Criminal – NECRIM –, é uma ferramenta inovadora em busca da solução de vários problemas.

            2. A crise no sistema de Justiça Criminal

            O Sistema de Justiça Criminal é integrado pelos subsistemas policial, de justiça criminal e de execução penal, que têm como função a administração dos conflitos sociais.

            Sistema é um conjunto de elementos que se inter-relacionam, mas como veremos, o sistema de Justiça Criminal Brasileiro tem uma estrutura deficitária onde não existe o inter-relacionamento necessário.

            Iniciando pela Segurança Pública, que a Constituição Federal de 1988, ao tratar da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, trouxe no Capítulo III a Segurança Pública como dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, a qual deve ser exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas.

            A Segurança Pública, exercida pelas diversas polícias elencadas no art. 144 da Constituição Federal, deve ter ações pautadas nos rígidos regramentos dos direitos humanos, tendo no cidadão um sujeito de direitos e obrigações, sendo condenável e execrável qualquer tipo de distinção. A atividade de polícia é uma função social exercida em nome do Estado, Febretti (2014, p.89) afirma que:

a redação do art. 144 da Constituição Federal é confusa, pois não deixa claro se a finalidade de “segurança pública” é   proteger o Estado ou o cidadão, pois o mesmo tempo que determina que seu objeto de proteção é a “ordem pública”, também determina como objetos a “incolumidade pessoal” e o     “patrimônio”.

            Ainda como órgãos da segurança pública, temos a polícia federal, polícia rodoviária e ferroviária federal e as guardas municipais, que, embora tenham desempenhado um importante papel na segurança pública, foram criadas para a proteção dos bens, serviços e instalações municipais. No entanto, neste artigo, nos ateremos especificamente à polícia civil e militar.

            Ao Estado, como detentor do poder, cabe dotar os órgãos de segurança pública de estruturas para que exerçam o seu papel social, e que essa seja uma polícia de Estado e não de governo. Não sendo apropriado e legítimo que deixem os atores da segurança pública de exercer o papel destinado na Carta Magna, usurpando funções que não possuem legitimidade.

            “A superposição de ações faz com que o cidadão seja aviltado em seus direitos fundamentais, além de causar sérios prejuízos ao erário ao praticar ações em duplicidade e ao arrepio das normas cogentes. Caso a polícia militar que cabe o policiamento ostensivo, invada as atribuições da polícia civil, estará desviando de sua função que é garantir a segurança” (MARTINS, 2011).

            Embora a atual Constituição Brasileira seja conhecida como “Constituição Democrática” ou “Constituição Cidadã”, Febretti afirma que ainda existe a “tradição militarista mantida pela Constituição Federal de 1988 que, na contramão dos processos de democratização, manteve uma polícia com estrutura militar e vinculada às Forças Armadas” (FEBRETTI, 2014, p.89). Isso com certeza, fere os princípios democráticos, pois uma polícia formada para a guerra não pode desenvolver o seu trabalho com a população que vive em um Estado Democrático de Direito, o qual tem como princípio o respeito aos direitos humanos (BARBOSA, 2009, p.66).

            A ação praticada por forças militares de forma contrária às normas postas tem sido uma constância. Em recente episódio de chacina (mais precisamente em 13 de agosto de 2015) homens encapuzados invadiram estabelecimentos comerciais na região de Osasco e Barueri, na Região Metropolitana de São Paulo, e atiraram contra os frequentadores, fazendo 19 vítimas de homicídio.

            A investigação dos crimes está sendo feito pela Corregedoria da Polícia Militar, a qual tem conseguido mandados de prisão e de busca e apreensão expedidos pela justiça militar (outra herança da ditadura prevista na Constituição Federal), investigação essa temerária e contrária ao direito positivo, o  § 4º  do art. 144 da Constituição Federal dispõe que “Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares” sendo no mesmo sentido a Lei n. 9.299/96, que modificou a competência da Justiça Castrense, passando para a justiça comum a apuração de homicídio doloso praticado por militar contra civil.

            O Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou nesse sentido:

Conflito de competência. Penal. Homicídio praticado por militar contra civil. Inquérito policial. Tese de legítima defesa putativa. Necessidade de exame detalhado e cuidadoso do conjunto   probatório. Princípio in dubio pro societate. Competência da  justiça comum..... 3 – O parágrafo único do art. 9.º do CPM, com as alterações introduzidas pela Lei 9.299/1996, excluiu do rol dos crimes militares os crimes dolosos contra a vida         praticado por militar contra civil, competindo à Justiça Comum a competência para julgamento dos referidos delitos. 3 – Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 1.ª Vara Criminal de Ribeirão das Neves – MG” (STJ, CC 45.134 (2004/0091530-5), 3.ª S., rel. Og Fernandes, DJe 07.11.2008, p. 129).

            A Instituição Policial Civil deve usar da inteligência e estratégias para a elucidação dos crimes, “obedecendo se aos preceitos legais e constitucionais para a atividade policial e as garantias individuais” (GONÇALVES, 2009, p. 28), mas conta com uma estrutura arcaica causada por uma gestão deficitária onde uma parte dos policiais desdobram se para suprir a falta do Estado, devendo reinventar se a cada dia para a prestação de serviço com maior qualidade. Para isso, no entanto, é necessário que ela tenha equipamentos e policiais motivados no enfrentamento da criminalidade crescente. Como assevera BARROS (2007, p. 75):

A polícia tem problemas crônicos, não por serem impossíveis de resolver, mas porque não há interesse suficiente em resolver os problemas. Em geral, os gestores evitam todos os perigos de se introduzir mudança no serviço público: desagradar os que tiram vantagem dos problemas; desagradar os que não gostam de ver alterações nas condições de trabalho; ou simplesmente não querem correr o risco de falhar ao introduzir mudanças na organização.

            A Polícia Judiciária não é auxiliar na investigação, ela é a titular da investigação, com autonomia para determinar os meios e formas que devem ser empregados, não existindo qualquer subordinação funcional aos juízes e promotores (LOPES JR, 2013, p. 69).

            A falta de estatísticas criminais dificulta o planejamento de “políticas públicas e democráticas” (LIMA, 2008, p.65); assim, não se sabe efetivamente qual é o índice de esclarecimentos de crimes no território nacional.

            O problema da falta de dados e de uma efetiva avaliação da segurança pública faz com que as reações ao crime sejam de forma fragmentária, e muitas vezes as ações são pautadas pela política ou pela mídia (SOARES, 2007, p. 10).

            Embora a Secretaria Nacional de Segurança Pública tenha a função de coordenar as políticas de segurança pública, percebemos que elas são “pensadas e implementadas de forma fragmentada e pouco planejada.” (BALLESTEROS, 2014, p.7).

            A situação da Segurança Pública no Brasil está em crise, devido à falta de planejamento, corporativismo, a não submissão dos comandados ao comando, etc. É necessário que passemos dos discursos, que muitas vezes trazem o retrocesso, e façamos uma reforma legislativa substantiva, além da reforma institucional urgente e ações gerenciais, as quais podem ser desenvolvidas por gestores locais (PERES, BUENO, LEITE E LIMA, 2014, p.132 e 150).

            Com o aumento da criminalidade, os gestores devem fazer polícia com cientificismo, não bastando apenas colocar policiais na rua, enfrentamos uma criminalidade globalizada, sendo importante que se utilize da análise criminal para a melhor utilização dos recursos humanos e materiais na busca de uma polícia mais eficiente. (FERREIRA e RIGUEIRA, 2013, p. 69).

            Ainda como integrantes do Sistema de Justiça Criminal o Poder Judiciário, tem vivido uma crise ao longo do tempo (PEDRON, 2006, p. 217) constata-se a enormidade de ações propostas difusamente em todas as instâncias, com os recursos processuais infindáveis e muitas vezes protelatórios, onde não se faz justiça, pois a demora da prestação jurisdicional faz com que o direito pereça.

            Com a profusão de normas, tem se buscado uma maior celeridade na prestação jurisdicional, mas os formatos adotados, hoje, estão emperrados pela quantidade de demandas. Em recente pesquisa o CNJ constatou que o maior número de demandas no Poder Judiciário é provocado pelo poder público em todas as suas esferas, (CNJ, 2012); ressalta-se a burocracia reinante em uma justiça retributiva ultrapassada.

            A estrutura do Poder Judiciário, como nos demais órgãos também é deficitária, a taxa de congestionamento de processos é de 70%, seguidos da Bósnia Herzegoniva e Portugal, com 68% e 67% respectivamente, e, a mais baixa é a da Federação Russa com 3%. (CNJ, 2009).

            O Poder Judiciário preocupado com a celeridade e a pacificação social, editou a Resolução 125/2010 e a Recomendação 50/2014 para estimular os tribunais a adotarem técnicas para a resolução de conflitos através da conciliação e mediação. Não basta a criação de normas, “É preciso mudar a cultura da sentença pela cultura da paz. E a sociedade tem que ser informada e conscientizada sobre as vantagens da Justiça conciliativa, que é mais rápida, barata, acessível e pacificadora”. (GRINOVER, 2014, p.78).

             Conforme notícia publicada no site Migalhas, a Associação dos Magistrados Brasileiros, criou um painel itinerante que mostra em tempo real o número de processos que dão entrada no Poder Judiciário, no dia 09 de setembro de 2015, haviam mais de 105 milhões, ou seja, a cada cinco segundos dá entrada no Judiciário um novo processo, sendo que 42 milhões deste total não deveriam ser submetidos ao Judiciário, os quais só fomentam a cultura do litígio.

            No mesmo sentido ao discutir a morosidade do Judiciário, Falcão (2015), entende que “precisamos criar instrumentos de mediação e conciliação, para encurtar os processos”, fato notório para todos, os que trabalham no Judiciário, bem como para o cidadão que encontra dificuldade no acesso à justiça.

            O Sistema Prisional, que finaliza o sistema de justiça criminal com o recebimento do condenado, está falido, pois é crescente o déficit de vagas, não reeduca, sendo transformado em depósito de seres humanos e em muitos casos, em condições degradantes. “A prisão é uma lixeira humana, um lugar de horror, de total invisibilidade, um lugar de aniquilamento do homem, de aprisionamento do ser.” (SEQUEIRA, 2006, p.268);

            A simples construção de muros e celas não resolverá o problema, pois a criminalidade tem aumentado e a falta de reeducação e perspectiva para o reeducando fará com que ele não saia desse circulo vicioso que é o muno do crime.

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            O Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo (548 mil presos) e, se levarmos em consideração as pessoas que estão em prisão domiciliar esse número passa de 700 mil, tendo ainda um déficit superior a 360 mil vagas. (CNJ, 2014).

            As mais diversas formas têm sido utilizadas para aliviar a superlotação dos presídios, como a audiência de custódia em 09 de junho de 2015, a  6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu a possibilidade da remição da pena pela leitura.

A atividade de leitura pode ser considerada para fins de remição de parte do tempo de execução da pena. O art. 126 da LEP (redação dada pela Lei 12.433/2011) estabelece que o "condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena". De fato, a norma não prevê expressamente a leitura como forma de remição. No entanto, antes mesmo da alteração do art. 126 da LEP, que incluiu o estudo como forma de remir a pena, o STJ, em diversos julgados, já previa a possibilidade. Em certa oportunidade, salientou que a norma do art. 126 da LEP, ao possibilitar a abreviação da pena, tem por objetivo a ressocialização do condenado, sendo possível o uso da analogia in bonam partem, que admita o benefício em comento, em razão de atividades que não estejam expressas no texto legal (REsp 744.032-SP, Quinta Turma, DJe 5/6/2006). O estudo está estreitamente ligado à leitura e à produção de textos, atividades que exigem dos indivíduos a participação efetiva enquanto sujeitos ativos desse processo, levando-os à construção do conhecimento. A leitura em si tem função de propiciar a cultura e possui caráter ressocializador, até mesmo por contribuir na restauração da autoestima. Além disso, a leitura diminui consideravelmente a ociosidade dos presos e reduz a reincidência criminal. Sendo um dos objetivos da LEP, ao instituir a remição, incentivar o bom comportamento do sentenciado e sua readaptação ao convívio social, impõe-se a interpretação extensiva do mencionado dispositivo, o que revela, inclusive, a crença do Poder Judiciário na leitura como método factível para o alcance da harmônica reintegração à vida em sociedade. Além do mais, em 20/6/2012, a Justiça Federal e o Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça (Depen) já haviam assinado a Portaria Conjunta 276, a qual disciplina o Projeto da Remição pela Leitura no Sistema Penitenciário Federal. E, em 26/11/2013, o CNJ - considerando diversas disposições normativas, inclusive os arts. 126 a 129 da LEP, com a redação dada pela Lei 12.433/2011, a Súmula 341 do STJ e a referida portaria conjunta - editou a Recomendação 44, tratando das atividades educacionais complementares para fins de remição da pena pelo estudo e estabelecendo critérios para a admissão pela leitura. HC 312.486-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 9/6/2015, Dje 22/6/2015.

            A crise do sistema de justiça criminal deve ser enfrentada em todas as suas facetas, não sendo crível que Instituições apoderem-se do poder em detrimento de um sistema. A violência e a segurança pública devem ser enfrentadas com uma infraestrutura condizente para uma mínima qualidade de vida. Com a falta de suprimentos básicos para a sobrevivência, não será um arcabouço jurídico que deterá o avanço da criminalidade.

            Enfim, a modernização do sistema de Justiça e uma completa reestruturação do sistema prisional são temas prioritários na busca de soluções que possam reverter, em grande parte, o atual quadro de insegurança pública. Nesse contexto, afigura-se fundamental que se proceda, sem mais tardar, a uma profunda reavaliação da estrutura e funcionamento da Justiça Criminal, para que possamos ter, também nessa área, um Judiciário bem mais moderno e eficiente. (MENDES, 2015).

            Dessa forma, se faz necessário uma mudança de paradigma em nosso sistema criminal, onde a justiça restaurativa deve ocupar espaço, pois o modelo de justiça retributiva já está desgastado e não tem dado os resultados esperados, devendo ser utilizado métodos alternativos de resolução de conflitos.

               

            3. Métodos alternativos de resolução de conflitos

            Desde as Ordenações Filipinas, a solução amigável de conflitos estava prevista, tendo da mesma forma sido previstas na Constituição de 1824 e na atual Carta Magna temos a previsão em seu art. 98.

            Como vimos, o sistema de justiça criminal encontra-se desgastado, sendo necessário encontrarmos outros meios de levar a justiça aos necessitados, a saída é buscarmos outras formas de resolução de conflitos, na fala de (CAPPELLETTI, 1988), “Ondas Renovatórias” de acesso à justiça.

            Nessas “ondas renovatórias” encontramos diversos métodos de resolução de conflitos, tendo cada um seu valor, o qual deve ser utilizado nos diversos casos concretos que deparamos (BACELLAR, 2012).

            Os métodos de solução de conflitos classificam-se, basicamente, em três grupos - autotutela, autocomposição e heterocomposição (SENA, 2007), sendo certo que a doutrina diverge em sua classificação.

            A autotutela ocorre quando o próprio sujeito busca unilateralmente seu interesse, é uma pressão exercida por ele em relação aos outros, sendo restringido ao máximo sua utilização, pois cabe ao Estado esse papel (SENA, 2007).

            Na autocomposição não temos a participação de um agente externo, as partes despojam-se de seus interesses visando à composição, que pode ser pela renúncia, aceitação ou a transação (SENA, 2007).

            A heterocomposição ocorre quando um agente exterior participa da relação conflituosa, tendo as modalidades de jurisdição, arbitragem, mediação e a conciliação. (SENA, 2007).

            No caso de nosso estudo, trataremos da mediação e da conciliação, pois são as modalidades mais utilizadas, sendo certo que dependendo do objeto que se discute, o mediador terá que utilizar de diversas modalidades além de seu conhecimento e cultura para a pacificação do conflito.

            Na mediação, teremos a participação de um terceiro que busca a aproximação das partes em conflito.

            Conforme Manual de Mediação Judicial editado pelo Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento em 2013:

A mediação tem sido especialmente bem-sucedida em casos envolvendo acentuada animosidade ou grande carga emotiva. Em diversos casos, como demonstrado em pesquisas de psicologia aplicada, comunicações e negociações não conseguem se desenvolver até que uma ou mais partes tenham tido uma oportunidade de expressar sua irresignação, raiva ou outro sentimento. O mediador pode, aplicando técnicas adequadas para tanto, promover um ambiente seguro e construtivo para que isso ocorra. Em alguns casos, os litigantes precisam ter alguma pessoa neutra que possa ouvir e registrar a intensidade de tais sentimentos antes que o caso esteja pronto a ser debatido com objetividade. Assim, considerem a utilização da mediação ao menos para auxiliar a resolver tais questões emotivas e estimular negociações construtivas.

            Na conciliação a busca da composição pelas partes é dirigida por um terceiro. Esse terceiro pode intervir com proposições, visando o acordo entre as partes, isso faz com que seja um processo mais célere.

            Os métodos de solução de conflitos não são estanques, podendo ser aperfeiçoados e criados conforme as situações que são vivenciadas, devendo utilizar todas as formas lícitas existentes.

           

4. A positivação de métodos de resolução alternativas de disputas (RADs).

            Os mecanismos de resolução alternativa de conflitos são recomendados pela ONU, onde o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, por meio da Resolução nº 26, de 28 de julho de 1999, foi expresso em preconizar que os Estados desenvolvam, ao lado dos respectivos sistemas judiciais, a promoção dos Métodos Alternativos de Solução de Conflitos (MASC), internacionalmente conhecidos por ADRs – Alternative Dispute Resolution, classificados pela ordem de maior influência de terceiros como: arbitragem, conciliação, mediação e negociação.

O Conselho Nacional de Justiça através da Resolução nº 125/2010 reconhece a relevância e a necessidade de organizar e uniformizar os serviços de conciliação, mediação e outros métodos consensuais de solução de conflitos, buscando a celeridade na resolução dos problemas.

Ressalte a importância de dois diplomas legais recentes que tratam da mediação e conciliação que estão em período da vacatio legis, o novo Código de Processo Civil - Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015, Capítulo III dos Auxiliares da Justiça, Seção V Dos Conciliadores e Mediadores Judiciais, inaugurando uma nova fase no Processo Civil Brasileiro, ou seja, deixando a cultura do litígio para dar primazia ao acordo entre as partes.

No mesmo sentido o legislador pátrio criou a Lei nº 13.140 de 26 de junho de 2015 que dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a auto composição de conflitos no âmbito da administração pública.

            As pessoas têm dificuldades em fazer valer seus direitos, pois o sistema atual não tem dado a guarida necessária, pois Justiça tardia não é justiça, sendo necessário  a mudança do conceito de justiça, o qual só teremos com  “a busca de procedimentos que sejam conducentes à proteção dos direitos das pessoas comuns.” (CAPPELLETI & GARTH, 2002, p. 85).

            Em relação ao sistema o mesmo autor assim se pronuncia:

Um sistema destinado a servir às pessoas comuns, tanto como autores, quanto como réus, deve ser caracterizado pelos baixos custos, informalidade e rapidez, por julgadores ativos e pela utilização de conhecimentos técnicos e jurídicos. (CAPPELLETI & GARTH, 2002, p. 85).

Pallamolla (2009, p. 100), com base em estudos da ONU, coloca que a justiça restaurativa deve ser utilizada em diferentes momentos do processo penal, sendo o primeiro momento a fase pré-acusação ou investigatória, que poderá ser feita pela polícia.

Em relação à fase investigatória, Pallamolla (2009, p. 100) ressalta algumas críticas:

Muitas críticas são feitas aos programas que utilizam, o encaminhamento dos casos como um poder discricionário da polícia, como é o caso da Austrália, Inglaterra, País de Gales e Estados Unidos. Nestes casos, a polícia toma o lugar do promotor e do juiz e decide quais casos serão levados aos tribunais, o que de fato pode configurar um aumento do controle social e um perigoso aumento dos poderes da polícia.

Essas críticas não cabem ao modelo Brasileiro aplicado no Necrim, pois os crimes tratados são de ação penal privada e ação penal pública condicionada a representação, ou seja, de inteira disponibilidade da vítima para dar continuidade ao caso ou não, além do mais todos os acordos são encaminhados ao Poder Judiciário para homologação, podendo ainda ter o acompanhamento de advogado ou de defensor, existindo também o controle externo praticado pelo Ministério Público.

A Polícia Civil de São Paulo, em busca de uma forma de resolver os conflitos sociais, criou o Núcleo Especial Criminal – NECRIM, que agrega redução de custos, conflitos resolvidos em curto espaço de tempo, aproximação do Estado com as partes, utilizando se dos métodos de resolução alternativos de conflitos o qual é presidido por um Delegado de Polícia que possui conhecimentos técnicos e jurídicos.

 

            5. NECRIM

            O NECRIM, fundado na justiça restaurativa, faz parte de uma experiência iniciada pela Polícia Civil de São Paulo em 2003, onde o Dr. Cloves Rodrigues da Costa, Delegado de Polícia à época titular do município de Ribeirão Corrente, área da Delegacia Seccional de Polícia de Franca, buscando a resolução de conflitos de interesses nos crimes de menor potencial ofensivo, passou a adotar várias práticas na solução de conflitos, tendo posteriormente sido regulamentada através de portaria pelo Departamento de Polícia do Interior de Bauru- Deinter IV.

            Experiência essa que rendeu frutos, pois hoje está instalado em mais de 37 municípios do Estado de São Paulo.

            A ação perpetrada pela Polícia Civil de São Paulo nesses núcleos está amparada no art. 98, inc. I da Constituição Federal:

Art. 98 - A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos orais e sumaríssimos, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau.

            Como podemos ver a Carta Magna previu a possibilidade de conciliação nas infrações penais de menor potencial ofensivo, fossem feitas por juízes togados, ou togados e leigos, onde fica patente a anuência ao Delegado de Polícia como agente do Estado, como primeiro juiz da causa a pacificar os conflitos (Blazeck, 2013 p. 169).

            O acesso a justiça deve ser entendido como o  “sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado”. (CAPPELLETI & GARTH, 2002, p. 8).

                “Conforme previsto no “caput” do art. 98, a Constituição Federal previu a “possibilidade de exceção, através de lei federal, aos princípios da obrigatoriedade e da indisponibilidade, nos casos de crimes de menor potencial ofensivo” (LIMA, 2013, p.5), assim veio à regulamentação através da Lei nº 9099/95.

            Com a regulamentação do Art. 98, inc. I pela Lei federal nº 9099/95, o qual criou normas gerais, poderá o Estado criar normas de procedimento suplementares, desde que não contrariem a norma geral, ou seja, o Estado poderá regulamentar as atribuições do NECRIM, pois o permissivo legal já consta no art. 93 da própria lei.

            A Lei dos Juizados Cíveis e Criminais, em seu art. 60, veio ratificar o mandamento constitucional previsto no art. 98, inc.I, onde juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação dos crimes de menor potencial ofensivo, assim “cabe ao Estado, no qual se inclui a Polícia Judiciária, criar formas de promover o bem da coletividade” (MARZAGÃO JR, 2013, p.116), facilitando a vida dos cidadãos em contenda através de resolução alternativa de conflitos.

            A Lei mencionada em seu art. 61 no que consiste as infrações de menor potencial ofensivo, ou seja, “as contravenções penais e os crimes a que a e lei comine pena máxima não superior a  2 (dois) anos, cumuladas ou não com multa”, como vemos o legislador optou pela máxima pena cominada, não podendo confundir as infrações de menor potencial ofensivo, com os crimes de bagatela. (Lima, 2013, p.17).

            O Necrim tem desenvolvido suas atribuições na resolução de conflitos nos casos dos crimes de ação penal condicionada a representação, como nos crimes de lesão corporal leve, lesão corporal em razão de acidente de trânsito e ameaça e nos de ação penal privada, como difamação, injúria e calúnia, vez que com o novo ordenamento, segundo alguns doutrinadores foi modificado o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, tendo entendimento no sentido que foi “quebrado” o princípio da indisponibilidade, adotando-se o princípio da oportunidade (Lima, p. 2013, p. 6).

            Nessas situações afirma Tourinho Filho (2002, p. 37) “deve o conciliador, seja o juiz togado, seja o leigo, envidar esforços para obter acordo entre as partes”, dispondo assim do seu direito em dar continuidade à apuração criminal.

            Através dos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscam-se sempre que possível, a solução de conflitos que geram a paz social.

            A conciliação de conflitos nos crimes que são da alçada do NECRIM, com certeza tem evitado a prática de crimes mais violentos, pois as contendas  entre as partes são resolvidas em curto espaço de tempo, evitando assim que os ânimos fiquem acirrados.

            Os números são promissores, vejamos no quadro abaixo o índice de resolutividade no Estado de São Paulo:

2010

2011

2012

2013

2014

AUDIÊNCIAS

449

6.148

8.963

15.671

20.196

CONCILIAÇÕES

400

5.337

7.960

14.195

18.341

89%

87%

89%

91%

91%

            Como podemos ver, nos 37 Núcleos Especiais Criminais instalados até o ano de 2014, tivemos uma média de 89,5% de resolutividade nos cinco anos de existência, sendo que nos dois últimos anos o índice foi de 91%, demonstrando ser “uma revolução no campo da resolução dos conflitos penais relacionados aos Juizados Especiais Penais” (GOMES, 2013, p. 143).

 

            6. A instalação do Núcleo Especial Criminal de Avaré

            Na pesquisa abaixo, fizemos um recorte para analisar o Núcleo Especial Criminal de Avaré, formado por um delegado, um agente policial, uma escrivã e duas estagiárias, o qual foi instalado em 13 de junho de 2013 no campus da Faculdade Eduvale de Avaré, em uma parceria que tem dado certo, pois além da prestação de serviços a comunidade, os alunos usam como extensão do núcleo de prática jurídica.

            Os boletins de ocorrências são feitos no plantão permanente da Delegacia Seccional de Polícia de Avaré, onde presente se faz uma equipe formada por um delegado, um escrivão e dois investigadores ou agentes policiais, 24 horas à disposição da sociedade.

            As ocorrências são registradas no plantão permanente, as quais em seguida são encaminhadas para cada circunscrição, no caso, temos três distritos policiais, além dos casos de entorpecentes que é da alçada da Delegacia de Investigação Sobre Entorpecentes, e os da Delegacia de Defesa da Mulher.

            Ressalte-se que os crimes que são da atuação das delegacias especializadas – Delegacia de Investigação Sobre Entorpecentes e Delegacia de Defesa da Mulher – não são encaminhados ao Necrim.

            Após o registro da ocorrência e esclarecida a sua autoria pela unidade da área, caso necessário, os boletins de ocorrência dos crimes de lesão corporal leve, lesão corporal culposa, ameaça, crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria) são encaminhados ao Necrim, onde são utilizados os métodos de solução de conflitos em busca da paz social.

            Os números apresentados são o do primeiro semestre de 2015, o que tem refletido os dados desde sua criação.

            Analisemos primeiramente o número de ocorrências de autoria conhecida registrados na cidade de Avaré e dentre esses aqueles encaminhados ao Necrim.

           

            Como podemos constatar do gráfico acima, boletins de ocorrências foram registrados no plantão permanente, sendo que 32%, ou seja, 289 foram encaminhados ao Necrim para que o conflito fosse resolvido.

            A importância pode ser vista de plano, pois essas infrações de menor potencial ofensivo serão tratadas de forma diferenciada, onde em sua grande maioria são conflitos registrados em momento de nervosismo e que se instaurado um procedimento policial para apurar os fatos e posterior encaminhamento ao Poder Judiciário, teremos um grande custo para o Estado, além da demora que o cidadão terá para ver o caso resolvido.

            No Necrim analisado, da data do fato para que seja marcada a audiência para discutir o conflito, o prazo não é superior a 30 dias Em recente matéria publicada no jornal O Estado de S Paulo, noticiou se que o tempo de espera para a primeira audiência estava sendo de 168 dias.

            Outro ponto importante a ser destacado é que as unidades territoriais poderão empreender o seu efetivo nos crimes mais graves, como roubos, estelionatos, homicídios, diminuindo assim, a impunidade.

            Como acima foi dito, as ocorrências registradas e encaminhadas ao Necrim são as seguintes:

            Com o maior índice, temos a lesão corporal em decorrência de acidente de trânsito, com 140 ocorrências, onde as partes em sua grande maioria fazem acordo, sendo lavrado um termo de acordo em que a vítima recebe os prejuízos dos danos causados pelo acidente deixando de representar contra o autor pelo crime de lesão corporal culposa, assim, esse acordo é encaminhado ao Poder Judiciário, que, após a sua homologação, acarreta a renúncia ao direito de representação, conforme previsto no parágrafo único do art. 74 da Lei 9099/95.

            Nos crimes de ameaça, 69 do total das ocorrências, em regra as partes resolvem após a mediação, demonstrando que o fato surgiu muitas das vezes de um mal entendido, acordando o autor em não mais ameaçar e a vítima deixando de praticar algum ato que gerou a contenda, dessa forma, assinam o acordo e encerram o conflito.

            Nos 20%, ou seja, 47 dos casos de lesão corporal dolosa leve, os conflitos são variados, de vizinhos, pai e filho, brigas de bares e por ciúmes, onde a mediação demanda mais tempo e atenção do delegado de polícia, pois muitas vezes são conflitos antigos que redundam em lesão corporal, mas que, após os mais variados diálogos tem se atingido o acordo entre as partes.

            Os crimes contra a honra (calúnia, injúria e difamação), com o menor número, 33 do total, demandam as mesmas ações do mediador aplicadas aos crimes de lesão corporal culposa, pois decorrem de situações variadas e momentos de nervosismo dos envolvidos, mas mesmo assim, com o decorrer do tempo os ânimos estão arrefecidos e redundam em acordo.

            O índice de acordo entre os envolvidos é muito relevante, como aponta o gráfico abaixo:

           

            No primeiro semestre de 2015, foram encaminhados 266 boletins de ocorrências para o Necrim, sendo que desse total, 248 foram resolvidos através dos RDAs, ou seja, 93,23% dos casos e apenas 6,77% (18) dos casos foram encaminhados para o Poder Judiciário sem resolutividade, pois as partes não entraram em acordo.

            Como vemos, o índice de resolutividade é alto. Isso se deve ao fato da facilitação que, em audiência simples e com a participação de um delegado de polícia, aproxima as partes em conflito, as quais, muitas vezes, não teriam essa possibilidade de conversarem. Além de levar a um acordo, aproxima a população da polícia.           

 

            7. Aproximação do cidadão com a Polícia

            A mudança de percepção da população em relação à polícia foi em um primeiro momento estrutural, tendo sido instalado o Necrim no campus da faculdade, fazendo com que os assistidos não tenham contato com pessoas presas, quer em cadeias que ainda existem em algumas delegacias, bem como por presos em flagrantes pelos mais diversos crimes.

            Essa percepção está evidenciada pelas pessoas que procuram o atendimento; “Nossa a delegacia aqui na faculdade ficou bem melhor, não misturam as pessoas, o ambiente é mais agradável.” (Clara, 38 anos).

            As partes envolvidas ficam mais tranquilas, sem a tensão de ter que ir a uma delegacia ou fórum; “Ter que vir nesse lugar é bem melhor que ir à delegacia” (Maria das Dores, 43), como vemos a importância das instalações faz diferença para as pessoas.

            Além disso, os próprios estudantes da faculdade tecem vários elogios, “melhorou muito para fazer estágio agora, podemos acompanhar as audiências aqui mesmo” (Patrícia, 21 anos), “agora sim, vamos poder aplicar o que aprendemos na sala de aula, vendo como ocorre um procedimento aqui no Necrim” (Paulo, 32anos).

            Se não fossem suficientes os aspectos de instalações, temos como de grande importância à satisfação do cidadão atendido, os quais tecem os elogios a todo o tempo, vejamos:

Bateram no meu carro e o moço da moto disse que não tinha como pagar, fomos chamados aqui para conversar e ele acertou, dividi em várias vezes e ele vai me pagar. Foi muito rápido, não demorou um mês.” (Cláudia, 36 anos)

O meu vizinho vive colocando lixo na minha calçada, sempre reclamei e nunca fizeram nada, agora chamaram a gente aqui e conversamos para não acontecer mais isso, foi bom porque eu não olhava mais na cara dele. (Flávio, 57 anos)

Ele construiu o muro no meu térreo fui lá e discuti com ele, se não tirasse eu iria derrubar tudo, mas conversamos aqui e ele mostrou que estava no terreno dele, foi bom, se não eu ia pegar ele. (Cícero 53 anos).       

            No mesmo sentido as palavras dos advogados que lá frequentam, “Como ficou bom essa delegacia, o atendimento é muito rápido, que bom seria se os outros processos fossem assim”. (Odilon 53 anos), “Aqui o caso anda rápido, dá para fazer acordo sem perder tempo.” (Luciano 36 anos).

            A estagiária que trabalha no Necrim e é responsável pelo pós-atendimento, relata a satisfação das pessoas:

No dia seguinte as audiências, ligo para as partes envolvidas e  quase todas as pessoas elogiam o atendimento e a rapidez na resolução dada no caso delas. A reclamação que já tive foi de três pessoas que disseram ter que largar do serviço para vir aqui, mas isso já está sendo resolvido porque antes ligamos para a pessoa para saber se tem interesse. (Jamile, 21 anos)

            A funcionária Tereza da Polícia Civil, que trabalha no Necrim há dois anos e já trabalhou em outras unidades policiais antes de ser designada para o núcleo, relatou o seguinte:

Trabalhar no Necrim é uma satisfação, pois aqui vemos o resultado imediatamente nos mais diversos casos. As partes são convidadas para vir ao Necrim, e na presença do delegado de polícia Vagner Bertoli, expõe os seus problemas, e na maioria das vezes fazem acordos. A satisfação do acordo pode se ver no rosto das pessoas, que muitas vezes deixam de conversar pelo atrito causado pelo fato, mas depois são orientados e saem daqui conversando. Outra coisa muito importante que tenho visto, é que não há reincidência, uma vez o caso resolvido, não voltam a praticar. Como já trabalho há um certo  tempo na Polícia Civil, via que nas outras delegacias sempre os casos voltavam com as mesmas pessoas, aqui isso não ocorre.

            Como vemos o papel desempenhado pelo Necrim tem dado excelentes resultados, onde essa aproximação com intervenções especializadas tem reduzido os conflitos sociais em grande extensão, além daqueles crimes que se previnem que não temos como mensurar, pois resolvido um pequeno conflito evitamos crimes mais graves.

            8. Conclusão

O Sistema de Justiça Criminal está desgastado, um Poder Judiciário que tem encontrado dificuldades para exercer seu papel devido a vários fatores, insiste em uma justiça retributiva, já ultrapassada e que não dá a garantia constitucional de acesso à justiça pelo cidadão, quer pela demora no atendimento bem como pelos custos de um processo.

A segurança pública ainda em algumas Instituições guarda o ranço da ditadura em sua formação e no desempenho junto à coletividade, problema não enfrentado pela Constituição Democrática de 1988, a qual não refutou uma polícia como extensão das forças armadas.

A Polícia Judiciária, em busca de sua identidade constitucional, tem enfrentado problemas sérios de usurpação de suas funções por outras Instituições, isso tudo com o beneplácito dos Poderes da República, que vendo o crescente poder de alguma delas, que atropela o Estado Democrático de Direito e permanecem inertes.

Um novo sistema tem que ser criado para enfrentarmos esse problema de identidade do atual sistema, aplicando a justiça restaurativa e devolvendo a esperança ao cidadão para que volte a confiar no sistema.

Ações localizadas para que renasça a esperança do cidadão têm sido feitas pela Polícia Civil de São Paulo, ao colocar em funcionamento os Núcleos Especiais Criminais, que tem solucionados conflitos sociais em curto espaço de tempo, satisfazendo os cidadãos em suas agruras cotidianas, pois a celeridade e a satisfação tem sido o mais importante passo no enfrentamento desses problemas.

Os Núcleos têm como prática atender os cidadãos em conflito, eliminando assim sérios problemas futuros, pois uma pequena infração penal não resolvida pode evoluir para um crime contra a vida, o que não mais poderá ser restaurado.

A Polícia Civil tem demonstrado através dessas experiências pioneiras, que é possível modificar o atual sistema, os números e as pessoas atendidas deixam de forma clara que essa revolução vem ocorrendo nos mais diversos locais.

Assim, devolve se ao cidadão a esperança do tão sonhado Estado Democrático de Direito através do NECRIM, que é uma realidade para ser implantada e difundida.

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[1] Advogado, Delegado de Polícia Aposentado, Professor de Direito Constitucional da Faculdade Eduvale de Avaré, Professor da Pós Graduação da Faculdade Oswaldo Cruz, Professor da Academia de Polícia de São Paulo, Mestre em Direito Constitucional, Pós Graduado em "A Produção do Conhecimento na Prática Docente" e Pós Graduado em Ciências Criminais. 

Sobre o autor
Vagner Bertoli

Delegado de Polícia, Professor de Direito Constitucional da Faculdade Eduvale de Avaré, Professor da Academia de Polícia de São Paulo, Mestre em Direito Constitucional, Pós Graduado em "A Produção do Conhecimento na Prática Docente", Pós Graduado em Ciências Criminais e Pós Graduando em Direito Administrativo.

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