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Sucessão tributária e locação de shopping center

Agenda 06/05/2004 às 00:00

Questão que sempre teceu comentários díspares é a sucessão tributária, em especial aquela tratada no artigo 133, incisos I e II do Código Tributário Nacional. Assim está disposto:

Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até a data do ato:

I – integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade;

II – subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de 6 (seis) meses, a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão. [1]

Essa forma de sucessão sempre deixou margem a dúvidas porque envolve conceitos diversos daqueles tributários, devendo ser analisado, ao início, conceito puramente comercial sobre o que é o fundo de comércio insculpido nesse artigo.

Nesse ponto vale buscar os ensinamentos dos grandes doutrinadores que saciam nossa sede do saber. Nessa seara impossível deixar de mencionar o mestre Rubens Requião:

"O fundo de comércio ou estabelecimento comercial é o instrumento da atividade do empresário. Com ele o empresário comercial aparelha-se para exercer sua atividade. Forma o fundo de comércio a base física da empresa constituindo um instrumento da atividade empresarial. O Código italiano o define como o complexo dos bens organizados pelo empresário, para o exercício da empresa.(...) Compõe-se o estabelecimento comercial de elementos corpóreos e incorpóreos, que o empresário comercial une para o exercício de sua atividade." [2]

Como se verifica, o pensamento de outrora estava intrinsecamente vinculado ao estabelecimento físico do empresário. Com o tempo, verificou-se que o conceito de fundo de comércio tornou-se cada vez mais abrangente, tomando forma em tudo que possa caracterizar como ativo da empresa. O próprio professor Rubens Requião em sua obra já citada passou esse ensinamento.

O fundo de comércio é muito mais que o simples estabelecimento empresarial, é todo o ativo e passivo que engloba a empresa, desde seus bens móveis, utensílios, mercadorias, até seus clientes, lista de fornecedores, empregados e funcionários, marcas, registros comerciais e industriais, etc.

Porém, a problemática que aqui pretendemos enfrentar refere-se quando o estabelecimento comercial está atrelado em um empreendimento denominado Shopping Center. Nesse seguimento comercial, o empresário não possui a propriedade do local físico onde está sua empresa.

A relação jurídica se dá entre empreendedor e lojista através de contrato de locação comercial do espaço, por prazo certo e determinado ou não. Entretanto, diversas vezes existe troca de ponto comercial, o lojista muda de loja, fecha sua loja e nova loja é aberta naquele mesmo espaço físico, e muitas vezes para outra empresa do mesmo ramo de negócio. Haverá sucessão tributária?

A resposta a esse questionamento dependerá de duas coisas: houve a cessão, compra e venda do negócio propriamente dito ou não.

Caso tenha havido a compra do negócio do comerciante antigo, havendo inclusive a cessão do contrato de locação, guardadas as regras do contrato original, valores, correções, etc., tendo havido a compra do estoque, equipamentos, manutenção do corpo funcional, etc., certamente estaremos frente a possível sucessão tributária, forte no artigo 133, I e II do CTN. Mesmo que a razão social do novo empresário tenha se modificado, tendo outro CNPJ, etc.

Essa situação legal foi criada para que tenhamos um sistema apto a identificar eventual fraude e o fisco esteja apto a cobrar seus direitos.

Caso tenha havido somente a ocupação do espaço físico, e dos móveis e utensílios do antigo empresário (que tenham ficado para o Shopping como pagamento pelo débito que existia quando da rescisão contratual), mesmo que seja no mesmo ramo de atividade mercantil, não haverá sucessão tributária. Estamos diante de um quadro onde haverá um contrato de locação entre Shopping Center e lojista, porém naquele mesmo espaço outrora utilizado por outro lojista.

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Veja-se que nesse caso específico não existe transferência de propriedade, o que existe é um novo contrato de locação, os bens que lá ficaram já não mais eram de antigo lojista e sim do próprio Shopping Center. Os ensinamentos do Desembargador Joaquim Roque Volkweiss são precisos e de suma importância para o tema:

"A pessoa natural (física) ou jurídica (sociedade) de direito privado (inclusive a empresa pública, que, embora criada pelo Poder Público, também é de direito privado) que adquirir (a propriedade ou os direitos respectivos, e não por simples locação) de outra (já existente), por qualquer título (em decorrência de compra, doação, permuta ou dação em pagamento, não estando aí incluída a locação, que não é forma de aquisição da propriedade ou de direitos a ela relativos, nem o leilão judicial, por meio do qual não se adquire bens do seu titular, estando ausente, pois, a livre vontade de negociação entre as partes, pressuposto para a responsabilidade a que se refere este artigo), fundo de comércio (tudo aquilo que corporifica uma empresa, propiciando-lhe o exercício do comércio com o objetivo de lucro, como ponto, clientes, nome, marcas, patentes, máquinas, mercadorias, existência, ativos, etc., de tal forma que, o que aqui se prevê, é a aquisição do todo, e não de partes que o compõem) ou estabelecimento (unidade de uma empresa, e seus ativos, seja matriz ou filial, portanto, apenas um setor de uma empresa, não se considerando, como tal, a compra da totalidade das suas mercadorias, máquinas, etc., sem o ponto correspondente) comercial, industrial ou profissional (qualquer que seja a atividade nele desenvolvida), e continuar (prosseguir, de tal forma que, se a aquisição de uma empresa ou estabelecimento ocorrer para, em seu lugar, ser construído um prédio de apartamentos, a responsabilidade tributária não ocorrerá) a respectiva (a mesma) exploração (isto é, a mesma atividade ou ramo de negócio), sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual (leia-se: ¨sob o mesmo ou outro nome empresarial¨, tal como já observado nos comentários ao artigo anterior), responde (por sucessão) pelos tributos (não há alusão, aqui, mais uma vez, às multas ou penalidades pecuniárias pendentes, a respeito do que, contudo, falaremos ao final deste artigo e no art. 136, quando justificaremos a omissão, que nos parece proposital, sem que, com ela, fiquem excluídas as citadas sanções pecuniárias), relativos ao fundo (todos os ativos da empresa) ou estabelecimento (unidade da empresa, seja matriz ou filial, ou seja, um setor dela) adquirido (transacionado), devidos (já lançados, sob lançamento, ou por lançar) até a data do ato (da aquisição, porque, daí em diante, os atos serão considerados do próprio adquirente, resultando em novas obrigações, que deverá satisfazer como contribuinte, e não como responsável." [3] ("in" "Direito Tributário Nacional", 3ª edição, 2002, p. 288/290)

Clara e precisa a lição do Desembargador Joaquim Roque Volkweiss que não deixa qualquer dúvida sobre o tema.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, já vem há tempos julgando casos análogos em relação a locação e parece importante trazer à colação os seguintes julgados:

TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS. SUCESSÃO COMERCIAL. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. REQUISITOS.

- A responsabilidade tributária por sucessão comercial prevista no art. 133 do Código Tributário Nacional só se manifesta quando uma pessoa natural ou jurídica adquire de outra o fundo de comércio ou o estabelecimento comercial, industrial ou profissional. O fato do comerciante ter se instalado em prédio antes alugado à devedora, por si só, não o transforma em sucessor para os efeitos tributários.

- Remessa oficial desprovida. [4]

CONTRIBUIÇÃO AO FGTS. POSTO DE GASOLINA. CONTRATO DE LOCAÇÃO FIRMADO DIRETAMENTE COM A SHELL. AUSÊNCIA DE SUCESSÃO RELATIVAMENTE AO ANTERIOR LOCATÁRIA.

- A exploração da mesma atividade, no mesmo local, embora constitua elemento indiciário de sucessão, não é suficiente para caracterizá-la. Tendo sido firmado contrato de locação do Posto de Abastecimento diretamente com a Shell, sem qualquer participação da anterior locatária, não se caracteriza a sucessão entre os locatários, não se podendo pretender a transferência da responsabilidade por dívidas de FGTS anteriores. [5]

E o Superior Tribunal de Justiça corrobora o entendimento até aqui exposto:

"TRIBUTÁRIO. RESPONSABILIDADE POR SUCESSÃO. NÃO OCORRÊNCIA. A responsabilidade prevista no artigo 133 do Código Tributário Nacional só se manifesta quando uma pessoa natural ou jurídica adquire de outra o fundo de comércio ou o estabelecimento comercial, industrial ou profissional; a circunstância de que tenha se instalado em prédio antes alugado à devedora, não transforma quem veio a ocupá-lo posteriormente, também por força de locação, em sucessor para os efeitos tributários. Recurso especial não conhecido." [6] (Grifamos)

Portanto, com base na doutrina e jurisprudência consolidadas, observando-se sempre o efetivo negócio havido entre as partes, salvo melhor juízo, não existirá sucessão tributária por parte da empresa que locar o espaço comercial do empreendedor de shopping center onde outrora estava sediada empresa do mesmo ramo comercial e que restou devedora do fisco. Esses são os questionamentos que vêm fomentando idéias e teses que a cada dia que

passa tornam-se mais importantes a medida que cresce o mercado em shopping center.


Notas

1 Código Tributário Nacional.

2 "Curso de Direito Comercial", Volume I, Saraiva, 22ª edição, 1995, P. 197/198.

3 "Direito Tributário Nacional", 3ª edição, 2002, p. 288/290.

4 (Remessa Ex Officio 27460, Segunda Turma do TRF 4ª Região, relator Juiz João Surreaux Chagas, DJU 07/01/2004).

5

(Apelação Cível n° 255796 no processo n° 199804010898697, Primeira Turma do TRF 4ª Região, relator Juiz Leandro Paulsen, DJU 16/10/2002).

6 (RESP 108873/SP; STJ, 2ª Turma, Rel. Min. ARI PARGENDLER, j. 04/03/1999, DJ 12/04/1999 PG:00111).

Sobre o autor
Marcelo Candiago

Advogado em Porto Alegre, RS, formado pela PUCRS, especialista em direito tributário pelo Centro de Extensão Universitário – CEU, coordenado pelo professor Ives Gandra da Silva Martins

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CANDIAGO, Marcelo. Sucessão tributária e locação de shopping center. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 303, 6 mai. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5178. Acesso em: 5 nov. 2024.

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