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A filosofia do direito, o direito positivo e o direito natural

Agenda 05/09/2016 às 12:48

A jusfilosofia se ocupa de examinar a extensão de valor do Direito, o senso de justiça. Duas principais escolas se apresentam: os positivistas e os jusmoralistas.

FILOSOFIA DO DIREITO

Segundo o eminente jurista Paulo Nader:

A Jusfilosofia, além de investigar os fundamentos conceituais do Direito, se ocupa de questões fundamentais “como a relativa aos elementos constitutivos do Direito; a indagação se este compõe-se de norma e é a expressão da vontade do Estado; se a coação faz parte da essência do Direito; se a lei injusta é Direito e, como tal, obrigatória; se a efetividade é essencial à validade do Direito, etc.”[1].

Para Donaldo J. Felippe, a Filosofia do Direito é a:

Parte da ciência jurídica dedicada ao estudo e crítica do Direito na sua universalidade; seus princípios, ideal, suas causas, efeitos e transformações, à luz da razão pura, desde épocas remotas. É a filosofia em si aplicada ao Direito[2].

Weimar Muniz de Oliveira, ex-presidente de ABRAME e FEEGO[3], avalia que a:

A Filosofia do Direito é mais antiga que a própria Ciência do Direito, sendo, entretanto, essa expressão mais ou menos recente, um século mais ou menos – a antiga e provecta designação da disciplina era a de ius naturale ou iuris naturalis scientia, mas muitos escritores antigos usaram a forma philosophia iuris. Como claramente transparece do nome, a Filosofia do Direito é aquele ramo da Filosofia que concerne ao Direito.

A Filosofia, porém, tem por objeto o Direito, enquanto estudado no seu aspecto universal. Também pode definir-se a Filosofia como estudo dos primeiros princípios, pois estes têm precisamente o caráter da universalidade.

Mas, os primeiros princípios tanto respeitam ao ser e ao conhecer como ao atuar (Filosofia e Ciência do Direito); daí a divisão em:

a) Teorética, que estuda os primeiros princípios do ser e do conhecer e subdivide-se nos seguintes ramos: ontologia ou metafísica, que abrange também a filosofia da religião e a filosofia da história; gonoscologia ou teoria do conhecimento; lógica, psicologia e estética; e,

b) Prática ou Ética, que estuda os primeiros princípios do agir e divide-se em: Filosofia da Moral e Filosofia do Direito[4].

Já a palavra direito, segundo professora César Fiuza:

[...] vem do latim directum, que significa aquilo que é reto. Directum, por sua vez, vem do particípio passado do verbo dirigere, que significa dirigir, alinhar.

O termo direito foi introduzido, com esse sentido, já na Idade Média, aproximadamente no século IV. A palavra usada pelos romanos era ius[5].

A Filosofia do Direito se ocupa, portanto, de examinar a extensão de valor do Direito, ou seja, o senso de justiça. E, para tal, duas principais escolas jusfilosóficas se apresentam: os positivistas e os jusmoralistas, regulando a relação entre o Direito e a Moral.

 A escola positivista defende a tese de que não existe nenhuma conexão conceitualmente necessária entre o Direito e a Moral, enquanto a escola jusmoralista propugna que o conceito de Direito deve ser estruturado contemplando também os elementos morais.

Os filósofos gregos foram os primeiros a postular uma distinção entre o Direito positivo, fundado na lei posta pelos homens, e o Direito natural, que teria em toda parte a mesma eficácia e não dependeria da opinião dos homens para ser efetivo.

Também o Direito romano acolheu esta distinção, contrapondo o ius civile, posto pelos cidadãos de um lugar e apenas a estes aplicável, ao ius gentium, definido como o Direito posto pela razão natural, observado entre todos os povos e de conteúdo imutável, o que corresponde à definição de Direito natural.

Na Idade Média, os juristas identificavam a natureza ou Deus como fundamento do Direito natural, e São Tomás de Aquino, dentre outros, afirmava que as normas de Direito positivo derivariam do Direito natural.

Em relação à natureza da norma jurídica, esta difere das demais normas de conduta pela existência de uma sanção obrigatória que advém de seu descumprimento, ou seja, dirige-se a uma conduta externa do indivíduo. A norma jurídica exige que o indivíduo faça ou deixe de fazer algo, atribuindo-lhe, para tanto, responsabilidades, direitos e obrigações.

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Entretanto, nem toda norma de conduta é jurídica, podendo ser, por exemplo, de natureza moral, ética ou religiosa, pois, não sendo dirigidas a uma conduta externa, o são, precipuamente, a uma conduta interna e psicológica.

Aprofundemos um pouco mais.

Wayne Morrison entende que a Filosofia do Direito é o campo de investigação filosófica que tem por objeto o Direito. Ela pode ser definida como o conjunto de respostas à pergunta “o que é o direito?”, ou ainda como o entendimento da natureza e do contexto do empreendimento jurídico, ou seja, a Filosofia do Direito não só diz respeito a questões sobre a natureza do fenômeno jurídico, mas ainda sobre quais os elementos são abarcados quando o Direito é o objeto da discussão ou do debate[6].

Para Dimitri Dimoulis a Filosofia do Direito examina a dimensão da idealidade ou legitimidade, isto é, a dimensão de valor do Direito, ou seja, a adequação do Direito vigente a ideais democráticos e anseios sociais, formulando propostas para sua reforma. Além disso, preocupam-se com os critérios de justiça e o problema da verdade no Direito[7].

Um uso mais exato do termo Filosofia do Direito poderia delimitar seu conteúdo de maneira bem menos abrangente, principalmente quando contraposto com o conteúdo de chamada Teoria do Direito. Nesse sentido, caberia à Filosofia do Direito apenas questões relacionadas à essência do fenômeno jurídico, enquanto a análise da substância do Direito, isto é, as questões relativas à definição, as funções, fontes, critérios de validade do Direito e etc., caberia à Teoria do Direito.

A Filosofia do Direito divide-se entre duas principais terias: a positivista e não positivista ou moralista. A primeira é uma corrente da Teoria do Direito que defende a “tese da separação”, que postula que não existe nenhuma conexão conceitualmente necessária entre o Direito e a Moral; assim, restam apenas dois elementos de definição: o da legalidade e o da eficácia social; suas variantes resultam das diferentes interpretações desses dois elementos de definição. A segunda contrapõe-se à primeira, defendendo a “tese da vinculação”, segundo a qual o conceito de Direito deve ser definido de modo a conter elementos morais.

A Filosofia do Direito compartilha objetos comuns com a Ciência do Direito, Teoria Geral do Direito e a Doutrina Jurídica, mas difere delas por seu método filosófico.

As análises da Teoria do Direito resultaram de uma cisão teórica da Filosofia do Direito, numa tentativa de distanciamento da problemática jusfilosófica do século XIX que era considerada metafísica (jusnaturalismo), entretanto, para muitos dos filósofos do Direito, incluindo Dimoulis (op. cit.), a Teoria do Direito não se afasta da problemática filosófica, pois questionamentos como a definição do Direito só podem ser respondidos mediante análises sobre a moral, justiça, verdade e outros temas filosóficos.

Segundo Dimoulis:

[...] a Teoria do Direito dedica-se ao estudo do Direito positivo, enquanto a Filosofia do Direito utiliza os ordenamentos jurídicos tão-somente como parâmetro de comparação e como fonte de ilustração para tratar de temas, tais como poder, coação, verdade e justiça e para refletir sobre o sentido ontológico e social do ato interpretativo[8].

Nesse sentido, a Teoria do Direito ou Teoria Geral do Direito seria uma disciplina intermediária, entre a Dogmática e a Filosofia do Direito. A Dogmática ou Doutrina Jurídica resulta da exegese da produção jurídica. É um conhecimento sistematizado, porém, diferente da Filosofia Jurídica, não se pressupõe uma atividade reflexiva. Já a Ciência do Direito é o estudo de fenômenos jurídicos pelo método científico, sendo assim, mais restrito que a Filosofia do Direito por focar somente em fatos observáveis, verificáveis, replicáveis e falseáveis. Há duas abordagens científicas do Direito: o estudo do fenômeno social do Direito pela Sociologia do Direito e Antropologia do Direito e o estudo das normas postas do positivismo jurídico.

 

DIREITO POSITIVO E DIREITO NATURAL

Norberto Bobbio, importante jurista italiano, assim definiu o Direito natural:

O Direito natural prescreve ações cujo valor não depende do juízo que sobre elas tenha o sujeito, mas existe independentemente do fato de parecerem boas a alguns e má a outros. Prescreve, pois, ações, cuja bondade é objetiva (ações que são boas em si mesmas, diriam os escolásticos medievais)[9].

O mesmo jurista (op. cit.), lado outro, assim definiu o que seja o Direito positivo:

O Direito positivo, ao contrário, é aquele que estabelece ações que, antes de serem reguladas, podem ser cumpridas indiferentemente de um modo ou de outro mas, uma vez reguladas pela lei, importa (isto é: é correto e necessário), que sejam desempenhadas do modo prescrito em lei. Aristóteles dá este exemplo: antes da existência de uma lei ritual é indiferente sacrificar a uma divindade uma ovelha ou duas cabras; mas uma vez existente uma lei que ordena sacrificar uma ovelha, isto se torna obrigatório; é correto sacrificar uma ovelha, e não duas cabras, não por que esta ação seja boa por sua natureza, mas porque é conforme a uma lei que dispõe desta maneira[10].

Bobbio ainda assinala impressões acerca da predominância de um ou de outro sistema nas organizações sociais ao longo da história humana. Sobre esta questão, diz o eminente jurista italiano (op. cit.):

O exame das diversas concepções sobre a diversidade de planos em que se colocam o Direito natural e o Direito positivo nos levaria muito longe. Limitando-nos a algumas indicações a respeito, diremos que na época clássica o Direito natural não era considerado superior ao positivo: de fato o Direito natural era concebido como “Direito Comum” (koinós nomos conforme o designa Aristóteles) e o positivo como direito especial ou particular de uma data civitas; assim, baseando-se no princípio pelo qual o direito particular prevalece sobre o geral (lex specialis derogat generali), o Direito positivo prevalecia sobre o Natural sempre que entre ambos ocorresse um conflito (basta lembrar o caso da Antígona, em que o Direito positivo – o decreto de Creonte – prevalece sobre o Direito natural – o “Direito não escrito” posto pelos próprios deuses, a quem a protagonista da tragédia apela).

Na idade média, ao contrário, a relação entre as duas espécies de direito se inverte; o Direito natural é considerado superior ao positivo, posto seja o primeiro visto não mais como um simples direito comum, mas como norma fundada na própria vontade de Deus e por este participada à razão humana, ou como diz São Paulo, como a lei escrita por Deus no coração dos homens. Esta concepção do Direito natural encontra sua consagração oficial na definição que lhe é dada no Decretum Gratiani (que é a primeira grande recensão do Direito Canônico, o que constituirá posteriormente a primeira parte do Corpus Juris Canonici: Jus naturale est quod in lege et in evangelho continue tur, isto é, o Direito natural é aquele contido na Lei Mosaica do Velho Testamento e no Evangelho). Desta concepção do Direito natural como Direito de inspiração cristã derivou a tendência permanente no pensamento jusnaturalista de considerar tal direito superior ao positivo. Esta superioridade é afirmada pelo próprio Decretum Gratiani, logo depois da passagem citada: Dignitate vero jus naturale preaponi tur legiti bus ac constitutioni bus ac consuetudinibus.

Paulo de Tarso, o Apóstolo dos Gentios, em sua Epístola aos Romanos (2:14-15), formula uma teoria de lei natural escrita no coração dos homens e reconhecida pela razão do homem, distinta, portanto, do Direito positivo ou do Direito do Estado, formando, assim, o corpo de um Direito natural.

Diz Paulo no aludido versículo:

Os pagãos, que não têm a lei, fazendo naturalmente as coisas que são da lei, embora não tenham a lei, a si mesmos servem de lei; eles mostram que o objeto da lei está gravado nos seus corações, dando-lhes testemunho a sua consciência, bem como os seus raciocínios, com os quais se acusam ou se escusam mutuamente.

Essa concepção deu origem ao chamado Jusnaturalismo Teológico, ou Jusnaturalismo Medieval, visto que dominou por todo período medieval.

Fundada por Tomás de Aquino, nos tempos de ouro da Escolástica, o Jusnaturalismo Teológico buscava conceituar justiça usando por método um racionalismo teológico, ecleticamente influenciado tanto pelo pensamento aristotélico tradicional quanto pela teologia cristã.

Tomás de Aquino postula, em concordância com a teologia cristã, que a natureza humana é essencialmente boa, ou seja, que a natureza humana nada mais é que a imanência da natureza divina na materialidade do homem mortal: “Disse também Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança” (Gênesis, 1:26).

Do postulado de Tomás de Aquino, o da natureza humana, infere-se que as más atitudes humanas sejam a fraqueza do seu bem inerente, influenciado pela força contrária do bem, pelo pecado. Dele, resultaram os princípios morais imutáveis do Direito natural: os deveres do homem para consigo mesmo, os deveres do homem para com a sua família e com o grupo social no qual está inserido, o dever de respeitar sua racionalidade (buscar o conhecimento da realidade) e os deveres do homem para com a sociedade.

Na ordem acima:

O homem deve conservar-se.

O homem deve unir-se com a mulher, procriar, educar seus filhos.

O homem deve procurar a verdade.

O homem deve praticar a justiça, dando a cada um o que é seu; o homem não deve lesar o próximo.

Sendo, o postulado de Tomás de Aquino, uma teoria jusnaturalista, afirma esta que tais princípios morais são os imutáveis e eternos do Direito natural e que, por decorrência, segundo o método dedutivo-racional, o Direito positivo, legislado, do Estado, deve buscar derivar de tais princípios, do contrário deverá ser considerado injusto, pois não condiz com a natureza humana em sua essência.

Em resumo:

Direito natural (ius naturali) ou jusnaturalismo é uma teoria que procura fundamentar a partir da razão prática uma crítica a fim de distinguir o que não é razoável na prática do que é razoável e, por conseguinte, o que é realmente importante considerar na prática em oposição ao que não o é.

Uma característica fundamental que explicita o que é a Teoria do Direito natural é o seu projeto. Ela não se propõe a uma descrição de assuntos humanos por meio de uma teoria; tampouco procura alcançar o patamar de ciência social descritiva.

A Teoria do Direito natural tem como projeto avaliar as opções humanas com o propósito de agir de modo razoável e bem. Isso é alcançado através da fundamentação de determinados princípios do Direito natural que são considerados bens humanos evidentes em si mesmos.

Por sua vez, o Direito positivo abarca o conjunto de princípios e regras que regem a vida social de determinado povo em determinada época; que está diretamente vinculado ao conceito de vigência, abrangendo toda a disciplina da conduta humana; que inclui as leis votadas pelo poder competente, os regulamentos e as demais disposições normativas, qualquer que seja a sua espécie; que por definir-se em torno de um lugar e de um tempo, é variável, por oposição ao que os jusnaturalistas entendem ser o Direito natural.

[1] NADER, Paulo. Filosofia do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 12.

[2] FELIPPE, Donaldo J. Dicionário Jurídico de Bolso. 9ª ed. Campinas: Conan, 1994.

[3] ABRAME – Associação Brasileira dos Magistrados Espíritas; FEEGO – Federação Espírita do Estado de Goiás.

[4] OLIVEIRA, Weimar Muniz de. Filosofia do Direito Além da 3ª Dimensão. 3ª ed. Goiânia: FEEGO, 2004. p. 56-59.

[5] FIUZA, César. Direito Civil: Curso Completo. 14ª ed. revista, atualizada e ampliada. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 4.

[6] MORRISON, Wayne. Filosofia do Direito: Dos Gregos ao Pós-Modernismo / Wayne Morrison; tradução Jefferson Luiz Camargo; revisão técnica Guido Sá Leitão Rios. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

[7] DIMOULIS, Dimitri. Manual de Introdução ao Estudo do Direito. 2ª ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

[8] DIMOULIS, Manual de Introdução do Estudo do Direito, cit., p. 31.

[9] BOBBIO, Norberto. Positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito, compiladas por Nello Morra; tradução e notas de Márcio Puglesi, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995, p. 16-27.

[10] Idem, Ibidem, cit., p. 16-27.

Sobre o autor
José Márcio de Almeida

Advogado. Membro da Academia Brasileira de Direito Civil.

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