POLÍTICAS PÚBLICAS DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL SOB O PRISMA ECONÔMICO E TRIBUTÁRIO
A compreensão da ideia de desenvolvimento regional requer uma abordagem amparada em estudos de Economia. Na lição de Celso Furtado (1980, p. 15) há dois sentidos comumente utilizados para definir desenvolvimento. Segundo o autor, a primeira perspectiva está associada “à evolução de um sistema social de produção na medida em que este, mediante a acumulação e progresso das técnicas, torna-se mais eficaz, ou seja, eleva a produtividade do conjunto de sua força de trabalho. ” Já a segunda “relaciona-se com o grau de satisfação das necessidades humanas”. O professor ainda acrescenta uma terceira dimensão, representada pela “consecução de objetivos que almejam grupos dominantes de uma sociedade e que competem na utilização de recursos escassos (FURTADO, 1980, p.16). ”
Da convergência das três dimensões anteriormente expostas, tem-se que o desenvolvimento está intimamente relacionado ao aumento da eficácia de métodos produtivos, do que resulta um aumento do fluxo de bens e serviços para a população. Trata-se da conjugação de eficiência e riqueza. Ainda de acordo com Furtado (1980, p. 43), é a criatividade humana, o seu poder de inovar, o grande vetor do desenvolvimento, já que do incremento de produtividade proporcionado pela ação criativa é que se torna possível a acumulação de excedentes, ou seja, produtos que vão além das necessidades essenciais (FURTADO, 1980, p.49).
Feitas essas considerações, nota-se que a aplicação do princípio da capacidade contributiva deve ter em conta que a expropriação gerada por um tributo deve se dar na medida das disponibilidades dos contribuintes que integram uma certa região, de modo a não lhes retirar seu poder de acumulação ou dificultar a satisfação de suas necessidades essenciais. Com efeito, se o Produto Interno Bruto é a medida de fluxo de bens e serviços e, portanto, uma das principais formas de aferir o desenvolvimento, as políticas públicas que visem ao progresso regional devem ser orientadas ao manejo de seus componentes, a saber: despesas de consumo, investimentos, gastos do governo e saldo positivo das transações comerciais. Isto quer dizer que tais políticas podem ser direcionadas ao consumo familiar, mas também podem estar voltadas à manutenção da máquina estatal, o que deve ser harmonizado com a função fiscal.
Para a teoria econômica, contudo, o foco deve estar nas despesas de investimento. Isto ocorre porque “um acréscimo nessas despesas apresenta efeito multiplicador sobre o nível da renda, daí sua grande importância” (CLEMENTE e HIGACHI, 2000, p. 27). Desta forma, a adoção de políticas de investimento deve considerar dois fatores: em primeiro lugar, a tributação permite ao próprio Estado investir em condições estruturais para movimentar a economia; por outro lado, limitações ao poder de tributar, como a capacidade contributiva, visam assegurar que os investidores privados mantenham seu poder de investir. Cabe, portanto, ao formulador da política de desenvolvimento regional, encontrar um ponto de equilíbrio entre as ações estatal e particular.
Uma implicação desta difícil busca de conciliação de interesses pode ser observada no artigo 6º, inciso VI, do Decreto n° 6.047/07, que prevê incentivos e benefícios fiscais como instrumentos de implementação da Política Nacional de Desenvolvimento Regional. Fundamentado no art. 151, inciso I, da Constituição Federal de 1988, dispositivo que consagra o princípio da Uniformidade Geográfica, o mencionado artigo expressa uma política que, à primeira vista, desconsidera a capacidade contributiva. Nas palavras de Hugo de Brito Machado, “isenção de imposto de renda a empresa industrial, a pretexto de incrementar o desenvolvimento regional, sem qualquer consideração ao montante do lucro auferido, constitui flagrante violação do princípio da capacidade contributiva” (2015, p. 40).
Em que pese esta observação, com a qual se concorda em parte, observa-se não ocorrer a anulação do princípio em comento, visto que, nestas circunstâncias, os postulados precisam ser ponderados a fim de reparar distorções e, em última instância, o aumento no fluxo de bens e serviços proporcionados pela medida, tende a gerar incremento na arrecadação em decorrência de outros fatos geradores, o que é possível com a continuidade do processo de produção de excedentes. Em outras palavras, a promoção do desenvolvimento gera aumento da capacidade contributiva da sociedade, que poderá ser revertida em arrecadação. Por outro lado, é importante ressalvar que o uso deste instrumento deve ser visto com prudência, já que o incentivo pode ser oferecido sem necessariamente isenção de tributo, conforme particularidades do negócio e do espaço que se deseja desenvolver, sempre em caráter transitório.
A CONSECUÇÃO DA JUSTIÇA SOCIAL
De fato, buscasse entender como esses mecanismos tributários e econômicos podem promover o atingimento desses princípios norteadores de uma sociedade justa e igualitária, vez que esse é o objeto deste estudo, de tal maneira que prescinde a essa discussão sobre o desenvolvimento regional. Tendo em vista, a necessidade de análise da viabilidade das metas e dos objetivos propostos, para então lançar mãos desses mecanismos que se dispõe ao consectário de tais pretensões.
Pois bem, sem alongar-se muito na discussão acerca da evolução histórica do conceito de justiça, pois revela-se um tanto quanto difícil defini-la por motivos intrínsecos a sua concepção essencialmente filosófica. Levemos em conta, que desde os primórdios, buscava-se conceituar justiça, passando pelos filósofos gregos e romanos, até chegarmos na idade média quando as ciências antropológicas começam a ganhar notoriedade com o marxismo e as teorias iluministas, até alcançarmos o mais próximo da acepção atual com base nesses elementos içados em épocas anteriores, como assevera o referido pensador:
Nesse diapasão, pode-se extrair da concepção de justiça em sentido amplo, qual seja a satisfação da pretensão individual ou coletiva que decorre dos ideais de moral e ética, além de influência das ciências antropológicas e filosóficas, se atendo a preceitos jurídico-sociais pré-estabelecidos.
Pois bem, destrinchando o entendimento acerca da justiça, chegamos a satisfação da justiça social, obviamente intrinsicamente ligada a um anseio coletivo, a direitos difusos e intergeracionais, que agregam valor a vida em sociedade, dos quais são essenciais ao bem-estar desta, cujos objetivos são comuns, ou seja, é sem embargo interesse de todos, que se promova condições básicas de vivência, a saber: os direitos à vida, à liberdade, saúde, educação, a um emprego digno, e tantos outros consagrados, na Lex Maior, e o Estado deve ser o garantidor desses fundamentais direitos, e para tanto se utiliza de instrumentos jurídicos, sociais, econômicos e tributários, e é nesse diapasão, que se enxerga a presença da capacidade contributiva engendrada na consecução da justiça social.
Notadamente, satisfazer esses anseios, não é tarefa fácil, e soa um tanto quanto utópico, vez que discursos demagógicos e políticas sociais que não levam a lugar nenhum, tem sido praxe na atual conjuntura político-social do nosso país, isso porque promover uma sensação de justiça a uma dada sociedade, significa dizer que todos têm os mesmos direitos, a tratamento igualitário, bem como acesso a todo e qualquer mecanismo que se preste a finalidade de uma vida digna, não no plano da abstração e sim de uma realidade factual, que garanta o agora e promova o amanhã.
Desse modo a própria Constituição entende a justiça social como uma meta precípua a ser alcançada, especialmente entre os capítulos que tratam da Ordem Econômica e Social, onde depreende-se destes dispositivos, como por exemplo a livre iniciativa, valorização do trabalho humano, a redução das desigualdades sociais e especialmente a existência digna, a preocupação com um desígnio primordial da CF/88, em que pese, supostamente não ser tratado de maneira direta, mas está implícita no bojo dos preceitos constitucionais, e toda organização de institutos e instituições em nosso ordenamento jurídico, visam tão somente o atingimento da justiça social, atrelada as igualdades e as liberdades.
Por fim, compreende-se de um ponto de vista teleológico desses princípios, cujo escopo é norteador, e compõe o núcleo essencial do conjunto de direitos, garantias e instrumentos de alcance a justiça social, constituem preceitos básicos de satisfação, numa relação de completude, de modo que não há que se falar em justiça social, sem que sejam assegurados por exemplo alguns “princípios” dispostos no art. 170 da CF/88, quais sejam: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
CONCLUSÃO
As considerações aqui realizadas revelam a pertinência temática do nosso estudo, vez que, como já mencionado, transborda ao mundo fático, especialmente por que trata sobre os avanços socioeconômicos em matéria de desenvolvimento regional. Assim vislumbra a nossa Constituição amparada nos princípios norteadores da realização dessas metas constitucionais, a fim de viabilizar a consecução das diretrizes postas a serviço do máxime dever de alcançar o bem-estar-social.
Desse modo nota-se o caráter interdisciplinar de certas problemáticas enfrentadas no Direito. De fato, para preservar o princípio constitucional da capacidade contributiva e promover o desenvolvimento regional, é necessário adotar uma visão sistêmica dos fenômenos sociais em torno dos quais são construídas políticas públicas. Reconhece-se, nesse sentido, a necessidade de amparo em demais campos do saber, como a Economia, não obstante, impossível esgotar o tema neste breve estudo.
De modo sucinto, depreende-se que a realização plena do princípio analisado só ocorrerá se houver uma prévia avaliação das circunstâncias de tempo e espaço em que estão inseridos os contribuintes, de modo que se possa extrair seu nível de riqueza adequadamente e, em consequência, graduar o montante do tributo a ser pago. A compatibilização da capacidade contributiva com as políticas de desenvolvimento regional passa, portanto, pela consideração de outros princípios igualmente válidos, bem como da natureza extrafiscal de determinados tributos, aspectos que não inviabilizam o princípio, mas, em perspectiva mais ampla, o realizam.
Ademais, tal relevância fomenta discussões no mundo jurídico cujas opiniões doutrinárias são diametralmente opostas, traduzindo os efeitos práticos dessa discussão essencialmente teórica.
Ao fim, tem-se que, de suma importância esses dispositivos constitucionais, que como já dito, assumem a expressão de objetivos essenciais ao desenvolvimento regional, mas que guardam certa preocupação, na medida em que não se pode olvidar, que o legislador constituinte originário tenha demandado tanta preocupação com esse tema, mas que infelizmente por força de políticas de governos (àquelas cujas as pretensões são passageiras e partidárias) não houve implementação eficaz dessas diretrizes traçadas na CF/88. E que, portanto, fica a ressalva no tocante a necessidade premente de se revisitar essas questões, ainda pendentes de uma maior efetividade, já que os fins propostos a época ainda padecem de solução.
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