3. A TEORIA DA IMPREVISÃO NO DIREITO BRASILEIRO
3.1. A INSERÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO NO DIREITO BRASILIEIRO
A história do Direito Civil Brasileiro caracterizou-se por seu desenvolvimento arraigado no período monárquico, trazendo em seu bojo o centralismo jurídico implantado pelas Ordenações Manuelinas em Portugal e mais tarde pela supressão das Ordenações Filipinas, que foram trazidas na íntegra para o Brasil colonial.
Saindo desse período e passando para o Brasil republicano, especialmente ao referente à construção de nossa legislação civil, verificou-se, de certa forma, a ruptura formal com o direito português. Essa ruptura se deu em virtude da proclamação da República e da necessidade de uma legislação civil própria, culminando com a promulgação da Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, que deu redação ao Código Civil Brasileiro. O dispositivo do art.1.807 deste código demonstra perfeitamente aquele momento histórico ao determinar que: "Ficam revogadas as Ordenações, Alvarás, Leis, Decretos, Resoluções, Usos e Costumes concernentes às matérias de direito civil reguladas neste Código."[grifo nosso]
No entanto, a criação do Código Civil não afastou a influência européia, haja vista que a classe intelectual e política estavam culturalmente ligadas às tendências daquele continente, até mesmo devido a fatores históricos. Desse modo, o Código Civil brasileiro de 1916 surge sob influência do Código Napoleônico, trazendo a característica de ser um código liberal.
Apesar de já existirem algumas ebulições doutrinárias sobre a matéria da imprevisibilidade no continente europeu, o Código Civil brasileiro praticamente incorporou o liberalismo e o formalismo do Código Civil francês, nem sequer fazendo menção a Teoria da Imprevisão. Talvez fosse reflexo de uma época estável e feito para um mundo estável, onde as moedas eram firmes e não sofriam oscilações e os contratos não sofriam alteração, a não ser por vontade de seus agentes.
Mas é a partir de 1930 que a teoria ganha ênfase e começam a aparecer as primeiras legislações, trazendo os fundamentos da imprevisibilidade. A economia, que antes poderia ser considerada estável, sofreu um choque de instabilidade advindo da crise de superprodução de 1929, que afetou o mundo todo.
Assim, no meio jurídico brasileiro, a teoria da imprevisão passou a ser estudada e seus preceitos incorporados a algumas normas. Na doutrina, destacou-se o mestre Arnoldo Medeiros da Fonseca por ser o pioneiro no estudo da matéria, chegando a publicar uma obra sob o título "O Caso Fortuito e a Teoria da Imprevisão". A legislação também se referiu à matéria no Decreto 19.573/1931 ao prever a rescisão do contrato de locação de funcionário público ou militar em caso de remoção ou mesmo em redução de seus subsídios. Outro Decreto de nº24.150/1934, a chamada Lei das Luvas, previu a renovação do contrato de locação de fins comerciais e econômicos e mesmo a revisão em caso de modificação econômica da situação local.
Na jurisprudência, destacou-se o pioneiro julgado do jurista Nélson Hungria em 1930 que, na condição de juiz no Rio de Janeiro, proferiu decisão fundamentada na eqüidade e nos princípios gerais de direito, inserindo a teoria da imprevisão no direito brasileiro. Ressalta-se que essa decisão não logrou êxito nos Tribunais, mas foi um marco na ruptura das idéias conservadoras e arcaicas da época. O Supremo Tribunal Federal só em 1938 acolhe expressamente a teoria da imprevisão, dispondo que a cláusula rebus sic stantibus não contraria a legislação nacional.
A onerosidade excessiva, fundamento da teoria da imprevisão, só recentemente passou a ser prevista na legislação nacional com a lei n° 8.078/1990, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor, dispondo na inteligência do inciso V, do art.6º o seguinte:
"Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:
V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas."
Este dispositivo, no entanto, não mencionou o requisito da imprevisibilidade, mas abarcou suas idéias, talvez devido à hipossuficiência do consumidor na relação contratual de consumo.
Mas é na lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que a teoria da imprevisão se põe expressamente em nossa legislação civil, definindo suas bases estruturais e fundamento. O novo Código Civil brasileiro prevê a matéria nos arts. 478, 479 e 480.
3.2. A TEORIA DA IMPREVISÃO E A REVISÃO CONTRATUAL NO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO
A teoria da imprevisão no atual Código Civil49 está prevista no Livro I "Do Direito Das Obrigações", Título V "Dos Contratos Em Geral", na Seção IV que trata "Da Resolução Por Onerosidade Excessiva", sendo disciplinada nos artigos 478 a 480.
Característica marcante deste Código é a roupagem social que trouxe em seu conteúdo, principalmente reiterando os preceitos de nossa "Constituição Social". São vários os dispositivos que enumeram o caráter social deste código, demonstrado a preocupação e intervenção estatal quanto à ordem social, mesmo na tutela de direitos privados. Essa intervenção estatal é evidenciada no Parágrafo Único do art.2.035 deste código.
Assim, acompanhando esta tendência e embasada nos princípios da probidade, da boa-fé50 e do não-enriquecimento sem causa51, "a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato"52. Nesse ambiente, a teoria da imprevisão (rebus sic stantibus) é introduzida na legislação civil brasileira fundamentada na excessiva onerosidade.
Na verdade, o Código Civil Brasileiro não inovou quanto a esta matéria, pois os artigos que tratam da imprevisão são cópias fieis dos artigos 1.467, 1.468, 1469 do Código Civil Italiano. Nossos legisladores não se preocuparam em disciplinar o instituto da imprevisão, aprofundando-se na essência de seus fundamentos, simplesmente transferiram para nosso ordenamento as imperfeições do código italiano. Pode-se dizer que o nosso código civil perdeu a oportunidade de trazer em seu bojo uma previsão moderna e eficaz da teoria da imprevisão a qual atendesse a nova realidade contratual, visando sempre à manutenção dos pactos e à função social do contrato.
O instituto da imprevisão não é recente, ele vem sendo debatido durante séculos e, no meio jurídico brasileiro, sua admissão já era pacífica, não se tratando de uma inovação propriamente dita do nosso código, mas sim de mera previsão legal. Contudo, o legislador brasileiro disciplinou o instituto de forma equivocada, não respeitando o fim a que se propôs a teoria, que é a manutenção dos pactos. O que fez o código foi ressaltar a resolução em vez da revisão contratual. Ora, nem sempre a melhor solução para o caso concreto será a resolução, o que deve ser colocado como regra é a possibilidade de revisão contratual a fim de manter o vínculo contratual.
Nesse aspecto, o grande mestre Arnoldo Medeiros da Fonseca53 acrescenta a necessidade de:
[...] investigar, em síntese, se é justo, e em que termos, admitir a revisão ou resolução dos contratos, por intermédio do Juiz, pela superveniência de acontecimentos imprevistos e razoavelmente imprevisíveis por ocasião da formação do vínculo, e que alterem o estado de fato no qual ocorreu a convergência de vontades, acarretando uma onerosidade excessiva para um dos estipulantes.
Por fim, os dispositivos, que tratam da "onerosidade excessiva" em nosso código, distanciam-se dos fundamentos da teoria da imprevisão, chegando a ferir princípios por eles enumerados como o da função social do contrato, o da boa-fé e o do cumprimento das obrigações.
Feitas essas considerações, crê-se cabível, nesta parte da pesquisa, a análise jurídica dos referidos artigos, que tratam da imprevisão no Código Civil Brasileiro.
3.2.1. Análise do artigo 478
Art.478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Tendo em vista o referido dispositivo e para fins didáticos passa–se a enumerar os requisitos que o compõe:
3.2.1.1. Campo de aplicação:
O campo de aplicação da resolução por "excessiva onerosidade superveniente" são os contratos de execução continuada ou diferida. Este instituto tem seu campo fértil naqueles contratos onde suas prestações se projetam para o futuro.
Os contratos de execução continuada, na definição da professora Maria Helena Diniz54, são aqueles "que se protraem no tempo, caracterizando-se pela prática ou abstenção, solvendo-se num espaço mais ou menos longo. Ocorrem quando a prestação de um ou de ambos os contraentes se dá a termo". Esses tipos de contratos de execução continuada também são chamados de contratos continuativos, de trato sucessivo, pois perduram no tempo e as prestações pactuadas têm realizações periódicas e continuadas, de certa forma, tendo dependência do futuro. Exemplo típico de execução continuada são os contratos de locação, contrato de seguro, nos contratos de compra e venda com pagamento parcelado, enfim, são contratos que têm prestação em períodos certos, podendo ser mensal, bimestral, semestral, anual etc.
A outra modalidade de contrato, passível de incidência da "excessiva onerosidade superveniente", é aquele de execução diferida, ou seja, cuja prestação é futura e não imediata, não existindo nenhum implemento da obrigação antes do vencimento da mesma. Exemplo são os contratos de compra e venda que tenha vencimento futuro, compra de produtos sem entrada e com vencimento parcelado, arrendamento com vencimento bimestral, semestral ou anual, entre outros.
Contrato de execução diferida como o próprio nome diz são contratos de execução postergada, projetadas para o futuro. Esse contrato é muito mais abrangente, comportando em seu bojo espécies como os contratos de execução diferida propriamente dita, continuada ou sucessiva, periódica e a termo.
Registra-se que, a aplicação da teoria da imprevisão, ou melhor, da "excessiva onerosidade superveniente" somente se dará nos contratos que tenham dependência do futuro. Haja vista, a necessidade da existência de um lapso temporal entre a contratação e o cumprimento da obrigação, isto é, entre a vinculação e o implemento da prestação. A existência desse interregno temporal é fundamental, pois nesse período estará aberta a possibilidade da ocorrência de fatores anormais (extraordinários) que imprevisivelmente venha tornar a prestação excessivamente onerosa.
3.2.1.2. Excessiva Onerosidade e Extrema Vantagem
Com bastante propriedade, ensina o grande mestre Orlando Gomes55 que:
No Direito moderno, a alteração radical das condições econômicas, nas quais o contrato foi celebrado, tem sido considerada uma das causas que, com o concurso de outras circunstâncias, podem determinar sua resolução.
Assim, buscando fundamento na própria concepção de justiça comutativa, o artigo 478 dispõe que "[...] se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para outra [...]" e juntamente com outras elementares o contrato poderá ser resolvido. Com efeito, o fator determinante da onerosidade excessiva é a quebra do equilíbrio contratual, passando, de certa forma, a não mais existir uma equivalência de prestação como aquela configurada no momento da contratação.
A onerosidade excessiva não importa na inexecução pura e simples do contrato, mas apenas traz um obstáculo a execução, tornando-a mais difícil e gravosa, capaz de causar uma lesão virtual ao devedor. Essa lesão virtual surge em decorrência de eventos imprevisíveis, que atingem diretamente a base negocial do contrato, importando numa potencialidade de dano ao devedor caso o contrato venha a ser cumprido. Desse modo, em sobrevindo onerosidade excessiva e esta não for obstaculada por meio de resolução ou mesmo de revisão contratual, a lesão deixa de ser virtual para ser objetiva.
Em contrapartida a onerosidade excessiva, deve surgir para o credor uma extrema vantagem. Essa extrema vantagem esta ligada aos próprios fundamentos do enriquecimento sem causa. O credor não poderá auferir vantagem econômica além do justo e do razoável pactuado, diante da dificuldade do devedor em adimplir a obrigação.
Merece destaque ainda, que o titular do direito previsto no artigo 478 é exclusivamente da parte devedora, não há esse direito para o credor. O referido dispositivo ao mencionar "das partes" referiu-se tanto ao credor quanto ao devedor, porém, termina dizendo que "poderá o devedor pedir a resolução do contrato", eliminando qualquer duvida sobre a titularidade do direito. Entretanto, face ao descuido do legislador, espera-se que os magistrados restabeleçam em seus julgados e entre as partes contratantes, a isonomia da lei, tão primada pela Constituição brasileira.
Nesse sentido Nelson Borges56 descreve:
No que se refere ao direito das partes o texto legal não admite dúvidas: "parte lesada" poderá ser tanto o devedor como o credor. Por essa razão critica-se o dispositivo nacional que, depois de falar, corretamente em partes, sem qualquer justificativa termina por estender o benefício a apenas uma delas (devedor), ao falar em excessiva onerosidade, que não tem qualquer relação com o credor.
Assim, distanciou daquelas idéias da teoria da imprevisão, autorizando a resolução do contrato sem nenhuma responsabilidade para a parte devedora, que é titular do direito. Sob uma análise criteriosa, o binômio excessiva onerosidade e a extrema vantagem, passa a prever uma certa inexecução voluntária, pois o que objetivou o dispositivo legal não foi a manutenção dos pactos, mas, muito pelo contrário, a sua resolução.
Deve-se dizer também que o devedor, para exercer o direito de resolução contratual, não pode adimplir a prestação atingida pela excessiva onerosidade e nem se constituir em mora. Toda obrigação já nasce para ser extinta, é claro pelos meios normais, através do adimplemento. Assim, se o devedor cumpre a prestação, ela automaticamente se extingue, tornando improcedente o argumento da excessiva onerosidade, mesmo porque ele pôde cumprir normalmente sua prestação. Quanto à mora, esse responderá pelas perdas e danos (art. 403) que der causa.
3.2.1.3. Acontecimento Extraordinário e Imprevisível
Conforme já foi argumentada, a lesão virtual, decorrente da existência do binômio excessiva onerosidade e extrema vantagem, deve ser causada por "acontecimento extraordinário e imprevisível". Para melhor compreensão é de fundamental importância ter em mente a noção de fato extraordinário e imprevisível.
Buscando a definição de "extraordinário", verifica-se que deriva do latim extraordinariu, significando aquilo que "não é ordinário, fora do comum, excepcional, anormal."57 Diante desse esclarecimento, acontecimento extraordinário seria todo evento anormal, fora do comum, em ultima análise, corresponderia a um fato imprevisível.
A inteligência do artigo 478 também enumera o requisito da imprevisibilidade, dizendo que o acontecimento tem que ser "extraordinário e imprevisível". Assim, o imprevisível seria aquilo que não poderia ser previsto. Com efeito, essa definição reveste-se de um caráter de subjetividade quanto à verificação do acontecimento. Tal afirmativa não é desproposital, pois um mesmo fato pode ser ao mesmo tempo previsível para uma pessoa e imprevisível para outra. A previsibilidade de situações supervenientes e sua constatação poderão sofrer variações, dependendo da pessoa, do seu grau de instrução ou mesmo das informações e do conhecimento que possui sobre matéria contratada.
É nesse contexto e nesse momento que o julgador exercerá papel de fundamental importância, ficando a seu juízo a verificação se o acontecimento superveniente era imprevisível ao tempo da contratação. Para tanto, o magistrado não poderá abrir mão das condições sócio-culturais e do conhecimento do assunto pelos contratantes. A imprevisibilidade é uma questão subjetiva e ainda, deve-se lembrar que a imaginação humana é ilimitada, de modo que na análise do caso concreto deve-se considerar uma previsibilidade razoável, afastando as divagações fantasiosas e as probabilidades infinitas. Assim, a imprevisibilidade deve ser sempre tida sob uma ótica razoável para o ensejo da resolução ou revisão contratual.
Merece destaque ainda, a distinção entre fato imprevisto e imprevisível, tamanha é confusão que se faz ao seu redor, chegando, alguns doutrinadores, a dizer que são sinônimos. O "fato imprevisto será todo aquele que poderia ser previsto e não o foi; imprevisível, aquele a que faltou a possibilidade normal de previsão." 58 [grifo nosso] O fato imprevisto estaria inserido dentro de acontecimentos ordinários, normais, comuns, mas, no entanto, não foi previsto, presumido. Já o fato imprevisível está ligado diretamente àqueles acontecimentos extraordinários à normalidade que, por sua vez, não poderia ser previsto.
Outro ponto de fundamental importância na configuração para o devedor valer-se da "excessiva onerosidade superveniente", é que o mesmo não concorra para a ocorrência do fator imprevisível e muito menos para a inexecução contratual, pois nesses casos responderá pelas perdas e danos que causar ao outro contratante, na forma do art.403 do Código Civil59. Ainda, do mesmo modo, em se tratando de contratos de execução continuada, projetada para o futuro, o devedor não poderá incorrer em mora (art.397 do CC) e, conseqüentemente, será responsabilizado pelos prejuízos que der causa.
A excessiva onerosidade superveniente é causa alheia à vontade do devedor e, por isso, necessita de ser revisto ou resolvido, pois no momento da contratação, a prestação era possível e depois, antes que a mesma fosse exigível, tornou-se praticamente impossível sem a concorrência do devedor. Assim, é indispensável que o mesmo interpele judicialmente pela resolução contratual antes mesmo do vencimento de alguma prestação, haja vista que é o titular desse direito.
A extraordinariedade e a imprevisibilidade, juntamente com as outras elementares do artigo 478, são pressupostos indispensáveis para a resolução ou revisão contratual, já que é através deles que surgirá a lesão virtual superveniente. Contudo, não devem ser analisados isoladamente, devem ser sempre inseridos num contexto, levando-se em consideração outros aspectos legais.
3.2.1.4. A Resolução do Contrato
Antes de qualquer coisa, deve-se colocar ao relevo a imaturidade de alguns de nossos legisladores, quanto à inserção da teoria da imprevisão no ordenamento jurídico brasileiro. A teoria da imprevisão pura e simples, que foi exposta no início desse trabalho, foi deturpada, causando na legislação civil uma aberração jurídica em descompasso com nosso ordenamento.
O Código Civil brasileiro, referindo-se à teoria da imprevisão, dispôs que nos contratos de execução diferida ou continuada, sobrevindo acontecimento extraordinário e imprevisível e tornando a prestação excessivamente onerosa a uma das partes, com extrema vantagem à outra, "poderá o devedor pedir a resolução do contrato". Nesse caso, além do legislador evidenciar que a titularidade de remedium iuris é apenas do devedor, também determina que num primeiro momento deve-se pleitear a resolução contratual ao invés da revisão contratual.
Sobrevindo uma onerosidade excessiva à prestação obrigacional, esta poderá causar, ao contrato, uma inexecução involuntária relativa ou absoluta. Sendo uma inexecução relativa, é passível de ser sanada e, dentro de certas limitações, as partes podem dar continuidade ao contrato através da revisão, assim que restabelecerem o equilíbrio das prestações. No entanto, se a inexecução for absoluta, a ponto de não ser possível nenhum composição capaz de sanar a lesão virtual a uma da partes, deve-se operar a resolução contratual. Nota-se que o legislador não estava atento a essas peculiaridades.
A contradição é imensa, o art.421 do Código Civil dispõe que a "liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato"[grifo nosso]. O contrato não foi feito para ser descumprido, a sua função social é que seja cumprido, atingindo o fim a que se propôs. Entretanto, o legislador prioriza a resolução em vez da revisão.
Outro ponto contraditório, é que o artigo, ao dispor sobre a resolução contratual, feriu os preceitos do direito processual civil, que prima pela composição dos litígios, dispondo no artigo 125, inciso IV, que o juiz deverá "tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes". Tamanha é a preocupação da legislação processual que, novamente, vem determinar no art.448 que "antes de iniciar a instrução, o juiz tentará conciliar as partes". A resolução a priori do contrato fere completamente esse princípio de autocomposição.
Quanto à sentença, o dispositivo legal foi extremamente feliz ao determinar que seus efeitos retroagirão à data da citação. Evidencia-se dessa forma a adoção do efeito ex nunc. Este fato é relevante, pois muitas vezes os contratos são de execução continuada, tendo prestações periódicas e havendo acontecimento extraordinário e imprevisível capaz de ensejar a resolução contratual, seus efeitos só retroagirão até a data da citação válida do credor. Como a resolução, neste caso, pressupõe uma interpelação judicial face aos acontecimentos, as prestações adimplidas não serão atingidas pelos efeitos da sentença, pois até então a execução contratual corria sob plena normalidade.
Assim, antes da citação válida do credor, o contrato ainda estará coberto pelo manto do ato jurídico perfeito.
3.2.2. Análise do artigo 479
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.
Parece que neste artigo o legislador quis reparar o discenso causado pelo artigo anterior, tentando recuperar a revisão contratual suprimida pela resolução. A previsão da revisão contratual visou restabelecer a comutatividade dos contratos bilaterais, fragmentada de resolução contratual.
Assim, proposta a devida ação de resolução contratual pelo devedor (autor), esta só pode ser obstada com o oferecimento da contestação, com proposta do credor em modificar eqüitativamente as cláusulas contratuais. Essa modificação eqüitativa visa restabelecer a comutatividade, ou seja, o equilíbrio contratual, proporcionado ao tempo da contratação e, agora, quebrado pelo acontecimento imprevisível, é claro que sob determinadas condições. Dessa forma, restabelecendo as bases negociais e readaptando as condições contratadas à nova realidade, o contrato continuará validado obedecendo à sua função social, que é o cumprimento das obrigações pactuadas.
No referido dispositivo, o ônus da revisão se transfere ao credor que deselegantemente é tratado como "réu". Quem tem o ônus de sofrer a inexecução seja ela relativa ou absoluta, fato da onerosidade excessiva, é o credor. Ora, com base na função social do contrato e na boa-fé, o devedor também teria o dever de buscar o restabelecimento do equilíbrio contratual, mas não, o legislador não lhe dá este direito ou dever. O que o réu pode fazer é simplesmente pedir a resolução contratual.
Endossando o que já foi mencionado, o professor Marco Aurélio Bezerra de Melo60 chegou a afirmar que:
Perdemos uma ótima oportunidade para a previsão legal da revisão dos contratos em razão da onerosidade excessiva superveniente, pois a revisão tem a vantagem de resgatar a comutatividade inicial sem destruir o vínculo contratual (princípio da comutatividade da relação contratual).
3.2.3. Análise do artigo 480
Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que sua prestação seja reduzidoa, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.
Esse artigo se refere à revisão judicial dos contratos unilaterais por excessiva onerosidade superveniente a contratação. A peculiaridade deste tipo de contrato é que há apenas uma declaração de vontade, importando dever jurídico de uma só parte, a qual figurará no pólo passivo da relação.
Assim, ocorrendo fato superveniente, tendente a afetar a base econômica do contrato, a ponto de causar uma excessiva onerosidade ao devedor, este poderá pleitear a revisão contratual. O fundamento desta interpretação esta nos princípios da comutatividade dos contratos, na boa-fé, na eqüidade e na justiça comutativa. Nenhum contrato é firmado para ser descumprido e, sempre que possível, deve-se buscar a sua manutenção, pois em regra geral prevalece a cláusula pact sunt servanda.
Note-se que, nessa espécie de contrato, não figura o binômio onerosidade excessiva e extrema vantagem, ao contrário dos contratos bilaterais. O que se tem em vista é a onerosidade excessiva, que vai suportar unilateralmente o devedor. Neste caso a revisão contratual se trata de justiça.