Conclusão
Portanto, conclui-se que as importações realizadas para uso próprio por pessoas físicas ou jurídicas não contribuintes habituais do ICMS, não estão sujeitas ao imposto estadual, seja por não haver "operação" capaz de provocar a "circulação" dos bens, seja pela impossibilidade de se aplicar o princípio da não-cumulatividade em tais situações, não afetando essa conclusão a alteração do artigo 155, § 2.º, IX, "a", da Constituição Federal, promovida pela EC n.º 33/2001, permanecendo hígida, desta forma, a Súmula n.º 660 da Corte Suprema, que é bom repetir, diz: "não incide ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte do imposto".
É coerente esperar que o entendimento soberano da Corte Suprema, quando vier a ser confrontada com uma situação posterior à EC n.º 33/2001, seja no sentido de confirmar a aplicabilidade da Súmula n.º 660 independentemente de ressalva temporal. Essa expectativa funda-se na análise do raciocínio jurídico apresentado pelos ministros nos vários precedentes que nortearam a jurisprudência emanada daquele Sodalício, e que permanecem plenamente aplicáveis à novel situação, como se mostrou alhures.
É este o sentir dos fatos, sujeito, naturalmente, ao escrutínio dos doutos.
Notas
1 Entre os muitos precedentes neste sentido, destacam-se os seguintes: RE 191.346, 2.ª Turma, j. 29/9/1998, DJU 20/11/1998; RE 202.714, 2.ª Turma, j. 24/11/1998, DJU 5/2/1999; RE 196.472, 1.ª Turma, j. 11/12/1998, DJU 1.º/10/1999; RE 266.921, 1.ª Turma, j. 16/5/2000, DJU 24/11/2000.
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RE 185.789-7/SP, Red. p/ acórdão Min. Maurício Corrêa, j. 3/3/2000, maioria de votos, DJU 19/5/2000.3
"CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ICMS. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. VEÍCULO AUTOMOTOR. PESSOA FÍSICA. NÃO INCIDÊNCIA. ENCERRAMENTO DA MATÉRIA PELO COLENDO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança interposto contra v. Acórdão proferido pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, o qual determinou o recolhimento do ICMS incidente sobre a importação de automóvel destinado ao uso pessoal do recorrente. 2. Entendimento deste relator, com base na Súmula nº 198/STJ, de que "na importação de veículo por pessoa física, destinado a uso próprio, incide o ICMS". 3. No entanto, o Colendo Supremo Tribunal Federal, em decisão datada de 05/08/1998, proferida no Recurso Extraordinário nº 203.075/DF, Rel. para acórdão o em. Ministro Maurício Corrêa, dando nova interpretação ao art. 155, § 2º, IX, ''a'', da Constituição Federal, decidiu, por maioria de votos, que a incidência do ICMS sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento, não se aplica às operações de importação de bens realizadas por pessoa física para uso próprio. 4. Com base nesse entendimento, o STF manteve decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal que isentara o impetrante do pagamento de ICMS de veículo importado para uso próprio. Os Exmos. Srs. Ministros Ilmar Galvão, Relator, e Nelson Jobim, ficaram vencidos ao entenderem que o ICMS deve incidir inclusive nas operações realizadas por particular. 5. Diante dessa interpretação do ICMS à luz constitucional, proferida em sede derradeira pela mais alta Corte de Justiça do país, posta com o propósito de definir a incidência do tributo na importação de bem por pessoa física para uso próprio, torna-se incongruente e incompatível com o sistema jurídico pátrio qualquer pronunciamento em sentido contrário. 6. Recurso provido." (STJ – ROMS 11145/CE, 1.ª Turma, Rel. Min. José Delgado, j. 25/09/2000, DJU 27/11/2000; grifos acrescentados).Acórdãos recentes do Superior Tribunal de Justiça no mesmo sentido do precedente transcrito nesta nota de rodapé: ROMS 10975/CE, 1.ª Turma, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, j. 5/5/2001, DJU 8/10/2001; AGREsp 89681/PR, 1.ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, j. 3/4/2003, DJU 23/6/2003; e, AGREsp 79539/SP, 2.ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 5/6/2003, DJU 30/6/2003.
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Essa impressão foi reforçada pelo fato de que a Súmula n.º 660 não trouxe nenhuma ressalva temporal, como ocorreu com as Súmulas n.º 651 (A medida provisória não apreciada pelo Congresso Nacional podia, até a Emenda Constitucional n.º 32/98, ser reeditada dentro do seu prazo de eficácia de trinta dias, mantidos os efeitos de lei desde a primeira edição) e n.º 668 (É inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da Emenda Constitucional n.º 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade), aprovadas na mesma ocasião.5
A Súmula n.º 644 (Ao procurador autárquico não é exigível a apresentação de instrumento de mandato para representá-la em juízo) que também foi alterada na sessão de julgamento do plenário do STF de 26/11/2003, já passou pelo procedimento burocrático de publicações e o novo texto (Ao titular do cargo de procurador de autarquia não se exige a apresentação de instrumento de mandato para representá-la em juízo) entrou em vigor em 11/12/2003. Isso mostra que a questão do ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica não contribuinte do imposto é um tema delicado e que exige meticulosa análise.6
Constituição Federal, artigo 155, II: "Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior."7
ICMS – Teoria e Prática. São Paulo: Dialética, 1995. p. 15.8
ICMS – Lei Complementar n.º 87/98 (Comentada artigo por artigo). São Paulo: IOB. pp. 22/23.9
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Tradução de Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. Editora Universidade Brasília, 8.ª ed. 1996.10
Regra Matriz do ICMS. Tese apresentada para a obtenção do Título de Livre Docente da Faculdade de Direito da PUC-SP, 1981, p. 170, apud José Eduardo Soares de Melo, op. cit., p. 16.11
Tratado de Direito Comercial Brasileiro, vol. V/76, parte I. Editora Freitas Bastos, apud José Eduardo Soares de Melo, op. cit., p. 19.12
Curso de direito constitucional tributário. 20.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 314.13
Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: Atlas, 2003, vol. 1, p. 495.14
Constituição Federal, artigo 155, § 2.º, inciso XII, alínea "c": "Cabe à lei complementar: disciplinar o regime de compensação do imposto".15
Lei Complementar n.º 87/96, artigo 19: "O imposto é não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado."16
Direito tributário e reforma do sistema. Coordenador: Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais : Centro de Extensão Universitária, 2003. (Pesquisas Tributárias, Nova Série – 9). Virtudes e defeitos da ‘não-cumulatividade’ do tributo no sistema tributário brasileiro, p. 166.17
Op. cit., p. 132.18
ICM e IPI – Direito de crédito, produção e mercadorias isentas ou sujeitas à alíquota zero – RDT vol. 46, p. 74.