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O direito de informação do consumidor na compra de veículos

Agenda 29/09/2016 às 23:39

O dever de informar é indispensável no momento da venda do veículo ao consumidor, por influenciarem diretamente na decisão de compra.

RESUMO: O presente trabalho analisa a compra de veículos pelo consumidor à luz do CDC, a partir das informações prestadas pelo fabricante e vendedor sob o aspecto da expectativa criada diante da necessidade. Dá enfoque aos princípios da boa-fé objetiva e da informação. A análise também é feita sob o prisma da adequação do produto.  O tema merece atenção diante da situação enfrentada pelo consumidor no momento da compra, uma vez que as informações muitas vezes ditas pelo vendedor ao consumidor quando da apresentação do veículo antes da venda, não correspondem à expectativa esperada com vista ao atendimento de uma necessidade almejada pelo consumidor.

Palavras-chave: Consumidor - Compra de veículos – Informação

Sumário: Introdução. 1. Natureza jurídica do CDC. 2. A Boa-fé-objetiva e o dever de informar no mercado automobilístico. 3.Venda de veículos: procedimento comum adotado  na concessionária. 3.1. Informações capazes de influenciar a decisão de compra. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

O consumidor, ao comprar um veículo, leva consigo a expectativa de estar fazendo um bom negócio, pelo menos do ponto de análise no que se refere aos aspectos funcionais e de atendimento à finalidade a qual o veículo se destina.

Assim, os primeiros meses são de alegria e deslumbramento com as descobertas daquilo que o carro oferece. Porém, informações que podem influenciar diretamente no processo de escolha e decisão do consumidor, nem sempre são ditas, por receio de perder a venda.  É nesse contexto que a boa-fé objetiva e a informação assumem relevância na análise do tema, pois, a observância desses dois institutos está diretamente ligada à expectativa do consumidor e, dessa forma, se cumpridas fielmente consoante disciplina o CDC, servirão para evitar o sentimento de frustração e tristeza após o período de deslumbramento que ocorre na fase imediata pós-compra do veículo.

1 A NATUREZA JURÍDICA DO CDC

A Constituição Federal determinou no art.48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias a elaboração do Código de defesa do consumidor. O CDC, no seu art.1º., dispôs tratar-se de norma de ordem pública e interesse social:

Art. 1º. Art. 1° O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias.

Nesse diapasão, tem-se que, o CDC, é a norma geral das relações de consumo, de origem constitucional, principiológica, de ordem pública e interesse social.

Para Rizzatto Nunes: “Assim, como a Lei n.8.078 é norma de ordem pública e de interesse social, geral e principiológica, ela é prevalente sobre todas as demais normas anteriores ainda que especiais que com ela colidirem.” [1]

A natureza de ordem pública faz do diploma consumerista um preceito de observância obrigatória que fulmina de nulidade as cláusulas que forem redigidas de maneira a violar os dispositivos ali elencados. No que se refere aos procedimentos de vendas de carros, não há diferença, os preceitos e regras do CDC também devem ser fielmente observados no momento da venda do veículo ao consumidor.

2. A BOA-FÉ-OBJETIVA E O DEVER DE INFORMAR NO MERCADO AUTOMOBILÍSTICO

A boa-fé objetiva nas relações de consumo traduz-se como o dever que as partes têm de corresponderem fielmente à expectativa criada uma na outra durante a fase de tratativas que antecede à contratação.

Para Flora Schier: “É objetiva aquela que se refere a elementos externos, ou seja, a que está relacionada às regras de conduta impostas moralmente, isto é, quando decorrente do dever de lealdade genericamente impostos aos homens. É a boa-fé, ou seja, dever.[2]

A informação encontra-se disciplinada no CDC no seu art.6º, III, como direito básico do consumidor:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

O dispositivo mencionado impõe ao fornecedor não apenas o dever de informar, mas o faz constar de maneira expressa que a informação deve ser adequada e clara. Nesse aspecto, reconhecemos a dificuldade do fornecedor de informar de maneira adequada, uma vez que, no Brasil, há uma grande parcela da população que não tem acesso aos estudos, o que só aumenta o dever de proteção ao consumidor nesse caso e, em razão dessa peculiaridade, cria para o fornecedor uma obrigação qualificada de informação, a fim de, conseguir alcançar o dever de informar determinado na norma.

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Assim, o fornecedor no cumprimento do seu dever de informar tem que observar, também, o perfil do consumidor destinatário final do seu produto, sob pena de não o fazendo, descumprir o dever de informação disposto no art.6º, III, do CDC.

Oportuno o magistério de Alexandre Malfatti:

Todavia, a realidade jurídica não traduz a realidade social. Não deve ser esquecido que apenas uma pequena camada da população brasileira tem acesso às inovações da chamada sociedade pós-industrial. Isto é, um diminuto contingente de pessoas tem real acesso à educação de nível superior, possui condições econômicas e sociais razoáveis e pode ingressar num mercado de consumo sofisticado.[3]

No mercado automobilístico onde se trabalha com todos os níveis de classe social e grau de instrução, cumprir o dever de informação torna-se uma tarefa das mais delicadas, mormente quando os veículos já saem de fábrica com dispositivos que os seus nomes por si só já dificultam a sua compreensão, quiça a sua utilização de forma segura pelo consumidor, a exemplo do hill holder( dispositivo que auxilia o motorista em subidas),  assistente de subida em rampa) presentes em alguns modelos vendidos no Brasil.

3 VENDA DE VEÍCULOS: PROCEDIMENTO COMUM ADOTADO NA CONCESSIONÁRIA

No Brasil, o comum, no máximo, é no ato da entrega, o vendedor fazer uma rápida explicação sobre o veículo. Nem todas as concessionárias oferecem a possibilidade de o consumidor fazer um test drive. Ainda assim, quando oferece o test drive, este é pequeno e não retrata a situação diária capaz de possibilitar a compreensão e o manuseio correto dos seus dispositivos.

3.1. INFORMAÇÕES CAPAZES DE INFLUENCIAR A DECISÃO DE COMPRA

É fato que atualmente as informações sobre veículos estão muito mais disseminadas. O acesso à internet e a existência de sites especializados no ramo automobilístico, a exemplo do www.carroonline.com.br, possibilitam ao consumidor o acesso a informações que às vezes o próprio vendedor não tem conhecimento.

Atualmente, já existe, por exemplo, a classificação do INMETRO quanto à classificação de modelos testados, no que se refere à eficiência de energia, informando o consumo na cidade e na estrada. Existe, também, informações disponibilizadas sobre testes de segurança com notas de “zero” a “cinco”, sendo “cinco” a nota aplicada para os veículos considerados mais seguros.

É necessário registrar que as notas para segurança de adulto e criança são separadas. Isso faz diferença porque a finalidade buscada pelo consumidor é que vai possibilitar, de acordo com o conhecimento da informação, a análise de forma consciente sobre o produto que procura de acordo com a necessidade que precisa e isso, pode ser diretamente influenciado pelas notas dos testes de segurança.

No que se refere aos testes de segurança, o Latin NCAP, Programa de Avaliação de Carros Novos para América Latina e o caribe é quem oferece as informações sobre os testes realizados nos modelos de veículos à venda no mercado brasileiro e podem ser consultadas no site: http://www.latinncap.com/po/resultados.

Quanto à cesta básica de manutenção de veículos, o CESVI – Centro de Experimentação e Segurança Viária informa os índices, podendo tal informação ser vista no site: http://www.cesvibrasil.com.br/site.aspx/Indices.

Dessa forma, constitui direito do consumidor, a nosso pensar, ser informado sobre os testes de eficiência energética (consumo), segurança e os índices fornecidos pelo CESVI que influenciam diretamente nos custos de manutenção e seguro do veículo.

É verdade que nem todos os veículos são submetidos aos testes, no momento, porém, se o veículo pesquisado ou apresentado ao consumidor não tiver sido submetido a tais testes, essa informação deverá ser dita ao consumidor, sob pena de, violação ao art.46, do CDC.

CONCLUSÃO

a)constitui direito do consumidor, ser informado previamente, nas tratativas que antecedem a compra do veículo, sobre os testes de eficiência energética (consumo), segurança e os índices fornecidos pelo CESVI que influenciam diretamente nos custos de manutenção e seguro do veículo.

b)A venda de veículos sem que as informações sobre eficiência energética(consumo), segurança e custos com manutenção não sejam previamente informados ao consumidor, constitui-se em uma venda com vício de informação, uma vez que, sem essas informações, o consumidor fica tolhido da análise racional sobre a escolha a ser realizada.

REFERÊNCIAS

MALFATTI, Alexandre David. O direito de informação no Código de defesa do consumidor. São Paulo : Alfabeto jurídico, 2003;

NUNES, Rizzatto. Curso de direito do consumidor : com exercícios. São Paulo : Saraiva, 2004;

SCHIER, Flora Margarida Clorck. A boa-fé como pressuposto fundamental do dever de informar. Curitiba : Juruá, 2006;

http://www.cesvibrasil.com.br/site.aspx/Indices,  acesso em 29/09/2016.

http://www.latinncap.com/po/resultados, acesso em 29/06/2016.


[1] Curso de direito do consumidor : com exercícios. São Paulo : Saraiva, 2004, p.69.

[2] A boa-fé como pressuposto fundamental do dever de informar. Curitiba : Juruá, 2006, p.38.

[3] O direito de informação no Código de defesa do consumidor. São Paulo : Alfabeto jurídico, 2003, p.206.

Sobre o autor
Winston Neil Bezerra de Alencar

Mestre e doutorando em direitos difusos e coletivos pela PUC-SP. Especialista em direito das relações de consumo pela PUC-SP. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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