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Princípios internacionais do Direito de Família sobretudo na necessidade de construir um regime jurídico internacional na esfera familiar

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Agenda 18/10/2016 às 07:53

O presente trabalho tem como objetivo a identificação de princípios internacionais do direito de família, sobretudo em virtude da necessidade de se construir um regime jurídico internacional na esfera familiar.

O presente trabalho tem como objetivo a identificação de princípios internacionais do direito de família, sobretudo em virtude da necessidade de se construir um regime jurídico internacional na esfera familiar. Para tanto, sera verificada as constatações  que   exigem   o   desenvolvimento   de   normas jurídico-familiares  de  caráter  transnacional,  perpassando-se pela análise da construção  de  princípios internacionais no direito de família, como na mudança do sistema no direito civil, quanto dos anseios relativos ao fenômeno da globalização junto a necessidade da constitucionalização do direito civil e de algumas conseqüências do movimento de   constitucionalização  do direito civil e a melhor valorização da criança – digna de atenção. Com isso, será possível assimilar os princípios de melhor interesse da criança, da dignidade da pessoa humana, da especial proteção à família, voltados à pacificação e regulação de relações de caráter internacional que envolvam elementos decorrentes do núcleo familiar.

Palavras-chave: Direito de Família. Princípios internacionais. Relações familiares internacionais.

INTRODUÇÃO

Prima facie, vale mencionar que o direito civil teve a sua construção permeada por uma ideologia que destoce daquilo que o cenário político-jurídico atual determina como necessário. Com isso, a partir de sua aplicação na sociedade contemporânea, busca-se que o aludido direito do indivíduo à pessoa, da neutralidade para um compromisso maior com a justiça social[2].

Nesse cenário, a doutrina civil-constitucional admite a força normativa dos princípios, proposições genéricas que servem de substrato para a organização de um sistema normativo, dotadas de grande importância no estudo das ciências jurídicas[3]. Mesmo porque uma argumentação principiológica assegura a mobilidade necessária para que o direito civil possa estar mais bem adaptado à realidade social e diretamente conectado às exigências da sociedade à qual se dirige[4].

Por sua vez, as relações sociais oriundas da vida em sociedade   geram   diversas   situações   que   necessitam   de regulamentação jurídica. Esse fato, da mesma maneira que no direito interno, possui grandes repercussões na esfera do direito internacional[5], o que demanda a construção de verdadeiras normas jurídicas de caráter transnacional.

No entanto, há que se destacar a dificuldade de o civilista pressupor a existência de um direito transnacional. Isso porque o direito civil tem como costume o pensamento a partir da expressão dos valores do homem comum, ou, para muitos, da comunidade dominante de certa sociedade em determinado espaço social, ou seja, inserido em um direito eminentemente nacional[6]

É imprescindível   a   edificação   de princípios internacionais do direito civil, uma vez que a integração econômica e política dos países amplamente reconhecida em virtude das transformações econômicas e sociais não pode se concretizar por completo sem a integração jurídica, com realce nos processos de harmonização e unificação do direito[7].

A partir da constatação de Ronald Dworkin de que os princípios são normas abertas, que não têm o objetivo de controlar previamente sua própria aplicação[8], toda a sistemática principiológica  pertinente às  relações  familiares  de natureza internacional   será   desenvolvida   por   meio   da   análise   do conteúdo de diversos tratados internacionais, que abarca, em certa medida, proposições genéricas, abstratas e indeterminadas passíveis de densificação ao caso concreto da mesma maneira que os princípios no direito contemporâneo.

Dessa forma, os princípios internacionais do direito de família serão legitimados por intermédio do estudo de preceitos consagrados em uma série de diplomas internacionais, construindo, pois, um conjunto de normas jurídicas capaz de informar e orientar a solução de controvérsias que envolvam relações familiares de caráter internacional.

1.  A CONSTRUÇÃO DE PRINCÍPIOS INTERNACIONAIS NO DIREITO DE FAMÍLIA

A prática do direito sem fundamentação teórica essencial resulta em argumentações e decisões instáveis e hesitantes. A contemporaneidade trouxe a intensificação do movimento das mudanças   sociais   e   econômicas,   trazendo consequências diretas para a estabilidade do direito[9].

A cada momento, novas demandas, novos conflitos e novos sujeitos são originados, comprovando a constante necessidade de mudanças de paradigmas. Desse modo, pode-se observar a existência de uma proliferação legislativa que se altera e se extingue bem antes de uma adequada interpretação de todas as suas dimensões[10], demonstrando a insuficiência da construção jurídica fundada única e exclusivamente em regras de direito.

Nessa conjuntura de incertezas, mostra-se imprescindível o estudo e a aplicação dos fundamentos do direito, dentre os quais, os princípios. No mundo contemporâneo, essas normas, em razão de sua adaptabilidade, são os instrumentos jurídicos mais adequados para as mutações sociais, colaborando para o progresso da sociedade em sua caminhada pela emancipação humana e para a concretização dos preceitos de justiça[11].

A partir dessas premissas, faz-se mister identificar o cenário que torna indispensável a construção de princípios internacionais do direito de família, legitimando, assim, a necessidade de se formular preceitos genéricos que orientam as relações de natureza transnacional desenvolvidas no espaço familiar.

1.1. A MUDANÇA DO SISTEMA NO DIREITO CIVIL

Um dos motivos relevantes para o desenvolvimento de princípios internacionais do direito de família é encontrado na mudança do sistema, que correspondeu, no âmbito do direito privado, ao que foi a constituição política e a declaração de direitos na esfera do direito público[12].

Tendo como fundamento o princípio da completude de antiga tradição romana medieval, a Escola da Exegese levou o mito do monopólio estatal da produção legislativa a consequências absolutas, de maneira que o direito codificado exauria todo o fenômeno jurídico, por intermédio de uma confiança cega na suficiência das leis[13]. Assim, a produção normativa nacional codificada esgotava a regulação do direito civil.

No entanto, o sistema civil liberal mergulhou em uma profunda crise com o advento do Estado Social e a consequente incompatibilidade do individualismo burguês com as demandas sociais. Diversas matérias foram retiradas do código civil, cuja função prestante passou a ser reduzida significativamente, uma vez que a codificação não conseguiu reunir os novos direitos privados multidisciplinares[14], dentre os quais, aqueles pertinentes à ordem jurídica internacional.

Um dos argumentos a seu favor era o da segurança jurídica, visto que o código agregava todo o direito.  No entanto, as relações privadas não são mais matéria exclusiva da codificação civil[15], em especial por decorrência das grandes mudanças sociais, que resultaram, dentre outros aspectos, no profundamento das relações privadas desenvolvidas na esfera internacional.

Cada código civil representa a sistematização de leis nacionais, fruto de preceitos e valores restritos, em regra, a cada país. Por sua vez, o desenvolvimento da sociedade contemporânea fez nascer uma série de relações e conflitos transnacionais, de maneira que o ordenamento jurídico de cada nação requer uma constante expansão, a fim de abranger regras e princípios capazes de regulá-los.

Esse e outros motivos, como por exemplo a intensificação do processo legislativo e as marcantes transformações econômicas, passaram a destinar ulterior papel ao código civil, que perde de maneira progressiva a sua função de normatização do direito comum. Destarte, matérias inteiras são retiradas do âmbito codificado[16], o que sustenta a identificação de novos movimentos do direito civil, como aquele pertinente ao direito de família aplicável às relações de caráter internacional.

Ressalte-se, também, que o código se relaciona ao estágio de desenvolvimento jurídico de uma sociedade em determinado período, contradizendo a inevitabilidade das mudanças sociais. Sendo assim, um código atual deveria consistir em uma lista de princípios e regras gerais, a partir das quais fosse possível raciocinar juridicamente[17], razão pela qual a identificação de princípios do direito de família incidentes sobre relações travadas em âmbito internacional ganha especial importância.

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A esse fenômeno de descodificação do direito civil agrega-se o conjunto de normas supranacionais, integrado por tratados, convenções, pactos internacionais e regulamentos de mercados regionais, que dá origem a uma importante crise de fontes normativas[18].

As demandas sociais, a cada momento, estabelecem a necessidade de se elaborar normas jurídicas de significativa fugacidade e variabilidade, como acontece em diversos setores da sociedade, “[...] a ponto de se apregoar a existência de um direito da pós-modernidade”[19]. Por isso, a eleição de princípios internacionais do direito de família, verdadeiras normas jurídicas, torna-se tarefa obrigatória.

1.2. A NECESSIDADE DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL

Maria Celina Bodin de Morais preconiza que, como resultado da dimensão dos ordenamentos da atualidade, cada disciplina   jurídica   abarca   um   significativo   número   de princípios, muito embora todos eles devam concretizar, quando de sua aplicação ao caso concreto, os mesmos valores, isto é, aqueles estabelecidos na Constituição, diploma consolidador da unidade ao sistema, em um fenômeno identificado como a constitucionalização dos diferentes setores do ordenamento[20].

Outrossim, cumpre destacar a necessidade de se expandir essa constatação, no sentido de remeter os ordenamentos civis nacionais à ordem constitucional global, a partir de um movimento de unificação e integração dos diversos regimes jurídicos de direito privado espalhados pelo mundo, em que o papel   de   protagonista   seja   atribuído   aos   princípios   que informam cada microssistema do direito civil, incluindo-se, portanto, o direito de família.

Vale ressaltar que uma das vertentes da pós-modernidade político-constitucional se refere à perda do lugar e da inércia geográfica territorial. Com isso, fenômenos como a transnacionalização e o alargamento dos atores não governamentais resultam em novos desafios à teoria do direito constitucional[21].

Nesse   sentido,   o   professor   José   Joaquim   Gomes Canotilho afirma que:  [...] As constituições, embora continuem a ser pontos de legitimação, legitimidade e consenso autocentradas numa comunidade estadualmente organizada,  devem  abrir-se  progressivamente  a uma rede cooperativa de metanormas [...] e de normas  oriundas  de  outros  "centros" transnacionais e infranacionais (regionais e locais) ou  de  ordens  institucionais intermédias ("associações internacionais", "programas internacionais")[22].

Uma interpretação apropriada da ordem constitucional deve perpassar pela consideração de uma rede cooperativa de normas supranacionais. Até mesmo porque diversas relações jurídicas   produzem   efeitos   que   ultrapassam   os   limites territoriais de um país, exigindo, das Constituições, uma resposta adequada, que pressuponha a existência de regras e princípios internacionais.  Em face da constitucionalização do direito civil, o direito de família também assume a qualidade de protagonista nesse processo cooperativo transnacional.

A globalização internacional dos problemas demonstra que, não obstante a Constituição permaneça como um documento de identidade política e cultural e um marco normativo imprescindível para a estruturação interna de um Estado, cada vez mais esse diploma jurídico deve se articular com outros direitos[23], inclusive aqueles cuja incidência ultrapasse a jurisdição territorial de um país.

Sendo assim, a construção de princípios internacionais do direito de família se justifica em face desse processo de caráter transnacional protagonizado pela Constituição, diploma consolidador da unidade do direito civil e marco referencial para a interpretação das normas do regime jurídico-familiar.

2.   OS PRINCÍPIOS   INTERNACIONAIS   DO   DIREITO   DE FAMÍLIA

Os especialistas entendem que a harmonização de ordenamentos jurídicos de diversos países pode ser mais bem alcançada por intermédio de iniciativas indutoras, de maneira a ultrapassar as resistências nacionais, envolvendo governos, organizações não governamentais, profissionais e acadêmicos, no desenvolvimento de textos recomendáveis e de princípios gerais que levem à aproximação dos mais variados direitos nacionais.

Prima facie, vale destacar que o marco referencial para se definir o que é princípio internacional pode ser encontrado nos ensinamentos de Ronald Dworkin, no sentido de que essa norma jurídica é um padrão que deve ser observado, não pelo fato de promover uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas em virtude de constituir exigência de justiça ou equidade ou outra dimensão de moralidade[24].

A legitimação de princípios internacionais no âmbito o direito de família será construída a partir da análise de diversos diplomas que estabelecem normas supranacionais de observância necessária em todas as relações jurídicas internacionais, sobretudo em virtude da ratificação desses documentos por uma série de países espalhados pelo mundo.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e os  demais  instrumentos  adotados  em  momento  posterior no âmbito da Organização das Nações Unidas – ONU inserem-se no movimento de retomada da busca pela dignidade humana, após os horrores cometidos pelo nazifascismo,  estabelecendo um sistema de proteção dos direitos fundamentais  intrinsecamente  internacional[25],  que  preconiza  normas, também, na seara do regime jurídico-familiar.

Assim, não obstante a identificação dos aludidos princípios  seja  justificada  a  partir  da  análise  de  diversos tratados internacionais, o seu entendimento não perpassa pela análise   desses   diplomas   enquanto   propulsores   de   certas situações políticas, sociais ou econômicas, mas, sim, pelo fato de estabelecerem padrões de justiça que devem ser observados tanto pelos Estados quanto pelos indivíduos.

Ademais, a adoção de princípios internacionais do direito de   família   não   implica   a   construção   de   preceitos   de observância obrigatória em todo e qualquer ordenamento jurídico-familiar,    mesmo    porque    o    reconhecimento    de  disposições amplamente consagradas de direito internacional é uma tarefa complicada, que sofre resistências importantes em função de Estados que não aceitam a limitação de seu direito de produzir normas[26].

Essa constatação, portanto, já demonstra a adequação de se estabelecer princípios internacionais no regime jurídico- familiar a partir  do  estudo  de  tratados.  Isso porque essas normas jurídicas se inserem em uma dimensão de peso ou importância, de modo que, caso se intercruzem, o princípio que vai resolver o conflito deve considerar a força dos demais[27].

Destarte, por intermédio da análise de tratados, a edificação de princípios internacionais do direito de família não tem como consequência a argumentação de que uma fonte de direito é mais importante do que outra. Mesmo porque a metodologia apresentada respeita a peculiaridade das normas de direito internacional, tendo em vista a grande dificuldade de se estabelecer preceitos de aplicação obrigatória nos mais variados países do mundo.

No entanto, algumas normas de direito internacional vêm sendo reconhecidas como invioláveis pelos Estados. Nesse sentido, não há que se falar, por exemplo, na celebração de um tratado que estabeleça a nulidade do princípio da não violação aos  direitos  humanos[28],  de  maneira  que  a  proteção  desses direitos se posiciona como um elemento capaz de informar as mais variadas ordens jurídicas espalhadas pelo mundo.

Cumpre destacar, também, que Robert Alexy preceitua ser o princípio um mandado de otimização, caracterizado pela possibilidade de ser cumprido a partir de diferentes graus. Isso porque a sua observância  não  depende  apenas  das possibilidades reais, mas também das possibilidades jurídicas, as quais são determinadas pelos princípios e regras opostos[29].

2.1. A MELHOR VALORIZAÇÃO DA CRIANÇA – DIGNA DE ATENÇÃO

Em virtude da valorização da pessoa humana nos mais variados   espaços,   inclusive   no   âmbito   familiar,   faz-se necessário preservar, ao máximo, aqueles que se encontrem em posição de fragilidade. A criança e o adolescente, pois, estão nessa situação por fazerem parte de um processo de amadurecimento e formação da personalidade, sendo dotados de posição privilegiada na família[30].

O princípio do melhor interesse da criança se sustenta, basicamente, na condição desse sujeito de direitos como pessoa humana e merecedora de proteção especial em virtude de sua especial qualidade de pessoa em desenvolvimento. A partir dessa premissa podem ser encontrados todos os direitos e deveres que decorrem da observância do melhor interesse da criança[31].

Assim, a criança – e o adolescente, de acordo com a Convenção Internacional dos Direitos da Criança – devem ter seus interesses considerados com primazia pelo Estado, pela sociedade e pela família, tanto na formulação quanto na aplicação de seus direitos e garantias[32].

Vale destacar que a dimensão de garantias conferidas às crianças permite concluir que a proteção oferecida é a mais ampla possível, abarcando determinações relativas à saúde, educação, alimentação, lazer, bem-estar físico e emocional. Tudo isso orientado para a promoção de sua dignidade, na condição de pessoa humana em fase de desenvolvimento[33]. No entanto, ciente da inexistência de hierarquia entre os princípios,  Miguel  Cillero  Bruñol[34],  citado  por Paulo  Lôbo, ensina que, sendo as crianças partes da humanidade e:

[...] seus direitos não se exerçam separada ou contrariamente  ao  de  outras  pessoas,  o  princípio não está formulado em termos absolutos, mas [...] o interesse superior da criança é considerado como uma “consideração primordial”. O princípio é de prioridade e não de exclusão de outros direitos ou interesses.

Na esfera internacional, a Declaração de Genebra de 1924 foi o primeiro documento a estabelecer a necessidade de conferir à criança uma proteção especial. Esse diploma reconheceu  e  afirmou,  pela  primeira  vez,  a  existência  de direitos às crianças, que se consubstanciam na garantia de que a humanidade deve garantir-lhes o melhor, preconizando a responsabilidade dos adultos perante o desenvolvimento de sua personalidade[35].

O preâmbulo da Constituição da Organização Internacional do Trabalho – OIT de 1946 propugna pela urgência em se melhorar as condições de trabalho no que diz respeito à proteção da criança e dos adolescentes. Em virtude do seu melhor interesse, a aludida Organização está obrigada – por força da Declaração da Filadélfia de 1944, anexo daquele documento internacional – a auxiliar os demais países na execução de programas que tenham como objetivo garantir a proteção da infância[36].

Na  esteira  da  Declaração  de  Genebra,  a  Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, em seu artigo XXV, § 2º, determina que a infância tem direito a cuidados e assistências especiais, de maneira que todas as crianças “[...] nascidas dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma proteção especial”[37].

Essa proteção especial, como observado, é decorrência direta do reconhecimento da dignidade da criança, de maneira que    o    referido    diploma    veio    consolidar,    no    âmbito internacional, o princípio do seu melhor interesse.  Tanto  é assim que em 1959 adveio, na ordem jurídica internacional, a Declaração Universal dos Direitos da Criança, que também determina a necessidade de uma proteção especial, em atenção ao interesse superior da criança e do adolescente[38].

Ainda no que diz respeito às consequências do matrimônio, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 preconiza, em seu artigo 23, § 4º, que em caso de suadissolução, os Estados devem adotar determinações que garantam a proteção necessária para os filhos[39], em uma clara alusão ao melhor interesse da criança e do adolescente. Mesmo porque, ainda de acordo com o aludido Pacto Internacional:

ARTIGO 24, 1.  Toda  criança,  terá  direito, sem discriminação alguma por motivo de cor, sexo, religião, origem nacional ou social, situação econômica ou nascimento, às medidas de proteção que a sua condição de menor requerer por parte de sua família, da sociedade e do Estado.

Por fim, cumpre destacar a Convenção Sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembléia Geral da ONU em 1989 e oficializada   como   lei   internacional   em   1990, a   qual   já prescreve logo de início, em seu preâmbulo, a primazia que deve ser conferida ao desenvolvimento da personalidade da criança, uma vez que ela “[...] necessita de proteção e cuidados especiais, inclusive a devida proteção legal, tanto antes quanto após o seu nascimento [...]”[40].

Além disso, o mais importante na Convenção Sobre os Direitos da Criança foi a consignação expressa do princípio do melhor interesse da criança, no artigo 3º, § 1º[41]. Isso significa que as suas disposições – mais do que necessárias – são obrigatórias em face da especial proteção internacional que merecem  as  crianças  e  os  adolescentes,  o  que  legitima  o aludido princípio como sendo um princípio internacional do direito de família.

3. O PRINCIPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA EM FACE A FAMILIA HUMANA

A dignidade da pessoa  humana é o  centro  existencial essencialmente comum a todas as pessoas humanas, como componentes iguais do gênero humano, o que impõe um dever geral de respeito, proteção e intocabilidade. Desse modo, viola o princípio da dignidade da pessoa humana a conduta que a equipare a uma coisa disponível[42].

A família se insere nessa conjuntura como o espaço comunitário por excelência para o desenvolvimento e a realização de uma existência digna e da vida em comunhão com as outras pessoas. Nesse sentido, a entidade familiar se converteu no ambiente de realização existencial de cada um de seus integrantes e de afirmação de suas dignidades[43].

Dessa forma, Maria Celina Bodin de Moraes ensina que: Nesse ambiente, de um renovado humanismo, a vulnerabilidade humana será tutelada, prioritariamente, onde quer que ela se manifeste. De modo que terão precedência os direitos e as prerrogativas de determinados grupos considerados, de uma maneira ou de outra, frágeis e que estão a exigir, por conseguinte, a especial proteção da lei. Nestes casos estão as crianças, os adolescentes, os idosos [...], os não-proprietários [...], os membros da família [...], dentre outros.[44] (grifo nosso)

A partir dessa premissa, a Declaração de Filadélfia, no âmbito da OIT, preceitua (artigo II, “a”) que todos os seres humanos, de qualquer raça, sexo ou crença, têm o direito ao desenvolvimento espiritual dentro da sua dignidade[45], a qual é amplamente   reconhecida   pelo   preâmbulo   da   Declaração Universal dos Direitos Humanos como sendo inerente a todos os membros da família humana[46].

Até mesmo como decorrência da dignidade da pessoa humana, a referida Declaração Universal preconiza, no artigo VI, que “[...] todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei”. Sendo assim, nos termos de seu artigo XXII:

[...] todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito [...] à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade[47].

Como consequência da dignidade inerente à pessoa humana, também indicada pelo Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (artigo 16), toda pessoa, em qualquer lugar, terá direito ao reconhecimento de sua personalidade jurídica[48], o  que  demonstra  a  necessária  incidência  do  princípio  da dignidade da pessoa humana nas relações familiares de caráter transacional.

Nesse sentido, os direitos do homem são corolários diretos da dignidade da personalidade humana. Isso significa que   a   obrigação,   para   os   Estados,   de   assegurar   sua   a observância  decorre  do  próprio  reconhecimento  dessa dignidade, proclamada, como já analisado, pela Carta das Nações  Unidas  e  pela  Declaração  Universal  dos  Direitos Humanos[49].

CONCLUSÃO

Os princípios internacionais do direito de família derivam do reconhecimento da dignidade da pessoa humana. Por sua vez, em face da obrigação internacional de respeito aos direitos do homem, pode-se afirmar a existência de uma obrigação  internacional  de  respeito  a  esses  princípios,  pois todos os Estados têm interesse jurídico na proteção dos sujeitos de direitos que integram uma família, o que, por si só, legitima a construção de princípios internacionais aplicáveis às relações familiares.

No mundo contemporâneo, os princípios, em razão de sua adequabilidade, são os instrumentos jurídicos mais adequados para as mutações sociais, colaborando para nesse sentido, nada melhor do que identificá-los a partir da análise dos tratados internacionais, vez que estes consubstanciam fontes do direito que devem ser consideradas progresso da sociedade em sua caminhada pela emancipação humana e para a concretização dos preceitos de justiça.

Destarte, procurou-se estabelecer princípios e normas gerais consensualmente adotados e que convivem, pois, com a legislação própria de cada país. Esse consenso é fundamentado a partir da análise de uma série de diplomas internacionais, como a Declaração de Genebra, a Declaração Universal  dos  Direitos  Humanos,  o  Pacto  Internacional  deDireitos Civis e Políticos, dentre outros.

Conclui-se que a identificação de princípios internacionais no direito civil é o primeiro passo no longo processo de integração dos sistemas normativos. No entanto, em atenção à divergência de tradições culturais e jurídicas, cumpre destacar a impossibilidade de se construir preceitos de observância obrigatória em todo e qualquer ordenamento jurídico-familiar. Se faz necessaro construir um regime juridico internacionala na esfera familiar pois é notorio que os  princípios  internacionais  do  direito  de família se prestam para orientar o argumento em uma certa direção, necessitando, ainda assim, de uma decisão particular para serem aplicados.

REFERÊNCIAS

  

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VARELLA, Marcelo Dias. Direito Internacional Público. Op. cit. p. 103-104.

Sobre a autora
Márcia Cavalcante de Aguiar

Especialista nas áreas cíveis, trabalhista, previdênciaria. Advogada

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