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O princípio da legalidade e suas vertentes no Direito Penal Brasileiro

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Agenda 19/10/2016 às 15:00

3 DESDOBRAMENTOS DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Nesse capítulo será abordado a temática principal desse trabalho científico de pesquisa, na busca de demonstrar que o alcance e os desdobramentos da legalidade vão além da simples interpretação dos dispositivos legais.

3.1 Não Há Crime Ou Pena Sem Lei: Anterior, Escrita, Estrita, Certa e Necessária

O princípio da legalidade estampado no artigo 1º do Código penal e no artigo 5° da Constituição, merece uma interpretação que vai além do entendimento literal.

O entendimento básico e literal não tem muitos desdobramentos é apenas a transcrição literal do que o legislador quis alcançar, ou seja, não há crime sem lei anterior que o defina e não há pena sem prévia cominação legal e ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer nada, senão em virtude de lei.

O primeiro desdobramento desse princípio está pautado na afirmação de que não há crime ou pena, sem lei.

Em consonância com o princípio da Reserva Legal, uma infração penal só pode ser criada por uma lei, em regra utilizando-se de lei ordinária e excepcionalmente de lei complementar. Cunha ensina nesse sentido, in verbis:

segundo o princípio da reserva legal, a infração penal somente pode ser criada por lei em sentido estrito, ou seja, lei complementar ou ordinária, aprovadas e sancionadas de acordo com o processo legislativo respectivo, previsto na CF/88 e nos regimes internos da Câmara dos Deputados e Senado Federal. (CUNHA, 2015, p. 83)

Dessa forma podemos concluir que Medidas de Segurança não podem criar penas pois não é lei. Medida de Segurança é um ato do executivo com força normativa, assim, não cria crime e nem comina pena. Nesse sentido Cunha corrobora dos pensamentos de Queiroz, abaixo colacionado:

medida provisória não pode definir infrações penais ou cominar penas. Quer pela efemeridade, quer pela incerteza que traduz, dada a possibilidade de sua não conversão em lei ou de sua rejeição pelo Congresso Nacional, é claramente incompatível com o postulado de segurança jurídica que o princípio quer assegurar. Dificilmente se poderá compatibilizar ainda os pressupostos de relevância e urgência da medida com pretensões criminalizadoras, sobretudo à vista dos múltiplos constrangimentos que podem ocorrer no curto espaço de sua vigência. (QUEIROZ apud CUNHA, 2015, p. 83)

Uma dúvida ainda corrente na doutrina moderna é em relação ao artigo 62, §1º, I, b, da Constituição Federal que traz a seguinte redação, ipsis litteris:

 Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.

§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:

I – relativa a:[...]

b) direito penal, processual penal e processual civil;

Depreende-se da leitura do artigo supracitado que a Medida Provisória não pode versar sobre o direito penal, contudo, a dúvida que paira sobre a doutrina é se esse direito penal é apenas o incriminador ou também o não-incriminador.

Duas correntes doutrinárias buscaram explicar essa dualidade, a primeira afirma que com o advento da Emenda Constitucional 32, ficou claro que a Medida Provisória não pode versar sobre direito Penal (incriminador ou não) e essa corrente é a que prevalece entre os doutrinadores constitucionalistas. A segunda corrente afirma que a EC/32 reforça a proibição da Medida Provisória de versar sobre direito penal incriminador, permitindo, portanto, que se verse sobre matéria de direito penal não incriminador.

Essa segunda corrente tem como forte defensor o Supremo Tribunal Federal. O STF admitiu a Medida Provisória não incriminadora 417/2008 que impedia a tipificação de determinadas condutas e comportamentos no Estatuto do Desarmamento.

Ainda nesse sentido o professor Cunha traz importantes ensinamentos acerca dessa temática de que não há crime ou pena sem lei, verbis:

 também é inadmissível que a lei delegada verse sobre direito penal, com fundamento no artigo 68, §1º, CF/88, uma vez que a redação do dispositivo, a um só tempo, impede a delegação de atos de competência exclusiva do Congresso Nacional e veda que a lei delegada discipline sobre direitos individuais, matéria ínsita a toda norma penal. Por fim, resoluções de quaisquer espécies (TCE, CNJ, CNMP, dentre outros) não podem criar infrações penais, portanto não são lei em sentido estrito. (CUNHA, 2015, p.84)

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Em relação as resoluções, vale lembrar que, quando estas trazem crimes e penas elas estão apenas reproduzindo crimes já tipificados em outras leis já consolidadas, e não criando novos tipos.

O segundo desdobramento está pautado na afirmação de que não há crime ou pena sem lei anterior. Tal postulado desdobra-se no princípio da anterioridade que impede a retroatividade maléfica da lei penal, a retroatividade benéfica é, ao contrário, garantia constitucional do cidadão.

Nas palavras de Cunha (CUNHA, 2015, p.84) “pelo princípio da anterioridade, a criação de tipos e a cominação de sanções exige lei anterior, proibindo-se a retroatividade maléfica. ”

Importante perceber que se a pena supõe um fato que afronte à lei, o dano causado antes de existir a lei que não o proíbe não é em sua essência uma pena, e sim uma hostilidade, uma vez que antes de existir a lei, não se pode falar em transgressão a mesma.

Nesse passo pode-se afirmar que o artigo 3º do COM não foi recepcionado pela Constituição de 1988, vejamos os ensinamentos de Cunha:

é possível afirmar que o artigo 3º do Código Penal Militar, no trecho que confere prevalência da medida de segurança vigente ao tempo de sua execução sobre aquela vigente ao tempo da sentença, não foi recepcionado pela CF/88, configurando claro desrespeito à anterioridade. (SACHES, 2015, p. 85)

O terceiro desdobramento versa na afirmação de que não há pena ou crime sem lei escrita. Nos ensinamentos de Cunha (CUNHA, 2015, p.85), “só a lei escrita pode criar crimes e sanções penais, excluindo-se o direito consuetudinário para fundamentação ou agravação da pena”.

Dessa forma pode-se inferir que no direito brasileiro proíbe-se o costume incriminador, ou seja, costume não cria crime e nem comina pena.

Os costumes no direito penal têm importante atuação na interpretação da lei, o costume interpretativo exerce essa missão fundamental no direito penal, é chamado também de secumdum legem, ajuda a esclarecer o sentido de uma palavra, de uma expressão ou de um texto, atuando dentro dos limites do texto penal.

Sobre essa missão do costume no direito penal, Cunha nos elucida através de exemplos, abaixo transcrito:

entretanto, tem o costume grande importância do direito penal, em especial na elucidação do conteúdo de certos tipos, como ocorre com a expressão “repouso noturno”, constante do artigo 155, §1º do Código Penal, e cuja compreensão adequada perpassa pela perquirição do costume na localidade em que se deu a subtração da coisa[...] (CUNHA, 2015, p.85)

Ainda nesse contexto dos costumes no direito penal brasileiro, é de salutar importância que se fale no chamado “Costume Abolicionista”, que é quando um costume extingue uma infração penal. Atualmente a doutrina brasileira discute se a contravenção do jogo do bicho foi revogada por costume, existem três correntes que buscam explicar tal acontecimento.

A primeira corrente admite o costume abolicionista ou revogador da lei nos casos em que a infração penal não mais contraria a o interesse social, deixando de repercutir negativamente na sociedade, portanto, para os adeptos dessa corrente, o jogo do bicho deixou de ser uma contravenção penal.

A segunda corrente afirma que não é possível o costume abolicionista, entretanto, quando o fato já não é mais indesejado pelo meio social, a lei não deve ser aplicada pelo magistrado. Portanto, para os adeptos dessa corrente apesar de ser formalmente contravenção penal, o jogo do bicho não deve ser punido, carecendo de tipicidade material.

A Terceira e última corrente que é a mais adotada pelos doutrinadores e juristas brasileiros, afirmam a não existência de Costume Abolicionista, pois somente uma lei pode revogar outra lei. Portanto para os adeptos dessa teoria o jogo do bicho continua sendo contravenção penal e deve ser punido.

O Supremo Tribunal Federal nega a existência do chamado Costume Abolicionista. O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou sobre a existência do Costume abolicionista para a Pirataria de CD’s e DVD’s piratas. O STJ afastou o costume abolicionista para a pirataria de CD’s e DVD’s com a edição da súmula 502 que afirma que “Presentes a materialidade e a autoria, afigura-se típica, em relação ao crime previsto no art. 184, § 2º, do CP, a conduta de expor à venda CDs e DVDs piratas.”

O quarto desdobramento no princípio da legalidade está pautado na afirmação de que não há crime ou pena sem lei estrita, ou seja, proíbe-se a utilização da analogia para criar um tipo incriminador. É a vedação da analogia in malam partem.

Cunha em sua obra Manual de direito penal é preciso ao tratar do tema, in verbis:

 proíbe-se a utilização da analogia para criar tipo incriminador, fundamentar ou agravar pena. Tendo como norte este desdobramento do princípio da legalidade, o STF declarou a atipicidade da conduta do agente que furta sinal de TV a cabo, asseverando ser impossível a analogia (in malam partem) com o crime de furto de energia elétrica, previsto no artigo 155, §3º, CP. Note-se, contudo, que a analogia in bonam partem é perfeitamente possível, como ressaltado anteriormente, encontrando justificativa no princípio da equidade. (CUNHA, 2015, p. 85)

O quinto desdobramento funda-se na afirmação de que não há crime ou pena sem lei certa. Ocasiona no princípio da taxatividade ou da determinação que afirma que os tipos penais devem ser de fácil compreensão, evitando-se tipos vagos e incertos.

Cunha traz importantes esclarecimentos sobre essa temática, abaixo transcrito:

o princípio da taxatividade ou da determinação é dirigido mais diretamente à pessoa do legislador, exigindo dos tipos penais clareza, não devendo deixar margem a dúvidas, de modo a permitir à população em geral o pleno entendimento do tipo criado. (CUNHA, 2015, p. 85)

O último desdobramento está pautado na afirmação de que não há pena ou crime sem lei necessária. Esse desdobramento é uma decorrência lógica do princípio da intervenção mínima que afirma que o direito penal só deve ser aplicado quando estritamente necessário, de modo que sua intervenção fica condicionada ao fracasso das demais esferas de controle, observando somente os casos de relevante lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado.

Cunha nos traz um exemplo onde o legislador revogou um tipo penal com base nessa intervenção mínima, por estar ausente o critério da necessidade e por consequente afronta a legalidade, in verbis:

 nesse contexto, andou bem o legislador ao revogar o crime de “Sedução” (art. 217 do CP) e adultério (art. 240 do CP). Embora os tipos trouxessem condutas consideradas imorais, indesejadas, sua pouca relevância não reclama a intervenção do direito penal como forma de repreensão estatal à sua prática.(CUNHA, 2015, p. 86)

Por fim importante frisar que o princípio da legalidade é o vetor basilar do garantismo no direito penal. O garantismo é o mínimo poder punitivo do Estado em face das máximas garantias do cidadão, ou seja, quanto menor é a necessidade de interferência do direito penal, maior são as garantias dos cidadãos.

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