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Responsabilidade civil pela perda da chance.

Aplicação na responsabilidade civil do médico

Agenda 24/10/2016 às 15:30

Breve exposição sobre a responsabilidade civil pela perda da chance e sua aplicação no âmbito da responsabilidade civil do médico.

            A responsabilidade civil pela perda da chance se trata de um instituto recente no direito brasileiro. O seu surgimento se deu inicialmente na França, sendo posteriormente aderido na Inglaterra até ganhar espaço em outros países.

            Este é um instituto que ganhou muito espaço e aceitação no direito brasileiro, mas que só se fez presente recentemente, e reflete uma preocupação presente no direito de dar um alcance maior à responsabilidade civil, uma vez que a responsabilidade civil e o dever de indenizar se prestam a um nobre propósito que é o de ressarcir a vitimas de danos.

Conceito e requisitos da perda da chance

A perda da chance tem aspectos semelhantes aos do lucro cessante, que é uma modalidade de dano patrimonial, e assim como o lucro cessante, a perda da chance não trata de um prejuízo imediato, mas de lesão a um direito futuro, mas com características especificas que a diferenciam de maneira a torná-la única dentro do extenso campo da responsabilidade civil.

            O significado de perda da chance dentro do campo da responsabilidade civil é a perda de uma oportunidade real de um sucesso futuro, ou seja, não seria algo certo, mas uma expectativa de uma vantagem futura fundada em uma probabilidade real e razoável.

            Assim, esse é o ponto de distinção mais flagrante da perda da chance em relação ao lucro cessante, uma vez que o segundo se trata de um acréscimo patrimonial que se daria no futuro, mas que se poderia tratar como certo, enquanto a perda da chance é uma oportunidade real e factível de se alcançar um sucesso, obter um direito, evitar um prejuízo, etc., mas que se trataria de uma possibilidade, e não de um futuro certo.

            Não se deve também confundir a perda da chance com a expectativa de direito, uma vez que se tratam de coisas diferentes, tendo em vista que a expectativa de direito se trata de uma expectativa de um novo direito decorrente de um evento futuro e incerto, ou seja, aqui o que é incerto é o evento futuro do qual surgirá o novo direito, enquanto na perda da chance é um evento presente que impede o alcance de um resultado futuro que é incerto mas possível.

            Nas palavras de Rafael Peteffi da Silva, assim se caracteriza a perda da chance:

“É verdade que, mesmo quando se trata da aplicação clássica da perda de uma chance, existe a necessidade da ocorrência do dano final. Entretanto, nesses casos, todas as chances são destruídas pelo ato do ofensor, restando inexorável o dano final. Destarte, difícil de imaginar como um advogado que não apresenta o recurso dentro do prazo poderia vir a ganhá-lo, da mesma forma que o proprietário do cavalo que não disputou uma competição devido ao atraso do transportador não poderá vir a ganhar o prêmio correspondente. Assim, existe a independência dos prejuízos representados pela perda da vantagem esperada (dano final) e a perda das chances.” (SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro – 2ª Ed., São Paulo: Atlas, 2009, pág. 88)

            Pode-se dizer, portanto, que a perda da chance é um instituto que fica no meio do caminho entre a expectativa de direito e o lucro cessante.   

            Os requisitos para que se caracterize a perda da chance são o resultado futuro positivo e incerto, a possibilidade real de alcance do resultado, a intervenção de terceiro que de forma ilícita dolosa ou culposa impossibilite ou reduza a chance de alcançar o resultado.

            Assim, quando se trata de indenizar a perda da chance, a quantificação do montante não pode ser a mesma do lucro cessante, visto que, como já foi colocado, o lucro cessante se trata de um acréscimo patrimonial certo, enquanto a perda da chance se trata de uma vantagem futura que, embora possível, é incerta. E é nesse sentido que Sergio Savi faz a seguinte colocação sobre a reparação pela perda da chance:

            “Para a valoração da chance perdida, deve-se partir da premissa inicial de que a chance, no momento de sua perda, tem um certo valor que, mesmo sendo de difícil determinação, é incontestável. É, portanto, o valor econômico desta chance que deve ser indenizado, independentemente do resultado final que a vítima poderia ter conseguido se o evento não a tivesse privado daquela possibilidade.

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            O fato de a situação ser idônea a produzir apenas provavelmente e não com absoluta certeza lucro a essa ligado influi não sobre a existência, mas sobre a valoração do dano. Assim, a chance de lucro terá sempre um valor menor que a vitória futura, o que refletirá no montante da indenização.

            Quanto à quantificação do dano, a mesma deverá ser feita de forma equitativa pelo juiz, que deverá partir do dano final e fazer incidir sobre este o percentual de probabilidade de obtenção da vantagem esperada.” ([1] SAVI, Sergio. Responsabilidade civil por perda de uma chance – 2ª Ed., São Paulo: Atlas, 2009, pág. 68)

Desenvolvimento histórico

            O primeiro caso de que se tem registro da discussão jurídica a respeito da responsabilidade civil pela perda da chance ocorreu na França no ano de 1899.

            Posteriormente, a perda da chance foi discutida na Inglaterra, em 1911, no caso Chaplin VS Hicks, em que uma concorrente em um concurso de beleza local não foi notificada da realização de uma das etapas do concurso e não compareceu à etapa, terminando por ser desclassificada. Diante do prejuízo sofrido, tendo em vista que parte da premiação seria uma soma em dinheiro, a concorrente ajuizou ação demandando uma indenização no valor da premiação que seria concedida à vencedora do concurso. A decisão do tribunal foi de determinar que a autora da ação fosse indenizada no valor de um vintequatroavos do valor da premiação, uma vez que, caso a autora tivesse comparecido à etapa do concurso, teria que concorrer com mais vinte e trens concorrentes, tendo, portanto uma chance em vinte e quatro de ganhar, ou seja, a indenização foi proporcional à possibilidade de sucesso da autora.

            No Brasil, o primeiro caso de responsabilidade civil pela perda da chance foi em caso julgado pelo STJ em 2005, em que uma participante do programa Show do Milhão teria a oportunidade de responder à última pergunta, que lhe daria o direito a ganhar a quantia de 1 milhão de reais, mas a pergunta não tinha nenhuma alternativa correta, fazendo com que a concorrente desistisse, ficando com a quantia de R$ 500.000,00 e posteriormente demandasse judicialmente o valor de R$ 500.000,00 a que ela perdeu a chance de ganhar por conta do fato de que nenhuma das alternativas da pergunta dar a resposta correta. E a decisão do STJ, no recurso especial nº  788.459 - BA (2005/0172410-9), foi de determinar que a autora da ação fosse indenizada no valor de R$ 125.000,00, uma vez que o valor que ela perdeu a chance de ganhar era de R$ 500.000,00, e como a pergunta apresentava quatro alternativas, a autora tinha uma chance em quatro de escolher a alternativa correta, e o valor arbitrado para indenização foi de um quarto do valor que ela perdeu a chance de ganhar. ( [1] RECURSO ESPECIAL Nº 788.459 - BA (2005/0172410-9)-STJ.)

Perda da chance na Responsabilidade Civil do Médico

            O instituto da responsabilidade civil pela perda da chance vem sendo aplicado com freqüência no âmbito da responsabilidade civil do médico. Isto se da por conta dos extensos debates que circundam a responsabilidade civil no que concernem as atividades médicas.

            A grande dificuldade quanto ao dever de indenizar do médico consiste no fato de que a obrigação contraída pelo médico é, em regra, uma obrigação de meio, ou seja, não há obrigação de se alcançar o resultado desejado, mas a obrigação de se utilizar todos os meios possíveis para se alcançar o resultado, sem haver garantias de que o resultado será alcançado. E nesse sentido a responsabilidade civil pela perda da chance se coloca como apropriada a se aplicar na responsabilidade civil do médico, tendo em mente que, como já foi colocado, a responsabilidade civil pela perda da chance não se trata da garantia do resultado, mas da oportunidade de alcançar um resultado futuro e favorável.

            É importante ressaltar que, para a aplicação da responsabilidade civil pela perda da chance na responsabilidade civil do médico é aplicável apenas quando o médico cometer um erro que impossibilite a cura do paciente. Então, neste caso, não se trata de não alcançar o resultado, mas de cometer um erro que impossibilite o resultado. Um exemplo seria se o médico deixa de realizar ou de pedir que seja realizado um exame e por conta dessa omissão ocorre o diagnóstico tardio de uma determinada doença, acabando com as possibilidades de cura do paciente. Mas só se aplica este instituto se o exame que o médico devia ter realizado for um exame que se pressupõe do conhecimento do médico, ou seja, se por exemplo é uma técnica que começou a ser aplicada  muito recentemente e que se sabe não ser do conhecimento da ampla maioria dos integrantes da classe médica, não se pode exigir que o médico tivesse conhecimento dessa nova técnica, não se podendo responsabilizar o médico pela perda da chance do paciente.

            Pode-se entender inclusive que a aplicação da responsabilidade civil pela perda da chance é um avanço significativo no que se refere à responsabilidade civil do médico, posto que, como já é sabido, os médicos têm uma obrigação de meios com os céus pacientes, que se pauta em não garantir os resultados, mas se utilizar todos os meios necessário para alcançá-los, e ainda que se possa argumentar que a causa do dano é preexistente ao erro do médico, o dano se agrava após o erro do médico, e é justamente a negligência que exclui a possibilidade de se evitar o dano. Ou seja, neste caso o médico, ao agir de maneira negligente, deixa de utilizar todos os meios disponíveis para alcançar o resultado, ou seja, a cura do paciente. Significa dizer que, de certa forma, o instituto da perda da chance quando aplicado na responsabilização do médico, nada mais é do que um aprofundamento da responsabilidade civil do médico no que tange a obrigação de meio que é por ele contraída no momento em que ele se compromete com o paciente.

            Neste mesmo sentido, cabe aqui a citação a decisão do TJ-PR, que manteve condenação a um médico por deixar de realizar um exame em paciente, fundamentando a decisão no instituto da perda da chance:

“  APELAÇÃO CÍVEL ­ AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS ­ ERRO MÉDICO ­ PACIENTE QUE FOI A ÓBITO ­ SENTENÇA SINGULAR QUE JULGOU PROCEDENTE, FUNDAMENTANDO NA NEGLIGÊNCIA MÉDICA E NA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE ­ INCONFORMISMO REALIZADO. ALEGAÇÃO PRELIMINAR DE JULGAMENTO EXTRA PETITA ­ INOCORRÊNCIA ­ LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO DO MAGISTRADO ­ MÉRITO ­ DEFEITO NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS ­ RESPONSABILIDADE SUBJETIVA - ART. 14, § 4º, DO CDC ­ ATO MANIFESTAMENTE INCOMPATÍVEL TANTO COM O PROCEDIMENTO REALIZADO COMO COM O DEVER DE DILIGÊNCIA DE UM MÉDICO ­ NEGLIGÊNCIA MÉDICA COMPROVADA ­ AUSÊNCIA DE EXAME LABORATORIAL EM PACIENTE EM TRATAMENTO DE CÂNCER ­ COMPLICAÇÕES POSTERIORES QUE LEVARAM A VÍTIMA A ÓBITO ­ APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE ­ CHANCES OBJETIVAS E SÉRIAS PERDIDAS ­ DANOS MORAIS ­ CONFIGURAÇÃO ­ DANO IN RE IPSA ­ PRESCINDÍVEL PROVA QUANTO À OCORRÊNCIA DE PREJUÍZO CONCRETO ­ MANUTENÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO (R$ 50.000,00) ­ DE OFÍCIO FIXAR A CORREÇÃO MONETÁRIA DA DATA DA SENTENÇA PELA MÉDIA INPC E IGP/DI ­ SÚMULA 362 DO STJ ­ JUROS DE MORA DE 1% AO MÊS DA DATA DA CITAÇÃO ­ RESPONSABILIDADE CONTRATUAL ­ RECURSO DESPROVIDO POR UNANIMIDADE. 1. "Embora seja o médico um prestador de serviços, o Código de Defesa do Consumidor, no § 4º do seu art. 14, abriu uma exceção ao sistema de responsabilidade objetiva nele estabelecido. Diz ali que:" A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa ". (in Sergio Cavalieri Filho, Programa de Responsabilidade Civil) 2."A alegada culpa, na modalidade de negligência, do médico apelante é principalmente por ter dispensado à filha da apelada a adequado diagnóstico e os cuidados e providências que a situação exigia. Frisa-se, que a conduta culposa do apelante foi a causadora do hiato no atendimento adequado da paciente, o que criou ou agravou o quadro clínico da mesma". 3."Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti que decorre das regras de experiência comum". (in Sergio Cavalieri Filho, Programa de Responsabilidade Civil) 4."Não vale dizer que a vítima/paciente morreria de qualquer modo em razão da agressividade da doença. A teoria da perda de uma chance não descarta a possibilidade de o evento morte decorrer exclusivamente da doença; ao contrário, trabalha com essa possibilidade, mas sem perder de vista a probabilidade de cura, atuando, a teoria, nas hipóteses em que há dúvidas a respeito da causa adequada do dano. Ela envolve chances perdidas, e apenas isso. É suficiente que existam chances sérias de cura ou de uma sobrevida menos sofrida, perdidas em razão da culpa do médico". 5."Ao lado de critérios gerais como a incomensurabilidade do dano moral, o atendimento à vítima, à minoração do seu sofrimento, o contexto econômico do País etc., a doutrina recomenda o exame: (i) da conduta reprovável, (ii) da intensidade e duração do sofrimento; (iii) a capacidade econômica do ofensor e (iv) as condições pessoais do ofendido".

(TJ-PR 8178449 PR 817844-9 (Acórdão), Relator: José Laurindo de Souza Netto, Data de Julgamento: 08/03/2012,  8ª Câmara Cível, )” (TJ-PR : 8178449 PR 817844-9. Disponível em: <http://tj-pr.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21452062/8178449-pr-817844-9-acordao-tjpr>.)

            Porém, é fundamental destacar o fato de que a responsabilidade civil pela perda da chance nos casos em que for aplicada na responsabilidade civil do médico, assim como nos casos de aplicação para um advogado por exemplo, possui uma significativa distinção para os casos mais “genéricos”, por assim dizer. Essa distinção esta presente no fato de, quando em uma aplicação mais ampla do instituto da perda da chance como um dano indenizável, é requisito essencial o nexo de causalidade a ação ou omissão e o evento danoso que teve por consequência a perda da chance pela vítima. No caso da aplicação do instituto da perda da chance na responsabilidade civil do médico, o dano não esta vinculado à negligência do médico, ao contrario, o dano é preexistente, mas a negligência do médico tem por consequência a perda da chance de cura pelo paciente.

Bibliografia

- DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro 7, 29 ed., São Paulo: Saraiva, 2015;

- KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. 6ª ed., ver., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007;

            - SAVI, Sergio. Responsabilidade civil por perda de uma chance – 2ª Ed., São Paulo: Atlas, 2009;

            - SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro – 2ª Ed., São Paulo: Atlas, 2009;

            - VENOSA, Silvio Salvo. Direito Civil vol. IV. São Paulo, SP: Atlas, 2015;

            - RECURSO ESPECIAL Nº 788.459 - BA (2005/0172410-9). Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/7173792/recurso-especial-resp-788459-ba-2005-0172410-9/inteiro-teor-12902297>. Acesso em: 22 out. 2016;

            - TJ-PR : 8178449 PR 817844-9. Disponível em: <http://tj-pr.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21452062/8178449-pr-817844-9-acordao-tjpr>. Acesso em: 22 out. 2016.
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