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A paternidade socioafetiva e a obrigação alimentar

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Agenda 06/07/2004 às 00:00

2 O RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA

2.1 Elementos materiais para o reconhecimento do caráter sócioafetivo da paternidade

A filiação jurídica, derivada da ficção que visava garantir o que a doutrina jurídica conservadora denominava de paz das famílias legítimas, eliminava a incerteza acerca da paternidade do marido em relação aos filhos havidos de sua esposa com o escopo de manter a moral imposta na sociedade do início do século, visto que, na época, a ciência não era capaz de determinar a ascendência genética. Sob a justificativa de regulamentar a ordem social, a lei formalizou os vínculos afetivos, prejudicando a vida dos filhos havidos fora do casamento, posto que estes não podiam buscar o reconhecimento de sua própria identidade.

Nos dias atuais, os progressos científicos no âmbito da genética permitem maior transparência nas relações de filiação, possibilitando a identificação consangüínea do genitor e atribuindo-lhe a responsabilidade da paternidade. Dessa forma, busca-se amparar as pretensões de declaração da paternidade na justiça brasileira atual. Como garantia, a Constituição Federal ordena um tratamento igualitário a qualquer tipo de filiação, assegurando o direito, a toda criança, de conhecer suas origens, sua identidade biológica e civil e seus parentes consangüíneos.

A atividade probatória que se realizava nos processos desencadeados pelas ações de estado, até há bem pouco tempo, resumia-se a indícios, oitiva de testemunhas e exames de sangue, nem sempre confiáveis. O DNA trouxe um elevado grau de cientificidade ao juízo probatório. Aquilo que, antes, se julgava com base em aparências, passou a ser diagnosticado e solucionado com pequena margem de erro. [38]

A ciência desvendou os segredos da genética e da hereditariedade, possibilitando determinar-se esses vínculos de filiação sob o aspecto biológico. No entanto, se com o DNA a paternidade é reconhecida sem que restem dúvidas, há que se indagar a respeito dos efeitos decorrentes desta. Por assim dizer, não é suficiente a simples descoberta da verdadeira paternidade; torna-se necessário saber como operá-la, em razão das conseqüências que podem surgir para as partes envolvidas advindas desta situação.

Destarte, reconhece-se a aptidão da ciência de identificar a origem genética dos indivíduos, o que, infelizmente, não assegura a construção de laços sólidos de solidariedade e responsabilidade, caracterizadores da relação entre pai e filho. A filiação estabelecida por esta via, por vezes, não significará nada mais do que a menção, na certidão de nascimento, da paternidade, e a conseqüente possibilidade de reivindicação de direitos patrimoniais. "Ora, não se pode negar que o vínculo relacional entre pai e filho não se cria através de um documento, é preciso querer ser pai ou ser mãe e, de parte da criança, é necessário se sentir como filho" [39].

Ao tratar esta questão, agora na modernidade, é mais importante captar a função da família na formação da personalidade dos seus membros. Assim, nota-se a importância do afeto, preponderando à simples contingência dada pela biologia. Pertinente a observação de Madaleno feita antes da entrada em vigor do Novo Código e que hoje confirma-se:

A Carta Política de 1988 garante a todos os filhos o direito à paternidade, mas este é o sutil detalhe, pois que se limita ao exame processual e incondicional da verdade biológica sobre a verdade jurídica. Entretanto, adota um comportamento jurídico perigoso, uma vez que dá prevalência à pesquisa da verdade biológica, olvidando-se de ressaltar o papel fundamental da verdade socioafetiva, por certo, a mais importante de todas as formas jurídicas de paternidade, pois, seguem como filhos legítimos os que descendem do amor e dos vínculos puros de espontânea afeição e, para esses caracteres a Constituição e a gênese do futuro Código Civil nada apontam, deixando profunda lacuna no roto discurso da igualdade, na medida em que não protegem a filiação por afeto, realmente não exercem a completa igualização. [40]

Em que pese não haja referência explícita, é importante ressaltar que a Constituição Federal de 1988, no Capítulo VII, traduz sua ampla preocupação com a valorização do afeto como objeto fundamental dos núcleos de convivência interpessoal, estimulando a mútua assistência no parentesco e na conjugalidade, pois,

(...) suporte emocional do indivíduo através da ambiência familiar não se exterioriza mais, nos dias que correm, apenas na tutela formal dos integrantes aglutinados, posto exigir doravante a afirmação da importância jurídica do afeto como expressão da dignidade da pessoa humana. [41]

Para tanto, nestes tempos de busca de maior autenticidade das relações, toma forma a noção de filiação através do afeto, efetiva posse do estado de filho, denominada filiação sociológica. Deve-se definir esses novos contornos para compreender melhor esta seara que começa a nortear as relações entre pais e filhos:

(...) a paternidade tem um significado mais profundo do que a verdade biológica, onde o zelo, o amor paterno e a natural dedicação ao filho revelam uma verdade afetiva, uma paternidade que vai sendo construída pelo livre desejo de atuar em interação paterno-filial, formando verdadeiros laços de afeto que nem sempre estão presentes na filiação biológica, até porque, a paternidade real não é biológica, e sim cultural, fruto dos vínculos e das relações de sentimento que vão sendo cultivados durante a convivência com a criança. [42]

Conclui-se a possibilidade de existência de uma paternidade jurídica sem a biológica, mas revelando-se a sócioafetiva; de uma paternidade biológica sem que exista a jurídica e a sócioafetiva. Pode-se, ainda, encontrar a paternidade sócioafetiva, sem a presença de nenhuma das outras. A falta de coincidência entre esses três pilares pode gerar complexidade.

Neste momento, torna-se pertinente a análise do caso de uma mulher casada, apta à gestação, cujo marido é estéril. Com o consentimento deste, vem a ser fecundada com o sêmen de terceiro identificável. Posteriormente, separam-se de fato, passando a ex-cônjuge a viver em união estável com outro homem, o qual defere à criança tratamento de filho. Incidente a presunção pater is est, o pai do filho será o marido, pai jurídico. O pai biológico é o doador de sêmen e, de acordo com a verdade sócioafetiva da relação, pai será aquele que tem uma relação paterno-filial calcada na posse de estado de filho, portanto, seu companheiro.

A dúvida reside na prevalência da consangüinidade, da afetividade ou da definição legal. Em uma análise constitucional das três verdades da filiação, deduz-se que "Modernamente, diante das reformas do Direito de Família, não mais se admite o estabelecimento da filiação legal, denominada ficção jurídica ou ficta, restando apenas a verdade genética e a socioafetiva" [43].

Amor, dedicação e assistência são elementos tão importantes na identificação da real paternidade quanto um sobrenome proveniente de uma relação consangüínea, revelando esses três fatores uma relação psicoafetiva [44]. Denota-se proporcional o crescimento da dimensão da posse do estado de filho à inviabilidade de absorção total da verdadeira filiação pela premissa biológica, eis que a desbiologização da paternidade encontra respaldo exatamente no fortalecimento dessa noção:

Devido à constitucionalização, no Direito de Família contemporâneo, vive-se um momento em que há duas vozes soando alto: a voz do sangue (DNA) e a voz do coração (AFETO). Isto demonstra a existência de vários modelos de paternidade, não significando, contudo, a admissão de mais um modelo deste elo a exclusão de que a paternidade seja, antes de tudo, biológica. No entanto, o elo que une pais e filhos é, acima de tudo, socioafetivo, moldado pelos laços de amor e solidariedade, cujo significado é muito mais profundo do que o do elo biológico. [45]

A Carta Magna redefiniu a noção de família com base em valores que consagram a paternidade sócioafetiva. Por conseqüência, se faz necessária a substituição dos fundamentos axiológicos rigidamente normativos, que até há pouco norteavam o Direito de Família, por critérios interpretativos humanizados. Nessa linha, destaca-se a família nuclear, que se distingue de todos os outros padrões familiares pelo seu peculiar sentido de solidariedade que une os membros da unidade doméstica pela espontânea vontade:

O afeto e a família são dois conceitos com características muito parecidas e se encontram intimamente ligados. Ambos são comumente referidos como dados, como fatos, embora sejam abstrações de difícil determinação. Ambos estão presentes em todos os momentos de nossa vida, e, especificamente com relação ao afeto, é preciso lembrar que não diz respeito apenas àquilo que denominamos de "amor", mas, sim, a todos os sentimentos que nos unem. [46]

A nova ordem constitucional elevou valores ao ápice do ordenamento jurídico, que vieram a determinar três premissas a caracterizar a matéria da filiação: a funcionalização das entidades familiares à realização da personalidade de seus membros; a despatrimonialização das relações entre pais e filhos, que passaram a ser subordinadas a outros valores, sobretudo ao fundamento da dignidade da pessoa humana, e a desvinculação entre os relacionamentos dos genitores e a proteção conferida aos filhos. Estes fatores implicam na "repersonalização" das relações de família e objetivam a realização sentimental da pessoa no grupo familiar:

Aliás, o afeto é a matéria-prima fundamental nas relações de filiação, de intensidade variável, contudo constante, oxigênio e sobrevida que responde pela adequada formação moral e psíquica dos filhos que são postos neste agitado mundo dos adultos, pessoas que, por vezes, de adultos nada demonstram, senão uma constante distorção na forma como educam e usam sua prole, comprometendo sua natureza humana, fragilizando sua estrutura moral, vilipendiando as relações parentais da prole com seus pais não guardiães, com ingerências ilícitas e movidas apenas por suas mesquinhas deficiências e carências pessoais. [47]

A Constituição Federal de 1988 e as Leis nº 8.069/90 e 8.560/92 canonizaram a paternidade biológica, pelo que o filho, a qualquer tempo, pode investigar a paternidade contra o pai genético. Já dispõe o artigo 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente que "o reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição".

A Carta Federal proíbe qualquer discriminação entre filhos, não afastando, à toda evidência, o filho de direito ou de fato. Determina o cumprimento dos princípios da dignidade da pessoa humana e da cidadania, elevados à categoria de fundamento da República - art. 1º, incisos II e III - e do princípio da prevalência dos interesses do menor, concretizados no Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 4º, quando dispõe:

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

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Neste diapasão, quando se prioriza os interesses do menor e rompe-se com as definições biológicas e formais de família, concebe-se esta como uma comunidade de afeto. A abstração destes termos conduz à busca de elementos identificáveis nas práticas dos grupos sociais, que permitam o reconhecimento de relacionamentos que possam ser nomeados de "família sócioafetiva". Estes exteriorizam-se na posse de estado de filho, pois "Não há modo mais expressivo de reconhecimento do que um pai tratar o seu filho como tal, publicamente, dando-lhe proteção e afeto, e sendo o filho assim reputado pelos que, com ele, convivem." [48]

Toda a pessoa tem atributos que determinam sua individualidade na sociedade. Essas qualidades compõem o estado da pessoa e são consideradas pela lei, que atribui-lhe determinados efeitos jurídicos, constituindo "a posição jurídica da qual decorre um conjunto de direitos e obrigações" [49].

O status de filho pode ser revelado pela posse de estado. Cabe destacar que o estado de filho é irrenunciável, imprescritível e não admite transação - impossível nas ações declaratórias por serem exclusivas do direito público. Uma vez declarado o estado de filiação jurídica, suas conseqüências são o nome e a indivisibilidade, posto que tal declaração torna-se erga omnes por integrar a personalidade jurídica e definir sua classificação social.

Quando os pais dispensam atenção ao filho, concedendo-lhe o gozo de direitos e impondo-lhe deveres, criando-o, educando-o, tratando-o como filho frente a terceiros e demonstrando seus nobres sentimentos, revela-se a posse de estado de filho. Ela se exterioriza pelos fatos, independentemente da revelação do fator biológico.

Pode-se indagar a respeito de qual argumento que, sendo legítimo, poderia justificar não considerar-se como pai aquele homem que ama, que educa, alimenta e protege uma criança, fazendo transparecer a todos que é o pai, tendo em vista que assume pacificamente a função de genitor. [50]

A paternidade sócioafetiva caracteriza-se pela reunião de três elementos clássicos, a saber: a utilização pela pessoa do nome daquele que considera pai, o que faz supor a existência do laço de filiação; o tratamento, que corresponde ao comportamento, como atos que expressem a vontade de tratar como faria um pai, e a fama, que constitui a imagem social, ou seja, fatos exteriores que revelam uma relação de paternidade com notoriedade - a pessoa aparenta à sociedade ser filho do pretendido pai. Essas circunstâncias, reveladas pela convivência, constituem os elementos do que se denominou posse de estado de filho.

O fato de o filho nunca ter usado o nome do pai não descaracteriza a posse de estado, se concorrerem os demais elementos citados. Cabe esclarecer que não há hierarquia entre eles, pois ainda se consideram outras qualidades que devem revestir a aparência de filho. Busca-se a publicidade, a continuidade e a ausência de equívoco na relação entre pai e filho. Ainda que não seja imprescindível o fator nome, posto que outros elementos também revelam a base da paternidade, o chamamento sim, pois "Dificilmente se encontrará expressão mais eloqüente de tratamento do que o chamamento de filho e a aceitação do chamamento de pai". [51]

A notoriedade se manifesta na objetiva visibilidade da posse de estado no ambiente social, devendo esse fato ser contínuo e apresentar uma certa duração que revele estabilidade. Assim, o tempo surge como fator determinante da posse de estado de filho, trazendo a idéia de continuidade. A jurisprudência tem acrescentado a ausência de equívoco e vícios, como a troca de filhos na maternidade e até mesmo o seqüestro de uma criança para fins de adoção.

Há, pois, um estado, senão de continuidade, pelo menos de constância. A constância na posse de estado não é somente a permanência: é, antes de tudo, o seu caráter notório e incontestável. Ora, a continuidade entendida como a coerência dos fatos constitutivos da posse e ausência de contradição entre eles, aparece, sem dúvida, como uma condição da constância assim definida. [52]

A publicidade normalmente reflete-se na convicção da paternidade pela opinião pública, "Por isso, na ‘posse de estado’, sempre haverá de coincidir a verdade exterior (objetiva), ditada pela realidade dos fatos, com a verdade interior (subjetiva), produto do sentimento, refletido pela relação paterno-filial". [53]

A publicidade pode vir a ser a mais determinante das provas de existência de um liame de filiação. Nesse caso, ela exprime a realidade, revelando uma situação que enseja proteção. Tal importância pode elevar esse elemento até mesmo a pressuposto de análise de uma ação de investigação de paternidade, pois "se o investigante é tratado como filho do suposto pai e nessa reputação vive, motivo não há para não incluir esse fato entre os fundamentos da ação investigatória." [54]

Embora não haja menção expressa em lei à "posse de estado de filho", já no Código Civil de 1916, o artigo 349 trouxe em seu inciso II uma hipótese interessante quando previu a utilização de qualquer meio de prova em direito admitida para provar a filiação legítima, desde que subordinada à existência de veementes presunções resultantes de fatos já certos. Assim, a doutrina procura enquadrá-la como um fato, considerando-a implicitamente integrada ao sistema jurídico através desse dispositivo que serviu como bússola na determinação da verdadeira paternidade, biológica, num primeiro instante, e sóciofetiva, na atualidade.

Lamenta-se, entretanto, que o legislador brasileiro não contemple, expressamente, a posse de estado como suporte fático para construir a filiação quando a inexistência ou insuficiência de título se fazem presentes. Mas caberá ao aplicador do direito acolher esta realidade, para, com base na jurisprudência, construir o caminho que levará à normatização com integração plena e expressa da Posse de Estado dentro do nosso sistema jurídico. [55]

Do exposto, afirma-se possível considerar a posse de estado de filho como causa suficiente para demandar o reconhecimento da filiação e, por conseguinte, a declaração da paternidade, posto que somente esta é capaz de garantir a verdadeira estabilidade de alguém

perante a sociedade. O relacionamento diário o reconhece como filho e a base emocional construída assegura-lhe um pleno e diferenciado desenvolvimento como ser humano, preponderando essa noção como referencial na determinação de uma paternidade responsável.

2.2 A proteção integral da família e a proteção dos menores

A Constituição Federal de 1988 trouxe a noção de Estado Social de Direito, buscando a realização dos direitos fundamentais no plano material. Alguns destes estão localizados fora do seu Título II - Dos Direitos e Garantias Fundamentais. É o que ocorre com o direito de proteção integral à família, que, em que pese fora do rol, é considerado fundamental dada a relevante importância que exerce no desenvolvimento da sociedade neste momento histórico, e sua característica de efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana, própria dos direitos fundamentais.

Destarte, a Carta Magna, em seu art. 226, garante especial proteção do Estado à família, elevando-a à base da sociedade. A constitucionalização das relações familiares trouxe a repersonalização do Direito de Família, e, agora, dadas relações são intersubjetivas, e não mais individuais, objetivando a realização do indivíduo. Portanto, para a concretização desse direito fundamental deve ser considerada família seja a união legalizada pelo casamento ou aquela sedimentada por duradouro tempo de convivência - união estável, bem como a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes - família monoparental. Constitucionalmente, todas são merecedoras de proteção do Estado Social democrático de Direito como núcleo familiar, assim entendido o agrupamento de pessoas envolvidas por laços de sangue, vínculos afetivos e comunhão de interesses.

Já, no art. 227, a Carta Federal busca a eficácia máxima de outros direitos fundamentais fora do rol, os Direitos Fundamentais da Criança e do Adolescente, proclamando a Doutrina da Proteção Integral. Para isso, é acompanhada na sua concretização pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que organizou toda a matéria relativa à proteção da infância e da adolescência, tratou o direito ao estabelecimento da filiação, enfatizando a igualdade entre os filhos e a necessidade de garantir-se o interesse da criança.

O Estatuto reproduz o dispositivo constitucional, desmembrando-o nos artigos 3º, 4º e 5º, em que ficam evidentes as Garantias de Direitos da população infanto-juvenil. Assim, garante-lhes o gozo de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana com prioridade absoluta, impondo a primazia para as políticas sociais públicas como dever da família, da sociedade civil e do Poder Público. Isto deve-se às crianças e adolescentes possuírem características específicas devido a sua peculiar condição de pessoas em vias de desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social.

Em seu artigo 15, ao prever que criança e adolescente são titulares de "direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento" traz a trilogia da proteção integral. "A trilogia liberdade-respeito-dignidade é o cerne da Doutrina da Proteção Integral, espírito e meta do Estatuto, e nesses três elementos cabe à dignidade a primazia, por ser o coroamento da construção ética estatutária." [56]

Dentre os Direitos Fundamentais reproduzidos pelo Estatuto, em seu artigo 19 dispôs que "toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio de sua família", procurando ressaltar a importância da vida em família como ambiente natural para o desenvolvimento daqueles que ainda não atingiram a vida adulta, valorizando esta convivência quer na família natural, quer na substituta.

Buscando a concretização do Direito Fundamental à convivência familiar, o Estado garante a proteção à família sob suas diversas formas de constituição e ampara a figura da substitutiva finalizando ao bem-estar da infanto-juventude. A proteção integral da família apresenta-se como um meio de alcance e garantia da Doutrina da Proteção Integral dos menores.

No sistema codificado os filhos do matrimônio desfrutavam de uma situação privilegiada, pois a presunção de paternidade permitia determinar a identidade do pai, desde o nascimento, gerando assim os direitos de filho e os deveres de pai que consistiam num complexo de obrigações de sustento, educação, atribuição do nome e exercício pleno do pátrio poder.

Na contemporaneidade, somos levados a constatar que família não é apenas um conjunto de pessoas em que uma parceria entre os cônjuges como pais biológicos esteja configurada, mas uma relação de valorização entre seus membros, pois "Não é um espermatozóide que define o que é um pai e nem o fato de uma mãe gestar um filho em seu ventre que garante a maternidade. Também não veremos brotar da letra fria da lei, um pai, uma mãe, ou uma família para um filho." [57]Os deveres de pai, portanto, no ideal de família nuclear, decorrem de vontade e não de uma ficção posta pela lei:

A Constituição Federal de 1988 representou importante marco na trajetória do Direito Civil pátrio, provocando um verdadeiro abalo estrutural do sistema jurídico, estabelecendo uma nova ordem, promovendo a determinada "constitucionalização do Direito Civil", trazendo profundas mudanças em especial ao Direito de Família. A Constituição lançou dois princípios estruturais daquilo que se denomina de "nova filiação": o primeiro, da plena igualdade entre os filhos (insculpido no art 227, § 6º); e o segundo - que é o que mais interessa no caso em comento - consiste na adoção pela Constituição Federal da doutrina da proteção integral da criança e do adolescente (art. 227 da CF), os quais passam a ter reconhecidos e garantidos direitos próprios a sua condição de pessoas em desenvolvimento. [58]

Reflexo imediato da proteção apontada é a admissão da denominada paternidade sócioafetiva, porque o afeto é o único em muitos casos capaz de permitir a realização dos direitos fundamentais da pessoa humana, em especial da criança. "Há muito, a sabedoria popular já reconhecera tal vínculo: "pai é quem cria, dá o pão, amor e ensino." [59] O Direito de Família reconheceu esse fato social através da Doutrina da Proteção Integral, pela qual o melhor pai ou mãe nem sempre é aquele que procriou ou deu à luz, mas a pessoa que exerce tal função, substituindo, outrossim, o vínculo biológico pelo afetivo.

Desta forma, uma criança poderá encontrar sua família em seus pais, numa babá, em avós, tios, vizinhos, professores e inclusive na rua, desde que lá, estabeleça uma relação de filiação. O ato de adoção não é um ato garantido pela burocracia, leis, genética ou biologia. A adoção é um ato de amor e responsabilidade. É um encontro, um acontecimento, produzido pelo dom e não há lei que garanta o dom do amor. [60]

Desde sempre um dos momentos mais importantes na vida de um ser humano é aquele em que o homem e a mulher tornam-se pai e mãe. Para tanto é necessário maturidade psicológica, visto que inicia-se uma nova etapa em suas vidas de responsabilidade pelo destino do novo ser, devendo zelarem pela sua formação frente à própria família e à sociedade. Entretanto, os casos de paternidade biológica não desejada e outros que revelam-se um total fracasso sob a ótica humana, mostram que os pais nem sempre estão preparados. Deparando-se o Direito com esses casos, passa a creditar uma estrutura familiar para além da biologia.

De fato, nem sempre aquele que gera se interessa por sua descendência e, há de aceitar-se que muitos pais e mães genéticos, prefeririam que seu filho não tivesse sido gerado, e podem passar uma atitude de negação de existência do filho, ao completo desprezo pelo seu destino. [61]

Infelizmente, à época de uma legislação abolicionista de preconceitos, desigualdades e discriminações, ainda sim vicejam os conflitos e proliferam os dissídios entre homem e mulher e pais e filhos, exteriorizando-se na violência doméstica, no abandono material, na ruptura de compromissos e na incessante necessidade de intervenção judicial para a minimização dos confrontos, o que lamentavelmente é determinante na formação moral da criança, pois no futuro "não há muito jeito de se desvencilhar da ordem simbólica que a precedeu, ordenação marcada pela relação de seus pais" [62]

Por isso, torna-se necessário que os operadores do Direito de Família compreendam a dimensão constitucional atribuída a este ramo, buscando interpretá-lo à luz dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade e, ainda, das disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente, sempre buscando a melhor solução para a criança, resguardando seus direitos e respeitando suas peculiaridades, justamente, porque a criança encontra-se em fase de desenvolvimento de suas potencialidades, merecendo, desse modo, proteção e assistência especiais.

O Direito de Família codificado e mesmo em face de crescente constitucionalização deve considerar, portanto, na sua aplicação, os intensos paradoxismos das turbações emocionais do indivíduo, incorporando elementos que permitam um maior conhecimento do psiquismo, em prol da efetividade dos objetivos de solidariedade, reciprocidade e comunhão reverenciados na legislação. [63]

É inquestionável a relevância do papel familiar no processo de estruturação psíquica da criança. Criar condições para que, em seu processo de constituição enquanto sujeito, esteja enquadrada em uma estrutura familiar é garantir seu interesse maior. A família é um lugar de amparo primeiro do ser humano quando depara-se com questões da vida e, ainda que insuficiente para apagar uma possível decepção por que venha a passar, é necessário a sua recuperação e formação moral para, quando adulto, encarar a vida.

É deste corpo familiar, transcrito na memória que não podemos prescindir. A infância é o tempo privilegiado dessa inscrição, pois é neste tempo que a criança receberá, do seu jeito as marcas em sua subjetividade daquilo que em cada caso nomeará como... "a minha família. [64]

Nas hipóteses em que o pai sociológico é também o pai biológico da criança, não haverá maiores dificuldades para ela, pois dificilmente será abandonada ou esquecida, sendo a

paternidade exercida com a responsabilidade exigida pela lei. Se há um pai sociológico que, porventura, não é o pai biológico, este fato não implicará em maiores problemas para a criança, a não ser que, num determinado momento, o pai biológico queira estabelecer sua filiação e colocar a criança sob seus cuidados, caso do acórdão a seguir:

APELAÇÃO. ADOÇÃO. Estando a criança no convívio do casal adotante há mais de nove anos, já tendo com eles desenvolvido vínculos afetivos e sociais, é inconcebível retirá-la da guarda daqueles que reconhece como pais, mormente quando os pais biológicos demonstraram por ela total desinteresse. Evidenciado que o vínculo afetivo da criança, a esta altura da vida, encontra-se bem definido na pessoa dos apelados, deve-se prestigiar a paternidade socioafetiva sobre a paternidade biológica, sempre que, no conflito entre ambas, assim apontar o superior interesse da criança. Desproveram o apelo. Unânime. [65]

Trata-se de ação de adoção proposta pelo casal que detém a guarda fática do menor, em detrimento dos pais biológicos, que irresignam-se pedindo a guarda novamente. Nessa situação, há que se salvaguardar os direitos do filho do afeto e de quem criou e mantém uma relação completa na qual mostra-se um "verdadeiro" pai. Seria desumano obrigar a criança a abandonar seu verdadeiro lar para ir viver com aqueles desconhecidos que, de repente, surgem querendo reivindicá-la, pois se apresentam aptos a comprovar a verdade biológica da filiação.

Somente a falta de maior percepção quanto a esse novo paradigma axiológico pode justificar certas perplexidades frente às decisões judiciais que retiram crianças de seus pais de afeto, para entregá-las a seus pais genéticos, sem sequer, questionarem-se do sentido da expressão: bem-estar da criança. [66]

Cuidados na alimentação e na instrução, carinho no tratamento são elementos que revelam no comportamento a base da paternidade, e é disso que um filho precisa. Portanto,

retirá-lo do convívio dos demandados "É arrebater-lhe o único pai e a única mãe, o único carinho e afeto que teve até hoje" [67]. Essa afirmação, ainda que feita pelo magistrado Finger em outro processo da mesma natureza, pode ser realçada através da transcrição de parte do acórdão referente ao caso de adoção trazido acima, provando sua veracidade. Nas palavras da Juíza a quo:

in verbis: "(...) é uma lástima que as audiências não sejam registradas por vídeo, pois talvez assim, se todos pudessem ter visto a alegria do menor ao tomar conhecimento de que, finalmente, seria considerado legalmente filho dos requerentes - os quais, de fato, sempre considerou como pais -, não fosse dada importância a aspectos meramente formais, primando-se, então, pelo efetivo cumprimento das disposições do ECA, que tem por escopo salvaguardar os interesses dos menores, o que, in casu, restou plenamente atendido, ainda que em prejuízo de alguns rigores formais da lei" (grifos deles).

Outra questão de grande repercussão em nossos tribunais é a prática ilegal conhecida como "adoção à brasileira", pela qual, muitas pessoas não conseguindo suportar os trâmites procedimentais para adotar uma criança, acabam registrando o menor, como se seu filho fosse, dando-lhe um prenome e colocando nele o seu patronímico. Tempos depois, vêm a juízo querendo anular o ato, como no caso do seguinte acórdão:

NEGATÓRIA DE PATERNIDADE - ‘ADOÇÃO À BRASILEIRA’ - CONFRONTO ENTRE A VERDADE BIOLÓGICA E A SÓCIO-AFETIVA - TUTELA DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - PROCEDÊNCIA - DECISÃO REFORMADA - 1. A ação negatória de paternidade é imprescritível, na esteira do entendimento consagrado na Súmula nº 149/STF, já que a demanda versa sobre o estado da pessoa, que é emanação do direito da personalidade. 2. No confronto entre a verdade biológica, atestada em exame de DNA, e a verdade sócio-afetiva, decorrente da denominada ‘adoção à brasileira’ (isto é, da situação de um casal ter registrado, com outro nome, menor, como se deles filho fosse) e que perdura por quase quarenta anos, há de prevalecer a situação que melhor tutele a dignidade da pessoa humana. 3. A paternidade sócio-afetiva, estando baseada na tendência de personificação do direito civil, vê a família como instrumento de realização do ser humano; aniquilar a pessoa, apagando-lhe todo o histórico de vida e condição social, em razão de aspectos formais inerentes à irregular ‘adoção à brasileira’, não tutelaria a dignidade humana, nem faria justiça ao caso concreto, mas, ao contrário, por critérios meramente formais, proteger-se-ia as artimanhas, os ilícitos e as negligências utilizadas em benefício do próprio apelado. [68]

Se alguém é irregularmente inscrito no registro civil como sendo filho verdadeiro, nada impede que, passados muitos anos, os adotantes venham a juízo e, mediante ação negatória de paternidade, busquem a dissolução do vínculo de parentesco mediante prova da não-paternidade biológica. Se fosse tal ato consentido, o que imperaria seriam os interesses - geralmente patrimoniais - daqueles que adotam, e não as necessidades da pessoa adotada. No mesmo acórdão há um trecho que elucida a forma como foi solucionada a causa pelo egrégio Tribunal, importando ser transcrito para demonstrar a real abrangência da situação:

Toda a história de vida do recorrente foi estruturada sobre o nome e a história que possui. Documentos, histórico escolar, profissão, cursos de graduação, propriedades, registros médicos, dentários, previdenciários, hospitalares, herança patrimonial advinda da falecida mãe formal, sua condição perante a sociedade curitibana, relacionamentos sociais de amizade e profissionais advindos de Clubes como o Graciosa Country Club onde há notoriedade, enfim, tudo que o apelante possui carrega o nome e a condição dada pelo autor/apelado. Constata-se, na verdade, que o recorrente é vítima das artimanhas do apelado para obtenção de vantagens ilícitas e contrárias ao Direito por duas vezes. Num primeiro momento quando foi registrado falsamente e, num segundo, porque, agora, o responsável pela falsidade quer retirar-lhe o status que não pediu. Foi-lhe imposto e que constitui sua própria condição humana e social. [69]

Da mesma forma deve-se encarar o caso do homem que, relacionando-se com a mãe da criança, registra-a como se seu filho biológico fosse. Se ele reconhece de forma deliberada e autônoma o filho do outro como sendo seu, deverá saber que este ato surtirá efeitos e não poderá ser desconstituído até que o filho, e exclusivamente ele, demonstre o interesse, e tome a iniciativa de desfazer o vínculo da filiação, que não corresponde à verdade biológica.

Já se considera que este reconhecimento, feito pelo companheiro ou marido da mãe, assemelha-se à adoção, sendo a vontade do agente a de adotar e, portanto, considera-se que é irrevogável tal reconhecimento, à semelhança da adoção, prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Esta analogia deve-se ao fato de a adoção não existir apenas para promover a satisfação daqueles que adotam, mas, sobretudo, visar à constituição de família substituta ao menor, para que possa desenvolver-se e realizar-se como ser humano. De outro modo, se estaria permitindo que, a qualquer momento, um homem que houvesse assumido a paternidade de um filho que não fosse seu, pudesse, em separando-se da mãe, buscar exonera-se da responsabilidade que assumiu frente à criança.

Não é razoável que a pessoa "adotada" seja vítima daqueles que se beneficiam da "adoção à brasileira", quando, por motivos geralmente patrimoniais, pretendam menosprezar seu nome e sua condição social. Afinal, toda a história da pessoa se estrutura em torno de seu nome (documentos, histórico escolar, relacionamentos profissionais e sociais de amizade, etc.). Daí ser o estado de filiação uma inerência do direito à personalidade, que, quando colocado em confronto com direitos patrimoniais, há de prevalecer, em nome da tutela da dignidade da pessoa humana. Trata-se, pois, de uma opção pelo ser humano, em detrimento do ter, permitindo que o Direito Civil não seja eminentemente patrimonialista-individualista, mas saiba visualizar a função humana e social da propriedade, por estar ela inserida em um contexto axiológico mais amplo, que vê a felicidade pessoal e a coletiva como bens jurídicos mais relevantes. [70]

O filho criado e educado por seu pai social como fulano de tal, sendo que em torno deste nome construiu a sua imagem e personalidade, não pode ter arrancado todo o seu histórico de vida e condição social, isto não tutelaria a dignidade humana. Nos casos apresentados prevaleceu a relação jurídica estabelecida, mesmo na inexistência de ligação genética entre os pais e o filho. Isto porque os julgadores, diante dos fatos, refletiram e concluíram que toda a vida do filho foi estruturada sobre o nome e o estado que possui.

Conclui-se do exposto que o interesse da criança deverá ser o fundamento de toda decisão que disser respeito a sua vida familiar e poderá permiti-la, eventualmente, escolher entre uma filiação jurídica e uma filiação biológica, desde que para assegurar seu bem-estar. Por certo que as duas verdades - biológica e afetiva - são meios para buscar-se o respeito aos interesses da criança, portanto, não podem ser tomadas como critérios absolutos. Em certas situações, uma delas poderá ser desconsiderada em favor da outra, no intuito de protegê-la.

As demandas relativas à reivindicação de filiação ou, ainda, de impugnação de paternidade são resolvidas, na maioria dos casos, pelo resultado dos exames científicos. Em que pese a demanda posta ao crivo judicial consagre, também, interesses e pretensões dos adultos que litigam, titulares de direitos respeitáveis e dignos de consideração, não menos atenção merece o interesse da criança envolvida, sobretudo porque a decisão a ser tomada terá reflexos diretos sobre sua situação fática, comprometendo, conseqüentemente, sua identidade.

Deve o Estado, portanto, criar condições de equilíbrio nestas relações, tentando promover o respeito tanto aos direitos das crianças e adolescentes - considerando-se a verdade que melhor atenda a seus interesses - quanto dos cônjuges, companheiros e pais, rumo à forma mais justa de aplicação das leis referentes ao Direito de Família.

O estudo dos avanços verificados no direito brasileiro na última década, especialmente na matéria afeta ao Direito de Família, importa em que se considere o papel fundamental da jurisprudência contemporânea para a construção de uma nova forma de pensar, juridicamente, a entidade familiar. Não que a Constituição Federal de 1988, por si só, não tenha criado regras gerais que permitam uma interpretação moderna - e, quem sabe, pós-moderna, no capítulo especificamente destinado à família. O que alcança destaque é o papel especial assumido pelas cortes regionais na definição de um novo conceito de família, permitindo a adoção ampla de um conceito de "igualdade" aos personagens que compõem a entidade familiar. [70]

No direito brasileiro, o novo Código Civil silenciou sobre a posse de estado de filho. É um conceito que foi esquecido, por longa data, pelos doutrinadores e que, somente agora, ressurge fazendo-se referência às legislações estrangeiras que abriram espaço à filiação sociológica na legislação e na doutrina do Direito de Família. Portanto, muito recentemente é que o tema tem merecido a atenção de alguns autores. A jurisprudência, cada vez mais, contrapõe o sistema codificado, extravasando sua preocupação com a verdade sociológica da filiação por meio de novos elementos em suas decisões que não estavam previstos no ordenamento:

Nós atravessamos três estágios no Direito brasileiro: o primeiro cogitava-se da verdade jurídica; o segundo estágio passou-se para a verdade biológica; e agora há um movimento mundial tentando partir para a verdade socioafetiva, ou seja, há que se relativizar a sacralização do parentesco biológico. Um coito apenas determina para a vida inteira um parentesco, um coito entre pessoas que, às vezes, só tiveram aquele coito e nada mais! Desprezam-se anos e anos de convivência afetiva, de assistência, de companheirismo, de acompanhamento, de amor, de ligação afetiva. [71]

Espera-se que o legislador brasileiro preencha essa lacuna do direito pátrio, consagrando a posse de estado de filho em nosso ordenamento, destinando-lhe a função criadora de um estado de filho em sua plenitude. Deste modo, construindo um sistema definidor de laços afetivos de família, vinculando pessoas que desejam amar-se e cuidar-se reciprocamente, afirmaria a noção de interesse superior da criança como critério principal e indispensável à solução das questões litigiosas no âmbito familiar. Assim, buscaria um sentido de justiça na elaboração e aplicação das leis protetivas da família.

Sobre a autora
Luana Babuska Chrapak da Silva

acadêmica do curso de ciências jurídicas e sociais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Luana Babuska Chrapak. A paternidade socioafetiva e a obrigação alimentar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 364, 6 jul. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5321. Acesso em: 23 dez. 2024.

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