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Sentença criminal antes da devolução de carta precatória.

Como harmonizar o direito ao contraditória e ampla defesa com o direito à razoável duração do processo

Agenda 01/11/2016 às 18:37

O prosseguimento da instrução criminal, com interrogatório seguido de apresentação de alegações finais e posterior julgamento, quando ainda pendente a devolução de carta precatória, é tema sujeito a diversos questionamentos. Apresento uma solução.

No processo penal, é comum a existência de testemunhas que residem em localidade diversa de onde o processo tramita. Nesses casos, o artigo 222 do Código de Processo Penal estabelece que elas devem ser inquiridas pelo juiz do local onde moram.

Nos termos do §1º do dispositivo mencionado, “a expedição da precatória não suspenderá a instrução criminal”, regra também aplicável às cartas rogatórias, remetidas quando se deseja ouvir testemunha residente em outro país.

Os artigos 402 e 403 do CPP revelam o momento do término da instrução do processo. Vejamos:

Art. 402. Produzidas as provas, ao final da audiência, o Ministério Público, o querelante e o assistente e, a seguir, o acusado poderão requerer diligências cuja necessidade se origine de circunstâncias ou fatos apurados na instrução.

Art. 403. Não havendo requerimento de diligências, ou sendo indeferido, serão oferecidas alegações finais orais por 20 (vinte) minutos, respectivamente, pela acusação e pela defesa, prorrogáveis por mais 10 (dez), proferindo o juiz, a seguir, sentença.
 

Observe-se que a audiência a que se referem os dispositivos não é, por óbvio, a de inquirição da testemunha objeto da carta precatória, e sim aquela efetivada nos autos principais.

É necessário explicar que toda carta precatória expedida possui prazo de devolução. Onde exerço a titularidade de vara criminal, o prazo, em geral, é de 90 (noventa) dias quando o réu estiver solto, e 30 (trinta) quando preso.

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Ainda que a instrução processual não fique suspensa com a expedição da carta, o mesmo não se pode dizer a respeito da prolação de sentença, pois o CPP veda a realização do julgamento antes do término do prazo de devolução da carta. É o que diz o §2º do artigo 222: findo o prazo marcado, poderá realizar-se o julgamento, mas, a todo tempo, a precatória, uma vez devolvida, será junta aos autos. Por uma lógica simples, é possível concluir que, se o que se impede é apenas o julgamento, as partes poderão oferecer alegações finais. Não é difícil perceber que a previsão está em sintonia com o direito à razoável duração do processo, previsto no artigo 5º, LXXVIII, da Constituição Federal.

Entretanto, de tudo isso surge um corriqueiro questionamento. Interrogar-se o réu, oferecer alegações finais e prolatar sentença antes do retorno das cartas precatórias não configuraria cerceamento de defesa?

Vê-se o conflito entre duas normas constitucionalmente estabelecidas, a saber, o direito ao contraditório e ampla defesa e o direito à razoável duração do processo. Como se sabe, o ideal não é afastar um deles para a aplicação do outro, e sim harmonizá-los.

Uma solução ponderada reside no prosseguimento da instrução do processo, com o interrogatório e determinação de apresentação de alegações finais ainda antes do prazo de devolução das cartas. Porém, uma vez devolvidas, é imperioso que se oportunize a manifestação das partes sobre a prova, inclusive com novo interrogatório, se for o caso. Assim, os dois princípios constitucionais seriam efetivados.

Findo prazo de devolução, com ou sem o retorno da precatória, entendo que a sentença deve ser prolatada, em nome da celeridade processual. Caso seja juntada após a prolação da sentença, caberá ao órgão de segundo grau verificar se o conteúdo do depoimento possuía relevância e poderia influir no rumo da decisão. Ausente prejuízo ao réu, não há que se refazer a sentença. Porém, verificado o dano, o melhor a fazer é anular o ato e proferir novo julgamento, além da possibilidade de se ajuizar revisão criminal. Neste sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. SERVIDOR PÚBLICO. MUNICÍPIO DE TAPEJARA. agente comunitário de saúde. não juntada do CD CONTENDO audiovisual da audiência em que colhida prova testemunhal. carta precatória inquiritória DE TESTEMUNHAS juntadaS aos autos após prolação de sentença. CERCEMANTO DE DEFESA. nulidade de sentença. (TJRS, Apelação Cível Nº 70068814938).

Este é, pois, o caminho que enxergo para equilibrar os princípios da razoável duração do processo com o do contraditório e ampla defesa.

Sobre o autor
Carlos Gustavo de Morais

Juiz de Direito no Tribunal de Justiça de Goiás. Ex-Defensor Público no Estado do Espírito Santo.

Informações sobre o texto

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