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A banalização dos danos morais em face do Código de Defesa do Consumidor

Este artigo se propõe a provocar uma reflexão sobre o tema da banalização do dano moral no Código de Defesa do Consumidor, que tem ocasionado constantes debates e preocupações no mundo jurídico.

1. INTRODUÇÃO

O tema a ser abordado é a banalização do dano moral com foco no Código de Defesa do Consumidor (CDC) que, com sua instituição em 1990, é um dos principais motivos de demandas judiciais no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, em flagrante descumprimento às normas nele previstas.

Com o advento da Constituição Federal (CF) de 1988, o dano moral ficou consagrado no seu artigo 5°, incisos V e X. Aṕos a promulgação da Lei n° 8.078 de 1990, conhecida como Código de Defesa do Consumidor, e com a conscientização da população visando lutar e buscar por seus direitos, percebe-se um aumento significativo no número de ações judiciais visando a reparação de danos, inclusive o dano moral.

A dignidade da pessoa humana está consagrada como princípio fundamental, no artigo 1°, inciso III, da CF/88. Assim, é a base de todos os valores morais; o dano moral ganhou uma dimensão maior.

Desta forma, tem-se que o direito do consumidor surgiu com a vontade constitucional, fundamentada com o princípio da dignidade da pessoa humana.

2. DANO MORAL

Segundo Jorge Mossete Iturraspe apud Antonio Jeová Santos (2003, p. 74), a definição de dano é:

(...) a diminuição de patrrimônio ou detrimento a afeições legítimas. Todo ato que diminua ou causa menoscabo aos bens materiais ou imateriais, pode ser considerado como dano. O dano é um mal, um desvalor ou contravalor, algo que se padece com dor, posto que nos diminiu e reduz; tira de nós algo que era nosso, do qual gostávamos ou nos aproveitávamos, que era nossa integridade psíquica ou física, as possibilidades de acréscimo ou novas incorporações. (...)

A vida humana não é apenas um conjunto de elementos materiais, integram-se também valores imateriais, como os morais e éticos. Assim, para que ocorra o dano moral deve ocorrer a violação à dignidade da pessoa humana.

Assim, Antonio Jeová Santos (1999, p. 20) conceitua o dano moral como aquele dano resultante da lesão de um interesse espiritual, que está relacionado com a intangibilidade da pessoa humana, e o que configura dano é a alteração no bem estar psciofísico do indivíduo.

Maria Helena Diniz (2003, p.84), leciona que o dano moral é “a lesão de interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica, provocada pelo ato lesivo”. No mesmo sentido, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona (2003, p.55) o conceituam como “lesão de direitos cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro”.

No mesmo sentido, Carlos Roberto Gonçalves (2009, p. 359), define:

Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome, etc., como se infere dos art. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação.

O dano moral deve ser visto como uma forma de destímulo às práticas abusivas cometidas pelos fornecedores de produtos ou serviços, tem portanto, caráter punitivo e preventivo.

Visa, o caráter punitivo, a pacificação de conflitos pelo valor indenizatório estabalecido. Em um alto nível compensatório, age como um instrumento de transformação social, pois, aos poucos, contribui para a diminuição da quantidade de leões provocadas nas relações jurídicas de consumo.

Além disso, o dano moral deve atender ao binômio da satisfação pessoal do ofendido e do desestímulo a práticas abusivas, para que seja efetivo.

Para Antonio Jeová Santos (2001, p. 77-80) há algus requisitos para o dano moral indenizável. Para o autor, ele poderá ser indenizável se for certo, atual e subsistente. O dano certo significa que a lesão tem que ser real, pois não cabe indenização por simples ameaça de dano. Atual é o dano que existe ou que existiu. E a subsistência é entendida como o dano que ainda não foi reparado, ou seja, se o dano que já for ressascido, e já tiver feito desaparecer a lesão, não mais subsiste o dever de indenizar.

3. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

A defesa do consumidor está instituída como princípio geral da atividade econômica, positivado no artigo 170, inciso V, da CF/88, este foi o marco legislativo do CDC.

O artigo 37, § 6°, da CF/88, estabelece que o Estado, assim como as concessionárias, permissionárias e delegatárias, respondem objetivamente. Por seu turno, no CDC, artigos 12 e 13, amplia esta visão, dispondo que todos os envolvidos numa relação de consumo, ou seja, desde o fabricante, produtor, construtor, importador, até o comerciante, são responsáveis pela reparação dos danos causados aos consumidores.

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4.. INDÚSTRIA DO DANO MORAL: GANHO FÁCIL E ENRIQUECIMENTO ILÍCITO

A banalização do dano moral, talvez seja hoje um dos assuntos mais polêmicos acerca da matéria.

Como lenciona Antonio Jeová Santos (1999, p.62), "seria escandaloso que alguém causasse dano a outrem e não sofresse nenhum tipo de sanção; não pagasse pelo dano inferido."

Intrinsecamente, relacionado com o dano moral, tem-se os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Desta forma, um mero aborrecimento, dissabor, mágoa ou irritação cotidiana não configura um dano moral. Por outro lado, existindo um dano moral, ele não pode gerar enriquecimento ilícito.

Quanto ao mero aborrecimento, o autor Antonio Jeová Santos (2001, p. 119-120), esclarece que:

Conquanto esistam pessoas cuja suscetibilidade aflore na epiderme, não se pode considerar que qualquer mal-estar seja apto para afetar o âmago, causando dor espiritual. Quando alguém diz ter sofrido prejuizo espiritual, mas este é subsequente de uma sensibilidade exagerada ou de uma suscetibilidade extrema, não existe reparação. Para que exista o dano moral é ncessário que a ofensa tenha alguma grandeza e esteja revestida de certa importância e gravidade.

No entender do mesmo autor (2003, p.162), além de haver o caráter ressascitório, a indenização deve servir para coibir a prática de outros atos danosos:

A indenização do sano moral, além do caráter ressascitório, deve servir como sanção exemplar. A determinação do montante indenizatório deve ser fixado tendo em vista a gravidade objetiva do dano causado e a repercussão que o dano teve na vida do prejudicado, o valor que faça com que o ofensor se evada de novas indenizações, evitando outras infrações danosas. Conjuga-se, assim, a teoria da sanção exemplar à do caráter ressascitório, para que se tenha o esboço do quantum na fização do dano moral.

O dano moral arbritado em nível expressivo tem a finalidade punitiva, ou seja, visa afastar a reincidência de práticas abusivas, por ser a forma mais eficaz da sociedade para educar quem violou a dignidade de uma pessoa e provocar mudanças nas ações do agente causador do dano.

Na análise de Paulo Stolze Gagliano (2003, p.86), a função punitiva é como uma pena civil que reprova e reprime o ofensor. Em harmonia com Clayton Reis (2002, p. 119-200), o sentido punitivo tem como objetivo refrear os impulsos antissociais do ofensor, bem como produzir uma medida exemplar no meio social.

Outros autores defendem que a posição de que o dano moral punitivo deve ser aplicado apenas em situações pontuais. Maria Celina Bodin (2003, p. 261-262) afirma que o caráter punitivo do dano moral só deve ser aplicado quando se tratar de uma conduta demasiadamente ofensiva e repugnante, e quando ocorrer lesão a um grande número de pessoas.

Esta problemática de prevalecer o dano moral de caráter punitivo deve estar na possibilidade do enriquecimento sem causa do ofendido, ou seja, dele receber uma valor além do que realmente deveria para retornar a situação anterior a sua lesão.

Numa relação consumeirista a parte ofendida pode até se enriquecer sem causa, mas não é ilicitamente porque não foi ela quem deu causa e sim a desídia ou ma-fé do agente causador do dano.

A banalização do dano moral e o enriquecimento ilícito sem causa vêm de encontro com as baixas indenizações, que colaboram para a continuação das constantes práticas abusivas.

De outro ponto de vista, muitas pessoas buscam o judiciário, invocando pelo dano moral, como um jogo de loteria, idealizando ganhos fáceis.

No âmbito dos Juizados Especiais, onde há facilidade para postular, sem prejuízo financeiro e sem impunidade no caso de ações improcedentes, incentivam o crescente número de ações.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após as conceituações e estudos sobre o assunto, entende-se que não é qualquer aborrecimento do dia a dia que pode ensejar dano moral, é preciso que o mal afete o íntimo da  pessoa, para que o dano moral possa ser indenizável.

Diante das disposições trazidas pela Constituição de 1988 e pelo Código de Defesa do Consumidor, resta evidente a polêmica da questão da indústria de dano moral e o caráter didático-pedagógico da indenização.

No Brasil, a corrente que adota o dano moral com caráter punitivo é minoritária, eles afirmam que a indenização não visa o ofendido e nem seu prejuízo, mas a conduta do ofensor.

Dessa maneira, a combinação a ser aplicada é a compatibilização da situação econômica do ofensor, para que não haja um valor demasiado a ponto de enriquecer o ofendido ou levar o ofensor à falência, e nem tão pouco um valor irrisório a ponto de não ter um caráter disciplinador.

Se a Constituição visa proteger a ofensa da dignidade da pessoa humana,  leva a concluir que não pode ocorrer a banalização do dano moral e o objetivo sempre será a realização de justiça, que somente será estabelecida quando tiver a exata medida do direito violado, entregando a cada um o que é seu.

REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS

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SANTOS, Marina Pereira. A Banalização do Dano Moral. In: Migalhas, mai 2011. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI132982,61044-A+banalizacao+do+dano+moral . Acessado em 23 de setembro de 2016.


Sobre os autores
André Luís Mattos Silva

Advogado na cidade de Avaré-SP. Mestre em Função Social do Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo – FADISP. Coordenador Editorial vinculado ao Núcleo Docente Estruturante da Faculdade Eduvale de Avaré-SP. Professor na Faculdade Eduvale de Avaré na área de Direito Previdenciário, Direito Internacional e Direito Digital. Contato. adlsilva@hotmail.com

Fabíola Fernandes Takeda

Discente no Curso de Direito da Faculdade Eduvale de Avaré-SP

Wilson

Aluno do 8° Período do curso de Direito da Faculdade Eduvale de Avaré.

Informações sobre o texto

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