8 LUGAR DE FORMAÇÃO DOS CONTRATOS ELETRÔNICOS E SEUS REFLEXOS NA FIXAÇÃO DA COMPETÊNCIA
Quanto ao local de formação, destaca-se que conhecer com exatidão o respectivo lugar onde se formou o contrato tem relevância não só para apurar o foro competente para dirimir questões referentes a ele, mas também para saber qual a legislação aplicável em se tratando de Direito Internacional, quando envolver partes de diferentes países.
O art. 435 do Novo Código Civil considera como o lugar de celebração do contrato aquele em que este foi proposto. Porém, é preciso ter em mente que este dispositivo é aplicável quando versar sobre partes residentes no mesmo país.
Em se tratando das partes contraentes quando envolvem situações de diferentes países, deve ser levado em nota o art. 9º, § 2º, da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, o qual, por sua vez, reputa formado o contrato no local onde reside o proponente.
Seja o contrato realizado por partes residentes no mesmo país, seja celebrado por um ou ambas as partes fora do país, o critério adotado como local da formação do contrato é sempre o lugar onde foi feita a proposta. Assim, analisando os dispositivos antes mencionados, chega-se à conclusão de que a venda e compra de bens, como as prestações de serviço, serão regidas pelas leis do país em que se situar o estabelecimento eletrônico, ou seja o local em se situa o proponente.
Agora, quando se fala em contratos eletrônicos, torna-se embaraçoso precisar exatamente o local de celebração destes, pois são realizados em meio virtual e não em espaço físico.
Com o advento da Internet é bem verdade que a grande parte dos contratos é celebrada pelos websites. O comércio eletrônico desconhece fronteiras e ultrapassa os limites das jurisdições dos diversos países, pois constitui uma das modalidades de contratação à distância. As propostas de contratação passaram a ser feitas em sites hospedados em servidores desse novo canal gráfico. Nestes, a oferta é dirigida a pessoas incertas, uma vez que não se sabe quem tem acesso a ela, bem como onde poderá ser acossada.
As ofertas de contratação adotaram a forma de mensagem ao público, onde o proponente se dirige a um universo indeterminado de potenciais co-contratantes.
As novas formas de comunicação eletrônica levantam uma discussão em torno da questão jurisdicional. Se as partes podem se comunicar e contratar mutuamente sem submissão a limites territoriais das circunscrições judiciárias nos estados-membros do país, e mesmo sem atenção aos limites geográficos dos países de suas nacionalidades, tal circunstância dificulta a identificação do órgão jurisdicional destinado a compor conflitos de interesses decorrentes dessas relações.
Nas relações por meio da Internet, todavia, a divisão do poder jurisdicional se torna bastante complicada, por que as regras que definem a competência suscitam critérios com base no local onde o fato ou atividade se desenvolve, onde é feito surgindo a proposta do negócio, ou o local em que a obrigação deve ser cumprida. Na rede mundial de computadores, os critérios comuns perdem o sentido em vista das referências físicas que deixam de existir.
Surge, por conseguinte, a necessidade premente de solucionar casos como esses, em que a identificação da jurisdição, imanente no ambiente virtual, torna-se conflituosa. Nesse esteio, recorramos a Lei Modelo da UNCITRAL, um ordenamento orientador profícuo a elaborar e uniformizar as leis de diversos países sobre comércio eletrônico, a qual, destarte, define as regras sobre o local de envio e recebimento de mensagens eletrônicas, particularmente, a aplicação da lei a determinada relação contratual e visualização do foro competente.
A citada Lei Modelo estabelece um regramento basilar, a de que as mensagens são consideradas como enviadas e recebidas no local de estabelecimento do remetente e do destinatário, vejamos:
Artigo 15 - Tempo e lugar de despacho e recebimento das mensagens de dados.
[...]
4) Salvo convenção em contrário entre o remetente e o destinatário, uma mensagem eletrônica se considera expedida no local onde o remetente tenha seu estabelecimento e recebida no local onde o destinatário tenha o seu estabelecimento. Para os fins do presente parágrafo:
a) se o remetente ou o destinatário têm mais de um estabelecimento, o seu estabelecimento é aquele que guarde a relação mais estreita com a transação subjacente ou, caso não exista uma transação subjacente, o seu estabelecimento principal;
b) se o remetente ou o destinatário não possuírem estabelecimento, se levará em conta a sua residência habitual.
[...]
Com isso, quer-se dizer que, quanto aos provedores de acesso, a possibilidade de ser tomada a localização do provedor, como local para definir questões relativas à jurisdição, fica afastada. Sempre se questiona sobre a pretensão de adotar o estabelecimento físico do provedor como foro competente, entretanto, essa matéria resta superada com a nova regra.
Outro ponto inovador é o de que o local de expedição ou recebimento de uma mensagem eletrônica será sempre o do estabelecimento dos contraentes, independentemente da localização física da pessoa deles. Isso ocorre frequentemente por força de viagem, quando ocorrer de se celebrar um contrato fora da localidade de seu estabelecimento.
Não obstante o exposto sobre o momento e lugar de formação dos contratos eletrônicos, convém assinalar o prisma explicitado no art. 17 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro: “As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e aos bons costumes.”
Ainda nesse sentido, com a Constituição Federal de 1988, os constituintes consagraram a proteção do consumidor a nível máximo, de forma a pertencer à categoria de titulares de direitos fundamentais. Além disso, o art. 170, V, erige a defesa do consumidor à condição de princípio da ordem econômica.
Isso significa dizer que sendo prevalente o entendimento de que as regras de proteção e defesa das relações de consumo são de ordem pública e têm caráter indisponível, as ofertas de produtos e serviços feitas pelo fornecedor situado no exterior são disciplinadas pelo Código de Defesa do Consumidor.
Proteger e melhorar a posição jurídica contratual deste negociador mais fraco e leigo no comércio eletrônico, que é o consumidor pessoa física residente no Brasil parece ser a finalidade maior da doutrina brasileira e dos projetos de leis existentes sobre o assunto. Àquele, no comércio eletrônico, deve receber o mesmo grau de proteção que já alcançou em seu país no comércio tradicional.
9 APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AOS CONTRATOS ELETRÔNICOS
Cabe, ainda, destacar a visão do Código de Defesa do Consumidor sobre o assunto, uma vez que a Lei Consumerista anseia a proteção da parte mais frágil na relação de consumo, quando prevê uma série de restrições ao fornecedor.
A doutrina é unânime que a interpretação dos contratos do comércio eletrônico envolvendo consumidores deve ser diferenciada, sensível à proteção do contratante mais fraco e leigo, o consumidor (MARQUES, 2002, 116 ).
Entre elas, está a vinculação do fornecedor à oferta, sendo que somente uma cláusula estipuladora de cancelamento poderia desvincular o mesmo.
É preciso ter em mente que, sendo a Lei Protetiva um ordenamento que estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, a propositura dos contratos eletrônicos ao consumidor devem obediência aos dispositivos da ordem pública e do interesse social.
As disposições da Lei Consumerista, por serem normas de ordem pública, não podem deixar de serem aplicadas às relações de consumo que envolvem consumidores no território nacional, ressalvada a aplicação cumulativa da legislação estrangeira mais favorável. Neste jaez, com a crescente instrumentalização das relações de consumo na Internet, a doutrina considera, por unanimidade, que aos contratos à distância do comércio eletrônico se aplica o art. 49 do CDC, de sorte que o prazo de reflexão são de 07 (sete) dias, vejamos:
Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.
A doutrina ainda cuida da forma da contratação eletrônica, concluindo que o contrato é por escrito e há a qualidade de documento ao documento eletrônico, do lugar da contratação, da assinatura eletrônica e da eficácia probatória dos documentos eletrônicos.
10 CONCLUSÃO
Enfim, traçada está a questão dos contratos eletrônicos de consumo e a proteção consumerista ínsita. Com o objetivo de açambarcar as novas relações jurídicas geradas pela rede mundial de computadores, justificamos a aceitação destes acordos jurídicos na medida em que há uma tendência internacionalmente aceita de que a própria tecnologia trouxe à baila benesses e comodidades, assecuratória de autenticidade e integridade dessas transações eletrônicas.
Logramos estabelecer, outrossim, o vínculo uníssono principiológico e conceitual, aplicado aos contratos tradicionais em geral, a fim de verificarmos, de chofre, que seus requisitos, elementos e objeto não diferem dos contratos eletrônicos. O que se afirma, neste momento, é que não visualizamos uma nova modalidade contratual, mas tão somente, uma nova técnica de contratar, cujo meio é a principal diferença estabelecida entre eles.
No campo da validade jurídica das contratações eletrônicas, voltamos nossas atenções no momento e lugar de formação dessas avenças, e para isso, necessária a classificação didática da autora Érica Barbagalo em três espécies.
Apercebemo-nos da quão forte é a incoerência do Direito Internacional Privado Brasileiro já que não protege o sujeito constitucionalmente identificado e seus direitos fundamentais (art. 5º, XXXII, da CF/88), quando privilegia o fornecedor com sede no exterior, entretanto, no caso brasileiro, a melhor conexão rígida seria a do domicílio do consumidor, entendido como residência habitual, já que o Código de Defesa do Consumidor não fornece padrões mínimos e imperativos de segurança, à sua proteção nos contratos à distância.
Nesse sentido, podemos imaginar a inquietação dos consumidores frente a celebração dessas transações via Web, em razão da pretensa insegurança que se pode esperar de uma avença celebrada pelo meio eletrônico. A verdade é que as peculiaridades das relações via Internet demandam uma regulamentação própria, não sendo bastante a simples adaptação das atuais normas, sob pena de não se conferir real segurança jurídica a esta nova forma de relacionamento e através da qual podem ser geradas variadas formas de vínculos jurídicos.
Pretende-se dizer com isto, que especificamente em relação aos contratos eletrônicos, é importante haver normas que estabeleçam regras claras sobre a validade e efeitos dos documentos e assinaturas eletrônicos. Desse modo, o presente trabalho aponta que há a necessidade de uma regulamentação jurídica sobre a matéria, a fim de conduzir nosso Judiciário a atingir o escopo máximo da correta prestação jurisdicional, a todos os casos decorrentes das transações eletrônicas postas à sua apreciação.
Neste sentido, o país avançará bastante com aprovação do Projeto de Lei n° 4.906/2001, baseado na Lei Modelo da UNCITRAL e cujos preceitos básicos vêm sendo adotados por vários países, até mesmo porque uma das possibilidades mais atrativas que este novo meio de relacionamento faz surgir é exatamente o estabelecimento de vínculos mais próximos entre pessoas e empresas situadas em qualquer parte do mundo e daí surge a necessidade de que haja certa uniformização entre as legislações de diferentes países.
Constata-se, enfim, que o assunto objeto deste trabalho acadêmico é bastante envolvente, por ter sido pouco explorado e lecionado na seara jurídica, o qual concluímos, por sua vez, serem os contratos eletrônicos de consumo, suficientemente válidos no ordenamento jurídico nacional.
REFERÊNCIA
LEAL, Sheila do Rocio Cercal Santos. Contratos Eletrônicos: Validade Jurídica dos Contratos via Internet. 1ª Ed. São Paulo: Atlas, 2009.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Vol. III 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
BARBAGALO, Érica Brandini. Contratos Eletrônicos. 1ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: RT, 2002.