Enquanto a humanidade manifesta em Marrakesh sua preocupação com o risco de não virem os EUA a respeitar os acordos climáticos em vigor, do lado brasileiro o debate na COP-22 se dá entre a posição do Itamaraty e a de ONGs ambientalistas.
O Itamaraty sustenta que exigir que florestas sejam preservadas constitui um subterfúgio político dos países ricos para que continuem emitindo gases de efeito estufa. Os esforços mundiais para a manutenção da expectativa de aumento da temperatura média global e não mais do que 2° C deveria partir do setor energético.
Não se trata de uma postura nova de nossa diplomacia. Ao direcionar a responsabilidade pela degradação ambiental e climática para os países desenvolvidos, o Brasil segue a tradição iniciada há 44 anos, em Estocolmo, por ocasião da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano. E não há como esconder a evidência de que a quantidade de CO2 liberado na atmosfera pelos dez países mais desenvolvidos do planeta provém basicamente do setor energético.
Não seria de todo mau se a tese do Itamaraty não fosse complementada com a assertiva de que a busca de maior proteção das florestas nativas deve ser precedida de medidas concretas de redução das emissões de gases de efeito estufa. Em outras palavras: enquanto usinas termoelétricas estiverem em funcionamento na China, não devem nossos agroempresários ser incomodados com exigências de recomposição de áreas de preservação permanente e respeito às reservas legais florestais, ou com propostas de criação de unidades de conservação.
REDD+
À posição do Itamaraty contrapõem-se aqueles que buscam introduzir no mercado incentivos para a redução de emissões decorrentes do desmatamento e da degradação das florestas.
O Decreto n. 8.576/2015 (art.1º), instituiu há mais de um ano uma “Comissão Nacional para Redução das Emissões de Gases de Efeito Estufa Provenientes do Desmatamento e da Degradação Florestal, Conservação dos Estoques de Carbono Florestal, Manejo Sustentável de Florestas e Aumento de Estoques de Carbono Florestal - REDD+”, responsável por coordenar, acompanhar e monitorar a implementação da Estratégia Nacional para REDD+ e por coordenar a elaboração dos requisitos para o acesso a pagamentos por resultados de políticas e ações de REDD+ no Brasil.
Sustenta esse bloco que as políticas de combate ao desmatamento devem ser integradas ao rol de atividades aptas a vender créditos de carbono, adotando-se políticas que recompensem o sucesso no combate ao desmatamento, nos moldes pugnados pela REDD+. Se em determinado país as emissões de gases de efeito estufa (GEE) crescerem além dos limites fixados em tratados internacionais, ele “comprará” créditos de carbono dos países que preservam suas florestas.
Em prevalecendo a posição do Itamaraty, ficaria o “ecomercado” desprovido de uma das mais atrativas armas para combate ao desflorestamento: a inserção da imagem das florestas em pé no mercado como crédito de circulação internacional.
Alternativas indigestas
Em 1992, a Conferência do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento aprovou as duas mais importantes convenções internacionais sobre meio ambiente: a CDB (Convenção sobre Diversidade Biológica) e a CMC (Convenção sobre Mudanças Climáticas).
Das duas convenções, a CMC foi a que sofreu efetivos desdobramentos no âmbito do Direito Internacional. Hoje, a proteção da biodiversidade deixou de ser considerada um valor em si para ser tratada como mera moeda de troca nas políticas sobre mudanças climáticas.
Estabelecer uma relação fundamental entre proteção da biodiversidade e mitigação das mudanças climáticas sempre foi um grande problema para os ambientalistas. Na prática, uma grande fazenda de eucaliptos em crescimento, valor zero em termos de biodiversidade, captura muito mais carbono da atmosfera do que uma floresta nativa estável riquissimamente biodiversa.
O capitalismo predatório é redutor, consome num dia combustíveis fósseis que se formaram de florestas centenárias. O mercado se interessa pelo que há de imediato. Assim, não considera imoral a proposta dos países industrializados de aquisição de direitos de poluir – o que em última análise são os créditos de carbono. Afinal, o show do mercado não pode parar.
Assiste-se em Marrakesh ao confronto entre defensores, de um lado, do desenvolvimento de economias industrializadas adversas aos objetivos da CMC (já que são altamente energívoras) e, de outro, o de economias agrárias adversas aos objetivos da CDB (já que afetam a biodiversidade ao recusar-se burramente a observar até mesmo questões como proteção de matas ciliares, que dizem respeito à sua própria sustentabilidade).
Considerando que o setor agropecuário é, em nosso país, responsável pela maior pressão na ampliação de suas fronteiras rumo às florestas, a conclusão é que a postura oficial do Brasil casa-se perfeitamente com os objetivos do setor ruralista, cujo bloco parlamentar há mais de uma década vem promovendo a desconstrução do Direito Ambiental Brasileiro e cantando o Hino Nacional ao revogar o Código Florestal de 1965.
Infelizmente, a alternativa ao REDD+, no atual quadro político e econômico nacional e mundial, parece ser a paralisia geral de políticas ambientais. Por motivos puramente circunstanciais e táticos, talvez seja menos trágico aceitar que a biodiversidade seja a moeda de troca para compensar emissões de gases de efeito estufa.