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A era pós-positivista e a força normativa das decisões judiciais

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Agenda 18/11/2016 às 14:16

A tradição seca e crua do sistema do civil law e do rígido positivismo jurídico, considerando o apego privatista e lógico-formal da norma legal, impede a concretização absoluta do aspecto normativo das decisões judiciais, devendo ser evitada na era judicial normativa pós-moderna.

Palavras-chave: Processo; positivismo; força normativa; jurisprudência; decisões judiciais.

Sumário: 1. Introdução; 2. O positivismo como base do formalismo legal; 3. A teoria dualista do ordenamento jurídico proposta por Giuseppe Chiovenda e o positivismo formalista; 4. A teoria circular dos planos, a jurisprudência como fonte primária do direito e a teoria unitária do ordenamento jurídico como bases primordiais da força normativa das decisões judiciais; 5. A Era Pós-Moderna da Ciência Processual e a força normativa das decisões judiciais; 6. Conclusão; 7. Referências Bibliográficas.


1. Introdução:

Seguindo e respeitando o paradigma constitucional, o direito processual avança como ciência autônoma, de modo que, sob o prisma do Estado Democrático de Direito, atua no sentido de proporcionar a efetividade da jurisdição na concretização de direitos fundamentais. A pós-modernidade inaugura uma nova fase do direito, a era pós-positivista, em que o direito processual não é mais considerado um mero instrumento de atuação do direito material e nem um simples fim de aplicação da vontade concreta da lei através da atividade substitutiva da jurisdição. O direito processual pós-moderno é um mecanismo de verdadeira criação de direitos subjetivos, fazendo incidir a norma jurídica concreta. As decisões judiciais atuam como força jurídica de construção do próprio direito e o direito processual conquista um patamar elevado, sendo reconhecido como um direito fundamental constitucionalizado.


2. O positivismo como base do formalismo legal:

A doutrina positivista considera o Estado como fonte de todo o direito, tendo a lei como única expressão. O sistema é fechado, desprezando-se todo o conteúdo metajurídico que possa existir, seja social, político, econômico ou moral. O apego ao formalismo legal é o marco característico do positivismo e o que sustenta o direito seria somente a norma jurídica. A corrente positivista se mostra contrária aos pensamentos idealistas que se baseiam em juízos de valor, já que se concentram nos juízos da realidade, reduzindo-se a visão ao sentido do ser.

A doutrina positivista se converge no absoluto tecnicismo formal, de modo que o direito se identifica com a lei, havendo apenas interpretações literais das normas legais, ocorrendo uma estreita abordagem do direito. O direito se confunde com a lei, não havendo espaço algum para a liberdade de pensamento e de atuação do operador jurídico, tendo o exercício puro e cru do direito positivo, sem qualquer questionamento ético ou ideológico. A existência de leis injustas não se torna um problema a ser resolvido, uma vez que o juízo de valor não é objeto da pesquisa jurídica científica. Apenas a justiça legal é levada em consideração, já que se trata unicamente na aplicação da regra legal ao caso concreto.

O principal filósofo do positivismo normativista foi Hans Kelsen. Frisando o aspecto histórico, ressalta-se que o direito foi formado pelos costumes, ocorrendo várias normas que nasceram e foram sendo impostas ao mesmo tempo. Napoleão impôs seu código em 1.804, sendo seguido por algumas regiões da Europa Ocidental. Posteriormente, houve o receio de que os códigos poderiam ficar defasados, surgindo, assim, a Escola da Exegese, seguida pela Escola da Savigny, buscando o estudo do direito através da História. Em meados do século XIX surge o Positivismo, embasado nas correntes iluministas do século passado. A partir daí, surgiram várias ciências, como as ciências naturais, a sociologia e a psicologia e o direito. Foi um tempo de surgimento de várias escolas e correntes, de modo que uns buscavam o estudo do direito através da história e outros o alcançavam através da sociologia. Hans kelsen buscou o direito através de uma teoria sólida. Nascido em 1.871, em Praga, era judeu, depois foi para Viena, se formando em Direito, começando a trabalhar em 1.914. Foi assessor do ministro da guerra do império austro-húngaro. Após a primeira guerra mundial, trabalhou na elaboração da primeira constituição da Áustria.

A teoria positivista baseia-se na tentativa de se aplicar o sistema das ciências exatas às ciências sociais, já que o racionalismo era valorizado, de modo que o conhecimento válido somente seria aquele proveniente da razão. O positivismo normativista kelseniano era contrário a qualquer teoria naturalista, metafísica, sociológica, histórica, antropológica e etc. A teoria kelseniana considera que o que não pode ser provado de forma racional não pode ser conhecido. É a absoluta pureza metodológica baseada na ausência de juízos de valor.

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A teoria positivista normativista de Hans Kelsen deve ser considerada em todo o exame das implicações do sistema positivista na sociedade. Para o referido filósofo, há dois mundos independentes e distintos: o do ser e o do dever-ser. O direito integraria o mundo do dever-ser, significando que as normas legais são descritivas como deve ser o comportamento social dos sujeitos passivos do poder do Estado e não como é de forma verdadeira e real. A norma, no sentido Kelseniano, é um ato através do qual uma conduta é prescrita, sendo permitida ou facultada, mostrando-se distinta do ato de vontade cujo sentido ela constitui. A norma, portanto, seria um dever ser, e o ato de vontade seria o ser. Assim, tira-se a conclusão de que a primeira parte do procedimento normativo se refere a um ser, o ser dos fatos do ato de vontade, e a segunda parte refere-se a um dever-ser, a uma norma que dá sentido ao ato.

Kelsen entende que o fundamento de validade de uma norma é simplesmente a validade de uma outra norma, de modo que uma norma jurídica regulamenta o procedimento de elaboração de outra norma jurídica com silogismo. A norma maior, a Constituição, tem a função de fundamentar a validade objetiva da ordem jurídica positiva. A norma fundamental é diferente das demais normas, uma vez que a Constituição surge apenas por ter sido colocada como válida, tenda a base de construção silogística das demais.

A teoria do direito kelseniana parte do pressuposto de que se deve determinar o objeto da ciência jurídica, de modo que a norma constitui o principal objeto do direito. O direito, então, seria uma ordem normativa da conduta humana e as normas já disciplinam as relações sociais, não carecendo de serem submetidas ao exame sociológico ou psicológico.

As ordens valorativas, para Hans Kelsen, não são consideradas como necessárias quanto ao aspecto jurídico das normas, já que estas já possuem, por si sós, os elementos essenciais para a apreciação judicial. Portanto, os valores não podem ser objeto de exame da ciência jurídica, mas sim de outras ciências, como a sociologia e filosofia do direito.

Para o filósofo do direito, no momento de interpretação de normas jurídicas, o intérprete deve se pautar pelo que a Constituição estabelece, utilizando-se de resposta epistemológica em vez de se recorrer a entidades metajurídicas, como Deus ou a natureza. A norma maior prevê os limites da produção legislativa, com poder de vinculação às leis inferiores. A determinação normativa para o pensamento kelseniano não é completa, devendo haver uma margem de apreciação livre do julgador, considerando que o exame do julgador é limitado pela moldura jurídica que é a ordem jurídica superior legitimadora.

Uma questão importante a ser tratada do entendimento kelseniano seria a respeito da moral e da ética. A partir da interpretação surge uma norma individual, não havendo a busca por elementos filosóficos ou sociológicos, já que os pontos axiológicos importantes estão presentes no interior da norma. Portanto, as normas referentes à moral e à ética são desconsideradas durante a aplicação da norma ao caso concreto, inexistindo validade no campo do direito positivo.

O modelo normativista kelseniano permite a interpretação da norma jurídica apenas quanto à moldura, e o Estado seria a única origem legitimadora da norma legal. Há, portanto, a criação de uma teoria formalista, no sentido de que a ciência jurídica é desprovida de valores de justiça e de ligação com a realidade social. A validade da norma simplesmente está atrelada à sua vigência. A teoria pura do direito sobrepõe a cientificidade à realidade.

Hans Kelsen entendia que as ciências naturais são ciências de explicação, que examinam os fatos à luz da causalidade. A ciência do direito então seria discrepante, uma vez que não se regeria por uma causalidade, mas sim pela imputabilidade. O objeto de estudo da ciência do direito seria, portanto, a norma jurídica. O método da ciência jurídica seria o descritivo, de modo que o cientista do direito deve descrever a norma à luz da categoria de imputação, partindo da estrutura da norma com juízo deôntico ao qual se liga a um fato uma consequência jurídica.

Por fim, a sanção constitui uma categoria essencial no positivismo normativista kelseniano e é o que diferencia uma norma moral costumeira da norma jurídica. Toda norma jurídica se encontra garantida por uma sanção estatal, de forma direta ou indireta.


3. A teoria dualista do ordenamento jurídico proposta por Giuseppe Chiovenda e o positivismo formalista:

Giuseppe Chiovenda nasceu na cidade de Premosello, em fevereiro de 1.872 e cursou Direito na Universidade de Roma entre 1.899 e 1.893. Dedicou-se na investigação da história jurídica italiana, tornando-se livre docente na Universidade de Roma em 1.900. Posteriormente foi nomeado professor da Universidade de Parma, passando a Bolonha e depois em Nápoles em 1.905. No ano de 1.906, ocupou a cátedra de Roma e, em 1.924, fundou a “Rivista de diritto processuali civile”, tendo como diretor Carnelutti e como redator chefe Calamandrei. Obteve grande formação romanista, conhecendo enormemente a ciência processual alemã. Seus primeiros estudos no século XX tiveram influência francesa quanto às doutrinas de procedimentos. Possuiu filiação germânica, sendo reconhecido como o fundador da ciência processual italiana moderna. Muitos nomes fizeram parte da escola fundada por ele, como Carnelutti, Calamandrei, Capelletti, Liebman e muitos outros.

A principal obra jurídica publicada por Chiovenda foi “Instituições de direito processual civil”, escrita em 1.935, tendo assumido a forma de manual. Possui outras obras como “De ensaios intitulado Processo Civil”, em 1.903, “Novos ensaios de Direito Processual Civil”, em 1930 e, finalmente, “Princípios de Direito Processual”, em 1.934-1.937.

Em sua definição de processo, Chiovenda já tem a intenção de excluir definições com base na defesa do direito subjetivo, podendo coincidir ou não com o escopo de fazer atuar a lei. Acredita ser inaceitável entender que o processo seria um modo de definição de controvérsias, já que pode haver controvérsias fora de um processo, ou haver processo sem controvérsias.

O jurista italiano discordava de Francesco Carnelutti, o qual pensava que o processo tinha como objetivo a justa composição da lide, uma vez que defendia que o objetivo imediato do processo não seria a composição e sim a atuação da vontade concreta da lei. Dessa forma, a parte interessada iria a juízo, expondo a lesão ao seu direito, demonstrando a desobediência à lei e, assim, caberia unicamente ao magistrado aplicar a norma tomada como fundamento ao caso concreto. Se o julgador desacolher a pretensão do autor, ocorreria a atuação concreta negativa da lei.

Quanto aos termos procedimentais e atuação do magistrado, Chiovenda entendia que o julgador deveria participar da lide de forma ativa e que o Estado seria um grande interessado na forma em que a lide se desenvolveria. Ressaltava que a chave das reformas de processo girava em torno da extensão dos poderes do juiz, de modo que o processo consistiria no desenvolvimento da relação entre o Estado e o cidadão. O aumento dos poderes do juiz estaria em consonância com o princípio da oralidade e concentração, proporcionando um melhor funcionamento do processo, em face de seu caráter público, tendo uma proposta de constituição de um processo melhor e mais rápido, contrastando aquele vivenciado na Europa de visão individualista da sociedade e do direito.

O processualista italiano introduziu o estudo da oralidade, considerando sua importância para o direito processual e para o ordenamento jurídico italiano, já que tal princípio está diretamente ligado à forma procedimental, vinculado ao processo diretamente. O estudo da oralidade proporcionado por Chiovenda foi também de grande importância para o direito processual brasileiro, na medida em que as portas foram abertas para a alteração do processo a ser aplicado no Brasil com a aprovação do Código de Processo Civil de 1.939, rompendo com a tradição processual lusitana.

A exigência do princípio da oralidade foi acentuada, pois os processos do século passado estavam se amontoando de forma considerável, não havendo solução para se movimentar a máquina estatal e o sistema da oralidade determinava um impulso eficiente na marcha dos processos, impondo celeridade e rapidez na tramitação processual. Portanto, a aplicação da oralidade no processo civil foi possibilitada por Chiovenda como um meio eficaz de se aperfeiçoar a realização da vontade concreta da lei, acarretando a colocação em segundo plano do formalismo puro e excessivo, dando-se mais importância ao conteúdo da concretização da lei do que à forma.

Não há como se falar em jurisdição para o doutrinador italiano sem se mencionar no instituto de direito potestativo. Ação judicial para ele é um direito potestativo, ou seja, refere-se ao poder que a parte possui de promover um efeito jurídico, de modo que o direito potestativo é promovido pela simples declaração de vontade. Direito de ação seria também um direito público subjetivo à disposição do autor com o objetivo de movimentar a máquina estatal, com a manifestação de vontade do interessado, atuando a lei ao caso concreto sob julgamento. O titular do direito de ação, portanto, tem o poder de fazer operar a máquina judiciária estatal, proporcionando, frente ao adversário, efeitos jurídicos, constituindo a ação como direito potestativo.

Jurisdição para o italiano seria a função do Estado que tem por escopo atuar a vontade concreta da lei através da substituição. Portanto, a afirmação da existência da vontade da lei seria feita através da função jurisdicional com atividade substitutiva. O Estado substitui a vontade das partes na cognição e na execução. E a materialização da vontade da lei exige um esforço de se investigar essa vontade, denominando interpretação. Assim, compete ao magistrado fixar o pensamento da lei, não podendo criar e nem modificar a lei, devendo apenas aplicá-la, e isso seria uma garantia dos limites do poder do juiz. Portanto, ao juiz caberia apenas declarar a intenção da norma legal já existente, sem qualquer atividade criadora do direito.

A partir da teoria da jurisdição proposta por Chiovenda, há desdobramentos negativos. Como somente existe uma atividade jurisdicional de atuação da vontade concreta da lei, as atividades de legislar e de aplicar a lei seriam separadas e antagônicas, cabendo ao magistrado uma atividade limitada à lei, devendo apenas aplicar a norma legal já produzida no caso concreto, sendo meramente a “boca da lei”. Portanto, a teoria da jurisdição ficaria limitada à concepção legalista.

Em seguida, o processualista italiano foi o autor da teoria dualista do ordenamento jurídico, a qual se coaduna com a teoria da jurisdição adotada por ele. De acordo com a referida teoria, o ordenamento jurídico seria de direito material e de direito processual, havendo uma separação nítida entre as duas esferas. A função do direito material seria a imposição das regras abstratas e o direito processual apenas visaria à atuação da vontade concreta da lei. Portanto, a posição ocupada pelo direito processual seria apenas de coadjuvante, de modo a servir de um meio de atuação do direito material. O processo não cria direitos subjetivos e a jurisdição não teria qualquer papel, através do processo, de criação de normas jurídicas concretas.

A teoria dualista do ordenamento jurídico, juntamente com a teoria da jurisdição em sua concepção legalista, apresentam-se em absoluta consonância com o positivismo normativista, uma vez que o cumprimento da vontade soberana da lei é primordial, com um respeito intocável ao conteúdo normativo formalista. O direito a ser protegido será declarado em conformidade com o conteúdo da norma legal, de modo que a norma já existe anteriormente ao processo, sendo o direito processual, através do processo, apenas um instrumento de aplicação do direito subjetivo. O caso concreto apenas ditaria qual norma legal, preexistente à declaração do direito, seria aplicada. O direito se confundiria com a lei, de modo que a atuação jurisdicional se resumiria em declarar a lei reconhecida no caso concreto.

Com o predomínio absoluto do direito positivo, a decisão judicial não cria direitos, não teria a capacidade de construção normativa, inexistindo juízos de valor, tendo a atividade jurisdicional apenas o condão de aplicar o direito positivo ao caso concreto em julgamento. A decisão judicial seria apenas o resultado de subsunção, constituindo-se pela soma do conteúdo legal com o conteúdo fático. A fonte primordial do direito seria somente a lei e o direito se resumiria ao conteúdo legal.

Sobre o autor
Nelmo Versiani

Mestre em Direito pela UFSC; Tetra Especialista em Direito pela PUCMG/Damásio Floripa/UGF-Rio; Oficial de Justiça Avaliador do TJSC; Professor de Direito Processual; Pesquisador Jurídico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VERSIANI, Nelmo. A era pós-positivista e a força normativa das decisões judiciais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4888, 18 nov. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/53890. Acesso em: 24 dez. 2024.

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