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A era pós-positivista e a força normativa das decisões judiciais

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Agenda 18/11/2016 às 14:16

4. A teoria circular dos planos, a jurisprudência como fonte primária do direito e a teoria unitária do ordenamento jurídico como bases primordiais da força normativa das decisões judiciais:

A teoria circular dos planos foi desenvolvida primariamente pelo jurista italiano Francesco Carnelutti, com a capacidade de explicar as relações existentes entre o direito processual e o direito material em uma perspectiva circular. Não se pode imaginar a existência de direito material sem o direito processual e vice-versa. As duas esferas se inter-relacionam, de modo que um serve ao outro e um complementa o outro. Assim, não existe hierarquia, mas sim uma relação circular. O direito material possui uma função de projetar planos no sentido de se atingir uma sociedade justa e o direito processual tem a praticidade. A teoria circular dos planos reforça a união entre os institutos jurídicos, proporcionando o alcance de uma sociedade justa à luz do direito.

O direito material mostra-se com a finalidade de ditar regras abstratas, normas de conduta que garantem a paz social e, por outro lado, o direito processual tem a função de assegurar a efetivação das normas abstratas. Uma esfera se preocupa com as regras de conduta abstratas e a outra com a obediência a tais regras.

As fases evolutivas do direito processual demonstram a progressão do relacionamento entre o direito material e processual, de modo a atingir um patamar de complementação entre as duas esferas, com uma base circular.

A fase autonomista destaca-se pelo nascimento da ciência processual, incluindo os institutos processuais, fazendo com que o direito processual fosse conhecido como ciência autônoma diversa do direito material. Em tal fase, o processo era visto como mero instrumento, sem uma posição crítica de sua finalidade e função. Grandes nomes surgiram nesta época, como Calamandrei, Carnelutti, Chiovenda, Bullow, Liebman e Goldschmidt. Posteriormente, segue-se à fase instrumentalista, no sentido de que o direito material e o processual são diferentes, mas se relacionam. O processo passa a ser visto no aspecto da efetividade e da celeridade, acendendo uma posição crítica até então inexistente anteriormente. O processo tem a ênfase de atendimento aos seus verdadeiros fins que são a utilidade para o ordenamento jurídico e para a paz social. Grandes nomes também surgiram, como José Carlos Barbosa Moreira, Cappelletti, Dinamarco e Ada Pelegrini. Por fim, temos a fase neoconstitucionalista, no sentido de que o processo passa para o status de direito fundamental, sendo reconhecido como uma instituição constitucionalizada com a finalidade de garantir direitos fundamentais em um Estado Democrático de Direito. Há a valorização da força normativa da Constituição Federal e dos precedentes judiciários.

Nota-se que a fase instrumentalista se destaca por apresentar uma aproximação entre o direito material e o direito processual, na medida em que o processo seja o meio pelo qual todos os cidadãos fossem protegidos em seus direitos materiais, preocupando-se com a utilidade processual e com o resultado, não havendo mais indiferença e nem neutralidade quanto aos objetivos. O direito processual, portanto, não é um fim em si mesmo, sendo uma trilha para a efetivação do direito material, com a valorização da justiça social. O direito processual está a serviço da ordem jurídica e é um instrumento ético destinado à sociedade e ao Estado. O processo existe para a satisfação de direitos materiais resistidos, tido como uma ciência autônoma e complementar ao direito material.

A teoria circular dos planos está em profunda consonância com o instrumentalismo e com o neoconstitucionalismo alcançado pela ciência processual, uma vez que há complementaridade entres os planos de direito material e processual. Não existe subordinação entre eles, tanto que a relação é circular, um servindo ao outro, de modo que o direito processual efetiva o direito material e este dá sentido ao direito processual, proporcionando a busca pela efetividade da jurisdição no alcance da paz social. O direito processual e o direito material são instituições complementares com o objetivo de proporcionar a efetividade e celeridade da jurisdição, para que o Estado cumpra sua função de pacificação social com justiça, e tudo em estrita obediência aos ditames constitucionais.

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Quanto à jurisprudência como fonte primária do direito, pode-se dizer que é uma realidade já conhecida no direito internacional. Nos países do common law, baseado no sistema de precedentes e no casuísmo, as decisões judiciais desempenham um papel essencial na produção normativa, no sentido de que o direito é construído pela jurisprudência e não somente pelas leis. Portanto, os momentos em que a jurisprudência assume a fonte primária são quando atua como modelo e como fonte stricto sensu, e temos como exemplo justamente o caso dos precedentes judiciários, incluindo o procedimento da súmula vinculante e da eficácia erga omnes das decisões do Supremo Tribunal Federal em ação direta de inconstitucionalidade. O pensamento resta voltado absolutamente para a pretensão normativa das decisões judiciais com eficácia equiparada à da legislação codificada.

A chamada teoria unitária do ordenamento jurídico foi proposta por Francesco Carnelutti, tendo a concepção no sentido de que a lei é incompleta, devendo ser complementada pela sentença. O processo teria o poder de criação de direitos subjetivos e a decisão judicial criaria a norma jurídica concreta.

O direito material e o processual estão contidos no mesmo ramo e o direito processual é dependente do material. Os direitos materiais somente surgem após a sentença, de forma que o direito processual completa o material. Conforme a referida teoria, não há diferença importante entre direito material e processual, sendo este um setor daquele. O processo seria um método de aplicação e de complementação de direitos objetivos e, ao mesmo tempo, de criação de direitos subjetivos. Isso ocorre porque o direito objetivo não consegue regular todas as situações de conflito, sendo necessária a atuação do direito processual para complementar os comandos da lei. O processo, portanto, participa da criação de direitos subjetivos que nascem com a sentença, compondo a lide, criando a norma que regula o caso concreto.

Desse modo, nota-se que a teoria unitária do ordenamento jurídico apresenta concepções que se coadunam com a teoria circular dos planos e com a jurisprudência como fonte primária de direitos, no sentido de que a decisão judicial possui e deve possuir força normativa.


5. A Era Pós-Moderna da Ciência Processual e a força normativa das decisões judiciais:

A era pós-moderna da ciência processual impõe um novo pensar sobre a finalidade do direito processual. A fase pós-moderna seria qualificada pela era pós-positivista, no sentido de que há superação não somente do positivismo, mas também da teoria dualista do ordenamento jurídico e da figura do juiz como sendo a “boca da lei”.

Estamos em um momento de profunda transição para uma nova realidade jurídica, onde há a constitucionalização do processo como força normativa maior e a visão de processo como um direito fundamental constitucionalizado. O processo agora deve ser entendido como procedimento em contraditório, com a participação dos destinatários do ato decisório.

Apesar de o Brasil ter um ordenamento jurídico historicamente marcado pelo sistema do civil law, a realidade atual demonstra a grande influência exercida pelo sistema do common law, na medida em que há um paradoxo metodológico brasileiro. Há um sistema jurídico híbrido, ocorrendo cruzamento entre os dois sistemas de direito, proporcionando uma antinomia entre o processo constitucional, inspirado no common law, e o processo infraconstitucional, inspirado no romano-germânico. Ocorre uma verdadeira contraposição lógica de tradições jurídicas, já que temos a adoção da tradição constitucional norte-americana de um lado e de outro temos a tradição processual civil da Europa Continental.

As misturas dos sistemas de direito, com a grande carga de eficácia e de influência do sistema anglo-saxão, fazem com que as decisões judiciais e as jurisprudências tomem uma nova roupagem, no sentido de concretização dos direitos fundamentais através do processo, incluindo a força dos precedentes judiciários e a carga normativa proporcionada pela poder da jurisdição.

O positivismo, com sua concepção formalista normativista, encontra-se ultrapassado e superado pelas novas tendências processuais da era da complexidade pós-moderna. O direito não se confunde com a lei. O direito mostra-se maior que a lei e as decisões judiciais criam direito e tal criação não se limita à lei. A figura antiga do juiz, como sendo simples “boca da lei”, está absolutamente abandonada, cumprindo agora a função pós-moderna de criar o direito através da sentença, complementando a norma legal. E isso o grande processualista italiano, Francesco Carnelutti, já dizia em sua teoria unitária do ordenamento jurídico.

A decisão judicial, diante do fato, é responsável por criar o direito, por revelar a norma jurídica. O direito material, antes da apreciação do Poder Judiciário, é mera expectativa. Tem-se a ideia de que a partir da tutela jurisdicional ocorre autêntica criação de direitos em face do trabalho das partes e do juiz em perfeita simetria e sintonia.

A relação de direito material e de direito processual não se dá unicamente entre direito material e ação, mas justamente entre o direito pleiteado e afirmado e todo o processo judicial, de modo que a tutela do direito processual é o resultado do trabalho de reconstrução e de criação do órgão judicial.


6. Conclusão:

O que importa hoje é a ideia do discurso judicial, com a participação das partes em completa isonomia processual, para a criação do direito pelo juiz. A tradição seca e crua do sistema do civil law e do rígido positivismo jurídico, considerando o apego privatista e lógico-formal da norma legal, impede a concretização absoluta do aspecto normativo das decisões judiciais, devendo ser evitada na era judicial normativa pós-moderna, caracterizando uma nova fase evolutiva de toda a ciência processual, qual seja, a fase pós-positivista.

O processo não é mais um mero instrumento de aplicabilidade e de atuação do direito material. O direito processual atua com papel importante na concretização dos demais direitos fundamentais, com força normativa e com caráter interdisciplinar, proporcionando a excelência na composição dos conflitos de interesses e no alcance da pacificação social.


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Sobre o autor
Nelmo Versiani

Mestre em Direito pela UFSC; Tetra Especialista em Direito pela PUCMG/Damásio Floripa/UGF-Rio; Oficial de Justiça Avaliador do TJSC; Professor de Direito Processual; Pesquisador Jurídico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VERSIANI, Nelmo. A era pós-positivista e a força normativa das decisões judiciais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4888, 18 nov. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/53890. Acesso em: 24 nov. 2024.

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