6. RESPONSABILIDADE POR ATOS LEGISLATIVOS E JUDICIAIS
Em relação aos atos que vimos até agora, a regra é a responsabilidade objetiva do estado na modalidade risco administrativo, entretanto quanto aos atos legislativos e judiciais, o estado só responde mediante a comprovação de culpa manifesta, na sua expedição de maneira ilegítima e lesiva ao particular. Desta maneira a responsabilidade do estado para tais atos seria subjetiva, exigindo a demonstração de culpa ou dolo na conduta do agente político.
Contudo, é importante que se ressalte, a responsabilidade subjetiva, mencionada no parágrafo anterior, diz respeito às situações em que o Poder Judiciário atua nas suas funções típicas. Quando essa atuação ocorre nas funções atípicas, a responsabilidade passa a ser objetiva, conforme ensina o professor Matheus Carvalho17:
O Poder Judiciário produz inúmeros atos administrativos além dos correspondentes à sua função típica. E, nesses casos, ou seja, quando exerce função administrativa atipicamente, sua responsabilização por essa atuação é objetiva e se fundamenta na teoria do risco administrativo e art. 37, §6°, da CF. Isso porque, ainda que exercida pelos magistrados ou servidores do judiciário, tais condutas se configuram atos administrativos. (CARVALHO, 2016. p. 344).
A responsabilidade por ato judicial está presente em de três dispositivos. Na Constituição Federal, nos Códigos de Processo Penal e Civil. Os atos judiciais causadores de dano em regra são eventuais atos judiciais que cause danos a alguém, e que o estado não tem responsabilidade, contudo vigora o chamado princípio da soberania entre os poderes ou independência entre os poderes. Entretanto em razão dessa soberania do poder judiciário para com os outros poderes, tudo aquilo que aquele poder decidir não gera indenização a vítima, porém a parte vencida terá o duplo grau de jurisdição, que se for mantida a decisão não poderá haver indenização. Porém há casos excepcionais que poderá imputar responsabilidade em razão de atos praticados pelo poder judiciário.
Nas situações de erro judiciário que cuida daquelas situações cuja absolvição do indivíduo pode ser obtida por meio de revisão criminal, exemplo condenações pessoais injustas, ou indivíduos que estão presos além do tempo fixado na sentença é o famoso erro judiciário consagrado no artigo 5°, LXXV da CF. Nesses casos o estado será responsável.
Adiante temos a responsabilidade civil do Estado por erro judiciário de natureza criminal, no artigo 630 do Código de Processo Penal. O conteúdo do texto determina que ao Tribunal, se o interessado o requerer, poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos. Também no âmbito penal quando houver absolvição por inexistência do fato ou negativa de autoria, nessas situações comprovadas não será possível a punição do indivíduo em outras esferas, como a cível ou administrativa.
Ainda de acordo com o art. 143. do Novo Código de Processo Civil, é prevista a responsabilidade pessoal do juiz, que responderá por perdas e danos quando, no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude; recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte.
Em relação aos atos legislativos a regra é da irresponsabilidade o Estado, não deverá ser responsabilizado, ou seja, não poderá ser responsabilizado pela promulgação de uma lei ou pela edição de um ato administrativo genérico e abstrato.
Entretanto alguns doutrinadores tem entendido que, a lei abstrata só enseja a responsabilização do estado quando causar danos e posteriormente for declarada inconstitucional. Nesses casos o estado será responsável à indenização.
7. AÇÃO DE REPARAÇÃO DO DANO: PARTICULAR X ADMINISTRAÇÃO
O tema da responsabilidade civil encontra maior regulamentação no âmbito do Código Civil, em especial nos art. 186. e 927 do diploma, mas não é o único a tratar do assunto, pois, também, há disposições a respeito do tema em outras normas, a exemplo do CDC e da própria Constituição Federal. Pois bem, todo aquele que comete um ilícito e causa danos a outrem, mesmo que exclusivamente moral, desde que presente o nexo causal entre a conduta do agente e dano, tem o dever o repará-lo e com o Estado não é diferente, como visto em outro tópico do presente trabalho, ele responde, em regra, objetivamente pelos danos causados por seus agentes no exercício das funções ou em razão delas, conforme a Teoria do Risco Administrativo.
Nesta senda, prevê art. 37, § 6º da Constituição Federal18:
As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988).
O constituinte preferiu dar primazia ao interesse da vítima, ao viabilizar a responsabilização diretamente pelo Estado e não é para menos, já sabemos que segundo a Teoria do Órgão, o Estado exerce suas funções e manifesta sua vontade por meio dos seus agente e órgãos, devendo, assim, ele responder pelas condutas dos seus subordinados quando atuarem em seu em nome do Estado. Passada à época da irresponsabilidade do Estado, hoje o particular tem assegurado de forma eficiente o direito de bater as portas da administração ou, até mesmo, do próprio judiciário caso não tenha resolvido o problema administrativamente (o que seria o ideal e evitaria afogar ainda mais o nosso judiciário) em busca da responsabilização pelos danos sofridos.
Pela rápida analise do dispositivo constitucional conseguimos concluir que a dois enfoques de responsabilização, uma relação entre o particular e o Estado, onde este responde objetivamente; e outra entre o Estado e o agente público causador do dano, neste caso o agente será responderá subjetivamente – ou seja, após identificar se o mesmo agiu com dolo ou culpa – em ação de regresso proposta pelo Estado em face do agente. Percebe-se que a Constituição protegeu tanto o particular afetado pela conduta do Estado, como também concedeu ao agente causador do dano a garantia de apenas ser cobrado regressivamente se tiver agido com dolo ou culpa. É o que comumente ficou conhecido como Teoria da Dupla Garantia, resguardando além do direito do particular, o próprio agente público.
A jurisprudência superior já vem adotando uma posição consolidada quanto ao tema, reconhecendo a teoria da dupla garantia, como se observa no julgado a seguir no RE 327904/SP – Julgamento: 15/08/2006. (Órgão Julgador: Primeira Turma):
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO: § 6º DO ART. 37. DA MAGNA CARTA. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. AGENTE PÚBLICO (EX-PREFEITO). PRÁTICA DE ATO PRÓPRIO DA FUNÇÃO. DECRETO DE INTERVENÇÃO. O § 6º do artigo 37 da Magna Carta autoriza a proposição de que somente as pessoas jurídicas de direito público, ou as pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos, é que poderão responder, objetivamente, pela reparação de danos a terceiros. Isto por ato ou omissão dos respectivos agentes, agindo estes na qualidade de agentes públicos, e não como pessoas comuns. Esse mesmo dispositivo constitucional consagra, ainda, dupla garantia: uma, em favor do particular, possibilitando-lhe ação indenizatória contra a pessoa jurídica de direito público, ou de direito privado que preste serviço público, dado que bem maior, praticamente certa, a possibilidade de pagamento do dano objetivamente sofrido. Outra garantia, no entanto, em prol do servidor estatal, que somente responde administrativa e civilmente perante a pessoa jurídica a cujo quadro funcional se vincular. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
(RE 327.904, Rel. Min. Carlos Britto, Primeira Turma, DJ 8.9.2006)
Nota-se o nítido protecionismo ao particular, pois a norma tem o objetivo de assegurar uma fonte segura que irá garantir o ressarcimento de todos os prejuízos, sem, contudo, impor a ele o dever de provar a culpa na conduta do Estado, como é a regra nas relações entre particulares a responsabilidade subjetiva.
8. DENUNCIAÇÃO À LIDE DO AGENTE PÚBLICO
Não conseguido compor os danos na seara administrativa é de interesse da vítima a propositura de ação judicial em busca da reparação pelos danos sofridos, como já lembrado acima. Aqui é onde se encontra uma das maiores discussões jurisprudenciais e doutrinárias a respeito da reparação civil por parte do Estado, que é a possibilidade ou não da denunciação à lide do agente público por parte do Estado.
Antes de tudo, é importante conceituar a denunciação à lide, que se caracteriza como uma das espécies de intervenções de terceiros na relação processual, prevista nos arts. 125. a 129 do Código de Processo Civil, a qual uma das partes – autor ou réu – provoca a entrada de terceiro no processo, porque uma demanda lhe é dirigida.
Atento a isso, se discute a possibilidade de denúncia do agente público dentro do mesmo processo em que foi proposta a ação de reparação contra ele. Porém, hoje o posicionamento que acreditamos ser o dominante é o da inviabilidade da denunciação dentro da relação particular X Estado, pois neste caso causaria apenas uma protelação na tutela dos interesses da vítima, já que a denunciação só iria alargar a relação subjetiva processual, além da discussão do dolo ou culpa do agente causador não terá interesse ao autor, mostrando-se, na verdade, medida desnecessária e desfavorável ao seu pleito, e, ainda, ferido o princípio da duração razoável do processo.
É válido, conquanto, lembrar o posicionamento hodierno do STJ, conforme leciona Matheus Carvalho19:
No entanto, o Superior Tribunal de Justiça vem admitindo a denunciação à lide do agente público, deixando claro somente que, nesses casos, o estado não está obrigado a fazê-lo, sendo mantido o direito de regresso autônomo caso o ente público opte por não se valer da intervenção de terceiro, para cobrar de seu agente. Com efeito, o entendimento do STJ se baseia na garantia de economia processual, eficiência e celeridade. (CARVALHO, 2016, p.339).
Pelo entendimento exposto cabe, em um primeiro momento, uma relação exclusiva entre o particular/autor do evento e o Estado/réu causador, apenas caso venha a ser condenado a reparar o dano é que ele terá em seguida o direito de provocar em ação regressiva a responsabilização subjetiva, lembre-se, do agente causador do dano.
9. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A responsabilidade civil da Administração Pública, como se verificou no decorrer desse trabalho, existe há muito tempo. Desde os seus primórdios, no Império Romano, até sua atual concepção, foram elaboradas diversas teorias que, de acordo com o entendimento de cada época, assumiram a tarefa de elucidar o tema.
Hodiernamente, a ordem constitucional e civilista visa proteger todo aquele que venha a sofrer dano causado por conduta de outrem. E, de certa forma, sempre foi assim, ainda que os meios de proteção fossem diversos.
O presente artigo trouxe uma análise sobre o instituto da responsabilidade civil voltada à conduta do Estado, desde o tempo em que vigorava a irresponsabilidade estatal, preponderando seus interesses sobre os da vítima, passando com o tempo a adotar a teoria da culpa administrativa, a qual a responsabilização do estado depende da comprovação do dolo ou culpa – ressalta-se que ainda é a teoria adotada em relação aos atos omissivos do Estado – e com a evolução do pensamento constitucional, em especial a Constituição Federal de 1998, no art. 37, § 6º, veio a consagrar a teoria do risco administrativo como a regra no direito brasileiro, respondendo o Estado objetivamente pelos danos causados pelos seus agentes nos exercício de suas funções ou quando atuarem nessa qualidade.
De igual forma, foram abordados casos especiais de responsabilização, como a decorrente dos atos legislativos e judiciais, a qual é disciplinada de forma especial em virtude da natureza desses atos que possuem, eminentemente, caráter de manifestação da vontade imperativa do estado, com isto, o Estado só responde em casos excepcionais, a exemplo das hipóteses previstas no art. 5º, inciso LXXV da CF/88.
Por fim, conclui-se que, em regra, a responsabilidade civil da Administração Pública é objetiva, no entanto o ordenamento jurídico brasileiro também vislumbra a modalidade subjetiva, bem como permite a análise de hipóteses excludentes. Destarte, o campo de estudo abordado é de suma importância, haja vista a sociedade atual ser marcada pela forte presença do Estado nas relações sociais, a fim de assegurar a consecução de seus objetivos fundamentais, e com isto acaba por, diversas vezes, geral danos aos particulares no exercício de suas funções. Assim, o tema deve ser cada vez mais aprofundado tanto no campo acadêmico quanto na seara do judiciário e da própria administração pública.
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Notas
6 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
7Alexandrino, Marcelo. Direito administrativo descomplicado / Marcelo Alexandrino, Vicente Paulo. – 22 ed. Ver., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2014. p. 814.
8LOPES MEIRELLES, Helly: Direito Administrativo Brasileiro. 38ª ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 62.
9 MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 289
10 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella: Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 715
11Gagliano, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, volume 3: responsabilidade civil / Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho. — 10. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo : Saraiva, 2012. p. 55
12DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro/volume 1; teoria geral do direito civil / Maria Helena Diniz. – 29. ed. São Pau lo: Saraiva, 2012 p. 316
13 BRASIL. Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil.
14Gonçalves, Carlos Roberto Direito civil brasileiro, volume 1 : parte geral / Carlos Roberto Gonçalves. — 10. ed. — São Paulo: Saraiva, 2012, p. 479.
15 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. “Curso de direito administrativo”. 12. Ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 837.
16 TARTUCE, Flávio Manual de direito civil: volume único I Flàvio Tartuce. 6. ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016. p. 514
17CARVALHO, Matheus. Manual de direito administrativo 1 Matheus Carvalho-3. ed. rev. ampl. e atual. -Salvador: JusPODIVM, 2016. p. 344
18BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
19CARVALHO, Matheus. Manual de direito administrativo 1 Matheus Carvalho-3. ed. rev. ampl. e atual. -Salvador: JusPODIVM, 2016. p. 339.
CIVIL LIABILITY OF PUBLIC ADMINISTRATION
Abstract: The scope of this paper is to perform a brief analysis of the liability of Public Administration. The way this institute is observed in the Brazilian legal system is the problem to be investigated. In order to gain the above purpose, hypotheses are presented for the concept, the historical evolution, theories and liability species of Public Administration. The method used was a literature search, which stow the majority doctrine concerning the subject. Transcending the theoretical harvest, this study also explores the jurisprudence and, as it could not be different than the case of public administration, the law. The results of this research show circumstantial evidence as key to identify the species of liability of Public Administration. The conclusions, in harmony with the results, denote relativity with which the legislator wrote the subject, providing in each case, a specific obligation.
Key words : Liability, Public Administration, State, Brazilian Law.