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A eficácia temporal das decisões no controle judicial

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Agenda 09/04/2017 às 12:20

Para utilização da técnica de modulação de uma decisão, deve-se analisar a causa por completo, enxergando não somente os argumentos jurídicos e fáticos, como também suas consequências.

 

1 INTRODUÇÃO

 

 

 

 

 

O presente estudo pretende demonstrar a importância fulcral da modulação temporal das decisões judiciais proferidas em sede de Controle de Constitucionalidade, instituto usado a fim de racionalizar o sistema jurídico, fugindo, assim, de um Direito meramente formalista e positivista, evoluindo para um sistema respeitador das excepcionalidades de determinados casos concretos, mirando soluções efetivas e asseguradoras da segurança jurídica e do interesse social.

A escolha da tese se justifica por diversos fatores. Primeiramente, a modulação temporal é um instrumento de enorme importância, tendo seu uso (ou não) em determinada lide uma grande repercussão social.

Um caso recentíssimo, bastante didático e de fácil percepção se trata da decisão do STF acerca do tempo prescricional da cobrança judicial dos valores devidos relativos ao FGTS (ARE 709.212, de 13 de novembro de 2014). Trabalhadores do Brasil inteiro aguardando a decisão final, ansiosos em saber se - havendo uma mudança de entendimento de trinta para cinco de prazo - ocorreria uma modulação temporal, possibilitando retificações na conta de milhões de empregados.

Outro fator determinante se trata da pouca produção doutrinária sobre o tema. Existindo, assim, a necessidade de sistematizar o assunto e buscar métodos claros e concisos de aplicação da modulação temporal.

Em brevíssima síntese, a modulação temporal é um instituto jurídico utilizado para modificar os efeitos ordinários de uma decisão judicial acerca da constitucionalidade de uma ato ou norma.

Sabe-se que o Controle Judicial de Constitucionalidade é um método pelo qual o Poder Judiciário assegura a supremacia da constituição, garantindo que todos os atos e normas inferiores não a desrespeitem. 

O trabalho se divide, quanto ao órgão fiscalizador, em político, realizado pelo Poder Legislativo e Executivo, e judicial, feito, obviamente, pelo Poder Judiciário. Nesse estudo, o foco é a possibilidade da modulação temporal do controle judicial.

Uma decisão judicial, ao declarar um dispositivo constitucional ou não, em regra, produz o efeito ex tunc, retrocedendo até a data da produção do ato ou norma. Ocorre que em situações específicas, esse efeito produz danos excessivos, sendo preferível a opção por outro efeito temporal, evitando grandes prejuízos aos interesses coletivos, sociais e à segurança jurídica.

Para solucionar o impasse, existe a modulação temporal, permitindo, em simples dizeres, a alteração da data em que se reconhece o objeto da ação como válida ou inválida ou de outros efeitos.

Esta possibilidade permite decisões melhores elaboradas e lógicas, prevalecendo, assim, a ideia de um Judiciário efetivamente defensor do Direito e da Justiça, não simplesmente um repetidor da literalidade seca das legislações.

A dúvida repercute no seguinte sentido: em quais situações é cabível a modulação temporal? Como utilizá-la? Seus efeitos modulados se aplicam só a partir da decisão, de uma data futura ou podem parcialmente atingir os atos passados?

Para dissipar todas dúvidas serão apresentadas as hipóteses de sua aplicabilidade e as divergências do tema, buscando apontar em quais casos o uso da limitação temporal é benéfica, bem como quando o seu uso viola sua própria finalidade, isto é, como sua aplicação indevida causa insegurança jurídica e descrédito social.

Como fundamento da tese, compilou-se teorias doutrinárias e os entendimentos jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal, Guardião da Supremacia da Constituição.  Um pesquisa jurídica nunca é completa sem observar atentamente as doutrinas e as jurisprudências – tanto as clássicas, quantos as modernas; as majoritárias, as minoritárias.

O entendimento da Suprema Corte já se alterou em diversos pontos sobre como se aplicar a técnica da modulação. Vários serão demonstrados, inclusive decisões atuais não unânimes que podem alterar-se com a nova composição do STF.

O trabalho foi dividido em quatro capítulos temáticos. No primeiro capítulo, logo após a introdução, se discorrerá acerca de conceitos ligados diretamente ao tema. Sem a explanação dessas definições, haveria o risco de não percepção de detalhes importantíssimos para o perfeito entendimento da pesquisa.

Em seguida, apresentar-se-ão os efeitos das decisões em sede do Controle de Constitucionalidade. Tantos os ordinários, quanto os extraordinários aplicados via modulação temporal.

No capítulo posterior, serão demonstrados os requisitos, a forma e como aplicar o instituto. No último capítulo temático, a jurisprudência da Suprema Corte será dissecada a fim de se analisar como a modulação temporal é aceita e aplicada no Direito brasileiro (quando e como usá-lo), não se esquecendo de mencionar as opiniões doutrinárias.

 


2 BREVES Noções SOBRE O controle JUDICIAL de constitucionalidade

 

O tema, como claramente se percebe, possui imensa relevância para a compreensão do Direito atual. Acompanhando o movimento de vários países, o sistema jurídico brasileiro fundamenta-se no fenômeno conhecido como Neoconstitucionalismo, movimento teórico buscador de sistemas jurídicos fortes e lógicos.

Trata-se de uma série de características jurídicas transformadoras do Direito como um todo – e não só do Direto Constitucional, como o nome pode falsamente indicar. Suas consequências são diversas, a exemplo: a constituição passar a ser o centro do ordenamento e possuir supremacia sobre as demais normas; os precedentes jurisprudenciais ganham bastante relevância; os princípios são considerados normas (e não apenas técnicas de supressão de lacunas).

Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco definem neoconstitucioalismo no seguinte contexto:

Hoje, é possível falar em um momento de constitucionalismo que se caracteriza pela superação da supremacia do Parlamento. O instante atual é marcado pela superioridade da Constituição, a que se subordinam todos os poderes por ela constituídos, garantida por mecanismos jurisdicionais de controle de constitucionalidade. A Constituição, além disso, se caracteriza pela absorção de valores morais e políticos (fenômeno por vezes designado como materialização da Constituição), sobretudo em um sistema de direitos fundamentais autoaplicáveis. Tudo isso sem prejuízo de se continuar a afirmar a ideia de que o poder deriva do povo, que se manifesta ordinariamente por seus representantes. A esse conjunto de fatores vários autores, sobretudo na Espanha e na América Latina, dão o nome de neoconstitucionalismo (MENDES e BRANCO, 2014, p. 59).

Uma importante nota conceitual e terminológica merece destaque antes de um aprofundamento no tema, a fim de dissipar maiores dúvidas. Parte da doutrina entende as expressões Controle de Constitucionalidade e Jurisdição Constitucional como sinônimas. Neste trabalho, contudo, adotar-se-á posição contrária, em que a primeira se trata do controle propriamente dito, enquanto a segunda (gênero da qual a primeira é espécie) trata-se da aplicação da Norma fundamental por juízes e tribunais no exercício da atividade judicante.

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Nesse sentido ensina o mestre Luís Roberto Barroso:

As locuções jurisdição constitucional e controle de constitucionalidade não são sinônimas, embora sejam frequentemente utilizadas de maneira intercambiável. Trata-se, na verdade, de uma relação entre gênero e espécie. Jurisdição constitucional designa a aplicação da Constituição por juízes e tribunais. Essa aplicação poderá ser direta, quando a norma constitucional discipline, ela própria, determinada situação da vida. Ou indireta, quando a Constituição sirva de referência para atribuição de sentido a uma norma infraconstitucional ou de parâmetro para sua validade. Neste último caso estar-se-á diante do controle de constitucionalidade, que é, portanto, uma das formas de exercício da jurisdição constitucional (BARROSO, 2012, p.24).

Assim, o Controle de Constitucionalidade, em breves dizeres, é o exame de compatibilidade entre as normas constitucionais e as infraconstitucionais onde as últimas não podem violar os ditames daquelas, sejam de índole material ou formal. Este instrumento jurídico contempla o próprio direito de revisão concedido ao poder constituinte derivado. Serve para verificar se os atos executivos, legislativos e jurisdicionais são compatíveis com a Carta Magna.

Nesse sentido, registra-nos a doutrina:

Controle de constitucionalidade é o instrumento de garantia da supremacia das constituições.(...) Controlar a constitucionalidade, portanto, é examinar a adequação de dado comportamento ao texto maior, mediante a análise dos requisitos formais e materiais (BULOS, 2014, p. 186).

Vê-se que no ordenamento jurídico brasileiro, não se aceita uma violação das diretrizes constitucionais pelos demais atos e normas. Estes devem se amoldar a Carta Magna.

O Controle também funciona no sentido de manter a norma hipotética fundamental como a superior no ordenamento jurídico, uma vez que é o fundamento supremo de validade da ordem jurídica, conforme Kelsen descreveu em sua pirâmide jurídica, tendo como premissas bases a supremacia da constituição e a rigidez constitucional.  Nas palavras de Luís Roberto Barroso:

Duas premissas são normalmente identificadas como necessárias à existência do controle de constitucionalidade: a supremacia e a rigidez constitucionais. A supremacia da Constituição revela sua posição hierárquica mais elevada dentro do sistema, que se estrutura de forma escalonada, em diferentes níveis. É ela o fundamento de validade de todas as demais normas. (...) A rigidez constitucional é igualmente pressuposto do controle. Para que possa figurar como parâmetro, como paradigma de validade de outros atos normativos, a norma constitucional precisa ter um processo de elaboração diverso e mais complexo do que aquele apto a gerar normas infraconstitucionais. Se assim não fosse, inexistiria distinção formal entre a espécie normativa objeto de controle e aquela em face da qual se dá o controle. Se as leis infraconstitucionais fossem criadas da mesma maneira que as normas constitucionais, em caso de contrariedade ocorreria a revogação do ato anterior e não a inconstitucionalidade (BARROSO, 2012, p.23).

 Assim, o Controle de Constitucionalidade visa garantir a hierarquia normativa Carta Magna no ordenamento jurídico. Com todas as demais normas estando afinadas com a mesma, com estrita observância e irrestrita obediência, em absoluto. Do contrário, a ideia da supremacia constitucional seria algo meramente teórico.

A manutenção dessa hierarquia da constituição é competência de todos os órgãos jurisdicionais, cabendo-lhe declarar inconstitucional os dispositivos em desconformidade.

O Controle Judicial de Constitucionalidade se divide em dois modelos:  difuso e concentrado. Luís Roberto Barroso assevera:

O controle concentrado de constitucionalidade tem sua origem no modelo austríaco, que se irradiou pela Europa, e consiste na atribuição da guarda da Constituição a um único órgão ou a um número limitado deles, em lugar do modelo americano de fiscalização por todos os órgãos jurisdicionais (sistema difuso). No caso brasileiro, a Constituição prevê a possibilidade de controle concentrado, por via principal (BARROSO, 2012, p.191).

Desta forma, os dois modelos existem no Direito brasileiro, e ambos podem declarar a inconstitucionalidade de um dispositivo, seja a partir de um caso concreto ou de uma análise geral e abstrata.

O difuso é feito por qualquer órgão judicial, a partir da análise de um caso concreto, no qual a constitucionalidade ou não da norma é incidental ao objetivo das partes do processo. Frise-se que o próprio Supremo também realiza o concreto. Qualquer pessoa, desde que seja parte em um processo, pode requisitar a análise de constitucionalidade.

Já o abstrato é realizado com exclusividade pelo Supremo Tribunal Federal, de forma genérica, em sede de ação direta. Tendo a ação como objetivo principal a declaração acerca da constitucionalidade ou não da norma, tendo efeito erga omnes.

Diferentemente da legitimidade universal do controle incidental, somente os definidos no artigo 103 da Constituição podem pleitear a análise de constitucionalidade. São eles: I – o Presidente da República; II – a Mesa do Senado Federal; III – a Mesa da Câmara dos Deputados; IV – a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V – o Governador de Estado ou do Distrito Federal; VI – o Procurador-Geral da República; VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII – partido político com representação no Congresso Nacional; IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Os legitimados antes destacados podem se valer de três tipos de ações diretas: Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), Ação Declaratória de Constitucionalidade(ADC) ou Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental(ADPF).

Chama-se atenção para o fato da ADI possuir três espécies. A ADI por ação ou genérica, a por omissão (chamada também de ADO) e a Interventiva.

Sendo declarado inconstitucional qualquer ato ou norma em dissonância com a Carta Magna (seja de forma abstrata ou concreta), obviamente existirá uma consequência jurídica. No ordenamento jurídico brasileiro aplica-se a teoria do Regime de Sanção de Nulidade. O dispositivo inconstitucional é ineficaz, em regra, desde de sua origem, nascendo com vícios insanáveis, impossibilitando quaisquer efeitos normativos.

Corolário natural da teoria da nulidade é que a decisão que pronuncia a inconstitucionalidade tem caráter declaratório – e não constitutivo –, limitando-se a reconhecer uma situação preexistente. Como consequência, seus efeitos se produzem retroativamente, ceifando a norma desde o momento de sua entrada no mundo jurídico.

Luís Roberto Barroso indica como teoria prevalecente – tanto no Direito brasileiro, quanto na maior parte dos países do mundo – a de que lei inconstitucional é lei nula.

A lógica do raciocínio é irrefutável. Se a Constituição é a lei suprema, admitir a aplicação de uma lei com ela incompatível é violar sua supremacia. Se uma lei inconstitucional puder reger uma dada situação e produzir efeitos regulares e válidos, isto representaria a negativa de vigência da Constituição naquele mesmo período, em relação àquela matéria. A teoria constitucional não poderia conviver com essa contradição sem sacrificar o postulado sobre o qual se assenta. Daí porque a inconstitucionalidade deve ser tida como uma forma de nulidade, conceito que denuncia o vício de origem e a impossibilidade de convalidação do ato (BARROSO, 2012, p.32).

Percebe-se, assim, que a teoria da nulidade é a concepção mais tradicional, sendo adotada pela grande maioria da doutrina brasileira e pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: “Continua a dominar no Brasil a doutrina do princípio da nulidade da lei inconstitucional. Caso o Tribunal não faça nenhuma ressalva na decisão, reputa-se aplicado o efeito retroativo” (STF, ADI 3.601-ED, rel. Min. Dias Toffoli, 2010).

Dessa forma, ordinariamente, um ato inconstitucional será declarado nulo. A decisão judicial terá natureza declaratória, pois não irá anular a lei inconstitucional, mas apenas declarar a sua nulidade (preexistente). Uma nulidade gerada por vício de constitucionalidade pode ser arguida a qualquer tempo, não se convalida pelo decorrer de prazos.

Alfredo Buzaid, doutrinador clássico, afirma que sempre se entendeu, entre nós o entendimento de que a lei adversa à Constituição, é absolutamente nula; não simplesmente anulável. A eiva de inconstitucionalidade a atinge no berço, fere-a ab initio. Não teve, pois, nenhum momento de validade. (Buzaid, 1958, p. 132, apud Cunha Júnior).

Vale ressaltar que o STF tem atenuado o dogma da nulidade do ato inconstitucional em casos específicos, utilizando-se da modulação temporal, conforme será explicitado mais adiante.

A teoria contraposta não aceita a conclusão antes obtida. Luís Roberto Barroso assevera que para os adeptos de tal corrente a lei inconstitucional seria apenas um ato anulável. Embora inconstitucional, a lei seria considerada válida e eficaz até o pronunciamento da Corte Constitucional. Nesta hipótese, a decisão judicial terá natureza constitutiva, tendo em vista que ela não declara uma nulidade preexistente, mas anula, cassa a lei. A concepção que adota a teoria da anulabilidade foi influenciada por Hans KELSEN, seu defensor. (Barroso, 2012, p. 33).

Uma observação é bastante importante para a compreensão do tema: só existe Controle de Constitucionalidade quando o dispositivo em análise é de data posterior ao paradigma. Uma lei de 1980, por exemplo, não pode ser inconstitucional perante a Constituição de 1988, visto que lhe é anterior.

Esse é o entendimento da sólida jurisprudência do STF:

CONSTITUIÇÃO. LEI ANTERIOR QUE A CONTRARIE. REVOGAÇÃO. INCONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE. IMPOSSIBILIDADE.1. A lei ou é constitucional ou não é lei. Lei inconstitucional é uma contradição em si. A lei é constitucional quando fiel à Constituição; inconstitucional na medida em que a desrespeita, dispondo sobre o que lhe era vedado. O vício da inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua elaboração. Lei anterior não pode ser inconstitucional em relação à Constituição superveniente; nem o legislador poderia infringir Constituição futura. A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes: revoga-as. Pelo fato de ser superior, a Constituição não deixa de produzir efeitos revogatórios. Seria ilógico que a lei fundamental, por ser suprema, não revogasse, ao ser promulgada, leis ordinárias. A lei maior valeria menos que a lei ordinária. 2. Reafirmação da antiga jurisprudência do STF, mais que cinquentenária (grifo nosso) (STF, ADI 2/DF, 1992).

A 1. É da jurisprudência do Supremo Tribunal que a antinomia entre norma ordinária anterior e a Constituição superveniente se resolve em mera revogação da primeira, a cuja declaração não se presta a ação direta. 2. O mesmo raciocínio é aplicado quando, por força de emenda à Constituição, a lei ordinária ou complementar anterior se torna incompatível com o texto constitucional modificado: precedentes (grifo nosso) (STF, ADI 3569/PE, 2007).

Nesses casos, existe um Controle de Recepção. Se o dispositivo contrariar o paradigma que lhe posterior, será considerado não recepcionado.

Servem, então, de paradigma: as normas originais da Carta Magna de 1988, os dispositivos constitucionais introduzidos por emendas e os Tratados Internacionais de Direitos Humanos introduzidos no ordenamento jurídico através dos requisitos do artigo 5º, § 3º[1] da Constituição Federal.

Outro ponto que merece destaque é a impossibilidade das normas constituintes originárias sofrerem tal controle. Não se acatou a tese de que há hierarquia entre normas constitucionais originárias, dando azo à declaração de inconstitucionalidade de umas em face de outras, sendo incompatível com o sistema de Constituição rígida. Esse é o entendimento do STF e da dotrina majoritária:

O Supremo Tribunal Federal carece de competência para fiscalizar o Poder Constituinte originário quanto ao dito direito suprapositivo, esteja este positivado, ou não, na Constituição. Esta Corte tem por missão constitucional precípua guardar a Constituição da República. Sua competência está expressamente prevista no art. 102, que a adscreve à estima intra-sistemática das normas, sem lhe facultar cognição da sua legitimidade ou justiça pré-jurídicas ou suprapositivas (STF, 4097/DF, 2008).

Sendo o poder constituinte originário ilimitado e sendo o controle de constitucionalidade exercício atribuído pelo constituinte originário a poder por ele criado e que a ele deve reverência, não há se cogitar de fiscalização de legitimidade por parte do Judiciário de preceito por aquele estatuído (MENDES e GONET, 2014, p. 122).

Portanto, as normas constitucionais originais não sofrem Controle de Constitucionalidade por pertencerem ao livre arbítrio do Constituinte originário (caracterizado por ser inicial, autônomo e ilimitado) decidir sobre o que é ou não constitucional.

Quanto ao momento do exercício do controle, ele pode ser preventivo e repressivo. Em regra, o controle judicial ocorre de forma posterior, com a inconstitucionalidade já consolidada. Do contrário, haveria violação da separação dos poderes, com o Judiciário afetando indevidamente o Legislativo em sua atividade típica. Ora, se um projeto de lei ainda está em trâmite, por exemplo, não há como afirmar que a mesma é inconstitucional, posto que seu texto pode ser totalmente reformulado nas deliberações da Casa legislativa e, posteriormente,  promulgada a lei sem vício algum.

Entretanto, o Supremo Tribunal Federal consolidou sua jurisprudência permitindo, excepcionalmente, o Controle Preventivo de Constitucionalidade com a finalidade de coibir atos praticados no processo de aprovação de lei ou emendas constitucionais, desde que violem as normas constitucionais disciplinadoras do processo legislativo:

O parlamentar tem legitimidade ativa para impetrar mandado de segurança com a finalidade de coibir atos praticados no processo de aprovação de leis e emendas constitucionais que não se compatibilizam com o processo legislativo constitucional (STF, 24.642/DF, Rel. Min. Carlos Velloso, 2004).

O parlamentar possui direito líquido e certo a ter um Devido Processo Legislativo. De participar de um processo legislativo adequado e respeitador das diretrizes constitucionais.

Havendo o desrespeito, fere-se o direito do parlamentar. Com isso, ele adquire legitimidade para requisitar ao Poder Judiciário o resguardo e tutela de sua pretensão. Torna-se legítimo a ajuizar perante o STF um Mandado de Segurança – remédio constitucional cabível nas hipóteses de violação de direitos líquidos e certos.

Ora, se a Constituição Federal descreve os procedimentos a serem seguidos no processo legislativo, a ninguém se possibilita o descumprimento de tais ditames. Os artigos 59 a 69 da Lei Magna vinculam o legislador, que deverá pautar sua conduta na cláusula do devido processo legal. Nesse sentido[2]:

Titulares do poder de agir em sede jurisdicional, portanto, tratando-se de controvérsia constitucional instaurada ainda no momento formativo do projeto de lei ou da proposta de emenda à Constituição, hão de ser os próprios membros do Congresso Nacional, a quem se reconhece, como líquido e certo, o direito público subjetivo à correta observância da disciplina jurídica imposta pela Carta Política em sede de elaboração das espécies normativas. O parlamentar, fundado na sua condição de co-partícipe do procedimento de formação das normas estatais, dispõe, por tal razão, da prerrogativa irrecusável de impugnar, em juízo, o eventual descumprimento, pela Casa legislativa, das cláusulas constitucionais que lhe condicionam, no domínio material ou no plano formal, a atividade de positivação dos atos normativos (STF, MS 26.712/DF-MC-ED, Rel. Celso de Mello, 2007).

Nessa seara é a constitucionalidade do processo de formação das leis que autoriza o controle preventivo. O respeito ao princípio do Devido Processo Legal, de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: “O princípio do due process of law estende-se à gênese lei. Uma lei mal formada, vítima defeitos no processo que a gerou, é ineficaz; a ninguém pode obrigar”.  (STJ, RMS 7.313-0/RS, Rei. Min. Humberto Gomes Barros, 1997)

Assim, o Controle de Constitucionalidade Preventivo cabe nos casos de vícios formais de inconstitucionalidades, a exemplo de proposta de emenda constitucional que viole cláusula pétrea ou desrespeito ao quórum de maioria absoluta para aprovação de lei complementar.

A doutrina majoritária, como ensina Marcelo Novelino, acompanha o entendimento:

O Poder Judiciário exerce esta espécie de controle apenas no caso de impetração de mandado de segurança por Parlamentar questionando a inobservância do processo legislativo constitucional. Por terem direito público subjetivo à observância deste processo, os Parlamentares – e apenas eles, nunca terceiros estranhos à atividade parlamentar – têm legitimidade para impetrar o mandado de segurança por suposta violação de seu direito líquido e certo, como no caso de deliberação de uma proposta de emenda tendente a abolir cláusula pétrea (CF, art. 60, § 4.º) (NOVELINO, 2013, p. 309).

Como visto, o controle de constitucionalidade preventivo somente se revela cabível na via de exceção, por controle concreto. Não cabe o abstrato, já que não haveria o objeto, isto é, inexiste lei pronta ou acabada, mas simples esboço do que provavelmente será.

Tal controle é difuso-concreto (analisa um fato específico), objetivando proteger o direito subjetivo do Parlamentar ao devido processo legislativo constitucional. Frise-se que o controle preventivo não afasta a possibilidade de posterior controle repressivo, quando a norma for publicada com os mesmos vícios.

 

Sobre o autor
Wilkson Vasco Francisco Lima Barros

Delegado de Polícia de Sergipe Graduado em Direito pela Universidade Federal de Sergipe. Pós graduado em Direito Constitucional e em Direito Penal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Wilkson Vasco Francisco Lima. A eficácia temporal das decisões no controle judicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5030, 9 abr. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54069. Acesso em: 22 dez. 2024.

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