6. Conclusão
Em um primeiro momento, procurou-se demonstrar a evolução do instituto da responsabilidade civil, a qual ampliou as hipóteses de danos ressarcíveis em favor daquele que sofreu o dano injusto.
Até o advento da Revolução Industrial predominava a teoria subjetivista, pautada na culpa do agente causador do dano, no que tange à responsabilidade civil. Essa teoria tinha como foco principal o autor do dano que somente responderia civilmente pelos prejuízos causados com dolo ou culpa.
Entretanto, a teoria subjetivista mostrava-se insuficiente para a efetiva proteção da vítima, pois exigia a comprovação de culpa do agente para que se configurasse o dever de indenizar. Ocorre que em muitos casos essa prova era praticamente impossível de ser produzida pela vítima.
O desenvolvimento da atividade industrial trouxe também um incremento dos riscos criados pela sociedade em geral e a não responsabilização daqueles que criaram o risco, mas que não agiram com culpa ou não se conseguiu comprovar a culpa, mostrou-se cada vez mais injusta.
Desta forma, a partir de meados do século XX a vítima passou a figurar em uma posição de destaque, dando-se ênfase ao evento danoso. O dever de indenizar, então, passou a se pautar na comprovação do nexo causal entre o dano sofrido e a conduta do agente.
Surge, assim, a teoria da responsabilidade objetiva, baseada no risco, sem a necessidade de aferir a culpa dos causadores do dano. Conclui-se, portanto, que a evolução da teoria subjetiva para a teoria da responsabilidade objetiva desloca do foco principal a repressão ao ato ilícito para o fato danoso e a proteção à vítima.
No direito brasileiro, com o advento da Constituição Federal de 1988, passou-se a dar prioridade aos princípios da dignidade da pessoa humana, da solidariedade social e da justiça distributiva como norteadores das relações sociais e do sistema da responsabilidade civil. Em matéria de responsabilidade civil isso significa que no lugar da punição do agente merece destaque a proteção da vítima de um dano injusto. Assim, sempre que possível deve ser determinada a reparação da vítima em face dos danos injustos suportados, sendo certo que essa reparação deve se dá de forma integral.
Com essa mudança de paradigma surge a responsabilidade civil pela perda de uma chance, afinal muitas vezes o dano ocasionado pela chance perdida configura-se como dano injusto e, portanto, passível de indenização. Ademais, a perda de uma chance séria e real deve ser considerada como uma lesão a uma legítima expectativa e, assim, como qualquer outro direito tutelado pelo ordenamento jurídico, suscetível de reparação.
A chance perdida configura uma incógnita, vez que determinado fato interrompeu o curso natural de um evento que poderia ocasionar um lucro ou evitar um prejuízo, de tal modo que não é possível demonstrar se o resultado final seria atingido caso a chance não fosse perdida. Se fosse possível prever que a chance teria logrado êxito, restaria comprovada a certeza do dano final, o qual deveria ser indenizado. De outro modo, caso ficasse evidenciado que a chance não se concretizaria, ficaria evidente a inexistência de dano e, portanto, não haveria obrigação de indenizar.
Consoante demonstrado no presente trabalho, há casos de perda de uma chance em que existe efetiva possibilidade de alcançar o resultado final antes da ocorrência do evento danoso. Logo, diante da exclusão da possibilidade de sucesso há um dano injusto, passível de indenização.
Surge, então, a problemática da certeza do dano na perda de uma chance. A vítima se vê impossibilitada de comprovar o nexo causal entre a conduta do agente e a perda da vantagem esperada e, assim, não teria direito a qualquer reparação. No entanto, o problema da certeza encontra-se superado a partir do momento em que se considera a chance como uma espécie de direito anterior do sujeito que sofre a lesão.
Assim, o fato danoso não repercute sobre uma vantagem a conseguir, e sim sobre a possibilidade perdida. A reparação é pela perda de uma chance, vez que se pode provar o nexo causal entre a conduta e as chances perdidas. O foco deixa de ser o resultado final esperado e passa a ser a chance de obter uma vantagem ou evitar um prejuízo. No entanto, para haver indenização é necessário que a chance perdida seja real e séria, restando comprovada a sua existência, ainda que segundo um cálculo de probabilidade ou por presunção.
Considerando que os fatos decorrentes da evolução das relações sociais estão sempre à frente da legislação, os casos de perda de uma chance surgem sem amparo legal específico no ordenamento jurídico brasileiro. Porém, em que pese à ausência de previsão legal, não há qualquer óbice na legislação vigente para a reparação do dano acarretado pela chance perdida.
Pelo contrário. O Código Civil de 2002 apresenta uma cláusula geral de responsabilidade civil não delimitando quais os danos que estão abarcados pelo conceito. Além disso, trata do princípio da reparação integral do dano, em que o lesado deve obter a reparação de todos os danos por ele suportados. Nesse sentido, por uma medida de adequação à justiça, a chance perdida de obter uma vantagem ou evitar um prejuízo deve ser enquadrada na ideia de dano suportado pela vítima, pois representa um dano injusto que poderia ser evitado se não fosse a conduta do agente.
Assim como na responsabilidade civil clássica, a responsabilidade pela perda de uma chance preenche os pressupostos de existência da responsabilidade: conduta, dano e nexo de causalidade. Entretanto, a causalidade é entre a conduta e a chance perdida, e não entre o dano final.
A indenização será concedida pela perda da possibilidade de conseguir a vantagem desejada. Logo, a indenização pela perda de uma chance não se afasta da regra de certeza do dano, haja vista que a possibilidade perdida, em si considerada, era realmente existente e, portanto, o dano injusto é certo.
Todavia, para que se configure a obrigação de indenizar é necessário que a chance seja real e séria até porque danos meramente hipotéticos ou eventuais não são suscetíveis de reparação. Outro ponto que se deve atentar é que o montante indenizatório pela chance perdida não deve ser equivalente à vantagem final perdida, porquanto se teria a comprovação do nexo causal entre a conduta e o dano final, o que configura o caso clássico de responsabilidade civil.
A questão da indenização pela perda de uma chance não encontra amparo legal específico, bem como é de recente interesse da doutrina brasileira, como exposto durante este trabalho. Assim, a jurisprudência nacional vem enfrentando a problemática há pouco tempo e difere quanto à natureza jurídica da chance perdida, bem como quanto aos critérios de quantificação econômica da indenização. Fato que acarreta grande instabilidade e disparidades na aplicação do direito.
Por essa razão, a jurisprudência alterna a classificação do dano pela perda de uma chance, ora considerando-o uma espécie de lucro cessante, ora como dano moral e, ainda, como um meio termo entre esses. Quanto ao montante indenizatório, como demonstrado anteriormente, muitas vezes a jurisprudência, erroneamente, equipara a indenização pela chance perdida à indenização pelo dano final.
Para definir a natureza jurídica da chance perdida, o presente trabalho dividiu as modalidades de perda de uma chance em duas. A primeira modalidade diz respeito ao processo aleatório que é interrompido pelo ofensor antes do seu fim. A segunda trata do processo aleatório no qual se encontrava a vítima e que atingiu o seu momento derradeiro, sendo possível que o ofensor tenha colaborado para o resultado final.
Quanto à primeira modalidade este trabalho filia-se ao posicionamento de Sérgio Savi, que entende a chance perdida como uma espécie de dano autônomo. Assim, se a vantagem final almejada pela vítima constitui um dano patrimonial, a perda de uma chance será um dano emergente, haja vista que a vítima esperava ter o seu patrimônio integrado por um bem. No entanto, se a vantagem final esperada apresenta natureza extrapatrimonial, a perda de uma chance constituirá um dano extrapatrimonial, um dano moral.
No que tange a segunda modalidade de perda de uma chance entende-se que o melhor posicionamento é o de Rafael Peteffi da Silva. O autor sustenta que para as situações em que o processo aleatório no qual se encontra a vítima chega ao fim, havendo incerteza sobre a colaboração do ofensor nesse resultado final, o melhor é aplicar a teoria da causalidade parcial para fundamentar a natureza jurídica da perda da chance.
Não obstante a teoria da causalidade parcial representar uma exceção ao modelo brasileiro de utilização do nexo causal, vez que a conduta não se apresenta como conditio sine qua non à realização do resultado, essa é a solução mais justa e adequada. Se somente fosse possível a indenização da vítima quando ficasse demonstrada de forma certa a contribuição do ofensor no resultado final, a vítima ficaria desamparada nos casos em que houvesse grande probabilidade de participação do agente no dano. Logo, a teoria da causalidade parcial deve ser utilizada como uma opção subsidiária ao nexo causal, bem como em consonância com o princípio da reparação integral dos danos, sendo uma medida de justiça.
Com o intuito de solucionar a problemática da indenização pela chance perdida, conforme apresentado no presente trabalho, em um primeiro momento é necessário analisar se a conduta antijurídica acarretou um dano, a perda da possibilidade de alcançar uma vantagem esperada ou de se evitar um prejuízo, e se essa chance é séria e real. Em um segundo momento, demonstrado o dever de indenizar, deve o julgador analisar a probabilidade de ocorrência da chance perdida e, assim, fixar o quantum indenizatório.
Para boa parte da doutrina somente estará presente o dever de indenizar a chance perdida quando a vítima demonstrar que a probabilidade de conquistar o fim esperado era superior a 50% (cinquenta por cento). Entretanto, o mais correto não é se prender a esse patamar de 50% (cinquenta por cento), e sim fazer uma análise da real possibilidade de ocorrência do resultado final no caso concreto, a fim de evitar gritantes injustiças, como seria o caso de alguém com 49 % (quarenta e nove por cento) de chances não ter direito a indenização pela chance perdida.
Quanto ao modo de determinar a efetividade dessa probabilidade o juiz deve lançar mão de um juízo prognóstico sobre a concreta possibilidade de se alcançar o resultado final. Para tanto se faz necessária à utilização de recursos como a estatística e a probabilidade.
Passa-se, então, ao momento da quantificação econômica da chance perdida. Frise-se que a chance, no momento de sua perda, apresenta certo valor, que difere do dano final. Ademais, a chance de obter uma vantagem ou evitar um prejuízo tem um valor menor do que o resultado esperado, fato que reflete no montante indenizatório.
No que toca a valoração econômica da perda de uma chance de cunho material, o julgador deve, de forma equitativa, partir do dano final e sobre ele fazer incidir um percentual de probabilidade de obtenção da vantagem esperada.
Na quantificação do dano pela perda de uma chance de caráter extrapatrimonial, o juiz não pode indenizar a vítima de forma integral, haja vista que não se pode dar mais do que pelo dano foi desfalcada a vítima. Assim, deve-se observar o limite da proporcionalidade e da razoabilidade na reparação do prejuízo moral por perda de uma chance.
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