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Responsabilidade civil por perda de uma chance.

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Agenda 09/04/2017 às 14:24

5. A Indenização Pela Chance Perdida

5.1 – A Cláusula Geral de Responsabilidade Civil Como Uma Cláusula Aberta

O art. 186 do Código Civil estabelece uma cláusula geral de responsabilidade, que assim dispõe: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

O art. 927 do Código Civil, por seu turno, trata das consequências do ato ilícito e estabelece que: “Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”

Diante disso se mostra evidente que o Código Civil Brasileiro utilizou um conceito amplo de dano, sem delimitar quais seriam as espécies de danos abarcadas nesse conceito.

Vale destacar que nem sempre foi assim. O Código Civil de 1916, em seus artigos 1537 a 1554, aos quais o antigo artigo 159 remetia o julgador para fins de avaliação da responsabilidade, trazia uma enumeração dos bens protegidos pelo ordenamento jurídico. Razão pela qual a jurisprudência brasileira não acolhia plenamente a responsabilidade pela perda de uma chance.[52]

Os artigos 1537 1538 do Código Civil de 1916 eram bons exemplos de limitadores dos poderes dos juízes para determinar indenização pela chance perdida. Senão vejamos:

“Art. 1537. A indenização, no caso de homicídio, consiste:

I – no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família;

II – na prestação de alimentos às pessoas a quem o defunto os devia.

Art. 1538. No caso de ferimento ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas de tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de lhe pagar a importância da multa no grau médio da pena criminal correspondente.

§ 1º Esta soma será duplicada, se do ferimento resultar aleijão ou deformidade.

§ 2º Se o ofendido, aleijado ou deformado, for mulher solteira ou viúva, ainda capaz de casar, a indenização consistirá em dotá-la, segundo as posses do ofensor, as circunstâncias do ofendido e a gravidade do defeito.”

No entanto, esses dispositivos foram substituídos pelos atuais artigos 948 e 949 do Código Civil, os quais possibilitam uma ampla indenização pelos danos sofridos. Conforme se verifica a seguir:

“Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações:

I – no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família;

II – na prestação de alimentos à pessoas a que o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima.

Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas de tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.”(grifo nosso)

Desta forma, o atual Código Civil Brasileiro não traz qualquer entrave à indenização das chances perdidas. Do contrário, por uma interpretação sistemática das regras de responsabilidade civil traçadas no ordenamento jurídico em vigor extrai-se que as chances perdidas, desde que séria e reais, devem ser sempre indenizadas.

Sérgio Savi afirma que em consonância com os Códigos Civis francês e italiano, o Código Civil Brasileiro estabeleceu uma cláusula geral de responsabilidade civil, em que prevê a indenização de qualquer espécie de dano sofrido pela vítima, inclusive o decorrente da perda de uma chance. Para tanto é necessário que esteja evidenciado o nexo de causalidade entre a atitude do ofensor e a chance perdida.[53]

Ademais, um dano injusto não deve ficar sem reparação, até mesmo porque a responsabilidade civil, como dito anteriormente, evoluiu do ato ilícito para o dano injusto, colocando a reparação da vítima como foco principal.

A menção à injustiça do dano como fundamento para a reparação civil permite uma ampla interpretação da norma primária, aumentando, consequentemente, as hipóteses de danos ressarcíveis. Assim, sempre que ocorrer uma lesão a uma situação subjetiva juridicamente relevante faz-se necessária uma reparação, uma indenização a vítima.                          

5.2 – O Princípio da Reparação Integral dos Danos

O art. 402 do Código Civil dispõe: “Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente ganhou, o que razoavelmente deixou de lucrar. ”

Com a redação do artigo supracitado o legislador positivou, ainda que implicitamente, um importante princípio da responsabilidade civil, qual seja, o da reparação integral dos danos.

Este princípio tem a função de garantir um equilíbrio entre o dano e a reparação, como forma de assegurar, sempre que possível, o retorno ao status quo ante.[54] Assim o princípio da reparação integral do dano tem como virtude assegurar o direito da vítima de ser ressarcida de todos os danos sofridos, retornando a posição que se encontraria caso o fato danoso não tivesse ocorrido.

Portanto, o princípio ora em apreço se apresenta como um princípio de justiça que deve nortear a atividade do intérprete no momento em que for aferir o que será objeto de reparação na responsabilidade civil, bem como o quantum indenizatório.

Cabe destacar que o princípio da reparação integral do dano ganhou contornos constitucionais. A Constituição Federal ao estabelecer o princípio da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental da República (CF/88, art. 1º, III) e ao consagrar como objetivos fundamentais da República a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (CF/88, art. 3º, I), acabou transportando o princípio em análise para o texto constitucional.

Consoante dispõe Sérgio Savi:

“Se a Constituição Federal estabelece que a reparação deve ser justa, eficaz e, portanto, plena, não há como se negar a necessidade de indenização dos casos em que alguém perde uma chance ou oportunidade em razão de ato de outrem. Negar a indenização nestes casos equivaleria a infringência dos postulados do pós-positivismo como  a hermenêutica principiológica, a força normativa da Constituição Federal e a necessidade de releitura dos institutos tradicionais de Direito Civil à luz da tábua axiológica constitucional.”[55]

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Por fim, cabe salientar que o recurso ao princípio constitucional da plena reparação dos danos serve para reforçar a possibilidade de indenização das chances perdidas em razão das peculiaridades atinentes à fixação do montante da indenização.

Consoante defendido anteriormente o mais razoável é enquadrar a perda de uma chance como sendo espécie de dano emergente e autônomo, nos casos em que o processo aleatório não chega ao seu final. Logo, nesses casos, a indenização em razão da chance perdida tem como fundamento legal o art. 402 do Código Civil, que trata do dano emergente.

Para uma melhor compreensão vale destacar uma situação em que o processo aleatório é interrompido antes de chegar ao seu final. Um exemplo é o caso de um atleta que participava de uma corrida de rua e estava na primeira posição quando foi surpreendido por um espectador que entrou na pista e o segurou, sendo que por essa razão o maratonista perdeu as primeiras posições da competição. Nesse caso o processo aleatório (possibilidade de ganhar a corrida) foi interrompido antes do seu fim e tal fato ocasionou a perda da oportunidade de ganhar a competição. A chance perdida, na hipótese em questão, possui natureza jurídica de dano emergente e autônomo e deve ser indenizada com base no artigo supramencionado.

No entanto, nos casos em que o processo aleatório chega ao fim, não sendo interrompido no curso de sua atividade, é possível identificar um dano autônomo e como exposto na seção 3.4.4 seria necessário recorrer à teoria da causalidade parcial para definir a indenização pela perda de uma chance.

Nas situações em que o processo aleatório chega ao final a conduta do ofensor não representa uma conditio sine qua non da perda da chance, porém permite a aferição de um prejuízo parcial ou relativo ocasionado pela chance perdida, portanto permite a concessão de indenização. É muito frequente a utilização da teoria da causalidade parcial como fundamento do dever de indenizar em caso de erro médico, como, por exemplo, na hipótese do paciente vir a falecer em razão de um diagnóstico equivocado do seu médico.

Nesse caso o processo aleatório chega ao seu final (morte do paciente), quando poderia ter sido interrompido pelo correto diagnóstico do profissional. Entretanto, não é possível afirmar com certeza que a chance de cura foi perdida em razão do erro médico, até porque outras circunstâncias poderiam ter contribuído para a ocorrência do evento danoso ou para a sua não ocorrência. Assim, o dever de indenizar, nos casos em que a conduta do agente não pode ser considerada como suficientemente comprovada como geradora da perda da chance, deve se pautar na teoria da causalidade parcial.

Então, na primeira hipótese o princípio da reparação integral do dano pode servir como argumento de reforço a indenização por dano emergente e autônomo. Enquanto, na segunda hipótese, para aqueles que entendem que o ordenamento jurídico pátrio não aceita a teoria da causalidade parcial, o argumento para a indenização da chance perdida será o referido princípio constitucional.

5.3 – A Admissão da Indenização Pela Chance Perdida

A obrigação de indenizar nasce do ato ilícito, espécie de fato jurídico, como disposto no artigo 927 do Código Civil: “Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”

No entanto, a indenização não se limita ao ato ilícito, que em princípio tem como elemento formador a culpa, vez que o dever de reparar pode ser decorrente, por exemplo, de atividade de risco praticada pelo agente responsável.

Desta forma, é melhor afirmar que a indenização advém do ato antijurídico que acarreta prejuízo a outrem. Cabe destacar que antijurídico é o ato que está fora do ordenamento jurídico ou contra o que ele preconiza.

Na hipótese de perda de uma chance, como é o caso do advogado que perde o prazo de interposição de recurso e, portanto, acarreta o fim da chance de alcançar êxito em pretensão real e séria de seu cliente, encontra-se um direito subjetivo à indenização.

Na chance pura e simples tem-se uma expectativa de fato, pois existe apenas a esperança de adquirir bem material ou espiritual de interesse do titular da chance e por si só não possui relevância jurídica. Todavia, quando ocorre a perda da chance, essa se transforma em direito subjetivo, haja vista que concede à vítima o direito à indenização.

O direito subjetivo existente na situação de perda de chance representa a pretensão da vítima, garantida pela ordem jurídica, de exigir a reparação da lesão sofrida, tendo em vista o dano ocasionado.

Portanto, ocorrendo prejuízo, a expectativa de fato passa a ter relevância jurídica, passando, assim, a existir direito subjetivo à indenização. Para tanto é necessário que reste configurada a conduta antijurídica, o dano da perda real e séria da possibilidade de ganho ou de se evitar um prejuízo, além do nexo causal entre a conduta e a lesão.           

5.4 – O Tipo de Dano Indenizável

Em sede de reparação de chance perdida tem-se a perda da possibilidade real e séria de obtenção de um resultado esperado. O dano corresponde à perda da probabilidade, e não da vantagem almejada.

A frustração da chance ocorre quando o processo que se encontra em curso é interrompido por uma conduta ilícita, sendo impossível afirmar que sem a interrupção o resultado em expectativa aconteceria necessariamente.[56] Logo, na chance perdida existe a frustração de uma provável vantagem futura ou de evitar o provável prejuízo. E é a perda dessa probabilidade que deverá ser indenizada.

Na responsabilidade por perda de uma vantagem futura existe um processo em curso que poderia alcançar um evento vantajoso, caso não fosse interrompido por um determinado fato antijurídico.

Essa modalidade refere-se à modalidade de perda de uma chance clássica, como á o caso da responsabilidade civil pela perda de uma chance do advogado.

A chance perdida acontece também nos casos em que existe um processo em curso e esse processo levou a um dano, porém havia possibilidade desse ser interrompido por certa atuação, exigível do indigitado responsável, mesmo sem poder garantir que com tal atuação o dano teria sido evitado. Essa é a modalidade de perda de uma chance de evitar um prejuízo, muito comum na seara médica. [57]

Depois de configurada a conduta antijurídica e o nexo causal, vem a prova do próprio dano, que consiste na perda da própria chance que o lesado tinha antes do fato antijurídico. Cabe salientar mais uma vez que essa perda difere do benefício que era esperado.

A chance perdida consiste num dano certo quanto a sua existência, fundado em um fato determinado. A certeza do dano na perda da chance constata-se na possibilidade que havia, por ocasião da oportunidade que ficou perdida, de obter o benefício, ou de evitar o prejuízo. Funda-se numa perda real e séria.

É incerta, porém, no que concerne a sua delimitação. Nesse caso, requer a análise do caso concreto, pois não se trata de um mero dano hipotético, algo que pode sequer vir a acontecer. 

Como anota a doutrina com insistência, o dano deve ser real, atual e certo. Não se indeniza, como regra, por dano hipotético ou incerto. A afirmação deve ser vista hoje com granu salis, pois, ao se deferir uma indenização por perda de uma chance o que se analisa, basicamente, é a potencialidade de uma perda, realiza-se um prognóstico do dano certo.

É preciso prever, nesse campo, o curso normal dos acontecimentos, havendo um juízo de probabilidade. As hipóteses devem ficar sempre nos limites do razoável e no que pode ser materialmente demonstrado. Os danos futuros devem ser razoavelmente avaliados quando consequência de um dano presente.

A certeza do dano, em se tratando de avaliação futura, guarda certa relatividade, mas não pode ser meramente hipotética.

No exame dessa perspectiva a doutrina aconselha efetuar um balanço das perspectivas contra e a favor da situação do ofendido. Da conclusão resultará a proporção do ressarcimento. Trata-se então do prognóstico que se colocará na decisão. Assim, não se deve admitir a concessão de indenizações por prejuízos hipotéticos, vagos ou muito gerais.

Se a possibilidade frustrada é vaga ou meramente hipotética, a conclusão será a inexistência de perda de oportunidade. A chance deve ser devidamente avaliada quanto à existência de grande probabilidade, um prognóstico de certeza. O julgador deverá estabelecer se a possibilidade perdida constitui uma probabilidade concreta, mas essa apreciação não se funda no ganho ou na perda porque a frustração é aspecto próprio e caracterizador da chance.

Nesse sentido é pertinente transcrever o trecho do acórdão da apelação cível 70006606487 do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que remete à sentença do juiz a quo, na qual se estabelece, adequadamente, a forma de aplicação da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance. Senão vejamos:

“Perda de uma chance é uma expressão feliz que simboliza o critério de liquidação do dano provocado pela conduta culposa do advogado. Quando o advogado perde o prazo, não promove a ação, celebra acordos pífios, o cliente, na verdade, perdeu a oportunidade de obter, no Judiciário, o reconhecimento e a satisfação integral ou completa de seus direitos (art. 5º, XXXV, da CF). Não perdeu uma causa certa; perdeu um jogo sem que lhe permitisse disputá-lo, e essa incerteza cria um fato danoso. Portanto, na ação de responsabilidade ajuizada por esse prejuízo provocado pelo profissional do direito, o juiz deverá, em caso de reconhecer que realmente ocorreu a perda dessa chance, criar um segundo raciocínio dentro da sentença condenatória, ou seja, auscultar a probabilidade ou o grau de perspectiva favorável dessa chance.”[58] 

Portanto, no entendimento de Sérgio Savi não é qualquer chance perdida que pode ser levada em consideração pelo ordenamento jurídico para fins de indenização. Apenas nos casos em que a chance for considerada séria e real, ou seja, em que for possível fazer prova de uma probabilidade de no mínimo 50% (cinquenta por cento) de obtenção do resultado esperado, é que se poderá falar em reparação da chance perdida.[59]

Conclui-se, portanto, que em um primeiro momento é necessário analisar se a conduta antijurídica acarretou um dano, a perda da possibilidade em alcançar uma vantagem esperada ou de se evitar um prejuízo, e se essa chance é séria e real. Em outras palavras, verifica-se se o tipo de dano é indenizável.

Posteriormente, passada a análise da seriedade e realidade da chance e, então, do dever de indenizar, deve o julgador analisar a probabilidade de ocorrência da chance perdida para, assim, fixar o quantum indenizatório.

5.5 – A Valoração Econômica da Indenização Pela Perda de Uma Chance

Por todo o exposto conclui-se que a chance perdida consiste numa espécie autônoma de dano. Esse dano pode apresentar nuance patrimonial ou moral, tudo a depender do bem jurídico almejado como resultado final.

O dano provocado pelo agente configura-se na perda da chance em si, e não no benefício final que era esperado. Logo, como dito anteriormente, é difícil a prova de que o resultado final seria atingido caso a chance não fosse perdida.

Cabe salientar que a chance, no momento da sua perda, tem um valor certo, mesmo sendo de difícil determinação. E é o valor econômico desta chance que deve ser indenizado, independente do resultado final que a vítima poderia ter conquistado se o evento não a tivesse privado de tal possibilidade.

O fato de a chance ser idônea a produzir o lucro, ou seja, ser um meio que provavelmente levaria ao resultado final, mas não uma forma absoluta de certeza, não influi sobre a existência do dano. Essa probabilidade influi sim na valoração de um dano indenizável. Assim, a chance de conquistar um benefício ou evitar um prejuízo terá sempre um valor menor do que o fim almejado, fato que reflete no montante indenizatório.[60]

Para se alcançar o valor da chance, cuja perda resultou em prejuízo material, é preciso apurar o valor do resultado que estava em expectativa e depois fazer um cálculo de probabilidade de ocorrência desse resultado caso o evento danoso não tivesse ocorrido.

É interessante apontar como exemplo o famoso caso do “Show do Milhão”, decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no recurso especial 788549/BA, já analisado na seção 4.3.

No referido caso a participante do programa de televisão ingressou com pedido de indenização por perda de uma chance em razão da pergunta final, que valia R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), encontrar-se mal formulada, não havendo resposta correta.

Em sede de recurso especial, o Ministro Fernando Gonçalves calculou o valor da indenização pela perda de uma chance de forma matemática. Se existiam quatro alternativas de respostas, as chances da participante eram de 25% (vinte e cinco por cento) e, portanto, condenou o réu ao pagamento de 25% (vinte e cinco por cento) de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), haja vista que a participante já tinha ganhado R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) de prêmio.

Consoante se verifica no exemplo supracitado, o cálculo da chance perdida utiliza como parâmetro o valor do resultado final, dividido entre as oportunidades de chance que a vítima tinha de alcançá-lo, antes da ocorrência do evento que resultou no prejuízo material.

No caso em análise a chance perdida resultou num percentual de 25 % (vinte e cinco por cento) de chance de obter o resultado esperado, e não em 50 % (cinquenta por cento), percentual mínimo exigido por parte da doutrina para caracterizar a chance real e séria. No entanto, tal fato não descaracteriza a perda de uma chance, pois é preciso adequar o mínimo exigido ao caso concreto.

Resta, então, apurar a liquidação do dano quando o prejuízo acarretado tem cunho moral. Um exemplo de dano de caráter moral é a perda de uma chance na seara médica.

A Corte de Cassação da França enfatiza que a perda de uma chance na área médica não pode consistir na reparação integral do dano resultante da morte do paciente.[61] Por sua vez, Lambert-Faivre defende que no tocante à quantificação dos danos, deve-se analisar o estado anterior da vítima e o dano imputável ao médico, a fim de aferir a proporcionalidade entre a conduta do médico e o dano em si.[62]

Nesse sentido, a perda da chance de cura em razão de erro médico pode ser passível de indenização e o que será objeto de reparação é o dano imputável ao médico, e não o resultado morte. Para isso deve ser analisado o estado do paciente, a atuação do profissional e as demais circunstâncias do caso para, então, definir o montante indenizatório.

Assim, infere-se que a reparação de todo o prejuízo moral resultante da chance perdida não será integral e abrange eventos para além da seara médica.

Importante ressaltar que há o limite da proporcionalidade e o do razoável na reparação do prejuízo moral na perda de uma chance, com o intuito de não se enveredar por pretensões absurdas. Como alude Caio Mário, na própria história da palavra indenização está a ideia de colocar alguma coisa no lugar daquilo que foi retirado da vítima, em razão do dano. O que se compensa é o dano e, portanto, não se pode dar mais do que foi desfalcado a vítima.[63]

Sérgio Cavalieri Filho afirma que “Razoável é aquilo que é sensato, comedido, moderado, que guarda uma certa proporcionalidade”. A razoabilidade, então, é o norte do julgador, pois ao valorar o dano moral a quantia deve ser compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido e outras circunstâncias que se fizerem necessárias.[64]

A quantificação do dano deve ser realizada de forma equitativa pelo juiz da causa, que fará incidir um percentual de probabilidade de obtenção da vantagem esperada sobre o dano final. E como afirma Judith Martins-Costa como não há regra própria para avaliação do dano ou para sua liquidação faz-se necessário aplicar a cláusula geral de arbitramento para, então, valorar a perda de uma chance.[65]

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

YOUNG, Beatriz Capanema. Responsabilidade civil por perda de uma chance.: A aplicação da teoria no ordenamento jurídico brasileiro e a liquidação do dano. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5030, 9 abr. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54079. Acesso em: 15 nov. 2024.

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