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A reparação civil dos danos morais

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Agenda 07/01/2017 às 16:00

3.  A Reparação dos Danos Morais no Direito Comparado

Ao abordar o tema da reparação civil dos danos morais nos ordenamentos jurídicos de diversas nações, Yussef Said Cahali (2005, p. 31) utiliza a classificação idealizada por Brebbia para distinguir o tratamento reservado pelos diversos sistemas jurídicos, os separando em quatro grupos, cada um deles formado por países nos quais o instituto é delineado de maneira similar pelas respectivas legislações. O primeiro grupo abarca os ordenamentos que asseguram de maneira ampla e geral o princípio da reparação dos danos morais. Este, por sua vez, pode ser dividido em dois subgrupos: o dos sistemas que admitem a reparação somente no campo da responsabilidade extracontratual (representado por países como Uruguai, México e Espanha) e dos sistemas que a admitem também no âmbito da responsabilidade contratual (representados por países como França e Suíça). O segundo grupo se refere às nações onde a indenização por danos morais é prevista apenas nas hipóteses taxativamente enumeradas em lei, dentro do qual se destaca o direito alemão. O terceiro grupo é formado pelo direito da Inglaterra e dos Estados Unidos da América, pois as características específicas do Common Law, o separam claramente dos sistemas jurídicos de direito codificado. Por fim, os sistemas que formam o quarto grupo são exemplificados por países como a Rússia e a Hungria, os quais têm como distinção a ausência de qualquer previsão expressa do princípio da reparação dos danos morais em suas respectivas codificações, muito embora o teor de tais leis, por sua amplitude, não o rejeite de maneira expressa (CAHALI, 2005, p. 31).

Apenas a título exemplificativo serão tecidos breves comentários às disposições referentes à reparação dos danos morais no ordenamento jurídico da Espanha, da França, da Alemanha e no direito anglo-americano, pois cada um destes sistemas jurídicos ilustra as peculiaridades do respectivo grupo na classificação doutrinária anteriormente mencionada.

O direito alemão tem aceitado a reparação civil dos danos morais desde o ano de 1900. O BGB (Bürgerlisches Gesetzbuch), Código Civil alemão, enuncia, em seu § 253, que: “por um dano, que não é um dano patrimonial, a compensação em dinheiro não pode ser demandada fora dos casos fixados pela lei”. Tais hipóteses taxativas estão previstas nos §§ 847 e 1300 do referido Código. O § 847 do BGB estabelece que: “No caso de golpe no corpo ou no espírito, assim como no caso de privação de liberdade, a parte lesada pode igualmente exigir uma compensação equivalente em dinheiro em razão de um dano que não constitui um dano patrimonial”. Embora no direito alemão o dano moral fique restrito apenas aos casos previstos em lei, o instituto da Busse (penitência ou multa), presente nos artigos 186 e 187 do Código Penal alemão, procura suprir tal deficiência com a previsão de uma indenização em dinheiro a ser paga à vítima, quando esta sofresse danos à sua posição pessoal, ou seja, ao seu bom nome, à sua projeção social (CASTRO, 2033, p. 195).

No Direito Francês, a disciplina jurídica atinente à reparação de dano está contida no art. 1382 do Código Civil, que dispõe que: “todo e qualquer fato do homem, que cause a outro um dano, obriga aquele, por culpa do qual ele aconteceu, a repará-lo”. Não obstante a redação do dispositivo transcrito tenha tratado do instituto do dano de uma maneira bastante ampla e sem descrever explicitamente os eventuais danos de natureza extrapatrimonial, a doutrina e a jurisprudência dos tribunais franceses vem consagrando a incidência do princípio da ampla reparabilidade do dano moral (CASTRO, 2003, p. 196).

A reparação civil dos danos morais possui total aceitação no âmbito do direito anglo-americano, sendo admitida de forma ampla e irrestrita. Não há que se questionar, no direito anglo-americano, a que título o dano moral deve ser reparado. Será discutida apenas a efetiva existência de dano, que, caso comprovada, possuirá o condão de implicar, necessariamente, na sua devida reparação (CASTRO, 2003, p. 197).  Américo Luís Martins da Silva (2002, p.116) sintetiza a maneira como os danos morais são tratados, nestes países representantes do Common Law, ao afirmar que:

Nesses países, não se encontram normas legais uniformes (normas escritas), com regras gerais para todos os casos de dano moral e de reparação civil. Isso porque, em vez de sancionarem normas fecundas em consequências, das quais, por dedução, se fizessem as aplicações aos casos concretos, conforme nos informa Luís Frederico S. Carpenter, preferem partir dos próprios casos concretos. Ou seja, os Tribunais reúnem em grupos as espécies que lhes parecem semelhantes e, quando são chamados a decidir, consultam as coleções-séries dessas espécies análogas. Achando o grupo símile, resolvem a pendência de acordo com ele. É o direito consuetudinário agindo em sua plenitude.

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No direito espanhol, embora o teor do artigo 1902 do Código Civil possua grande semelhança com o artigo 1382 do Código Civil francês, a jurisprudência dos tribunais espanhóis foi muito mais relutante em aceitar a reparação dos danos morais, em comparação com as cortes francesas. Enuncia o artigo 1902 do Código Civil espanhol que: “aquele que, por ação causa dano a outro, intervindo culpa ou negligência, está obrigado a reparar o dano causado” (SILVA, 2002, p. 110). Segundo o entendimento da jurisprudência espanhola, que prevaleceu até meados do século XX, o referido dispositivo legal admitia apenas a reparação das lesões patrimoniais. Tal orientação foi revista por uma decisão do Tribunal Supremo da Espanha, em 1949, a qual consignou que nos danos e prejuízos estão contidos tanto os danos matérias como os de índole moral. Este é o posicionamento que predomina nos julgados desse país (SILVA, 2002, p. 114).


4. Evolução legislativa e jurisprudencial do dano moral no direito brasileiro

Durante o período histórico do Brasil Colonial até o advento do Código Civil, no ano de 1916, as Ordenações do Reino de Portugal, legislação aplicável à seara do Direito Civil, não regulavam de maneira expressa o ressarcimento do dano moral. O Código Civil de 1916, de autoria de Clóvis Beviláquia, mudou sensivelmente este panorama ao trazer alguns dispositivos que influenciaram parte da doutrina a admitir a reparação dos danos morais, no ordenamento jurídico brasileiro. Com efeito, o artigo 76 do referido Codex estabelecia que:

Para propor ou contestar uma ação, é necessário ter legítimo interesse econômico ou moral.

Parágrafo único. O interesse moral só autoriza a ação quando toque diretamente ao autor, ou à sua família.

Já o artigo 159 da mencionada codificação rezava que: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 106). A respeito da controvérsia doutrinária existente sobre a efetiva inclusão do princípio da reparação civil dos danos extrapatrimoniais, pelo texto do Código Civil de 1916, Yussef Said Cahali (2005, p.46) assinala que:

Reconheça-se, porém, que já de longa data a doutrina nacional orientava-se no sentido de admitir a tese positiva da reparação do dano moral. A única divergência que ainda se mantinha estava em que alguns autores, embora aceitando a reparabilidade do dano moral como tese, negavam tivesse sido a mesma acolhida pelo nosso legislador como princípio geral, ressalvando certas disposições excepcionais específicas; enquanto outros se desenvolviam mais amplamente no sentido de que o princípio da reparação do dano moral já estava de fato integrado na nossa legislação anterior.

Entretanto, devido ao fato de o artigo 159 não fazer qualquer tipo de menção aos danos de natureza extrapatrimonial, somado à exegese que era feita do dispositivo constante do artigo 76, segundo a qual se tratava de norma meramente processual condicionadora do exercício do direito de ação, a doutrina e a jurisprudência passaram a rechaçar a ideia da reparabilidade dos danos morais (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 107).

Ao longo dos anos, diversas legislações esparsas vieram a dispor sobre o assunto, ainda que de maneira restrita e específica. Dentre essas leis especiais, se destacam o Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4117/62), o Código Eleitoral (Lei 4737/65), a Lei de Imprensa (Lei 5250/67), a Lei dos Direitos Autorais (Lei 5988/73), o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90) e o Código de Defesa do Consumidor, Lei 8078/90 (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 107).

Entretanto, a reparação civil dos danos morais só foi aceita de maneira inconteste pelo ordenamento pátrio com a promulgação da Constituição da República, em 1988, quando a inviolabilidade dos bens inerentes à personalidade foi afirmada e protegida de maneira efetiva (STOCO, 2011, p. 1871). Conforme assinala Rui Stoco (2011, p. 1871):

A declaração expressa no sentido de proteção e resguardo dos valores morais pela Constituição Federal não é propriamente um direito novo, mas apenas nova roupagem constitucional vestindo o velho e discutido direito.

E a Lei Magna fê-lo de forma irrestrita e abrangente.

Fez mais. Alçou esse direito à categoria de garantia fundamental (CF/88, art. 5º, V e X), considerada como cláusula pétrea e, portanto, imutável, nos estritos termos do art. 60, § 4º, da Carta Magna.

Com efeito, o art. 5º da Lex Mater enuncia, em seus incisos V e X, que:

V- é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

X- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Diante do texto da Constituição Federal, o dissenso que ainda existia na jurisprudência sobre a possibilidade de indenização do dano moral, pelo nosso ordenamento foi finalmente sepultado. Nessa esteira, o Colendo Superior Tribunal de Justiça consolidou a Súmula 37, a qual afirma que: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”.

O Código Civil de 2002 se adequou à previsão constitucional e admitiu a reparação civil do dano moral, nos moldes do seu artigo 186. No entanto, o Novo Código Civil brasileiro não trouxe qualquer inovação à disciplina da matéria, além de não sanar eventuais questionamentos no que diz respeito à existência de regras gerais para a reparação do dano moral e permanecer omisso no tocante aos parâmetros para a liquidação do dano moral (CAHALI, 2005, p. 53). O artigo 186 do Código Civil estabelece que: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.


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Sobre o autor
Felipe Castelo Branco de Abreu

Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ABREU, Felipe Castelo Branco. A reparação civil dos danos morais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4938, 7 jan. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54089. Acesso em: 24 nov. 2024.

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