Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

A necessidade de uma reforma eleitoral ante o combalido modelo pluripartidário

Agenda 08/12/2016 às 22:41

A abordagem dirá respeito à fragilidade do pluripartidarismo e a necessidade de uma reforma eleitoral, para tanto utilizou-se o método dialético e pesquisas bibliográficas, bem como, posicionamentos jurídicos e produção legislativa.

1.      Introdução

 

A República Federativa do Brasil, moldada nos termos da Constituição Federal de 1988, tem como um dos princípios o pluripartidarismo e o revestimento popular enquanto ao poder, podendo exercê-lo diretamente ou dentro do modelo representativo instituído na Carta Magna, não podendo ser confundido com pluralismo político, que diz respeito à garantia do exercício de opiniões diversas. Mesmo com todos os escândalos políticos recentemente envolvendo diversas siglas partidárias, é tímida a intenção de uma real reforma no modelo representativo brasileiro mesmo sendo uma aspiração popular e tema de discussão acadêmica.

O tema é totalmente atual, o número excessivo de partidos contribui com a cultura de loteamento de cargos e exercício de influência em troca de apoio político, ocasionando muitas das vezes em desvirtuamento da atuação representativa que deve estar diretamente vinculada aos determinados estatutos e posicionamentos ideológicos nos quais são filiados os representantes.

No intuito de buscar o modelo eleitoral mais viável e com menor potencialidade de ocorrência sistêmica de corrupção ou imoralidade, tendo em vista o teor íntegro que carece esse tema, serão analisados os posicionamentos favoráveis e contrários e uma visão contemporânea dos resultados que o processo eleitoral obteve tantos anos após a redemocratização.

2.      Pluripartidarismo brasileiro

O sistema político pluripartidário é aquele que admite a participação plena de diversas correntes políticas, partindo da sociedade civil a criação de agremiações partidárias dentro de um programa pré-estabelecido e condizente com as normas democráticas, que visa, em suma, a possibilidade de alternância de poder.

O pluripartidarismo estabelece-se como saída para um Estado que tende a ouvir o maior número de correntes ideológicas possíveis, defensor deste modelo, Bonavides (2001)[1], apoia que “por sua natureza, como se vê, sistema aberto e flexível, ele favorece, e até certo ponto estimula a fundação de novos partidos, acentuando desse modo o pluralismo político da democracia partidária. Torna, por conseguinte, a vida política mais dinâmica e abre à circulação das ideias e das opiniões novos condutos que impedem uma rápida e eventual esclerose do sistema partidário” (grifei).

A aplicação do sistema pluripartidário parte da premissa da vinculação obrigatória aos princípios democráticos, limitando, em algumas situações a participação de partidos que ideologicamente sejam contrários ao Estado Democrático de Direito.

No Brasil, o pluripartidarismo garante a existência de trinta e cinco partidos devidamente registrados[2], cada um com um programa estruturado em uma suposta corrente ideológica. Com base nas determinações constitucionais e tendo em vista o caráter pluripartidário da representação no Brasil, todos os partidos possuem direitos de participação, limitados ao seu nível de alcance, como por exemplo, tempo nas concessionárias de televisão e rádio. Os partidos políticos no Brasil possuem ainda a garantia constitucional da utilização de recursos do fundo partidário, estipulados pela União, como prevê a Carta da República:

Art. 17 [...]

§ 3º Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei. [...]

A ingenuidade do apoio a este modelo representativo parte da crença em uma real atenção as correntes existentes na sociedade, porém, o resultado obtido na experiência político-social é a do escárnio institucional, de coligações partidárias no mínimo duvidosas, com o fito de coalizão estritamente interessada na ocupação de cargos e influência estatal.

3.       O Restabelecimento do Pluripartidarismo no Brasil pós ditadura militar

 

Durante a vigência do regime militar ditatorial que teve início em 1964[3], no qual estabelecia a hegemonia do poder executivo na tomada de decisões jurisdicionais, foi instaurado o regime bipartidário diante das exigências esdrúxulas para criação de outros partidos, permitida a existência de duas correntes partidárias: a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e Movimento Democrático Brasileiro (MDB). A mudança no quadro eleitoral surge a partir do Ato Institucional número 2, de 1965, que determinou a extinção de todos os partidos políticos no Brasil, que trouxe em seu texto o seguinte comando:

ATO INSTITUCIONAL Nº 2

[...]Art. 18 - Ficam extintos os atuais Partidos Políticos e cancelados os respectivos registros. [...].[4]

O regime bipartidário instituído, mesmo diante de um lastimável cenário político de direitos individuais cerceados, fez transparecer à época um posicionamento ideológico bem definido, onde o MDB, contrário ao regime, impunha seu posicionamento político mesmo que de forma limitada.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Na década de 1980, o pluripartidarismo foi reestabelecido, diante da abertura política iniciada no governo do Presidente militar João Figueiredo [5], com a intenção de evitar o desgaste das forças militares que dominavam o Estado.

A Constituição Federal de 1988 normatiza a natureza pluripartidária do sistema eleitoral brasileiro, traz em seu arcabouço normativo a seguinte redação:

[...]Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana[..]. (grifei).

A garantia constitucional da solidez de um sistema eleitoral pluripartidário advém da intenção do constituinte de confrontar o sistema estabelecido durante o regime militar, garantindo a livre iniciativa da sociedade em estabelecer suas ideologias em programas instituídos e com alcance nacional.

4.      Análise sobre o pluripartidarismo e sua efetiva garantia de representatividade no Brasil

 

O sistema eleitoral adotado pelo Estado de Direito brasileiro garante uma ampla participação de diversas siglas partidárias com o intuito de que o alcance da representatividade atinja os mais diversificados grupos sociais, porém, o que salta aos olhos a cada eleição é um movimento sistemático de utilização de candidatos eleitos para barganha, poucos exprimem suas ideologias nas tomadas de decisões. Sobre isso o professor Benedito Tadeu César[6] relata:

"Hoje, no Brasil, basta que um partido consiga cumprir a exigência do coeficiente eleitoral em um Estado para que tenha essa representação no Congresso – ou seja: ele precisa estar implantado para existir, mas não precisa ter representação nacional. Isso estimula a baixa representatividade e gera uma instabilidade política, pois faz com que a maioria das legendas, para se valer das benesses do fundo partidário e para negociar tempo, faça da política um grande balcão de negócios – no qual, depois, barganharão apoios ou votos por cargos e verbas".

O relato supracitado traduz muito bem a sensação sobre a presença do pluripartidarismo em nossa realidade política, a existência de diversas siglas não reforça efetivamente a participação abrangente que visa o modelo eleitoral em sua raiz, na verdade, a experiência comprova que tal sistema incentiva a representatividade ocasional, sem vinculação às propostas partidárias.

O processo eleitoral brasileiro garante a possibilidade de coligação entre diversas siglas partidárias, diante de um cenário de 35 partidos devidamente registrados no Tribunal Superior Eleitoral é possível analisar a minimização das definições ideológicas entre as siglas, faz-se clarividente a baixa densidade de interesse comum dos partidos políticos, a vinculação deixa de ter um sentido amplo e passa a atender as necessidades e anseios de interesses privados.

Ademais, a aplicação plena do pluripartidarismo esbarra em outro fator providencial, a monopolização de algumas siglas partidárias. O número elevado de partidos políticos não garante a participação relevante de siglas partidárias no cenário da política nacional, a eleição para o cargo de Presidente da República ilustra muito bem essa realidade, nos últimos 22 anos apenas dois partidos conseguiram manter-se na disputa eleitoral pelo voto direto, provavelmente por seu projeto bem definido e suas vinculações ideológicas claras, foram o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e o Partido dos Trabalhadores (PT)[7], que após a real estabilidade democrática tiveram suas propostas aceitas pela maioria dos eleitores. A comunidade eleitoral tende a escolher projetos mais bem definidos e que são realmente colocados em prática por seus correligionários.

5.      Crise da Democracia Representativa no Brasil

A representatividade democrática baseia-se no exercício do poder político por representantes eleitos que são legítimos para a declaração do interesse público por meio da ferramenta de soberania popular, o voto. O método democrático que embasa o modelo representativo e a concorrência que lhe é inerente, são abordados com muita eficiência por Schumpeter (1984)[8]:

“[...] o método democrático é aquele acordo institucional para se chegar a decisões políticas em que os indivíduos adquirem o poder de decisão através de uma luta competitiva pelos votos da população[...]”

O descontentamento de grande parte do eleitorado parte da sensação de ausência do cumprimento de servir por parte dos legitimados pelo voto, o número excessivo de partidos políticos ocasiona um impulso para essa celeuma, faz-se evidente a falta de intimidade entre a perspectiva criada pelo eleitor com a atuação das siglas partidárias.

A realidade representativa no pluripartidarismo brasileiro esbarra no excesso de siglas partidárias, que em suma, não exprimem a vontade popular, sobre isso, quase em um entendimento extremamente elucidativo Dulci (2005) ensina:

“O incômodo com a existência de muitos partidos talvez reflita uma imagem idealizada da democracia partidária como jogo de poucos competidores, portanto mais previsível. Ora, em todos os países de democracia consolidada a liberdade de competição propicia a apresentação de partidos efêmeros, e candidaturas folclóricas sem com isso pôr em xeque a estabilidade do sistema. O debate político e o voto dos eleitores é que decidem, e geralmente decidem por poucos partidos efetivos.”

O resultado de um pluripartidarismo ineficaz é o custo desnecessário com a manutenção de supostos projetos ideológicos que pouco acrescentam no cenário político brasileiro e o despendimento de recursos do fundo partidário[9] para o financiamento de campanhas, que poderiam ser revertidos em projetos mais bem definidos sem o risco de ausência de representatividade de uma determinada linha política ou sua supressão.

6.      O Bipartidarismo como uma saída para a reforma eleitoral

O bipartidarismo é uma estrutura político-partidária que desenvolve uma rotina representativa com apenas dois partidos políticos, onde a sigla perdedora do pleito faz uma oposição institucionalizada. Historicamente o modelo bipartidário é desenvolvido em dois pólos, o conservador e o liberal, que impõe uma estabilidade política ampla, influenciando o eleitorado a estabelecer-se em um projeto político bem definido, aumentando a confiabilidade na projeção decisória levantada na campanha.

O Brasil teve, durante anos, o bipartidarismo como sistema eleitoral, porém, em uma dinâmica ditatorial imposta pelo regime militar, causa da impossibilidade uma oposição realmente efetiva, pois o cunho autoritário do governo à época garantia ao poder Executivo a cassação de mandatos de opositores, diferentemente de países como Estados Unidos e Grã-Bretanha[10], duas das maiores democracias do mundo, que estabelecem seu sistema político-partidário dentro dos preceitos democráticos.

O Estado de Direito Brasileiro garante a possibilidade de coligações proporcionais que teoricamente unificam correntes ideológicas semelhantes que visam conjecturar uma base de apoio a um projeto administrativo comum, vê-se na prática o total afastamento de um programa bem definido e uma tentativa de majorar a quantidade de votos obtidos com o fito de eleger o maior número de apoiadores possível, porém, consegue-se extrair uma interessante acepção, a que o eleitor escolhe não uma corrente eleitoral específica, mas sim um conjunto de ideais que possibilitam o atendimento aos seus anseios, sendo totalmente possível uma divisão de apenas duas correntes eleitorais bem instituídas.

A unificação dos partidos por meio de um chamamento público para sua fusão a uma corrente específica possibilitaria por meio de um desenvolvimento democrático o enxugamento na desvirtuada situação das agremiações partidárias no Brasil, reduzindo gastos com as campanhas e ampliando a discussão sobre ideias e propostas, que teriam maior realce durante as campanhas.

A Constituição Federal enquanto instrumento irretocável de cidadania e democracia seria a ferramenta mais eficaz para tal alteração de sistema, garantindo à República a continuidade dos preceitos democráticos e do regime presidencialista que garante estabilidade nacional.

7.      Conclusão

Diante do exposto, é patente a necessidade de uma reforma eleitoral frente à fragilidade ideológica do sistema pluripartidário utilizado no Brasil, que devido ao excessivo número de partidos tem alto custo e uma ampla desvinculação aos programas pré-instituídos, permitindo a ocorrência de “siglas de aluguel” e aumento da descrença popular no sistema eleitoral.

O bipartidarismo surge como uma opção relevante para a intervenção moral que o sistema eleitoral necessita, reforçando a estabilidade política e a existência de projetos partidários bem definidos ampliaria a coerência institucional do pleito eleitoral, diminuindo o número de partidos e consequentemente os gastos com recursos partidários e campanhas com altos custos.

A reforma eleitoral deve intervir no processo democrático tendo em vista os anseios da população, pois vem dela a legitimidade necessária para a manutenção do pleito e do sistema político, que já não agrada mais. A crise sistêmica que ocasiona a descrença na classe política advém de um modelo político-partidário ineficaz, que estimula condutas ilícitas e não corresponde aos anseios populares pelo esfacelamento ideológico.

{C}8.      Referências bibliográficas

Palácio do Planalto. Ato institucional nº2. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ait/ait-02-65.htm> Acesso em: 03-12-2016 às 14h49min.

Palácio do Planalto. Constituição Federal (1888). Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em: 02-12-2016 às16h55min.

Presidência da República. Disponível em: <http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/presidencia/presidencia/ex-presidentes/jb-figueiredo> Acesso em: 03-12-2016 às 16h21min.

Memorias da Ditadura no Mundo. Disponível em: <http://memoriasdaditadura.org.br/periodos-da-ditadura/> Acesso em: 03-12-2016 às 16h40min.

Tribunal superior eleitoral. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/partidos/partidos-politicos/registrados-no-tse> Acesso em: 04/12/2016 às 20h36mim.

GARCIA, Janaina. Novos partidos são inexpressivos e favorecem barganha política. Disponível em <http://noticias.uol.com.br/politica/ultimasnoticias/2013/09/25/novos-partidos-sao-inexpressivos-e-favorecem-barganha-politica-dizem especialistas.htm> Acesso em: 05/12/2016 às 13h22min.

BONAVIDES, Paulo. Ciência política. Malheiros Editora, 10ª ed. São Paulo, 2001, pág 200/202.

                                                                            

SCHUMPETER, J. A. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro: Zahar, 1984.

 DULCI, Otávio. Os Percalços da Reforma Política. Teoria e Debate nº 62, abril/maio 2005. [acessado em 08 de Dezembro de 2016].

http://www.fpa.org.br/td/td62/td62_reforma.htm;


[1] pág., 250/252.                                                                                                                                                                

[2] Segundo informações presentes no sítio eletrônico Tribunal Superior Eleitoral que podem ser acessadas no endereço http://www.tse.jus.br/partidos/partidos-politicos/registrados-no-tse.

[3] Regime militar – 1964 a 1985.

[4] ATO INSTITUCIONAL Nº 2, DE 27 DE OUTUBRO DE 1965. Mantem a Constituição Federal de 1946, as Constituições Estaduais e respectivas Emendas, com as alterações introduzidas pelo Poder Constituinte Originário da Revolução de 31.03.1964, e dá outras providências.(grifei).

[5] Vigésimo Segundo Período de Governo Republicano - 15.03.1979 a 15.03.1985.

[6]  Doutor em Ciências Sociais e Professor do departamento de Ciência Política da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

[7] Fernando Henrique Cardoso (1995 – 2003), Luiz Inácio Lula da Silva (2003 - 2011), Dilma Vana Rousseff (2011 – 31/08/2016 – Impeachment).

[8] p.336

[9] A Constituição Federal garante em seu artigo 17, § 3º que os partidos estabelecidos farão jus ao recebimento de recursos do fundo partidário, bem  como, espaço nas redes de televisão e rádio.

[10] Os Estados Unidos da América possuem um bipartidarismo presidencialista de natureza republicana, enquanto a Grã-Bretanha possui uma vinculação ao bipartidarismo clássico monárquico.

Sobre o autor
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

A necessidade de uma reforma no sistema eleitoral brasileiro.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!