Resumo:
Tecnologia: Um dos vocábulos mais presentes nos vernáculos justamente por seu significativo conteúdo sócio-econômico consiste, de igual sorte, no foco deste estudo, mais precisamente sua forma contratual de transferência. A tecnologia, como vetor do desenvolvimento e concebida como propriedade, pode ser transmitida a outro agente econômico para que este a aplique e aufira as benesses a ela inerentes. Diante desta relevância analisa-se aqui seu desenho, sua forma de transmissão, sob a égide da ciência jurídica, que tutela a utilização do know how inserindo-o no sistema jurídico moderno de terceira geração. Diferencia-se ainda o contrato de transferência de tecnologia, da licença e da prestação de serviços, inclusive elucidando sobre o tratamento auferido no âmbito da OMC.SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Conhecendo o objeto: a natureza e conceito de Know how 3. Caracterizando a Transferência 4. Contrato de know how: Natureza Jurídica 4.1 Contrato de know how: Os Vários Tipos 4.2. As diferenças entre o Contrato de transferência de Know how, licença e prestação de serviços 4.3. Restrições após a expiração de direitos exclusivos 4.4. Indisponibilidade do know how 4.5. Cessação de uso do know how 4.6. Pagamento após a expiração 5. A regulamentação da OMC no âmbito de Transferência de Tecnologia 6. Conclusões 7. Referências Bibliográficas.
1. Introdução
As transformações sócio-econômicas ocorridas e
mundialmente comentadas nos últimos anos, nos mais diversos ramos do saber
científico, tem na tecnologia um fator fulcral. As inovações tecnológicas
têm servido de substrato para facilitar os processos de transformação mundial
em direção à economia interdependente e global. De forma que não se trata
somente de produtos franceses competindo mercados com produtos brasileiros
similares, como exemplo, mas, antes, de um história onde a diferença
fundamental encontra-se em bits, átomos e conhecimento. O comércio tradicionalmente constituiu da troca de átomos,
onde, o produto era despachado por via marítima, consistindo, não raro, em uma
massa volumosa, pesada e inerte, navegando por milhares de quilômetros, a um
alto custo por muitos dias. Ao passar pela alfândega declara-se os átomos, ou
seja, o produto material, e não os bits ou conhecimento, o bem imaterial. O
desenho hodierno do comércio mudou, a movimentação regular passa a ser de
forma instantânea, os bens passam a ser bits, o conhecimento passa a ter valor
econômico, passível de ser transferível. A sociedade agrega na informação, na tecnologia, valor.
Neste movimento axiológico, emerge o Direito, quando o fato social tem
relevância suficiente para ser tutelado. E a tecnologia ganha acepções
várias, transitando em bits e átomos, recebendo valores econômicos vultuosos,
fazendo-se assim necessário refletir sobre o conhecimento, o know how e
sua transferência. Onde a informação, o know how, a tecnologia pode
ser equiparada ao bit, que não tem cor, tamanho ou peso, mas a sua tradução,
leitura e acepção econômica e jurídica, tem cor tamanho e peso: o dinheiro e
o contrato. Portanto, o GATT trata de átomos. Assim, propõe-se aqui demonstrar a leitura jurídica dada ao
Know how, à tecnologia, elucidando seus conceitos e natureza jurídica,
para que então verifique-se quais são as formas e procedimentos adequados para
que viabilize sua transferência. Informando ainda, a que categoria, em uma
visão sistêmica, encontra-se ligado o contrato de transferência jurídica,
vez que, uma das características próprias das relações internacionais
hodiernas consiste no intenso fluxo de capital, de forma transnacional.
Destarte, a transferência de tecnologia não cria uma dinâmica de
desenvolvimento econômico senão quando contribui para um desenvolvimento que
corresponda às necessidades do país importador e às mentalidades locais. Os Estados ditos desenvolvidos sustentaram que a tarefa das
organizações internacionais deveria resumir-se em fornecer conselhos técnicos
nos domínios econômico, social e cultural aos Estados membros que desejassem
tal auxílio. De sorte que, ao mesmo tempo que houve a expansão comercial, onde
os agentes econômicos passaram aplicar o conceito de transferência de
tecnologia além do assistencialismo, o Estados conceberam-na à medida da
complexidade de um processo de produção ou mesmo de gestão de um setor
econômico. O desenvolvimento e implementação de tecnologia de ponta
faz-se, em sua, maioria, através de investimentos estrangeiros diretos, que por
sua vez, provocam duplo efeito: constitui uma significativa fonte de capital
para o setor privado e consiste em um alto risco de vulnerabilidade para a
economia nacional. 2. Conhecendo o Objeto: a natureza e
conceito de Know how Seguindo-se o parâmetro de átomos e bits, a tecnologia, de
forma análoga, seria um bit. Mesmo que necessite de átomos para manifestar-se,
como o papel, a fita gravada, o filme, ou qualquer outro bem tangível capaz de
trazer a percepção do objeto sob análise. Desta feita, tampouco é um
direito, embora, possa ser objeto de direito. A tecnologia consiste em um
conjunto ordenado de conhecimentos, informações. De maneira geral, a informação, como tal, é um bem
tutelado pelo Direito, ou seja, algo que potencialmente será objeto de direitos
e obrigações, os quais, por sua vez, serão objeto de proteção jurídica.
Tal proteção será conferida desde que haja um legítimo interesse, moral ou
econômico, na preservação, no uso (exclusivo ou não), na divulgação
(exclusiva ou não) da tal informação. Já de início se percebe que, segundo tal perspectiva,
tecnologia (1) é algo intrínseco à atividade empresarial, o fator
cognitivo da produção da empresa. Não se trata, pelo menos diretamente, de um
bem intelectual comunitário, ou nacional, que vise o bem do homem ou o
progresso dos povos, a não ser na medida em que a empresa é considerada como o
meio ótimo de alcançar tais objetivos. A tecnologia surge no mundo econômico de várias maneiras
diversas. Ela pode ser parte de segredo comercial de uma empresa; surgirá como
"informação confidencial" quando transmitida sob reserva de
circulação; será livremente divulgada mas sem terá sua utilização
restrita, se patenteada; será prestada sem nenhuma reserva, seja de
divulgação, seja de utilização no caso de serviços técnicos como o de
projeto, de consultoria etc. Desta feita, tem-se que o segredo comercial consiste no
conjunto das informações escassas, de caráter financeiro, econômico,
comercial ou tecnológico, que permitem à empresa que as detém uma posição
privilegiada. Enquanto afetado à exploração de uma certa empresa, este
segredo é parte do fundo de comércio, e, como tal, um ativo não
contabilizável, embora apreciável economicamente quando a empresa, como um
todo, ou parte dela, se transforma em bem de troca (2). A informação confidencial, que pode ser igualmente de
caráter financeiro comercial etc. inclusive tecnológico, é parte de um
segredo comercial transmitido, sob reserva de divulgação, de alguma vantagem
para transmissor. Dentro desta ótica, o conhecimento técnico transmitido com
restrição de divulgação é uma informação confidencial, e será Know
how (3) desde que sua detenção represente uma vantagem
comercial para o recipiente. Assim, como se verá, o contrato de know how , ou
de transferência de tecnologia, tem por objeto a cessão de posição na
concorrência mediante comunicação de experiências empresariais Exara-se desta noção que o know how não é um
conhecimento, mas uma conformação do aviamento, uma forma de organizar a
produção; sua transmissão, desta feita, consiste em transplante de parcela da
organização empresarial diretamente afeta à fabricação, reproduzindo o
aviamento do fornecedor do know how. A organização nova, já pelo fato
de seu transplante, traz consigo uma expectativa de reditibilidade, um poder
novo sobre o mercado, poder tanto mais efetivo quanto se assemelharem o mercado
para o qual o know how foi concebido e para o qual foi transplantado. O contrato que traspassa o know how, desta forma, é
um contrato de comunicação de experiências empresariais (4),
de maneiras de organizar a produção. Mas, enquanto significa uma renúncia,
por parte do fornecedor, de utilizar-se da vantagem que teria em produzir, ele
próprio, no mercado considerado, ou, pelo menos de produzir sozinho, é uma
cessão perante a concorrência, e não somente uma criação de poder. Em outras palavras, a aquisição do bem concorrencial não
é originária. Tal raciocínio terá talvez menos validade no futuro em que se
multiplicaram as fábricas de tecnologia, unidades empresariais cujo produto é
a própria arte de fabricação; mantém-se, porém, ainda enquanto o know
how for parcela do aviamento de uma empresa, que o gera como instrumento de
produção. A noção de propriedade destas informações, ou da sua
posse (o exercício legítimo de alguns dos direitos elementares da
propriedade), porém, premeia as definições correntes de Know how. Paul
Demin (5), por exemplo, entende que no contrato respectivo uma pessoa
se obriga a fazer o contratante fruir dos direitos que ela possui sobre
certas fórmulas e processos secretos, durante um certo tempo, e por um certo
preço. Outros autores preferem definir o objeto do contrato pelos
conhecimentos técnicos a serem transmitidos, neste sentido Fran Martins
(6) acredita que Know how seja certos conhecimentos ou
processos, secretos e originais, que uma pessoa tem, e que, devidamente
aplicados dão como resultado um benefício a favor de quem o emprega. Delineado está desta forma, o sentido da definição ora
proposta de know how:, qual seja o corpo de conhecimentos técnicos,
relativamente originais e secretos, ou pelo menos escassos, que permitem, a quem
os detenha, uma posição privilegiada no mercado. O contrato de Know how,
consequentemente, seria aquele em que uma parte, mediante o pagamento de uma
soma, fornece a outra informações tecnológicas escassas, de forma a
possibilitar a esta uma posição privilegiada no mercado. Em suma, o que se
transfere, na realidade, não é a tecnologia, mas a oportunidade comercial dela
resultante. Possuindo então valoração econômica, o Know how
consiste em bem imaterial, sujeito a propriedade e passível de transferência a
título oneroso ou gratuito. De sorte que, a propriedade de uma informação
implica no direito de guardá-la para uso próprio, usando-a como bem de
produção. Convindo-lhe passar a informação adiante, mediante um aluguel, no
caso chamado regalia (royalties), o proprietário goza dela, através de
seus frutos. Não querendo, ou não podendo, tirar seus resultados econômicos
diretamente ou por via de terceiros, o dono pode vender ou dar tal informação,
mediante cessão. E, como no caso da propriedade das coisas tangíveis, o dono
da informação pode impedir que outros dela façam uso indevido. Em ambos os
tipos de propriedades existe um direito à exclusividade na utilização da
coisa ou da informação, ou, se quiser, um monopólio legal. Evidentemente, é mais difícil conceber a propriedade sem
uma coisa tangível para ser seu objeto. Criou-se o sistema de propriedade legal
de uma informação, no entanto, porque já havia uma exclusividade de fato -, o
segredo. Convém à Sociedade que os avanços técnicos sejam divulgados, e para
isto se dá uma proteção especial - a maior de que dispõe o Direito - a quem
os queira revelar. É uma barganha: troca-se um segredo, que talvez jamais fosse
descoberto por outros, pela exclusividade de sua utilização, mesmo contra
aqueles que vierem autonomamente a ter acesso à mesma informação. Assim
pode-se com base nos dados revelados, ir além do proprietário. Melhor ainda,
como a propriedade concedida pelo Estado é temporária e sujeita à
exploração econômica obrigatória, ao fim do período exclusivo ou se o dono
opta por não fazer uso dela, um competidor vai ter direito de tomar posse, ou
de simplesmente fazer uso dos dados para seus próprios fins. A racionalidade do sistema pressupõe, porém, dois elementos
essenciais: a) Existência de competição econômica; b) Existência de
competição tecnológica. 3.Caracterizando a Transferência Em primeiro lugar, a transferência é definida como mera
comunicação e não mudança de título. Como pouco adiante no texto se
enfatiza, transferir tecnologia, na perspectiva das empresas multinacionais,
não significa transferir a propriedade da mesma nem tampouco a propriedade do
bem imaterial. Deve-se notar que noção de transferência como transmissão
de propriedade é a predominante na prática do INPI (7). Além
disto, a jurisprudência do INPI exige, para que haja transferência: a) que
não haja a tecnologia já no país (8); b) que importe em aumento da
capacidade de produção da receptora. (9); c) que haja
responsabilidade da supridora pela tecnologia. d) que haja absorção ou
autonomia; e) que o bem transmitido seja de natureza imaterial (não se
admitindo a tese da tecnologia implícita do hardware). Finalmente, a prática mais recente do Instituto só entende
que há transferência de tecnologia se a mesma é transmitida para fora do
mesmo grupo econômico. Em segundo lugar, concebe-se que a transferência se faça
por veículos que extravasam o objeto de presente estudo, o know how. A
par de tais contratos, nota-se que se entende o investimento direto, os
contratos de assistência técnica (como sendo algo diverso do know how),
as marcas, os acordos de consultoria técnica, contratos turnkey e até a
educação não específica como meios de transferência do fator cognitivo da
atividade empresarial. Conforme salienta BARBOSA:
Sendo uma mercadoria, a tecnologia comportar-se-á como tal. Apesar da maior parte da tecnologia não ser produzida para a troca, pode ser negociada quando uma oportunidade econômica se apresenta. É importante adicionar a este respeito, a tendência mais recente de produção de tecnologias por si mesma; i.e, o emprego de tecnologia para a produção de novas tecnologias. Começam a aparecer institutos de investigação com objetivo de produzir tecnologia para seus clientes e compradores - verdadeiras empresas de tecnologia (10).
Destarte, é necessário apurar a noção de Transferência de tecnologia, para efeitos deste Trabalho. Assim, transferência não é o termo empregado quando transaciona-se mercadorias, seja nacional ou internacionalmente. Logo percebe-se que, ao tratar-se do Comércio de Tecnologia. Substancialmente, Transferência e Comércio podem estar totalmente dissociados. É possível, por exemplo, através de convênios governamentais, existirem situações em que a transferência tecnológica acontece sem o comércio, como também é viável no comércio inexistir a transferência (11).
Contudo, o conceito de Comércio de Tecnologia, conforme aqui empregado, está atrelado à categoria Tecnologia, como foi conceituada. O enfoque, desta maneira, é exclusivamente sobre a chamada tecnologia explícita, sem qualquer menção à tecnologia implícita, nos termos que vem sendo usualmente utilizado. Para alguns, tecnologia implícita é aquela incorporada a outras mercadorias, em geral com ênfase em bens de capital. Esse aspecto pode servir para definir o estado das artes, mas obscurece, em geral, a questão da Transferência e, principalmente, do Comércio de Tecnologia. (12)
Assim sendo, a Transferência de Tecnologia a qual o título deste trabalho se remete é um processo de comercialização de um bem que se constitui em fator cognitivo da atividade empresarial. As conclusões que se extraem de nosso estudo estão, desta feita, limitadas ao contexto restrito de um negócio efetuado entre duas empresas, numa economia em que o mercado, seja interno, seja internacional, representa um fator dominante.
Duas observações importantes de fazem necessárias neste passo. Em primeiro lugar, a consideração de que a tecnologia de que se fala implica num sistema de propriedade, em que se estruture o valor e a necessidade da mercadoria comercializada. Comércio sem transferência, leia-se, sem passagem de propriedade. Nem sempre as relações de propriedade se exercem sobre o bem transferido: quem contrata a prestação de um serviço de treinamento não recebe nenhum item sobre o qual possa exercer uma exclusividade de direito, nem tinha tal exclusividade o prestador.
Em outros casos, há propriedade (ou mais propriamente, exclusividade de direito) sobre o objeto do contrato, por exemplo, quando se transmite o direito de explorar uma tecnologia patenteada; em outros, há um tipo de proteção jurídica de efeitos próximos a da propriedade, como quando se transfere um conjunto de conhecimentos de que o supridor disponha em condições de exclusividade de fato, total ou relativa, a qual o Direito reconheça legitimidade: o know how. Em todas as hipóteses, porém, há um sistema de propriedade, ou de exclusividade de fato reconhecida como legítima, dos bens de produção das empresas envolvidas no negócio.
Definindo-se propriedade, não como o poder absoluto sobre a coisa, à maneira de Code Napoleon, mas como a indisponibilidade legal de terceiros sobre bens que o direito dá a alguns o poder de usar, pode-se dizer que só há transferência de tecnologia se há propriedade da tecnologia que se define como mercadoria. Num universo anômico, em que lei nenhuma proibisse o uso de todas tecnologias existentes por qualquer interessado, inclusive através da penetração forçada na intimidade das empresas para extrair seu modelo específico de produção, não haveria espaço para o comércio de tecnologia; é de se perguntar, inclusive, se haveria tecnologia a se comerciar.
Em segundo lugar, é preciso enfatizar que o comércio de tecnologia entre empresas do mundo desenvolvido e as do mundo em desenvolvimento se perfaz em condições especiais. Diferentemente das transferências que se concluem entre empresas européias e americanas, processo simples de acasalamento entre unidades de produção atuando no mesmo contexto econômico, social e cultural, a empresa brasileira recebe da fornecedora americana algo que lhe chega como enxerto. (13).
Nas transferências entre empresas do primeiro mundo, a tecnologia objeto do negócio pode ser tomada como base de um processo de geração de novas tecnologias: a comunidade científica e a estrutura empresarial estão aptas a prover uma concorrência tecnológica, através da geração de conhecimentos voltados para a produção, na qual o novo item se incorpora. A tecnologia transferida constitui em um fator de produção de tecnologia nova. No caso da transferência para empresas do terceiro mundo, a tecnologia surge como, somente, um fator de produção de bens e serviços