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O contrato internacional de transferência de tecnologia no âmbito da OMC

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4.Contrato de know how: Natureza Jurídica

            A identificação da natureza jurídica de um contrato de know how, requer precipuamente o reconhecimento da natureza jurídica do know how. Páginas atrás, verificou-se como o direito que recai sobre o segredo de empresa como um poder, embora incidindo de forma não exclusiva sobre o bem que lhe é objeto final; e ainda, detraí-se a existência de um bem concorrencial, expresso pela reditibilidade de uma atividade econômica.

            Este bem, sobre o qual se recai um poder absoluto, mas não exclusivo, constitui-se numa "quase-propriedade" (14).. Quase, pois há uma forma de excluir terceiros do uso inautorizado do valor econômico, uma forma de controle econômico sobre a disponibilidade do valor; mas não há de excluir todos. No caso do know how, o direito de impedir a reprodução do aviamento, e a falta de fundamento jurídico para evitar a conformação idêntica mas autônoma são comparáveis ao que ocorre em matéria de direito autoral - mas, no que se refere ao know how, o copyright é de uma forma empresarial, e não de um imaginário, de um conjunto de sons, de um conjunto de cores.

            Quase propriedade, também, pois se submete aos princípios de limitação da concorrência, e deve ser examinada sob a ótica do poder econômico. Estas limitações, aliás, não são estranhas à propriedade física, no seu estágio moderno (15), constrangida pelo domínio eminente do Estado, pelas regras do meio-ambiente, pelo direito de pesquisa e exploração de jazidas, por todos os ônus da função social a que se destina. Ou seja, a propriedade em sua concepção moderna do Direito Civil, a relativização da autonomia de vontade e do direito de propriedade face sua função social.

            Quanto à natureza jurídica do contrato, parte considerável da doutrina o considera empreitada mista (16), um pouco desfigurada, sendo análogo ao contrato de ensino. A complexidade das obrigações que o constituem, por outro lado, leva parcela dos autores a renunciar a uma aproximação com qualquer contrato típico (17).

            4.1.Contrato de know how: Os Vários Tipos

            O Contrato de know how tem natureza complexa. Como já se notou anteriormente, há, nele implícito, obrigações de dar (plantas, blue prints, listagens, etc) e obrigações de fazer (comunicar experiências, no que o jargão da área chama o know how). Há bens materiais e bens não materiais como objeto dos direitos ajustados; e, como visto, a obrigação de comunicação de know how tende a ser parte de negócios jurídicos ainda mais complexo.

            A prática administrativa vigente no Brasil tem levado a que os contratos de importação de know how sejam desvinculados de outras avenças complementares, como as de compra e venda de bens, ou empreitadas de obras, ou licenças de direitos exclusivos, de forma a que o regime específico daqueles fique explicitado. Assim, os contratos que prevejam obrigações de know how, além de outras, ajustados após 1975 (data de entrada em vigor do revogado Ato Normativo INPI no. 15) (18) serão raros, e não deverão prever pagamentos em divisas especialmente por tecnologia.

            Os contratos de know how de outros países podem prever cláusulas de não comunicação a terceiros, e cláusulas de não exploração. Quando disposta a não comunicação, durante o prazo prescrito as informações serão indisponíveis - o receptor de know how poderá dele usar, extrair dele seus frutos, defender-se das violações de seu segredo empresarial, mas não poderá transmitir a terceiros os conhecimentos recebidos. De outro lado, podem tais contratos prever que, após um certo período, as informações não sejam mais utilizadas no processo industrial; os dados, plantas e "blue prints" devem ser restituídos; a experiência adquirida, ignorada.

            Nestas condições, ter-se-ia uma "locação" de know how, uma "licença" (como é mais denominada mais freqüentemente), por oposição à "cessão", ajuste em que inexiste a cláusula de não exploração. Está claro que não sendo o know how objeto de direitos exclusivos, não haverá uma licença, em seu sentido técnico (licere = dar permissão), constituindo-se o dispositivo em um pacto em restrição da concorrência. É intuitivo, após havermos indicado a natureza de "cessão parcial de aviamento" do contrato de know how, que todos os ônus sobre tal transferência irão afetar a capacidade concorrencial do receptor, e de forma direta.

            O mesmo se dirá do pacto de não comunicação; embora seja razoável exigir-se do receptor que tome especiais cuidados para não lesar o próprio patrimônio do fornecedor, divulgando o segredo transmitido aos quatro ventos. Coisa inteiramente diversa é restringir a comunicação que perfaz sob condições de sigilo - a uma terceira empresa, a uma instituição de pesquisa, de maneira a não aviltar o valor econômico do segredo.

            A prática administrativa brasileira tem repudiado a cláusula de não exploração, só sendo admitida a cessão definitiva. No entanto, como se admite a cláusula de não comunicação, por prazo cetro, a cessão não é completa, até o termo do pacto, constituindo-se, na verdade, em cessão gravada com indisponibilidade.

            Dessa forma, cláusulas contratuais que estipulem a devolução das informações tecnológicas ao cedente (titular) bem como obrigações de confidencialidade ad eternum não podem constar dos contratos de fornecimento de tecnologia, pois não aceitas pelo INPI.

            Em teoria, assim, o contrato de know how pode ser não só de cessão temporária (licença) como de cessão definitiva gravada e de cessão integral, sendo apenas as duas últimas modalidades política, econômica e juridicamente defensáveis. Em particular, a expressão "licença" tem sido expurgada dos contratos celebrados para execução no país, por sua conotação de "autorização de uso de direitos exclusivos", algo de que certamente não se trata (19).

            Assim é que se torna possível concordar com a formulação da doutrina francesa, de ser o contrato de know how uma empreiteira mista mesmo se, por vezes, não pressuponha uma obrigação de resultado. O empreiteiro reúne os meios materiais e imateriais que permitem a reprodução do aviamento, e os transfere ou comunica ao receptor; isto, no caso da cessão definitiva desonerada.

            O mesmo não se pode dizer da cessão gravada com a indisponibilidade (no caso, incomunicabilidade, mas em outro sentido). Há uma comunicação de bens concorrenciais, com pacto acessório de restrição à concorrência, não ignorada a atividade anterior ao repasse, que outra coisa não é senão a empreitada.

            Diversa, ainda, é a cessão temporária, a "licença", que se aproxima da locação de um bem concorrencial, algo, aliás, também conhecido no direito europeu sob outra forma, a de location-gerence dos fundos de comércio, mas proscrito pela prática administrativa brasileira.

            Mas é o vínculo continuado, a cessão reiterada, o fluxo de informações novas que se pode pactuar num único ajuste, que se tem denominado contrato de cooperação, que se ilustra, mais do que todos os outros, a natureza associativa dos contratos de know how. Nestas figuras contratuais, se põe em contato o aviamento de duas empresas, que, a cada momento (mas seletivamente, muito seletivamente no caso de pessoas não integrantes do mesmo grupo econômico) reproduzem a conformação tecnológica uma da outra.

            Embora, neste caso específico, a associação se torne predominante, na maioria dos demais contratos de know how existe uma figura análoga à da sociedade em conta de participação, criada através da parceria empresarial, a joint venture (20). Com efeito, muitas vezes a contraprestação do repasse de know how é calculada na forma de percentuais sobre a futura receita, lucro, ou produção. Caso insatisfatório o repasse, ou não reditício o know how no mercado considerado, nenhum rendimento resultará para o supridor, salvo as parcelas de adiantamento (no Brasil, o pagamento pela documentação técnica inicial, em outros países, o "royalty mínimo").

            Na rara hipótese de rendimentos calculados sobre o lucros, a configuração como sociedade é clara; menos, nos casos de cálculo sobre a receita - o produto pode ser reditício, mas não lucrativo; ainda menos, no caso de valores fixos sobre unidade produzida; minimamente, quando se vincula o pagamento à capacidade de produção de uma unidade industrial - como ocorre freqüentemente na indústria petroquímica.

            Em todos estes casos, porém, embora não se possa asseverar a existência de um contrato de sociedade strictu senso, tem-se uma comunhão de interesses no que toca à reditibilidade: cabendo-se a oportunidade comercial, na verdade obtém-se um investimento de risco mínimo de perda, com razoáveis possibilidades de lucro. A última observação é particularmente pertinente quando se sabe que os investimentos em pesquisas e experiências são dimensionadas quase que sempre, em relação à empresa supridora; os ganhos de know how são usualmente líquidos, apreçando-se pelo valor da opção de, ao invés de transferir as informações, disputar diretamente o mercado.

            4.2. As diferenças entre o Contrato de transferência de Know how, licença e prestação de serviços

            Com efeito de delimitar e diferenciar os tipos de contratos deve-se apontar que o know how constitui um elemento imaterial (fórmulas, procedimentos, etc.), secreto e não patenteado, que pode distinguir-se atentando-se para o objeto contratual da assistência técnica. Se o cedente obriga-se ao fornecimento de informações, especificações sobre o processo industrial específico, sendo estes desconhecidos e devendo manter-se em segredo, porém sem intervir na aplicação das fórmulas, nem garantir o resultado, pois assim trataría-se de um contrato de know-how. Se ao contrário, o cedente obriga-se a fornecer o conselho técnico necessário, garantindo o resultado e compreendendo uma obrigação de fazer, o contrato se qualificará como de assistência técnica.

            De forma que se destaca como nota diferencial de ambos contratos, àquela assinalada nos Comentários ao Modelo de Convênio da OCDE no sentido de que o know-how consiste no complemento do que um industrial não pode saber pelo simples exame do produto e mero conhecimento do estado da técnica, enquanto que a assistência técnica consiste nos conhecimentos usuais da profissão do cedente. (21)

            A obrigação de comunicar o know-how é, boa parte das vezes, integrante de uma avença complexa, onde se somam licenças de direitos de propriedade industrial, serviços técnicos, exclusividades de distribuição de bens. Nada impede em teoria que, existindo o vínculo entre as duas partes do negócio jurídico, se especifique o regime individual de cada um deles, direitos exclusivos de um lado, direitos não exclusivos de outro. Para isto é preciso ter em conta os limites do privilégio, quanto à atividade privilegiada, ao ramo tecnológico, aos condicionamentos geográficos e temporais.

            Utiliza-se aqui, uma analogia para melhor compreensão. Uma classificação sutil, entre as obrigações de fazer, é a que toma como paradigmas o contrato do advogado com seu cliente, de um lado, e os deveres de um professor de direito, de outro. O advogado ouve, sente, vê, com os sentidos que lhe dão o conhecimento e a experiência profissional, alvitra o caminho, e orienta; o cliente recebe a prescrição, e, por vezes, a identificação jurídica do caso sob análise. A advocatícia é aplicada, em seus cânones e virtuosidades, e o cliente recebe os resultados de sua aplicação.

            O advogado, porém, deixa seu escritório e vai para a sala de aula. Aos seus alunos, o Direito não é aplicada, mas descrito; os acadêmicos não sentem, em si, os resultados da aplicação - são, ao contrário, educados na arte, como foram instruídos na ciência. Se pudéssemos transplantar para as informações e treinamento recebidos pelos estudantes as distinções da economia, o professor de Direito repassaria bens de produção, enquanto que, como advogado, forneceria aos clientes dados e informações que seriam consumidas, e em estado de prontas.

            Tal distinção é indispensável para se compreender a que existe entre serviços técnicos e know how. Incluem-se entre os primeiros, na classificação fiscal, cambiária e administrativa em vigor, uma massa de contratos de facere, empreitadas mistas, locação de serviços, empreitadas de lavor, empreitadas globais. Não ocorre confusão entre a obrigação de construir uma usina ou reparar uma máquina hidrelétrica e a de repassar know how; mas existem casos limite, onde um e outra obrigação se aproximam tanto que é difícil dizer qual é qual.

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            Em princípio, a obrigação de repassar know how é equiparável a do professor de Direito: estando perante tal avença quando o resultado visado é a aquisição de informações que, alterando o aviamento, se integrem no processo como se bens de produção fossem. A gama dos serviços técnicos, por sua vez, se aproxima dos serviços do médico: a engenharia ou as ciências são utilizadas como instrumento, e sua aplicação num resultado final é que perfaz a prestação. Uma empresa de consultoria se encarrega de um projeto; planeja as instalações, escolhe o local, detalha a localização de cada equipamento, indica as dimensões e calibres dos encanamentos, calcula o peso das máquinas, e a tensão da energia necessária. Todas estas informações, que a consultora transfere ao dono da obra, são prescrições como a do médico: o dono da obra não precisa saber como a projetista chegou a suas conclusões para operar sua fábrica (22).

            Mas o dono da obra põe sua unidade industrial em ação; precisa saber como os insumos e componentes são processados, como serão estocados; a que temperatura e pressão deverão ser transformados em produtos finais, e que quantidade de ingredientes e catalisadores e preciso para obter os melhores resultados. A projetista já não lhe fornece tais dados, que virão de uma outra empresa análoga, cuja experiência industrial já haja superado tais questões, e encontrado uma solução reditícia.

            Suponha-se mesmo, que a consultora, por jamais ter feito projeto comparável, não se considere capacitada a fazê-lo sozinha. Irá ajustar com outra consultora, já experiente, que lhe informará e treinará a fazer projetos como os de que necessita. Em ambos os casos, o dono da obra, ou a consultora vão a empresas análogas para obter conhecimentos e experiências que vão empregar, e de que precisam dispor para operar: ambos avençaram o repasse de know how.

            Evidentemente, e cumpre abrir parênteses, a fornecedora de know how não ajustará seus serviços se não houver maiores vantagens em repassar sua arte de fabricação do que fabricar. O interesse, em grande maioria dos casos, resulta de intervenção do Estado na economia nacional, levantando barreiras alfandegárias, criando subsídios ou, simplesmente, instituindo uma reserva de mercado em favor das empresas localizadas no país; como, no Brasil, ocorre com as consultoras de engenharia. mas também pode resultar de estratégia empresariais, ou da maior lucratividade relativa que resulta dos pagamentos do know how - sendo esta última hipótese compreensivelmente bem limitada.

            Basta aqui construir a noção diferencial entre know how e serviços técnicos, naquilo em que interessa ao tratamento de práticas restritivas. Em primeiro lugar, a maior parte das vezes existe uma garantia efetiva quanto ao resultado, se não dos créditos (o que ninguém pode garantir) ao menos da reditibilidade; a obrigação é na prática de resultado, e não de meio, pois via de regra os pagamentos, contraprestação do fornecimento de informações são estipulados como parcela do faturamento, produção, ou lucros (running royalties). Em segundo lugar (como vimos), não é lícito ao fornecedor prescrever o abandono das informações obtidas, ao término do contrato. (23)

            No que tange à patente, esta configura-se como um direito, conferido pelo Estado, que dá ao seu titular a exclusividade da exploração de uma tecnologia. Como contrapartida pela divulgação dos pontos essenciais do invento, a lei dá ao titular da patente um direito limitado no tempo, no pressuposto de que é socialmente mais produtiva em tais condições a troca da exclusividade de fato (a do segredo da tecnologia) pela exclusividade de direito (24).

            O titular de uma patente, como o dono de um apartamento, tem meios legais de impedir o uso do objeto de seu direito por qualquer pessoa não autorizada: ninguém pode invadir o imóvel, ou explorar uma tecnologia patenteada, sem dar conta de seus atos segundo o que a lei dispões. Isto é o mesmo que dizer que os direitos decorrentes de uma patente, como os resultantes da propriedade dos bens materiais, se exercem, indistintamente, contra todas as pessoas: e a ninguém é facultado esbulhar apartamentos ou violar patentes.

            A licença é precisamente uma autorização, dada por quem tem o direito sobre a patente, para que uma pessoa faça uso do objeto do privilégio. Esta autorização tem um aspecto puramente negativo: o titular da patente promete não empregar os seus poderes legais para proibir a pessoa autorizada do uso do objeto da patente. Tem, porém, um aspecto positivo, qual seja, o titular dá ao licenciado o direito de explorar o objeto da patente, com todos os poderes, instrumentos e meios que disto decorram.

            Enfatizando um ou outro aspecto, os vários sistemas jurídicos vêem a licença como um contrato aproximado ao de locação de bens materiais, ou, se tomado o lado negativo, como uma promessa formal de não processar a pessoa autorizada por violação de privilégio (25). Neste último sentido, o direito americano e determinados autores jurídicos. A corrente que favorece a aproximação entre licença, por sua vez, exige do licenciador o cumprimento de uma série de obrigações, que configuram o contrato como de natureza substantiva: quem loca tem de dar o apartamento em condições de moradia. A esta última corrente se filia o Direito da Propriedade Industrial no Brasil (vide AN INPI 17/76, 13 e 15).

            4.3. Restrições após a expiração de direitos exclusivos

            A limitação dos direitos exclusivos no tempo, principalmente no que se refere aos privilégios de invenção e de modelo de utilidade, é uma das razões de ser do sistema de propriedade industrial, cuja racionalidade prevê a divulgação dos inventos e melhoramentos em troca do monopólio temporário.

            Em virtude do disposto em sua lei de criação, o INPI não poderia averbar um contrato de licença cujas cláusulas resultassem na extensão obrigacional dos direitos exclusivos, para além do prazo legal. Tais disposições se constituem em abuso do sistema de propriedade industrial, e vão em contradição a sua função econômica, jurídica, social e técnica, como o entende a lei. 5.648/70. (26)

            Em segundo lugar, as restrições após o perecimento do direito exclusivo, subsistindo como limitações autônomas, não reúnem condições para obter a legitimação sob o direito comum. Caso fossem vínculos subsidiários, restrições necessárias para a proteção de um interesse legítimo do titular, não ofenderiam o princípio geral de liberdade de empresa e de desenvolvimento, se estipuladas dentro dos parâmetros de tempo, lugar e objeto. Não é o que ocorre, pois a legitimação do interesse do titular do privilégio desaparece com o fim do mesmo privilégio.

            A norma administrativa brasileira que rege o licenciamento de patentes (NA 15/75, item 2.1.1) exige, no entanto, que com a autorização de uso de direitos exclusivos o titular forneça todos os dados e informações suplementares, necessários para produzir o objeto da patente para o mercado do licenciado. Assim é que, num mesmo negócio jurídico se terá como objeto o uso de direitos e o uso de informação; aqueles são limitados no tempo, pelo prazo legal. Mas as informações suplementares, se secretas, têm valor econômico que pode exceder ao prazo de privilégio.

            Sem dúvida, aplicar-se-á no caso a regra "accessorium sequitur principale": as informações, suplementares como são, têm sua proteção dimensionada à duração do privilégio. A questão se resolve, quanto a elas, como um contrato de know how cujo termo coincide com o da patente.

            Em terceiro lugar haverá uma eliminação parcial não razoável da concorrência, por acordo entre empresas, na hipótese do art. 1, I, "a", da lei 4.137/62 (27).

            Não é aceitável a prática, também, se imposta ao recipiente nacional como resultado do domínio abusivo do supridor sobre o mercado (do produto final, da tecnologia, ou de ambos) em maneira contrária aos objetivos nacionais de desenvolvimento, ao teor do art. 2º, I, "g", da Lei 4.137/62.

            Para que se defina o crime contra a economia popular, no entanto, é necessário que haja os pressupostos objetivos e subjetivos do art. 3º, III da lei 1.521/51, inclusive o dolo específico. São estes os fundamentos jurídicos e matrizes legais do item 2.5.2, III, do NA/15 que veda restrições à livre utilização dos dados e informações transmitidas, após a extinção da patente. Note-se, aliás, que tal limitação só se refere às informações protegidas pelos direitos de propriedade industrial; para o know how desprotegido, ou seja, o que esteja fora das reivindicações, valem precisamente os mesmos parâmetros dos contratos de know how.

            4.4. Indisponibilidade do know how

            As restrições impostas após a satisfação das obrigações principais de um contrato de know how não podem ser analisadas tão facilmente quanto as que são subsidiárias a uma licença. Por um lado, não subsiste um direito exclusivo, como no caso de licença a termo inferior ao do privilégio ou registro, que pudesse justificar a ação do beneficiário da restrição. De outro, não existe um limite pré-fixado para a extinção do valor econômico do know how, como existe para os direito de patentes.

            É esta subsistência do valor econômico do know how repassado que apresenta o maior problema. O supridor, ao vender ou "licenciar" seu know how, não está, via de regra, comprometendo-se a deixar de usá-lo; o valor patrimonial vendido ou "locado" é uma vantagem competitiva, ou o acesso a um mercado, enfim, uma determinada clientela, atual ou potencial. O supridor, conservando os conhecimentos para si, teria a possibilidade de explorar sozinho, ou de entrar e permanecer no mercado com alguma vantagem.

            É neste contexto que surge a cláusula de confidencialidade, elemento presente em todo e qualquer contrato de know how. Seu efeito pode ser entendido de duas formas diversas; primeiramente, como uma obrigação consensualmente assumida de não levar o patrimônio do supridor, revelando o segredo por dolo ou culpa, dolo específico de lesar (o que não precisaria de uma estipulação), e negligência, imperícia ou imprudência. Neste sentido, sua legitimidade é indiscutível, embora seja desejável exigir do supridor um compromisso similar, quanto à responsabilidade por culpa. (28)

            A obrigação do supridor, aliás, deriva do art. 214 do Código Comercial Brasileiro, e toda a argumentação desenvolvida quanto a venda do estabelecimento é aplicável. Afinal, o que se deseja obter, com o know how não é um conhecimento mas uma clientela, que seria diluída se o supridor, por descuido ou intento, vulgarizasse o segredo, colocando-o ao dispor de todos os competidos efetivos e potenciais.

            Mas é quanto ao segundo efeito que se discute com mais vigor. A cláusula de confidencialidade também veda a cessão do know how a terceiros, a revenda, ou o sublicenciamento; é um ônus indisponibilidade, recaindo sobre a operação. Argui-se, com parcela de razão, que enquanto vige a cláusula de sigilo, não existe "propriedade" do know how (29), pois o adquirente não está facultado a vendê-lo.

            De outro lado, não há interesse do recipiente de know how, de divulgar o valor por qual pagou; mas pode haver o de, assim como o fez o primitivo supridor, aumentar sua lucratividade ou penetrar em mercados novos, por via indireta. Uma empresa brasileira, incapacitada por falta de capital a se instalar em outro país, e a explorar-lhe o mercado estabelece com uma empresa local, um contrato de know how pelo qual passa a auferir resultados do exterior, sem investimento: o know how pode ser o comprado anteriormente, adaptado, melhorado, requentado, se quiser, mas o mesmo.

            A ubiqüidade do segredo, que se passa e se conserva, permite tais mágicas. Na verdade, e aí está a falácia do raciocínio que entende que só há "propriedade" ao fim da obrigação de sigilo, não é o segredo que se intenta transferir, mas a posição perante um mercado. Há "propriedade" se o supridor se compromete a não mais competir no mesmo mercado, e a não favorecer competição, fornecendo o segredo a outras empresas que possam disputar o mercado em questão o mesmo know how; e tal propriedade é, evidentemente, frágil e passageira. A exclusividade, no caso, é consensual, imitada às partes, e não se confunde com a exclusividade erga-omnes que deriva das patentes, marcas e outros títulos da mesma natureza. (30)

            A solução apontada – confidencialidade acoplada à exclusividade – pode esbarrar com algumas objeções. É bem verdade que, se o supridor se obriga a não revelar por dolo ou culpa o segredo, e dá exclusividade; e se o recipiente, por sua vez, comprometendo-se a prestar sigilo por culpa lato senso, concorda em não dispor do segredo, na um quid pro quo razoável, atendendo a ambas as partes. Mas há também uma típica divisão de mercado, que legislações mais sensíveis à livre concorrência poderia objetar.

            Como toda a restrição à concorrência o pacto de sigilo (pacto de indisponibilidade) deve ser limitado no tempo, na extensão e no objeto. o NA 15/75 fala num prazo razoável a partir de cada uma das últimas informações recebidas (itens 4.5.1 d. VI e 5.5.2 d. VI).

            É de se entender que o prazo de cinco anos deve ser o limite do sigilo; se, como se viu, o pacto é uma restrição à concorrência, o direito brasileiro tende a aceitar tal termo como o limite normal de tais restrições. Cabe salientar que, no caso dos dispositivos citados, o prazo é o estabelecido para que se crie um personal ou local goodwill, relações pessoais ou hábitos de clientela; mas o princípio geral pode ser ampliado, para se considerar que a vantagem comparativa do qüinqüênio, dado ao supridor, é mais do que suficiente para garantir-lhe os interesses., Nenhuma restrição, está claro, será válida após a revelação do segredo ao público, sem culta do recipiente.

            Atenta-se que as limitações temporais de um contrato know how (termo contratual mais limitações posteriores) não devem superar em nenhuma hipótese a duração normal de uma patente correspondente. Ademais, a confidencialidade deve ser interpretada estritamente quanto à extensão da restrição. Certamente, não deveria haver quebra de sigilo, permitindo-se, por exemplo, que empregados divulguem o seu conhecimento para concorrentes. Mas, enquanto não houver transpasse de know how, não há limitação; a utilização em vários estabelecimentos da mesma empresa, uso por centros de pesquisa, internos ou sob contrato; e revelação parcial ou limitada a subcontratantes, nada disso pode ferir o interesse do supridor, a não ser pela maior divulgação, com aumento da possibilidade de violação.

            Pactuada a confidencialidade junto com a cláusula de exclusividade, esta prestada pelo supridor, deve-se entender que não quebrará a obrigação do recipiente o repasse a outra empresa, dentro de sua área de exclusividade. Com efeito, se o recipiente poderia usar o segredo, de forma a explorar todo o mercado, pode dividi-lo com outra empresa sem lesão ao interesse do supridor. Evidentemente, se ainda houver dever de pagar algo pela tecnologia do supridor tal pagamento não poderá ser afetado pelo repasse de que se fala, computando-se a alíquota devida sobre a base de cálculo total, inclusive a referente a nova recipiente.

            Em terceiro lugar, a limitação deve ser restrita ao know how recebido do supridor, excluídos os aperfeiçoamentos, adaptações, melhoras ou novas criações do recipiente. Suponhamos que o suprido tenha fornecido o mesmo know how para duas empresas diversas; o pacto de indisponibilidade e sigilo não impedirá que cada uma das empresas recipientes se comunique as suas modificações, assim como não fica sujeito à restrição a comunicação destes acréscimos aos competidos do supridor que já disponham do mesmo segredo-base. É preciso, no entanto, resguardar a informação recebida de início, não se permitindo dispor de aperfeiçoamentos que importem em comunicação do segredo-base a quem não o tinha.

            Em suma, não é abusiva a exigência de resguardar o segredo da revelação que tire o seu valor econômico por culpa dou dolo; não é abusiva a cláusula de indisponibilidade do segredo, limitada em tempo, extensão e objeto, mormente quando haja, por parte do supridor, o compromisso de exclusividade.

            Dentro dos pressupostos acima, a eliminação parcial da concorrência, resultante do acordo, tende a ser razoável do ponto de vista do direito comum. Com efeitos, dentro dos limites citados, a cláusula é limitada no tempo, na extensão e no objeto na proporção necessária para proteger o interesse do supridor; é subsidiária a outro negócio jurídico, cujo fito não é limitar a concorrência; se for mais benéfica do que contrária ao interesse da comunidade, e se não infringir lei ou direito de terceiro, deve ser aceita no seu aspecto concorrencial.

            Assim, dentro destes limites, a prática em questão não viola o art. 2º, I, "a" da lei 4.137/62, embora possa levar à punição pela letra "g" do mesmo inciso, no caso de exercício do domínio do mercado (do produto, da tecnologia, ou de ambos) retirando a parcela razoável de negociação que teria o recipiente, de acordo com as características do mercado nacional (não fosse o domínio supracitado), na proporção em que o domínio se exerça abusivamente, em desfavor do desenvolvimento da economia nacional.

            Estes são os fundamentos jurídicos e matrizes legais do itens 4.4.2 (b) e 5.5.2 (b) (vi) do NA/15 que proíbem s restrições ao uso dos dados e informações transmitidas após um prazo razoável após o recebimento de cada uma daquelas. É de se notar que o adjetivo "razoável" se aplica, mesmo no Ato Normativo, ao conjunto dos pressupostos analisados acima, da mesma forma, e com mais razão, dispõe o item 6.5.2 (b).

            4.5.Cessação de uso do know how

            Freqüente também é a restrição que é imposta ao recipiente do know how, para que deixe de fazer uso das informações e dados recebidos após o término do contrato. Tal cláusula de cessação de uso somada à cláusula de indisponibilidade, resulta na estipulação de uma licença ("locação") de know how.

            Admite-se, assim, mesmo em países desenvolvidos de economia de mercado, que é inaceitável a cessação de uso pura e simples, o abandono dos conhecimentos já adquiridos. (31)

            Um argumento significativo contra a prática em questão é suscitado freqüentemente nos países de tradição jus-romanística: admiti-la seria conceder ao know how efeitos análogos aos que os direitos de propriedade industrial emprestam aos inventos por eles tutelados. Com efeito, se o supridor de um conhecimento pode impor ao recipiente que deixe de fazer uso econômico direto do mesmo após o termo de um contrato, tem em relação a este os mesmos poderes de um titular de privilégio.

            O argumento, embora relevante, não pareceria ser suficiente para proscrever a prática. Mesmo se, entre as partes de um contrato de know how, o efeito de tal disposição é criar um simulacro de propriedade sobe os elementos não patenteados, não há a extensão desta "propriedade" a terceiros não vinculados contratualmente. O principal efeito dos direitos exclusivos, com os e sobre, é a vedação que impõem a terceiros, de fazer uso direto do conhecimento técnico na produção.

            De início, nenhuma restrição poderia ser perpétua. O limite de tempo estaria, em primeiro lugar, na duração do valor econômico-concorrencial do know how, em particular de seu segredo. Depois, haveria um limite razoável, que poderia ser configurado, como já se fez acima, pelo espaço de tempo necessário para criação autônoma da mesma tecnologia pelo recipiente, ou pelo período requerido para assegura a devida vantagem concorrencial ao suprido. O último prazo, como visto, é, segundo legislação brasileira a um termo de cinco anos. Por fim, haveria o prazo limite, que não deveria ser superado; a soma do termo contratual com as restrições subseqüentes não deveriam ultrapassar o período de duração normal de uma patente correspondentes.

            A escassez de recursos nos países do Terceiro Mundo aliada às limitações do mercado de suas empresas, leva a que pouca criação tecnológica se faça neles. Assim, a vantagem que os direitos de patentes usufruem, sobre os direitos ao sigilo – eliminar os efeitos econômicos da pesquisa autônoma – não existe.; subsiste, indefinidamente, o monopólio de fato, onde o monopólio de direitos seria limitado no tempo. Assim, o pacto ou cláusula de cessação de uso contribui decisivamente para perpetuação do monopólio, mesmo quanto o segredo é transmitido. Nestas condições, o efeito da tecnologia não patenteada é muito mais anti-social do que o das patentes.

            Note-se que o sistema de transferência de know how contribui, de certa forma, para divulgar novas tecnologias. Os relatórios de patentes, para fundamentar as reivindicações, devem descrever os limites externos da invenção. Mas a seleção e combinação da massa de informações tecnológicas à disposição ou em domínio público já é, por si só, um feito que poucas empresas de países em desenvolvimento podem alcançar. Os "meios práticos", os segredos, os dados implícitos nos relatórios, mas evidentes só para os mais próximos competidores do titular da invenção, nada disto está acessível ao empresário do Terceiro Mundo.

            De outro lado, a substituição de importações faz com que o empresário dos países em desenvolvimento, ao invés de criar seu próprio mercado, como o faz o inventor, deva herdar mercados alheiros; e isto é mais flagrante quanto a substituição se faz numa economia incipiente de mercado, numa estrutura social desigual com segmentos voltados ao consumismo e sob o encanto de padrões exógenos. Os níveis de engenharia, mesmo os excessivos para as característica do seu mercado, também estão enraizados na experiência do tecnólogo do país em desenvolvimento, que reluta em aceitar desempenho e confiabilidade em índice inferior ao que está acostumado.

            A tais fatores tecnológicos e psicológicos se somam as deficiências proverbiais do Terceiro Mundo em capital, pessoal, capacidade gerencial, para não falar nas questões sociais. O poder econômicos das empresar já no mercado é um obstáculo final, e não o menor.

            É em tal contexto que a cláusula ou pacto de cessação de uso se torna especialmente inaceitável. Todavia a manifestação de poder de domínio da supridora sobre a recipiente é desmesurada, e se exerce criando dificuldades ao desenvolvimento da empresas, numa proporção que recai sob o art. 2º, I, "g", da lei 4.137/62. Não se acha, além disto, dentro da competência de um órgão cuja fundação é o de regular a transferência de tecnologia segundo os objetivos de desenvolvimento econômico do país a averbação de um contrato que preveja a interrupção do uso de uma tecnologia produtiva, útil, e de que o recipiente já dispõe.

            Assim, sob a lei brasileira, em nenhuma circunstância é razoável a prática de cessação de um know how transferido, quando a subsidiária a um acordo ou situação onde a recipiente deva usar da tecnologia para seus próprios fins econômicos. Não vale, quanto á prática, os parâmetros de licitação derivados da perspectiva puramente concorrencial de que falávamos pouco acima.

            Há, no entanto, três exceções a esta regra geral. Objeta-se que o recipiente, após obter a utilização econômica da tecnologia para seus fins próprios abandone o conhecimento incorporado ao seu processo produtivo; mas é coisa diversa a situação em que se repassa a tecnologia como um meio para que um subcontratante realize funções dependentes sob o controle do contratante principal ou quando, por empreitada, um cento de pesquisa se disponha a aperfeiçoar ou a desenvolver uma tecnologia. Nestas circunstâncias, é válido que se pactue a cessação de uso, pois a transferência não foi efetuada para os fins próprios da recipiente temporária, e paga por esta; ao contrário, recebe esta a tecnologia como um subcontratante de tecidos recebe os padrões de sua encomenda sem deles adquirir a propriedade (32).

            A segunda hipótese onde é lícito pactuar a cessação de uso é nos contratos de teste, onde uma recipiente se propõe a conservar um segredo de empresa transmitido sob condição, para que se verificasse a vantagem da aquisição ou "locação" da tecnologia. Como tal, é um instrumento útil para aumentar a capacidade de opção do recipiente entre várias tecnologias alternativas, ou no caso de tecnologias novas, de provar seu valor econômico.

            O terceiro caso consiste na resolução do contrato, seja por impossibilidade, seja por inadimplemento, ou da resilição no caso de falência, concordata, ou extinção do recipiente (33).

            O transpasse de know how se faz como uma obrigação de fazer e, quanto ao suporte físico da informação (papéis, fitas, desenhos), uma operação de dar. Se a resolução do contrato se dá seus efeitos serão "ex tunc", desfazendo-se todo o ajuste desde o início, e retornando-se ao "status quo ante" – esta é a regra.

            Assim, como ocorre sempre que a obrigação é de fazer, e não se pode desfazer (descantar uma ópera, anular o patrocínio de uma causa) o contrato, quanto a esta modalidade de suas obrigações, é extinto "ex nunc" (34), cabendo perdas e danos para indenizar o dano culposo, ou a ação "in rem verso" para repor a situação no seu equilíbrio jurídico, no caso de inadimplemento involuntário.

            Mas, como já se viu, a obrigação de comunicação de know how presume uma certa cessão de clientela, potencial ou real, aquela que deflui da parcela do aviamento em que se construiu o objeto transferido. É esta parte do contrato que se pretende atingir pela extinção; é, remontando uma vez mais a "Commons, o valor da troca do know how, o seu potencial de reditos que a cessação de uso visa alcançar. E, se não se pode descomunicar, pode-se suprimir a reditibilidade da tecnologia comunicada, por uma vedação do uso.

            Desde que prevista para sancionar o inadimplemento total culposo, ou a não execução involuntária, total e irreversível a cessação de uso pode ser admitida, se não for um mecanismo indevido para legitimar a prática abusiva de que se falou acima. Pode ocorrer o mesmo no caso de resilição como resultado de falência ou concordata.

            Os contratos bilaterais não são, em princípio, afetados nem pela falência nem pela concordata (art. 43 e 165 da Lei de Falência). De outro lado, não é raro que se pactue a resilição do contrato por ocasião de um ou outro evento, principalmente quanto as obrigações são constituídas "intuitu personae", e a saúde econômica da empresa é elemento essencial para assegurar a bilateralidade do sinalagma. Mas não é o simples pedido de concordata preventiva ou a solicitação de falência ou qualquer outra coisa, resultar uma situação que torne irrazoável a continuação do acordo.

            O perecimento da parte, quando não possa ser transferido o contrato, ocasiona a cessação do vínculo; mas a hipótese, que pressupõe a impossibilidade de sucessão, será melhor tratada abaixo, quando estudarmos as restrições à cessão da posição contratual.

            Todas estas ocasiões em que se licita a cessação do vínculo, "a fortiori" se estará aceitando o pacto ou cláusula de não comunicação, pois não seria admissível deixar de usar para salvaguardar o interesse juridicamente protegido de alguém, e, ao mesmo tempo, possibilitar o mesmo uso por terceiros, com lesão ao interesse em questão.

            A cessação de uso, fora das três hipóteses que a justificam, é uma prática inaceitável do teor do art. 126 do Código de Propriedade Intelectual c/c o § único do art. 2º da lei 5.648/70, constituindo-se, também, em uma eliminação parcial e irrazoável da concorrência, sob o art. 2º, I, "a", da lei 4.137/62 ou, ainda, se configurada a situação de dominância do mercado nacional de produtos finais ou de tecnologia, uma forma abusiva de exercício do poder econômico, em desfavor do desenvolvimento de empresa, sob a letra "g" do mesmo artigo e inciso, em maneiras contrárias aos objetivos nacionais de desenvolvimento. É também razoável a capitulação na alínea "l" do mesmo inciso, havendo cessação parcial de atividade, com eliminação irrazoável de concorrência.

            Não se deve, por fim, descartar a hipótese de haver, na cessação de uso, um ajuste com o fim de impedir ou dificultar, para o efeito do aumento arbitrário de lucros, a concorrência em matéria de produção, transporte ou comércio, que preencha o crime do art. 3º, III da lei 1.521/51.

            É com este fundamento e matrizes legais que preceitua o item 2.6.2.b(iii) do NA-15 (patentes), 4.5.2.b(vi) e 5.5.2b(vi) know how) e 6.5.2.b (serviços).

            4.6.Pagamento após a expiração

            O art. 30, § único, "c" e o art. 90, § 4º "c" da lei 5.772/71 proíbem o pagamento de royalties após a expiração da patente ou da marca, ou enquanto pender processo ou procedimento administrativo de nulidade, revisão ou cancelamento do direito de propriedade industrial. Neste último caso, entenda-se, não fica o licenciado desobrigado de verter royalties, mas tão somente de pagá-los ao titular contestado, devendo depositar o montante.

            O perecimento do direito, cujo uso é objeto do contrato, torna inexigível o pagamento de royalties subseqüentes e tira o amparo legal de qualquer restrição à atividade econômica dos concorrentes. Tal pressuposto jurídico seria suficiente para configurar a ilicitude de uma disposição que previsse a continuação das obrigações para além do prazo de validade do direito de propriedade industrial.

            Mas, como em especial no caso de patentes, a transitoriedade do direito exclusivo é essencial á finalidade de sua constituição, ter-se-ia, na disposição em análise, um exemplo claro de abuso do privilégio, em franca oposição ao disposto no art. 2º da lei 5.648/72. Não poderia o INPI, mesmo sem as disposições expressas do Código de Propriedade Industrial, averbar ou consentir em licenças prevendo a prorrogação da obrigação além do direito, que é seu objeto material.

            Deve-se distinguir, no entanto, o pagamento, como extinção de uma obrigação, da geração desta mesma obrigação. Calculado o "royalty" sobre a produção, a venda, ou o lucro, pode ocorrer que o pagamento se dê licitamente após a expiração do privilégio ou registro, se referir-se a fato anterior a tal extinção. Fabricou-se produto protegido por privilégio em vigor, sob licença de seu titular; o uso do privilégio deu-se na fabricação e os "royalties" são devidos ainda que, após o fato, haja expirado o direito exclusivo. O mesmo ocorre nos sistemas que, contrariamente ao brasileiro, admitirem o pagamento de licenças de know how por "lum sum".

            Valem, desta forma, para a exigência de "royalties" após a expiração do privilégio ou registro, as mesmas considerações já feitas a propósito das restrições posteriores ao termo do direito exclusivo.

            Cabe ainda, salientar que o know how é pago pelo seu valor concorrencial; uma vez extinto o segredo, tornando o conhecimento acessível a todos os concorrentes efetivos e potenciais, dificilmente se conceberia a razão do dever jurídico de pagar pelo uso de algo que pereceu economicamente. Como ocorre no caso da licença de direitos exclusivos, o objeto material da obrigação (que não é o conhecimento técnico, mas a vantagem concorrencial ou possibilidade de entrar na atividade econômica em questão) se extingue, contaminando o próprio vínculo. (35)

            É certo que a ocorrência da perda de segredo não é um fato comum, mormente quando se sabe que grande parcela do know how

            De outro lado, tratando-se de uma vantagem resultante de uma situação de fato, a obrigação de pagar pode ser extinta pela perda da natureza econômica do know how. O fornecimento das informações necessárias para produzir um determinado motor, de grande potência e grande consumo de combustível, perde sua razão de ser, se o mercado passa a consumir motores de baixo consumo.

            Quando o pagamento de know how está necessariamente vinculado à produção, venda ou lucro, tais problemas não ocorrem: é o caso do sistema normativo brasileiro. Mas, se o pagamento é fixo, não ligado à exploração econômica efetiva das informações técnicas, então se aplica o raciocínio acima desenvolvido, para vedar a cláusula que estipule obrigações gerando pagamentos, após a perda da utilidade econômica do objeto contratual.

            Mais uma vez é preciso ter-se em conta que o pagamento, por vezes é devido em data diversa da geração da obrigação. Se a quebra do sigilo se deu em determinada época, com extinção do valor econômico do know how, não se tornam indevidos os pagamentos relativos á vantagem obtida em momento anterior.

            Assim considerando, serão inaceitáveis as cláusulas que prescrevam a continuação da obrigação de pagamento após a perda do sigilo do know how, de forma a retirar-lhe todo valor econômico, ou após o mesmo efeito se tenha dado, por qualquer outra causa.. Evidentemente, se todas as demais competidores efetivos ou potenciais já dispõem da informação em causa, ou se, por outras razões, o know how é irrelevante, o pagamento significaria uma restrição à atividade econômica do recipiente a qual não encontraria justificativa racional. (36)

            O mesmo se pode dizer das restrições estipuladas para dura além deste momento em que o objeto material do acordo perece. As restrições à concorrência como já se viu, são aceitáveis dentro da tradição jurídica brasileira, se estão limitadas em tempo, espaço, extensão e objeto, se são acessórias a um negócio jurídico principal, se são necessárias para atender um interesse de qualquer das partes, e se não infringem a lei ou o interesse juridicamente protegido de terceiros. Ora, se o principal parece, segue-lhe o acessório.

            Esta condição se reflete tanto na esfera concorrencial quanto "a fortiori", na proteção das economias em desenvolvimento; e não será compatível com o imperativo do art. 2º da lei 5.648/70 a cláusula ou prática de que decorra um embaraço ao desenvolvimento econômico do país: é insuscetível, pois, o contrato que preveja tal disposição.

Sobre as autoras
Heloisa Helena de Almeida Portugal

mestranda em Direito Negocial, na área de concentração Mercosul e Direito Comunitário, da Universidade Estadual de Londrina

Maria de Fátima Ribeiro

professora de graduação e mestrado da Universidade Estadual de Londrina (PR), doutora em Direito Tributário pela PUC/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PORTUGAL, Heloisa Helena Almeida; RIBEIRO, Maria Fátima. O contrato internacional de transferência de tecnologia no âmbito da OMC. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 380, 22 jul. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5469. Acesso em: 16 nov. 2024.

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